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DEDUÇÃO CAPÍTULO X

NATURAL

1. Método de
derivação
2. Regras de
inferência v áli da
3. Regras de
subs tituição
4. Prova condicional
5. Prova indirecta ou
redução ao absurdo
6. Erros na aplicação
Honore Daumier, Jogadores de Xadrez
das regras de (detalhe)
dedução natural
7. Actividades

O que vais aprender neste capítulo?

Neste capítulo vais estudar um método de inferência que é muito semelhante ao modo
como racionamos na vida quotidiana. Na secção 1, irás aprender como esse método
funciona. Nas secções 2 e 3, aprenderás as suas principais regras; e nas secções 4 e 5,
duas regras suplementares que facilitam a sua aplicação. Na secção 6 irás conhecer
alguns erros que são muito comuns e que deves aprender a evitar. Por fim, na secção 7
encontrarás um conjunto de actividades que te permitirão treinar a sua aplicação.

1. Método de derivação

Estudaste no capítulo anterior o modus ponens e o modus tollens. O modus ponens e o modus
tollens são regras de inferência válida, o que significa que quando usamos qualquer um deles, se
as premissas forem verdadeiras, a conclusão não pode ser falsa. Saber que o modus ponens e o
modus tollens são regras de inferência válida facilita-nos muito a vida quando os usamos para
fazer argumentos, pois, nesse caso, temos apenas de nos preocupar com a verdade das nossas
premissas para que os nossos argumentos sejam sólidos. Ainda que, ao argumentarmos, usemos

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com frequência o modus ponens e o modus tollens, os nossos argumentos são normalmente mais
complexos. Por exemplo, podemos usar o modus tollens para fazer um argumento do tipo

Se comprar umas calças, compro uma camisola.


Ora, não compro uma camisola.
Logo, não compro umas calças.

Mas o mais comum quando raciocinamos é que um raciocínio como este seja apenas um dos
raciocínios de uma cadeia de raciocínios mais vasta. Imagina que alguém te diz o seguinte:

Estou indeciso entre comprar umas calças e uma camisola. Por outro lado, se
comprar uns ténis, compro um cinto e, se comprar uma camisola, compro um ca-
saco. Mas o melhor é nem comprar umas calças nem comprar um cinto. Logo,
não compro uns ténis e compro um casaco.

Claro que és capaz de saber se este argumento é válido. Basta formalizá-lo e fazer um inspec-
tor de circunstâncias, coisas que já aprendeste a fazer. Há, no entanto, uma dificuldade de mon-
ta. Como o argumento tem cinco proposições simples, a que correspondem cinco letras proposi-
cionais, o teu inspector de circunstâncias vai ter trinta e duas linhas! Isto não só significa que
vais ter muito trabalho e demorar imenso tempo para determinar se o argumento é ou não váli-
do, como também que corres o sério risco de cometer erros. Há algum modo menos trabalhoso
de saber se este argumento é válido?

O processo de derivação
Há um modo que é, ao mesmo tempo, menos trabalhoso e mais próximo da forma como nor-
malmente raciocinamos, uma vez que, normalmente, ao raciocinarmos tentamos deduzir a con-
clusão das premissas. Daí que seja comum chamar-lhe método de dedução natural, embora al-
guns lógicos também lhe chamem método sintáctico, por recorrer apenas à sintaxe dos argumen-
tos e não, como nos inspectores de circunstâncias, a que às vezes se chama também método se-
mântico, ao valor de verdade das proposições.
Como é que este método funciona? Como já dissemos, o processo consiste em fazer derivar
das premissas a conclusão do argumento. Contudo, não é possível fazer esta derivação directa-
mente, isto é, não é possível obter a conclusão usando apenas as premissas do argumento. As-
sim, recorre-se a formas válidas muito simples (a que chamaremos daqui em diante regras de
inferência) para derivar das premissas outras fórmulas. Estas fórmulas, por sua vez, vão funcio-
nar como premissas e ser usadas para, aplicando novamente regras de inferência, derivar novas
fórmulas. E assim, sucessivamente, até se derivar a conclusão do argumento. Por exemplo: supo-

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nhamos que um argumento tem várias premissas, entre as quais ‘P ® Q’ e ‘P’. Destas premissas
deriva-se ‘Q’ por intermédio de um modus ponens. ‘Q’, que é a conclusão do modus ponens, é
usada, por sua vez, como premissa para derivar uma nova fórmula. Este processo repete-se tan-
tas as vezes quanto as necessárias para derivar a conclusão do argumento. Como cada um destes
passos é em si mesmo um argumento válido, toda a derivação é também um argumento válido e
constitui uma prova de que o argumento original é válido.
Apesar das vantagens óbvias deste processo quando se trata de provar a validade de argumen-
tos com muitas letras proposicionais, a dedução natural tem o inconveniente de não permitir
provar, quando é esse o caso, que um argumento é inválido. O facto de não conseguirmos provar
que um argumento é válido não significa que provámos que seja inválido. Significa, no máximo,
que, no quadro do sistema de regras que estamos a usar, não é possível provar a sua validade, o
que pode ser devido à nossa inabilidade ou ao facto do argumento ser efectivamente inválido.
Numa situação destas, para sabermos se o argumento é válido ou inválido temos de fazer um ins-
pector de circunstâncias. Apesar desta limitação, o sistema de dedução natural que vamos estu-
dar em seguida é completo, isto é, qualquer argumento cuja validade possamos demonstrar por
intermédio de inspectores de circunstância podemos também demonstrar por intermédio da de-
dução natural.
Para provar que o nosso argumento é válido começamos por separar as afirmações por linha
de modo a tornar mais fácil a visualização dos passos que vamos dar.

Estou indeciso entre comprar umas calças e uma camisola.


Por outro lado, se comprar uns ténis, compro um cinto e, se comprar um camisola, com-
pro um casaco.
Mas o melhor é nem comprar umas calças nem comprar um cinto.
Logo, não compro uns ténis e compro um casaco.

Apresentado deste modo, é fácil constatar que o argumento é constituído por três premissas e
uma conclusão. A primeira premissa que parece ser uma conjunção é, na verdade, uma disjun-
ção, pelo que a expressaremos melhor se escrevermos:

Compro umas calças ou compro uma camisola.

A segunda premissa também pode ser transcrita de uma forma que torne mais perceptível de
que proposição complexa se trata:

Se comprar uns ténis, compro um cinto e, se comprar uma camisola, compro um casaco.

Torna-se imediatamente visível que estamos perante uma conjunção de implicações. A tercei-
ra premissa é também uma conjunção:

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Não compro umas calças e não compro um cinto.

A quarta linha é a conclusão do argumento:

Logo, não compro uns ténis e compro um casaco.

Reescrito, o nosso argumento tem o seguinte aspecto:

Compro umas calças ou compro uma camisola.


Se comprar uns ténis, compro um cinto e, se comprar uma camisola, compro um casaco.
Não compro umas calças e não compro um cinto.
Logo, não compro uns ténis e compro um casaco.

O passo seguinte consiste na formalização do argumento. Para isso temos de fazer a interpre-
tação e atribuir letras proposicionais a cada proposição simples que entra nele. Assim, podemos
escrever

P: Compro umas calças.


Q: Compro uma camisola.
R: Compro uns ténis.
S: Compro um cinto.
T: Compro um casaco.

e expressar o nosso argumento por intermédio do seguinte sequente sintáctico:

P Ú Q, (R ® S) Ù (Q ® T), ØP Ù ØS  ØR Ù T

Os sequentes sintácticos, tal como os sequentes semânticos, servem para representar formas
de argumentos. No entanto, como agora já não estamos a utilizar o valor de verdade das premis-
sas e da conclusão para determinar a validade dos argumentos, como fizemos quando estudámos
os inspectores de circunstâncias, mas sim a relação formal entre as premissas e a conclusão, isto
é, a estrutura sintáctica dos argumentos, em vez do martelo semântico (‘‘’) utilizamos o marte-

lo sintáctico (‘’) e chamamos à expressão resultante sequente sintáctico. A forma usual de

apresentar um sequente sintáctico quando queremos verificar a sua validade é a seguinte:

1. P Ú Q Premissa
2. (R ® S) Ù (Q ® T) Premissa
3. ØP Ù ØS Premissa
4. ØR Ù T Conclusão

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Por razões que a seguir se tornarão óbvias, é também costume numerar todos os passos de
uma prova. Façamos agora a demonstração da validade do argumento, isto é, provemos que ‘ØR
Ù T’ deriva das premissas usando apenas regras válidas. As premissas do argumento são:

1. P Ú Q Premissa
2. (R ® S) Ù (Q ® T) Premissa
3. ØP Ù ØS Premissa

Podemos começar por eliminar a conjunção na linha 3. Isso permite-nos escrever:

4. ØP 3, Simp.

Repara que à direita da expressão obtida escrevemos a regra que aplicámos (neste caso, a re-
gra da simplificação) e a linha a que foi aplicada (3). Uma vez dado este passo, podemos fazer
um silogismo disjuntivo e obter:

5. Q 1, 4, SD

Aqui, tal como para o passo anterior, além de indicarmos com ‘SD’ qual a regra que aplicámos
também indicámos as linhas a que foi aplicada. Neste caso, a referência é à linha 1 e à linha 4,
uma vez que elas constituem as duas premissas do silogismo disjuntivo que fizemos.
Para avançar, temos de voltar a eliminar a conjunção, desta vez da linha 2. Tanto podemos
eliminar a conjunção para obter ‘R ® S’ como para obter ‘Q ® T’. No entanto, pelo menos para
já, o que nos interessa é obter ‘Q ® T’, uma vez que, juntamente com a linha 5 nos permite
aplicar a regra do modus ponens e derivar ‘T’. O resultado da aplicação da regra da simplificação
à linha 2 é:

6. Q ® T 2, Simp.

Estamos agora em condições de aplicar a regra do modus ponens às linhas 6 e 5 e obter:

7. T 6, 5, MP

‘T’ é uma das proposições que entram na conclusão. Temos agora de obter ‘ØR’, a outra pro-
posição que entra na conclusão. Para isso, voltamos a aplicar a regra da simplificação, desta vez
às linhas 2 e 3. As linhas que resultam destas operações são as seguintes:

8. R ® S 2, Simp.

5
9. ØS 3, Simp.

É-nos agora possível fazer um modus tollens e derivar:

10. ØR 8, 9, MT

Na posse das duas proposições simples que entram na conclusão, podemos agora aplicar a re-
gra da conjunção e obter a conclusão do nosso argumento:

11. ØR Ù T 10, 7, Conj.

Juntemos todos os passos para termos uma visão de conjunto da forma como derivámos a
conclusão das premissas:

1. P Ú Q
2. (R ® S) Ù (Q ® T)
3. Ø P Ù ØS /ØR Ù T
4. ØP 3, Simp.
5. Q 1, 4, SD
6. Q ® T 2, Simp.
7. T 6, 5, MP
8. R ® S 2, Simp.
9. ØS 3, Simp.
10. ØR 8, 9, MT
11. ØR Ù T 10, 7, Conj.

Vista assim, a prova que fizemos parece enorme — tem oito passos além das premissas —, mas
é substancialmente menor do que o inspector de circunstâncias correspondente e, como poderás
constatar em seguida, é o resultado da aplicação de regras muito simples. Repara que, na linha
3, além de enunciarmos uma premissa do argumento (‘ØP Ù ØS’), indicamos também, com o au-
xílio de uma ‘/’, a conclusão a derivar das premissas: ‘ØR Ù T’.

2. Regras de inferência válida


Como vês, usámos regras que ainda não conheces. É altura de as enunciar. É comum dividir as
regras usadas na dedução natural em regras de inferência e regras de substituição. As primeiras
são assim designadas porque cada uma delas constitui uma forma simples de argumento válido
em que as premissas implicam a conclusão; e as segundas, porque permitem substituir uma fór-
mula por outra que lhe é logicamente equivalente.

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REGRAS DE INFERÊNCIA

Modus ponens (MP) Modus tollens (MT)


A®B A®B
A ØB
B ØA

Silogismo hipotético (SH) Silogismo disjuntivo (SD)


A®B AÚB ou AÚB
B®C ØA ØB
A®C B A

Dilema construtivo (DC) Simplificação (Simp.)


(A ® B) Ù (C ® D) AÙB ou AÙB
AÚC A B
BÚD

Conjunção (Conj.) Adição (Adic.)


A A
B AÚB
AÙB

Todas as regras do quadro acima são regras válidas de inferência, coisa que podes comprovar
fazendo um inspector de circunstâncias. As primeiras duas regras, o modus ponens e o modus
tollens, já são tuas conhecidas, pelo que não é necessário qualquer explicação adicional. O silo-
gismo hipotético permite deduzir um enunciado condicional a partir de dois outros enunciados
condicionais usados como premissas. O silogismo disjuntivo permite dividir uma disjunção. O
dilema construtivo é, aparentemente, uma regra mais complicada, mas tudo fica mais fácil se
tiveres em conta que se trata de uma regra que associa dois modus ponens. Na primeira premissa
afirma-se que, se tivermos A, temos B e, se tivermos C, temos D. Como na segunda premissa se
afirma que temos A ou C, segue-se por modus ponens que temos B ou D, o que é afirmado na
conclusão. As três regras seguintes são também muito fáceis de perceber. A simplificação permi-
te obter a partir de uma conjunção uma das suas conjuntas, com base no facto de que se duas
proposições são em conjunto verdadeiras, cada uma delas é verdadeira separadamente. A con-
junção permite juntar numa única linha proposições afirmadas separadamente em diferentes
linhas. E a adição permite que associemos a qualquer proposição verdadeira qualquer outra pro-
posição que escolhamos. Isto pode parecer estranho, mas se nos lembrarmo-nos de que basta
que um dos termos de uma disjunção seja verdadeiro para que uma disjunção seja verdadeira,
percebemos que esta regra é válida. Sempre que a conclusão de um argumento contém uma le-

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tra proposicional que não está presente em nenhuma premissa, devemos usar a adição para in-
troduzir a letra que falta. A adição é a única regra de inferência que pode introduzir letras no-
vas.
Há um cuidado adicional que precisas ter ao usar estas regras. Trata-se de ter em conta que
A, B, C e D são variáveis de fórmula e que, por isso, indicam apenas o lugar ocupado por qual-
quer proposição simples ou complexa nas fórmulas que constituem uma dada regra. Assim, por
exemplo, quer

P®Q (P Ú Q) ® ((P Ù R) « S)
quer
P PÚQ
Q (P Ù R) « S

são instâncias do modus ponens. Isto significa que quaisquer fórmulas, simples ou complexas,
que respeitem a estrutura de um modus ponens, por muito diferentes que na aparência possam
ser umas das outras, podem ser usadas para fazer um modus ponens. Passa-se algo semelhante
com todas as outras regras de inferência que apresentámos.

E XERCÍCIOS RESOLVIDOS
1. 2.
1. P ® Q 1. P Ú Q
2. Q ® R 2. P ® Q
3. P /R 3. ØQ /Q
4. P ® R 1, 2, SH 4. ØP 2, 3, MT
5. R 4, 3, MP 5. Q 1, 4, SD
3. 4.
1. P Ù S 1. P ® (Q Ú R)
2. P ® Q 2. (ØP Ú ØR) ® S
3. Q ® R /R 3. Ø(Q Ú R) / S Ù ØP
4. P 1, Simp. 4. ØP 1, 3, MT
5. Q 2, 4, MP 5. ØP Ú ØR 4, Adic.
6. R 3, 5, MP 6. S 2, 5, MP
7. S Ù ØP 6, 4, Conj.

A CTIVIDADES
Justifica, usando as regras de inferência, os passos das provas seguintes.

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1. 2.
1. M ® N 1. M ® N
2. ØN Ù M / ØM Ù ØN 2. O Ú M
3. ØN ______________ 3. ØO Ù P / N
4. ØM ______________ 4. ØO ______________
5 ØM Ù ØN _____________ 5. M ______________
6. N ______________

3.
4.
1. M Ú N
1. M ® N
2. O ® ØM
2. ØO Ù P
3. O Ù P /NÚQ
3. N ® O / ØM Ù P
4. O ______________
4. M ® O _____________
5. ØM ______________
5. ØO ______________
6. N ______________
6. ØM ______________
7. N Ú Q _____________
7. P ______________
8. ØM Ù P _____________
Prova, usando as regras de inferência, que os seguintes sequentes sintácticos representam argumentos válidos.
1. MÙNNÚO
2. M ® N, O Ú ØN, ØO  ØM
3. M Ú N, ØM Ù P, N ® O  O
4. (M ® N) Ù (O ® P), ØN Ù M  P
5. M ® N, O Ú ØN, ØO Ù P  ØM Ù P
6. M ® N, ØO, N ® O, ØØM  P
7. (M ® N) Ù (O ® P), M, Ø(N Ú P)  ØQ Ù M
8. M ® (N ® O), M Ù N, M ® (O ® P)  P
9. (M ® N) Ù (N ® O), N ® ØP, ØØP Ù M  ØM Ù ØN
10. M ® (N Ù O), N ® ØP, M Ù P, (ØP ® Q) Ù (R ® O)  Q Ú O

3. Regras de substituição
Como já sabes, além de regras de inferência há também regras de substituição. São regras
que permitem substituir uma fórmula ou uma parte de uma fórmula por outra que lhe é logica-
mente equivalente. Para expressarmos a equivalência lógica iremos usar o símbolo ‘º’. Isso signi-
fica que as fórmulas que se encontrem em cada um dos lados de ‘º’ têm o mesmo valor de ver-
dade, independentemente do valor de verdade das letras proposicionais que as constituem e que
são, portanto, permutáveis. Por exemplo, caso se justifique, podes substituir numa prova a ocor-
rência de ‘P’ por uma fórmula equivalente ‘ØØP’, ou vice-versa, recorrendo à regra da dupla
negação. As regras de substituição que iremos usar estão reunidas no quadro seguinte:

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REGRAS DE SUBSTITUIÇÃO

Leis de De Morgan (DeM) Comutatividade (Com.)


Ø(A Ù B) º (ØA Ú Ø B) (A Ù B) º (B Ù A)
Ø(A Ú B) º (ØA Ù Ø B) (A Ú B) º (B Ú A)

Associação (Assoc.) Distribuição (Dist.)


(A Ù (B Ù C)) º ((A Ù B) Ù C) (A Ù (B Ú C)) º ((A Ù B) Ú (A Ù C))
(A Ú (B Ú C)) º ((A Ú B) Ú C) (A Ú (B Ù C)) º ((A Ú B) Ù (A Ú C))

Dupla negação (DN) Contraposição (Cont.)


A º ØØA (A ® B) º (ØB ® ØA)

Implicação material (Impl.) Equivalência material (Equiv.)


(A ® B) º (ØA Ú B) (A « B) º ((A ® B) Ù (B ® A))
(A « B) º ((A Ù B) Ú (ØA Ù ØB))

Exportação (Exp.) Tautologia (Taut.)


((A Ù B) ® C) º (A ® (B ® C)) A º (A Ú A)
A º (A Ù A)

As leis de De Morgan (do nome do lógico do século XIX, Augustus De Morgan) estabelecem a
equivalência entre ‘É falso que A e B’ e ‘Não A ou não B’ e entre ‘É falso que A ou B’ e ‘Não A e
não B’. Estas leis podem ser resumidas assim: quando movemos a negação para dentro ou para
fora do parêntesis, a conjunção transforma-se em disjunção e vice-versa. A comutatividade
afirma que o sentido de uma conjunção ou de uma disjunção não é afectado pela ordem com que
são apresentadas as fórmulas que a compõem e, portanto, permite comutá-las, ou substituí-las
umas pelas outras, sem que isso afecte o seu sentido. A associação afirma que o sentido de uma
conjunção ou de uma disjunção não é afectado pelo lugar que os parêntesis ocupam nela quando
apenas uma mesma conectiva é usada, isto é, a forma como as fórmulas que compõem uma fór-
mula complexa são agrupadas pode ser mudada sem afectar o sentido da fórmula complexa. A
distribuição, quando se trata de uma conjunção de que uma das conjuntas é uma disjunção ou
de uma disjunção de que uma das disjuntas é uma conjunção, permite escrever uma fórmula
com cada uma das fórmulas que a compõem dentro de parêntesis ou, no caso de estar assim,
fazer o contrário. No primeiro caso, a fórmula complexa é distribuída por uma disjunção; no se-
gundo, por uma conjunção. Enquanto as regras da comutatividade e da associação se aplicam
apenas quando a mesma conectiva é usada em toda o enunciado, a distribuição aplica-se quando
uma conjunção e uma disjunção aparecem juntas num enunciado. A dupla negação afirma ape-
nas que pares de negações adjacentes podem ser ambos eliminados ou introduzidos sem afectar

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o sentido da fórmula. A contraposição é uma regra de aplicação simples que permite trocar os
lugares do antecedente e do consequente de uma condicional na condição de que se negue cada
um deles. A implicação material é menos óbvia do que a contraposição, mas pode ser ilustrada
colocando afirmações no lugar das letras proposicionais. Basta pensares um pouco para veres que
‘Se não fizeres os trabalhos de casa, não podes sair com os teus amigos.’ é logicamente equiva-
lente a ‘Fazes os trabalhos ou não podes sair com os teus amigos.’ A equivalência material tem
duas formulações. A primeira é a mesma que a da definição da bicondicional, que já estudaste. A
segunda recorre às duas condições em que uma bicondicional pode ser verdadeira: seja quando A
e B são ambas verdadeiras seja quando são ambas falsas. É esse o sentido de ‘((A Ù B) Ú (ØB Ù
ØA))’. A exportação afirma que o enunciado ‘Se A, então se B, então C’ é logicamente equiva-
lente a ‘Se A e B, então C.’ A regra da tautologia é óbvia. Permite eliminar redundâncias nas
disjunções e nas conjunções.

Vejamos agora alguns exemplos da aplicação conjunta das regras de inferência e das regras
de substituição.

Exemplo 1
1. P ® Ø(P Ú R)
2. P /Q

A prova completa é a seguinte:

1. P ® Ø(P Ú R)
2. P /Q
3. Ø(P Ú R) 1, 2, MP
4. ØP Ù ØR 3, DeM
5. ØP 4, Simp.
6. ØP Ú Q 5, Adic.
7. ØØP 2, DN
8. Q 6, 7, SD

A linha 7 é necessária, porque, em rigor, a negação de ‘ØP’ é ‘ØØP’ e não ‘P’. Assim, ‘P’ tem
de ser substituído por ‘ØØP’ para ser possível aplicar a regra do silogismo disjuntivo. Os casos
seguintes constituem exemplos de derivações incorrectas:

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ØA Ú B A Ú ØB A ® ØB

A B B

B A ØA

A forma correcta de proceder consiste em aplicar a regra da dupla negação, no primeiro caso,
a ‘A’ para obter ‘ØØA’ e, nos segundo e terceiro, a ‘B’, para obter a ‘ØØB’ e só depois aplicar as
regras, respectivamente, do silogismo disjuntivo e do modus tollens. Achamos a equivalência
entre ‘A’ e ‘ØØA’ e entre ‘B’ e ‘ØØB’ tão intuitiva que, com frequência, pensamos não ser pre-
ciso justificá-la. Contudo, temos de nos lembrar de que, para provarmos que a conclusão de um
argumento deriva das premissas, todos os passos de uma prova devem ser justificados.

Exemplo 2
1. P Ú (Q Ù R)
2. ØR Ù ØP /P Ù Q

Neste caso, a conclusão exige que obtenhamos ‘P’ e ‘Q’ em conjunto. O exame da primeira
premissa sugere que usemos a regra da distribuição como primeiro passo para o fazermos.

1. P Ú (Q Ù R)
2. ØR Ù ØP /PÙQ
3. (P Ú Q) Ù (P Ú R) 1, Dist.
4. P Ú R 3, Simp.
5. ØR 2, Simp.
6. P 4, 5, SD
7. P Ú Q 3, Simp.
8. ØP 2, Simp.
9. Q 7, 8, SD
10. P Ù Q 6, 9, Conj.

Exemplo 3
1. P ® (ØQ Ú R)
2. P Ù Q
3. ØS ® ØR /SÙQ

Aqui, o exame da primeira premissa sugere que comecemos por usar a regra da implicação
material aplicando-a ao consequente ‘ØQ Ú R’ e depois a regra da exportação. Eis a prova:

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1. P ® (ØQ Ú R)
2. P Ù Q
3. ØS ® ØR /SÙQ
4. P ® (Q ® R) 1, Impl.
5. (P Ù Q) ® R 4, Exp.
6. R 5, 2, MP
7. R ® S 3, Cont.
8. S 7, 6, MP
9. Q 2, Simp.
10. S Ù Q 8, 9, Conj.

Esta não é, contudo, a única forma possível de fazer a prova. Devido à equivalência entre
fórmulas, é, em muitos casos, possível usar um conjunto de regras, no todo ou em parte, dife-
rentes para chegar ao mesmo resultado. Embora ligeiramente mais trabalhosa do que a que aca-
bámos de apresentar, a prova seguinte serve para ilustrar este facto.

1. P ® (ØQ Ú R)
2. P Ù Q
3. ØS ® ØR /SÙQ
4. P 2, Simp.
5. ØQ Ú R 1, 4, MP
6. Q ® R 5, Impl.
7. Q 2, Simp.
8. R 6, 7, MP
9. R ® S 3, Cont.
10. S 9, 8, MP
11. S Ù Q 10, 7, Conj.

Em rigor, a possibilidade de processos alternativos de prova já existia (e deves ter-te dado


conta disso ao resolver alguns dos exercícios anteriores) quando dispúnhamos apenas das regras
de inferência para fazer derivações, mas o facto de, a partir de agora, dispormos de dezoito re-
gras em vez de apenas oito aumenta em muito essa possibilidade. Não devemos pensar que do
ponto de vista estritamente lógico haja alguma diferença entre estes processos alternativos.
Desde que as regras sejam usadas sem erros, isto é, desde que a prova seja válida, o número de
passos usados para a fazer não é relevante. No entanto, os processos com menos passos são mais
elegantes e devem, por esse motivo, ser preferidos.

E XERCÍCIOS RESOLVIDOS

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1. 2.
1. P Ú (Q Ù R) 1. Ø(P Ù Q)
2. Ø(R Ù Q) /PÚR 2. Ø(ØP Ú R) / ØQ
3. Ø(Q Ù R) 2, Com. 3. ØP Ú ØQ 1, DeM
4. P 1, 3, SD 4. ØØP Ù ØR 2, DeM
5. P Ú R 4, Adic. 5. ØØP 4, Simp.
6. ØQ 3, 5, SD

3. 4.
1. P Ú (Q ® S) 1. P ® (Q Ú R)
2. Ø(S Ú P) / ØQ 2. (ØP Ú ØR) ® S
3. ØS Ù ØP 2, DeM 3. Ø(Q Ú R) / S Ù ØP
4. ØP 3, Simp. 4. ØP 1, 3, MT
5. Q ® S 1, 4, SD 5. ØP Ú ØR 4, Adic.
6. ØS 3, Simp. 6. S 2, 5, MP
7. ØQ 5, 6, MT 7. S Ù ØP 6, 4, Conj.

A CTIVIDADES
Justifica, usando as regras de inferência e as regras de substituição, os passos das provas seguintes.
1. 2.
1. M ® N 1. M « N
2. ØN Ú P 2. M Ú N /MÙN
3. M /P 3. (M Ù N) Ú (ØM Ù ØN) ______________
4. N ______________ 4. (M Ù N) Ú Ø(M Ú N) ______________
5. ØØN ______________ 5. ØØ( M Ú N) ______________
6. P ______________ 6. M Ù N ______________

3. 4.
1. M ® (N ® O) 1. M ® N
2. P 2. O Ù M
3. ØP / ØM Ú ØN 3. N ® (O ® P) / ØØP
4. (M Ù N) ® O ______________ 4. M ______________
5. P Ú ØO ______________ 5. N ______________
6. ØO ______________ 6. O ® P ______________
7. Ø(M Ù N) ______________ 7. ØP ® ØO ______________
8. ØM Ú ØN ______________ 8. O ______________
9. ØØO ______________
10. ØØP ______________

14
Prova, usando as regras de inferência e as regras de substituição, que os seguintes sequentes sintácticos represen-
tam argumentos válidos.
1. M Ù (N Ú O), ØM Ú ØN  M Ù O
2. M Ú (N Ù O), ØN  M
3. (M ® N) ® Ø(M Ú O), (ØM Ù ØO) ® (O Ú P), Ø(O Ú P)  Ø(M ® N)
4. M « N, N « O  ØM Ú O
5. ØM Ú N, ØO ® ØN, M Ù P  O
6. ØM Ú N, ØN Ú M, Ø(M Ù N)  ØM Ù ØN
7. (M Ù N) ® O, ØO Ú P  ØN Ú (P Ú ØM)
8. (M ÙQ) ® ØN, O ® M, O Ù N  ØQ
9. M ® ((ØN Ù O) Ù P), O ® N, Ø(ØM Ú ØO)  ØO Ú Q
10. M ® (N Ú O), M Ù Ø(P Ú O), (ØN Ú O) Ú P  O

4. Prova condicional
A prova condicional é uma regra que permite derivar a conclusão ou um dos passos intermé-
dios de uma prova, de um modo que é normalmente mais simples e mais curto do que o método
que usámos até agora. Além disso, como há argumentos cuja conclusão não pode ser obtida
usando apenas as dezoito regras que já estudámos, é esta regra que torna o método de dedução
natural completo: qualquer argumento que possas provar que é válido por intermédio de inspec-
tores de circunstâncias também podes provar que é válido por intermédio das regras de inferên-
cia, das regras de substituição e da prova condicional.
O método da prova condicional consiste em assumir como premissa o antecedente da condi-
cional que pretendemos obter e, por um processo semelhante ao que temos usado, derivar, a
partir dessa hipótese e das premissas originais, o consequente numa linha subsequente, descar-
regando em seguida esta sequência de passos num enunciado condicional correspondente ao que
se pretende obter. Repara no exemplo seguinte:

1. (P Ú Q) ® ØR
2. (Q Ù S) ® R / P ® Ø(Q Ù S)

Como podes ver, neste caso, para derivar a conclusão do argumento seriam precisos nove pas-
sos e uma estratégia que é tudo menos óbvia:

1. (P Ú Q) ® ØR
2. (Q Ù S) ® R / P ® Ø(Q Ù S)
3. Ø(P Ú Q) Ú ØR 1, Impl.
4. (ØP Ù ØQ) Ú Ø R 3, DeM
5. (ØP Ú ØR) Ù (ØQ Ú ØR) 4, Dist.

15
6. ØP Ú ØR 5, Simp.
7. P ® ØR 6, Impl.
8. ØR ® Ø(Q Ù S) 2, Cont.
9. P ® Ø(Q Ù S) 7, 8, SH

Se, em vez disso, usarmos a regra da prova condicional, não só fazemos a prova em menos
passos — são necessários apenas sete passos — como, sobretudo, a estratégia se torna pratica-
mente evidente:

1. (P Ú Q) ® ØR
2. (Q Ù S) ® R / P ® Ø(Q Ù S)
3. P HPC
4. P Ú Q 3, Adic.
5. ØR 1, 4, MP
6. Ø(Q Ù S) 2, 5, MT
7. P ® Ø(Q Ù S) 3-6, PC

Na linha 3 introduzimos o antecedente da conclusão (‘P’) como hipótese e, usando as regras


que já estudámos, derivámos o consequente (‘Ø(Q Ù S)’). Uma vez isto feito, descarregámos a
sequência na linha 7. As linhas 3 a 6 encontram-se dentro de uma caixa para indicar a sua de-
pendência da hipótese introduzida na linha 3 e constituem aquilo a que se chama uma sequência
condicional.
Embora a prova condicional possa ser usada para obter qualquer fórmula numa prova, os ar-
gumentos que têm uma condicional como conclusão são aqueles que mais se prestam à sua apli-
cação. A fórmula a assumir como hipótese na primeira linha da sequência condicional tem de ser
o antecedente do enunciado condicional que queremos derivar. Por exemplo, se o enunciado que
pretendemos obter for ‘P ® Q’, devemos assumir ‘P’, mas se for ‘(P Ú Q) ® R’, devemos assumir
‘P Ú Q’. Esta linha é etiquetada com ‘HPC’ (Hipótese para Prova Condicional). Em seguida deri-
va-se o consequente do enunciado condicional que pretendemos obter. Para isso, usamos as re-
gras de inferência e de substituição como em qualquer outra prova. Uma vez obtido o conse-
quente, descarregamos a sequência condicional num enunciado condicional. O antecedente des-
te enunciado é a fórmula que aparece na primeira linha da sequência condicional e o consequen-
te a fórmula que aparece na última. Por exemplo, se ‘P’ é a primeira linha da sequência e ‘Q’ a
última, a sequência condicional é descarregada por ‘P ® Q’. Esta linha é etiquetada com ‘PC’
(Prova Condicional) e com os números que correspondem à primeira e à última linha da sequên-
cia. Depois de a sequência condicional ter sido descarregada, nenhum passo usado nessa sequên-
cia pode ser usado fora dela, a menos que seja obtido independentemente da sequência, a partir
das premissas originais da prova e dos passos entretanto deduzidos. Toda a sequência condicional
tem de ser descarregada.

16
Outros exemplos de aplicação da regra da prova condicional
Dissemos que a prova condicional pode ser usada para obter uma linha intermédia numa pro-
va. A derivação seguinte é disso exemplo.

1. P ® (Q Ù R)
2. S ® (T Ú U)
3. P Ú S
4. P Ú ØP / (P Ù Q) Ú (T Ú U)
5. ØP HPC
6. S 3, 5, SD
7. T Ú U 2, 6, MP
8. ØP ® (T Ú U) 5-7, PC
9. P HPC
10. Q Ù R 1, 9, MP
11. Q 10, Simp.
12. P Ù Q 9, 11, Conj.
13. P ® (P Ù Q) 9-12, PC
14. (P ® (P Ù Q)) Ù (ØP ® (T Ú U)) 13, 8, Conj.
15. (P Ù Q) Ú (T Ú U) 14, 4, DC

Tal como uma sequência condicional pode ser usada para obter um enunciado dentro de uma
prova directa, também pode ser usada dentro de outra sequência condicional. Eis um exemplo:

1. P ® (Q ® (R Ú ØS))
2. Q ® ØR / P ® (Q ® ØS)
3. P HPC
4. Q ® (R Ú ØS) 1, 3, MP
5. Q HPC
6. R Ú ØS 4, 5, MP
7. ØR 2, 5, MP
8. ØS 6, 7, SD
9. Q ® ØS 5-8, PC
10. P ® (Q ® ØS) 3-9, PC

E XERCÍCIOS RESOLVIDOS

17
1. 2.
1. (P Ú Q) ® R /P®R 1. P ® Q / P ® (Q Ú R)
2. P HPC 2. P HPC
3. P Ú Q 2, Adic. 3. Q 1, 2, MP
4. R 1, 3, MP 4. Q Ú R 3, Adic.
5. P ® R 2-4, PC 5. P ® (Q Ú R) 2-4, PC

3. 4.
1. P Ù (Q Ú R) / ØQ ® R 1. P ® ØQ / P ® (P Ù ØQ)
2. ØQ HPC 2. P HPC
3. Q Ú R 1, Simp. 3. ØQ 1, 2, MP
4. R 3, 2, SD 4. P Ù ØQ 2, 3, Conj.
5. ØQ ® R 2-4, PC 5. P ® (P Ù ØQ) 2-4, PC

A CTIVIDADES
Mostra, usando a prova condicional, que os seguintes sequentes sintácticos representam argumentos válidos.

1. M Ú (N Ù O)  ØO ® M
2. (M Ú N) ® O, O ® P  M ® P
3. M ® N, M ® O  M ® (N Ù O)
4. M ® (N Ú O), ØN Ù P  M ® O
5. M ® (ØN ® O), M ® ØN  M ® O
6. (M Ú N) Ù (O Ú P)  ØO ® (P Ù (M Ú N))
7. M ® (N Ù O), P ® (N Ù Q)  (M Ú P) ® N
8. M ® (N Ù O), ØN Ú P  M ® P

5. Prova indirecta ou redução ao absurdo


A prova indirecta é uma regra semelhante à prova condicional e, tal como esta, pode ser usa-
da para obter uma linha intermédia ou a conclusão de uma prova. Consiste em assumir como hi-
pótese a negação do enunciado que se pretende obter e derivar daí uma contradição, provando,
desse modo, a sua falsidade e, por consequência, a verdade do enunciado que se quer obter. A
ideia que está na base deste processo é a seguinte: qualquer proposição que implique uma con-
tradição é falsa. A prova indirecta é também conhecida como reductio ad absurdum (redução ao
absurdo) e tem uma relação próxima com o modus tollens. Supõe que uma qualquer proposição,
por exemplo, ‘ØP’, implica uma contradição. Isto pode ser enunciado assim:

ØP ® (Q Ù ØQ)

Como qualquer contradição é falsa, podemos escrever

18
Ø(Q Ù ØQ)

Se fizermos em seguida com estas duas fórmulas um modus tollens, obteremos ‘ØØP’ e, por
dupla negação, ‘P’. Uma vez que origina uma contradição, ‘ØP’ é falsa e, portanto, ‘ØØP’, isto
é, ‘P’ é verdadeira. Para perceberes melhor como funciona a prova indirecta presta atenção ao
seguinte exemplo:

1. P ® Q
2. P Ú R
3. Ø Q /R
4. Ø R HPI
5. P 2, 4, SD
6. Q 1, 5, MP
7. Q Ù ØQ 6, 3, Conj.
8. R 4-7, P.I.

Tal como na prova condicional, começámos por introduzir na linha 4 uma hipótese (‘ØR’), que
desta vez é a negação da proposição que pretendíamos obter, isto é, da conclusão (‘R’). Em se-
guida, etiquetámos esta hipótese com ‘HPI’ (Hipótese para Prova Indirecta) e colocámo-la, tal
como ao resto da sequência indirecta até ser descarregada, dentro de uma caixa. Depois, usando
as regras que estudámos anteriormente, deduzimos dessa hipótese uma contradição (‘Q Ù ØQ’).
Como toda a proposição da qual se deduz uma contradição é falsa, na linha 8 descarregámos a
sequência indirecta, afirmando a negação da hipótese (‘R’), que etiquetámos com PI, o acrónimo
para prova indirecta. O procedimento é idêntico para o caso em que o objectivo é obter uma
linha intermédia.

E XERCÍCIOS RESOLVIDOS

19
1. 2.
1. P ® Q 1. Ø(ØP Ù ØQ)
2. ØQ / ØP 2. ØP /Q
3. P HPI 3. ØQ HPI
4. Q 1, 3, MP 4. ØP Ù ØQ 2, 3, Conj.
5. Q Ù ØQ 4, 2, Conj. 5. (ØP Ù ØQ) Ù Ø(ØP Ù ØQ) 4, 1,
6. ØP 3-5, PI Conj.
6. Q 3-5, PI
3. 4.
1 P « ØQ / Ø(P Ù Q) 1. ØP ® (Q Ù R)
2. P Ù Q HPI 2. R ® ØQ /P
3. P 2, Simp. 3. ØP HPI
4. Q 2, Simp. 4. Q Ù R 1, 3, MP
5. (P ® ØQ) Ù (ØQ ® P) 1, Equiv. 5. R 4, Simp.
6. P ® ØQ 5, Simp. 6. ØQ 2, 5, MP
7. ØQ 6, 3, MP 7. Q 4, Simp.
8. Q Ù ØQ 4, 7, Conj. 8. Q Ù ØQ 7, 6, Conj.
9. Ø(P Ù Q) 2-8, PI 9. P 3-8, PI

A CTIVIDADES
Mostra, usando a prova indirecta, que os seguintes sequentes sintácticos representam argumentos válidos.

1. (M Ú N) Ù (M Ú ØN)  M
2. (M Ú N) ® ØM  ØM
3. ØM ® M  M
4. M ® N  Ø(M Ù ØN)
5. M ® (N Ù O), O ® ØN  ØM
6. ØM Ù ØN  M « N
7. ØM ® (N Ù ØO), N ® O  M
8. ØM ® N, O Ú (N Ù P), ØO Ú ØM  N

6. Erros na aplicação das regras de dedução

natural
Há alguns erros na aplicação das regras que deves evitar cometer. Eis alguns dos casos mais
frequentes:

Exemplo 1
1. P Ù (Q ® R)
2. Q
3. R 1, 2, MP

20
Isto constitui um erro porque as regras de inferência não podem ser aplicadas apenas a uma
parte de uma fórmula. Assim, não podemos fazer directamente um modus ponens para provar
‘R’. Neste caso, teríamos de aplicar primeiro a regra da simplificação à fórmula da linha 1 para
obter ‘Q ® R’ e depois usar esta fórmula juntamente com a da linha 2, para, por modus ponens,
chegar a ‘R’.

Exemplo 2
1. P Ú (Q Ù R)
2. Q 1, Simp.

Neste caso, ‘Q Ù R’ teria de ser primeiro obtido numa linha separada e só depois se poderia
aplicar a regra da simplificação.

Exemplo 3
1. P ® Q
2. P ® (Q Ú R) 1, Adic.

‘R’ tem de ser adicionado a toda a linha e não apenas ao consequente da condicional. A fór-
mula correcta, neste caso, seria ‘(P ® Q) Ú R’.

Exemplo 4
1. (P ® Q) Ù R
2. ØQ
3. ØP 1, 2, MT

Neste caso, é preciso obter primeiro ‘P ® Q’ numa linha separada. Só depois se pode fazer o
modus tollens.

Exemplo 5
1. P
2. P Ù Q 1, Conj.

Embora exista uma regra da conjunção, ela aplica-se sempre a duas fórmulas separadas, por
exemplo, ‘P’ e ‘Q’ para obter ‘P Ù Q’ ou a ‘P Ú Q’ e ‘R ® S’ para obter ‘(P Ú Q) Ù (R ® S)’ e
não, como é o caso no exemplo acima, apenas a ‘P’. O erro aqui cometido resulta de uma confu-
são da regra da conjunção com a regra da adição.

21
Exemplo 6
1. P Ú Q
2. P 1, Simp.

Isto é uma confusão com a regra da simplificação. Mas a regra da simplificação aplica-se a
conjunções e não a disjunções. Não há nenhuma regra semelhante para disjunções.

Exemplo 7
1. Ø(P Ú Q)
2. ØØP
3. Q 1, 2, SD

O erro desta inferência está associado a uma compreensão deficiente do âmbito do operador
negação. A negação na linha 1 não se aplica a ‘P’, mas a toda a fórmula que está dentro dos pa-
rêntesis, pelo que não é possível aplicar a regra do silogismo disjuntivo.

Exemplo 8
1. P ® Q
2. ØP
3. ØØP 2, DN
4. P 3, DN
5. Q 1, 4, MP

Embora este erro possa parecer evidente é cometido com frequência. É preciso ter sempre
presente que a aplicação da regra da dupla negação a uma fórmula nunca origina uma fórmula
com um valor de verdade diferente do valor de verdade da fórmula original. Isso, no entanto,
acontece neste exemplo. Se a fórmula ‘ØP’ da linha 2 é verdadeira, ‘ØØP’ é falsa e vice-versa.

Exemplo 9
1. P « Q
2. Q Ú P
3. (P ® Q) Ù (Q ® P) 1, Equiv.
4. (P Ù Q) Ú (ØP Ù ØQ) 1, Equiv.
5. (P Ù Q) Ú Ø(Q Ú P) 4, DeM
6. ØØ(Q Ú P) 2, DN
7. P Ù Q 5, 6, SD

Outra coisa que devemos evitar, embora não constitua propriamente um erro, é fazer infe-
rências ou substituições mortas, isto é, inferências ou substituições cujo resultado não seja a

22
conclusão da prova nem seja usado para fazer novas inferências, como acontece neste exemplo
com a equivalência estabelecida na linha 3. Como se pode ver pelas referências das linhas subse-
quentes, a linha 3 não é usada em nenhum passo da prova. Além de inúteis e de retirarem ele-
gância à prova, estas inferências tornam-na desnecessariamente mais longa.

E XERCÍCIOS RESOLVIDOS
1. 2.
1. P Ù (R ® Q) 1. Ø(P Ù Q)
2. ØQ / P Ù ØR 2. ØP ® R /R
3. ØR 1, 2, MT 3.ØP 1, Simp.
4. P 1, Simp. 4. R 2, 3, MP
5. P Ù ØR 4, 3, Conj.

O erro está na aplicação do modus tollens. As regras de O erro resulta de uma má compreensão do âmbito do
inferência não podem ser aplicadas a partes de fórmulas, operador negação. A negação na linha 1 aplica-se a ‘(P Ù Q)’
mas a toda a fórmula. e não a ‘P’ e a ‘Q’.
3. 4.
1. (P Ù Q) ® R 1. P ® (Q Ú R)
2. P /R 2. P
3. P Ù Q 2, Adic. 3. ØQ /R
4. R 1, 3, MP 4. R 1, 3, SD

O erro, neste caso, resulta de uma má aplicação da regra Primeiro dever-se-ia ter obtido ‘(Q Ú R) por modus ponens
da adição. Esta regra aplica-se a disjunções e não a conjun- aplicado às linhas 1 e 2 e só depois ter aplicado a regra do
ções. silogismo disjuntivo.
5. 6.
1. (P Ù Q) ® (R Ú S) 1. P ® (R Ù S)
2. (P Ù Q) Ù P /RÚS 2. P Ú R /RÙS
3. P 2, Simp. 3. P 2, Simp.
4. P Ù Q 2, Simp. 4. R Ù S 1, 3, MP
5. R Ú S 1, 4, MP

O erro aqui consistiu em aplicar a regra da simplificação O erro resulta da aplicação da regra da simplificação na
na linha 3 para obter ‘P’, que não vai ser usado no resto da linha 2 a uma disjunção. A regra da simplificação só se
prova. aplica a conjunções.

A CTIVIDADES
Explica os erros cometidos ao aplicar as regras de dedução natural em cada um dos exercícios seguintes.
1. 2.
1. M ® (N Ú O) 1. M ® N
2. M Ù N /O 2. ØM Ù O / ØN Ù O
3. M 2, Simp. 3. ØM 2, Simp.
4. N Ú O 1, 3, MP 4. ØN 1, 3, MT
5. N 2, Simp. 5. O 2, Simp.

23
6. O 4, 5, SD 6. ØN Ù O 4, 5, Conj.

3. 4.
1. M ® N 1. M Ù (N Ú O)
2. M Ù ØO / N Ú ØO 2. ØM Ù Ø(M Ú N) / N
3. M 2, Simp. 3. (M Ú N) Ù (M Ú O) 1, Dist.
4. N 1, 3, MP 4. M Ú N 3, Simp.
5. ØO 2, Simp. 5. ØM 2, Simp.
6. N Ú ØO 4, 5, Conj. 6. N 4, 5, SD

5. 6.
1. M ® (N Ù O) 1. ØM Ù O
2. M Ù ØO / ØN 2. Ø(M Ú N)
3. M ® (N ® O) 1, Exp. 3. O ® N / ØO
4. M 2, Simp. 4. ØM Ú ØN 2, DeM
5. N ® O 3, 4, MP 5. ØM 1, Simp.
6. ØO 2, Simp. 6. ØN 4, 5, SD
7. ØN 5, 6, MT 7. ØO 3, 6, MT

7. Actividades

Prova, usando as regras de inferência, que os seguintes sequentes sintácticos representam argumentos válidos.

1. M ® N, ØN  ØM Ú O
2. M ® (N Ù O), M  N
3. M ® ØN, M, M ® N  ØM
4. M ® N, ØP, N ® P  ØM
5. (M Ú N) Ù ØM, ØN  O
6. M ® N, O ® P, (M Ú O) Ù ØN  P
7. (M Ú N) Ù ØO, (O Ú P) Ù ØN  M Ù P
8. (M ® N) Ù (O ® P), (N ® O) Ù ØP  ØM
9. M Ú (N ® O), O ® P, Ø(N ® O) Ù ØM  P
10. (N ® O) Ù (P ® Q), M ® N, M Ù ØO  Q

Prova, usando as regras de inferência e as regras de substituição, que os seguintes sequentes sintácticos represen-
tam argumentos válidos.

1. Ø(M Ù N), M  ØN
2. Ø(M Ú N), M Ú N  N Ù ØM
3. ØM Ú N, M Ù ØN  N Ú O

24
4. (M ® O) Ù (N ® O), (O Ù N) ® M  N ® M
5. (M ® N) Ù (O ® P), (ØN Ú O) Ù ØP  M ® P
6. Ø(M Ù N) « O, Ø(O Ú N)  M Ù N
7. M ® (N Ú O), Ø(O Ú N) Ù M  N
8. Ø(ØN Ú ØM) Ú (ØM Ù ØN), (M « N) ® (O Ú P)  O Ú P
9. M Ù (N Ú O), ØN Ú ØM, (N ® O) ® (ØO Ú ØM)  ØO Ú ØM
10. ØM Ú N, ØO ® ØN, (ØO Ú M) Ù ØP  M « O

Prova, usando a prova condicional, que os seguintes sequentes sintácticos representam argumentos válidos.
1. M ® Ø(M Ú N)  M ® O
2. (M Ú O) Ù ØO  M
3 . M ® (N ® O), (N Ù O) ® P  M ® (N ® P)
4. (M ® N) Ù O, (N Ù O) ® M  N « M
5. M ® (N ® O)  (M ® N) ® (M ® O)
6. M ® N, O ® P  (M ® (N Ú P)) Ù (O ® (P Ú N))

Prova, usando a prova indirecta, que os seguintes sequentes sintácticos representam argumentos válidos.

1. (M Ú N) ® (O Ù P), O ® ØP  ØM
2. Ø(M Ú N)  ØM Ù ØN
3. (M Ù N) ® (O Ù P), N ® ØP  ØM Ú ØN
4. M ® N, M ® ØN, ØM ® (O Ú P), ØP  O
5. M ® (N Ú O), N ® ØP, O ® ØP, ØP ® ØM  ØM
6. M ® N  ØM Ú N

Demonstra que os argumentos seguintes são válidos.

A: Usando as regras de inferência:


1. Uma acção é boa na condição de Deus querer que seja boa ou Deus quer que ela seja boa na condição de ela ser boa.
Se uma acção é boa na condição de Deus querer que ela seja boa, segue-se que as regras morais são arbitrárias. Se
Deus quer que uma acção seja boa na condição de ela ser boa, segue-se que as normas morais não dependem de Deus.
Portanto, as regras morais ou são arbitrárias ou não dependem de Deus. (M, N, O, P)
2. O mundo tem de ter uma causa apenas se tudo tem de ter uma causa. Se tudo tem de ter uma causa, então Deus
tem uma causa. Mas Deus não é Deus se Deus tem uma causa. E se Deus não é Deus, então Deus não existe. Portanto,
se o mundo tem de ter uma causa, Deus não existe. (M, N, O, P, Q)
3. Ou os animais são apenas mecanismos ou sentem dor. Se os animais sentem dor ou têm almas, então têm o direito
não serem sujeitos a sofrimentos desnecessários e os seres humanos têm o dever de não lhes infligir sofrimentos
desnecessários. É falso que os animais sejam apenas mecanismos. Portanto, os animais têm o direito a não serem su-
jeitos a sofrimentos desnecessários. (M, N, O, P, Q)
4. Se a moral não é subjectiva, então ou é relativa às culturas ou Deus é a origem de todos os valores morais. Se a

25
moral é subjectiva, então, se aprovo o racismo, o racismo é correcto. Como é evidente, é falso que, se aprovo o ra-
cismo, o racismo é correcto. Além disso, se a moral é relativa às culturas, então o canibalismo na Nova Guiné e o sis-
tema de castas da Índia são correctos. A afirmação «O canibalismo na Nova Guiné é correcto e o sistema de castas
da Índia é correcto» é falsa. Deus existe se Deus é a origem de todos os valores morais. Consequentemente, Deus
existe. (M, N, O, P, Q, R, S, T)
B: Usando as regras de inferência e de substituição:
5. Se Deus existisse, seria sumamente sábio, bom e poderoso. Se Deus fosse sumamente sábio, sumamente bom e su-
mamente poderoso, o mal não existiria. Mas o mal existe. Logo, Deus não existe. (M, N, P, Q, R)
6. Não é verdade que o interior do Sol gire mais depressa do que a sua superfície ou que a teoria da relatividade geral
de Einstein esteja errada. Se o interior do Sol não gira mais depressa do que a sua superfície e as irregularidades na
órbita de Mercúrio podem ser explicadas pela gravitação do Sol, então a teoria da relatividade geral de Einstein está
errada. Portanto, as irregularidades na órbita de Mercúrio não podem ser explicadas pela gravitação do Sol. (M, N, O)
7. Se a beleza está no olho do observador, então a beleza não é objectiva. Mas a beleza é objectiva se é observável. E a
beleza pode ser vista. A beleza pode ser vista se e apenas se a beleza é observável. Portanto, a beleza não está no
olho do observador. (M, N, O, P)
C: Usando a prova condicional:
8. A eutanásia é errada se o doente preferir continuar a viver ou estiver na posse de todas as suas faculdades. Por-
tanto, se o doente estiver na posse de todas as suas faculdades, a eutanásia é errada. (M, N, O)
9. Os médicos devem desligar o ventilador dos doentes que estejam a morrer se e apenas se o facto de os doentes te-
rem auto-determinação implica que os médicos devem seguir as ordens dos doentes. Se um doente que está a morrer
recusa o tratamento, então os médicos devem desligar o ventilador e o doente morrer pacificamente. Os doentes têm
autodeterminação. Portanto, se um doente que está a morrer recusa tratamento, o médico deve seguir as ordens do
doente. (M, N, O, P, Q)
D: Usando a prova indirecta:
10. Ou os vegetarianos estão enganados ou a produção pecuária é cruel e os cereais usados na alimentação dos ani-
mais podem salvar milhares de pessoas com fome. Os vegetarianos estão enganados apenas se a alimentação de ani-
mais com cereais é uma forma eficiente de produzir proteína. E se os cereais usados na alimentação dos animais po-
dem salvar milhares de pessoas com fome, então os consumidores portugueses são insensíveis se insistem em comer
carne na quantidade que comem. Os consumidores portugueses insistem em comer carne na quantidade que comem.
Portanto, ou os consumidores portugueses são insensíveis ou a alimentação de animais com cereais é uma forma efi-
ciente de produzir proteína. (M, N, O, P, Q, R)

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