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RECEPTAÇÃO
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O bem jurídico protegido é o patrimônio das pessoas que, já violado por uma ação
criminosa, volta a ser atingido com a receptação, realizada por outro.
67.2 TIPICIDADE
O caput do art. 180 contém duas figuras típicas. Na primeira, chamada receptação
própria, o agente adquire, recebe, transporta, conduz ou oculta, em proveito próprio ou
alheio, a coisa que sabe ser produto de crime.
67.2.1.1 Conduta
Para existir receptação é necessário que tenha havido um crime anterior, do qual
uma coisa seja o produto. Produto do crime não se confunde com instrumento do crime,
que é o meio empregado para sua utilização. Nem com seu proveito. Se a conduta tem em
vista auxiliar o autor do crime antecedente a resguardar o proveito do crime – por
exemplo, o pagamento recebido para praticá-lo –, o tipo incidente será o do favorecimento
real, do art. 349 do Código Penal.
O crime antecedente pode ter sido inclusive um crime não patrimonial, desde que
uma coisa que lhe seja o produto possa, em seguida, ser objeto da receptação. A lei fala em
crime, logo não pode haver receptação de coisa produto de uma contravenção penal. O
crime antecedente pode ter sido inclusive outra receptação.
De notar que não haverá crime se a influência tiver sido no sentido de que o terceiro
conduza ou transporte a coisa, uma vez que a norma não incluiu estas condutas na
formulação típica.
O tipo contém três elementos subjetivos. O primeiro é o dolo. O agente deve atuar
com consciência e vontade livre de adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar a
coisa, ou, ainda, de exercer influência sobre terceira pessoa de boa-fé.
Além disso, deve ter consciência de que a coisa é produto de crime, sabendo,
portanto, perfeitamente, que se trata de coisa obtida com a prática de crime antecedente.
Se não sabe, a receptação poderá, quando muito, ser culposa.
E o agente deve agir com a finalidade de obter, com a conduta, proveito próprio ou
para terceiro.
Não há crime quando o agente vem a saber, depois de realizada a conduta, que a
coisa é produto de crime, porque o dolo é integrante da ação, não se podendo reconhecer o
chamado dolo subseqüente.
Determina o § 5º, segunda parte, do art. 180, que se a coisa receptada for de
pequeno valor e o agente primário, o juiz poderá substituir a pena de reclusão pela de
detenção, diminuí-la de um a dois terços ou aplicar somente a pena de multa.
67.2.2.1 Conduta
São todos verbos cuja compreensão é muito simples, os quais são complementados
pelo objeto: coisa produto de crime. Apesar do verbo utilizar ter-se feito preceder da
expressão de qualquer forma, não se pode compreendê-lo como alcançando outras ações
não descritas no tipo, mas como resumo das explicitadas, sob pena de violação do princípio
da legalidade.
Receptação - 5
O crime será único ainda quando o agente realizar mais de uma das ações típicas.
A conduta típica incidirá sobre coisa móvel produto de crime que a antecede. Disso
já se falou quando dos comentários à receptação dolosa própria e imprópria.
Além das novas ações incriminadas, o tipo de receptação qualificada contém outro
elemento especializante, exigindo que a conduta seja praticada “no exercício de atividade
comercial ou industrial”, que é exatamente a razão de ser da qualificação do delito.
Não basta, porém, que o agente seja industrial ou comerciante, ainda que irregular
ou clandestino; é necessário que haja relação entre a conduta e atividade por ele
desenvolvida, o que se verificará quando a coisa receptada inclui-se dentre as objeto do
comércio ou da indústria.
O comerciante que adquire ou recebe uma coisa produto de crime, que não tenha
qualquer relação com sua atividade, por exemplo, quando o proprietário do ferro-velho ou
desmanche de peças de veículos recebe ou adquire um simples par de óculos de sol que
seja produto de crime e que passa a utilizá-lo em si mesmo, cometerá apenas o crime do
caput do art. 180.
O tipo qualificado do § 1º do art. 180 do Código Penal é doloso, mas exige ainda,
6 – Direito Penal II – Ney Moura Teles
como elemento subjetivo, agir o sujeito ativo com o intuito de obter proveito próprio ou
alheio, exatamente como o tipo do caput, da receptação simples.
Saber quer dizer ter o pleno conhecimento. Dever saber indica que o sujeito não
tem o conhecimento da origem criminosa da coisa, mas devia ter alcançado essa
consciência.
A norma sob comentários, por isso, mereceu críticas ácidas e contundentes dos
principais doutrinadores. Além disso, como o tipo do § 1º não contém a expressão sabe,
mas apenas deve saber, fica a dúvida sobre se terá incidência quando o comerciante
pratica a conduta sabendo que se trata de coisa produto de crime.
Tem-se daí que, quando ele sabe, não comete o crime qualificado, incidindo o tipo
simples, do caput, punido mais brandamente, e quando não sabe, mas devia saber, sofrerá
pena mais rigorosa, para uma conduta menos reprovável, o que é um contra-senso.
A contradição será sanada se se entender que, no deve saber está contida o sabe. Em
outras palavras, a vontade implícita da lei, no § 1º, é alcançar não só o agente que deve saber,
mas também o que sabe ser produto de crime a coisa receptada.
Esta interpretação parte do princípio de que, se quando ele sabe, a pena é menor, e
quando deve saber, é maior, é porque no tipo qualificado está incluída não só a conduta
realizada com dolo eventual, mas também, por lógica, a realizada com dolo direto.
Por isso, mais lúcido é concordar com DAMÁSIO, que, com sua sabedoria, aponta a
única solução, a seu ver, a menos pior:
Não vejo outra solução, senão a apontada, o que, é óbvio, torna absolutamente
inócua a inovação legislativa, cuja finalidade era, sem dúvidas, a de conferir maior
proteção aos bens jurídicos, em face do acentuado aumento da atuação organizada de
grupos criminosos que têm, na receptação de peças de veículos roubados, um de seus mais
importantes instrumentos, razão importante de seu sucesso.
Resta ao legislador, para resolver o problema criado por sua inépcia, alterar o tipo
do § 1º do art. 180, incluindo nele, antes da expressão deve saber a forma verbal sabe,
ficando, assim, harmonizado o tratamento penal conferido ao crime de receptação.
Por isso, se o agente é primário, e de pequeno valor a coisa receptada, o juiz poderá
substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar
somente a de multa, como no furto, objeto dos comentários feitos no item 33.2.2.
A receptação é crime autônomo, embora ligado seu objeto material a outro crime.