Você está na página 1de 4

Entrevista sobre a situação no Darfur, Sudão

0. Apresentação dos participantes e razões para a sessão de esclarecimento sobre a situação em


Darfur.
- Grupo de Jovens “UTrilho” de Nogueira do Cravo
- P. Filipe Resende e P. Leonel Claro – Missionários Combonianos

1. Ultimamente ouve-se falar muito da questão do Darfur. Podemos falar um pouco do que é e
como é a região do Darfur?
- Uma região com 503.180km2 (5,5x Portugal) no maior país da Africa: Sudão (2.505.810 km²) – 27x maior que
Portugal.
- Darfur divide-se em 3 zonas: o norte maioritariamente seco, deserto; centro e sul menos secos, petróleo, água
no subsolo, mais propício à agricultura.
- Todas as 3 regiões de Darfur têm uma população de 5,5 milhões de pessoas (metade da população portuguesa).
- As populações do Sudão são: no norte – maioritariamente árabe; no sul e concretamente na região do Darfur,
populações negras.
- É um estado islâmico, autoritário, onde todo o poder está nas mãos do Presidente, Omar al-Bashir; ele e o seu
partido estão no poder desde o golpe militar a 30 Junho de 1989.
-…

2. Qual é o ponto da situação no Darfur?


- Aquilo que se passa no Darfur: um plano organizado de limpeza étnica (que quer dizer genocídio!) por parte do
governo do país.
- Durante 4 anos, o governo sudanês bombardeou e apoiou milícias locais militares (Janjaweed), atacou, pilhou,
matou indiscriminadamente sobretudo homens, mas também mulheres e crianças sob o pretexto da caça aos
rebeldes. Há na região pequenos grupos rebeldes que lutavam contra o governo central. Mas o governo
aproveitou-se desta situação para “limpar a zona” da população negra local.
- Presença de 4000 soldados da Amis (UA) e espera-se agora o envio de 26mil soldados capacetes azuis até finais
do ano.
- Das cerca de 100 agências humanitárias no país, algumas estão já a retirar-se devido à falta de segurança na
região.

3. Há indicadores diferentes quanto ao número de mortos e deslocados e refugiados como


consequência deste conflito. Quais esses números?
- ONGs locais falam em 400 mil mortos; outros falam em 250 mil (número mais consensual ao que parece).
- 2,5 milhões de refugiados numa população que se estima de 5 a 6 milhões, ou seja, 1/3 da população refugiada.

4. Referiu que o Governo do Sudão é acusado de estar a praticar um autêntico genocídio,


dizimando a população negra desta região do país. De que forma se confirmam estas acusações e
porque razão o governo de um país levaria a cabo tais atrocidades contra os próprios cidadãos?
- Estas acusações são confirmadas por testemunhos vivos, sobreviventes dos massacres (várias reportagens do
canal Odisseia, do canal História entre outros).
- O próprio comportamento do governo do Sudão desde 2003 (inicio do conflito até meados deste ano) de
impedir que qualquer força internacional ajudasse o governo a lidar com os supostos rebeldes; boicotou
durante muito tempo qualquer intervenção humanitária de ONGs para dar assistência aos refugiados; impedia a
imprensa internacional de aceder àquela região do país para verificar o que lá se passava; vários representantes
da ONU e dos USA e EU, como mesmo o embaixador dos USA em Cartum, o confirmam.
- Razão: forçar os habitantes locais (negros) a abandonar as suas terras para povoar com população árabe (do
norte) a região, uma população mais fiel ao regime; interesse na exploração dos recursos naturais existentes
(petróleo, terras férteis [sul], e recentemente foi descoberta uma reserva de água no subsolo, um bem
extremamente raro nesta região da África).
- Depois é necessário ter em conta que o governo de Cartum, no norte, perdeu o controle da região sul do país,
que neste momento caminha para a sua independência do norte depois de uma guerra de 20 anos que provocou
2 milhões de mortos.

5. Há relatos/testemunhos das populações das acções perpetradas quer pelos soldados do


governo quer pelas milícias apoiadas pelo governo de Omar elBashir, presidente do Sudão?
Como são efectuados esses ataques?
- Método dos ataques: 1º escorraçam e intimidam as pessoas, salvando os animais. Algumas fecham-nas nas
palhotas que depois incendeiam; 2º perseguem os fugitivos e matam-nos; os que conseguem fugir procuram
refúgio nos campos de refugiados fora da zona, no Chade principalmente; 3º pilham tudo o que podem nas
aldeias e queimam tudo o resto, queimando os mortos ou enterrando-os em valas comuns.
- Mesmo depois nos campos de refugiados, há locais que não são seguros: mulheres que saem do acampamento
para ir buscar água e lenha e que depois são violadas, atacadas pelos Janjaweed. Algumas delas são até mesmo
obrigadas depois a ter que dar à luz os filhos dessas violações. É um método autêntico de aterrorizar as
populações.

6. A situação nesta região da África começou já em 2003. Desde então a comunidade


internacional, nomeadamente o Conselho de Segurança das Nações Unidas, fez algumas
declarações e ameaças de sanções económicas; vários líderes (Blair, Collin Powell entre outros)
visitaram a região. No entanto só agora em Julho passado foi decidida uma intervenção no
Darfur com o envio de cerca de 26000 mil soldados programado para finais de Outubro ou
durante o mês de Novembro. Porquê toda esta passividade?
- Interesses diplomáticos: na altura em que surgiu o conflito em Darfur, a comunidade internacional estava
concentrada mais no sucesso e na mediação do acordo de paz entre o Sul do Sudão e Cartum que ponha fim à
guerra mais longa da história da África. Tomar medidas ou actuar neste foco de conflito que se anunciava era
uma autêntica “pedra no sapato”. Daí que o conselho de segurança das ONU tinha a informação da situação,
mas para não atrapalhar o sucesso do acordo de paz absteve-se de qualquer medida ou declaração.
- Nesse momento, USA e UK estavam empenhadíssimos na guerra no Iraque. Omar el Bashir chegou mesmo a
ameaçar que se houvesse alguma intervenção da ONU, a situação se tornaria um outro Iraque. Não lhes
interessava; recorde-se ainda que Bush manifestou alguma pressão e foi o primeiro estado a chamar à situação
no Darfur genocídio; mas foi uma arma de campanha política para a sua reeleição.
- Por outro lado China e Rússia sempre se opuseram a qualquer intervenção militar da ONU num estado
soberano (por isso para o Iraque foram USA e UK mais alguns países e não a ONU); além disso, a China era
um dos principais aliados do governo sudanês, como comprador e explorador do petróleo sudanês.
- As energias políticas e diplomáticas a nível internacional estavam sim na luta contra o terrorismo…
- Numa entrevista de Kofi Anan ao canal História o entrevistador perguntou-lhe: “quando as pessoas recordarem
a história desta época ao pensarem no que aconteceu no Ruanda, de que forma julgarão a forma como a
comunidade internacional reagiu à tragédia do Darfur e aos seus pedidos de socorro?” Kofi Anan não podia ser
mais lacónico: “Será um juízo muito desfavorável… é quase certo que fomos lentos, hesitantes e negligentes.
E que não aprendemos nada com o Ruanda.”

7. Qual a resposta do governo sudanês a estas ameaças de sanções económicas e chamadas de


atenção da comunidade internacional?
- Foram ameaças e chamadas de atenção muito diplomáticas… com muito pouca convicção, devido a todos estes
jogos diplomáticos por meio dos interesses económicos dos países mais poderosos. E foram várias as
chamadas de atenção. A cada ameaça da comunidade internacional o governo sudanês refugiava-se no uso da
força. Seguiam-se vários ataques cada vez mais mortíferos e terríveis em Darfur. Era esta a forma como foi
testemunhada a reacção do governo sudanês.
- Ultimamente a pressão internacional foi mais dura, e os ataques têm diminuído, mas os bombardeiros não
acabaram por ficar em terra, nem os ataques deixaram de existir.

8. Uma das acusações que é feita ao Governo do Sudão é de não ter facilitado a ajuda
humanitária internacional às populações desta região. É verdade tal situação?
- São os próprios organismos internacionais não governamentais que o afirmam. Era óbvio que qualquer
estrangeiro no local era uma antena emissora do que lá se passa para o mundo. O governo deveria providenciar
segurança para a distribuição da ajuda alimentar, mas não o fazia, ou então não autorizava a entrada nas zonas
de conflito por e simplesmente. Há emboscadas, há gente das ONGs mortas, ameaçadas. Ainda há poucas
semanas foram mortos 10 soldados da Amis… Mas o que é facto é que esta ajuda internacional tem chegado
com muita abnegação por parte do pessoal humanitário… são cerca de 4 milhões de pessoas, segundo António
Guterres, que são alimentadas (também escolas e no campo da saúde) por dinheiros internacionais.

9. As populações têm abandonado a região, fugindo dos ataques e dos massacres. Para onde se
dirigem? Há então segurança nos campos de refugiados?
- Como disse acima, não há segurança nem nos acampamentos. As pessoas fogem para campos de refugiados nos
países vizinhos.
10. A Igreja e nomeadamente os Missionários Combonianos estão presentes no terreno. Que
feedback têm recolhido acerca desta situação?
- Sudão é o berço dos Missionários Combonianos. Foi lá que trabalhou e deu a vida S. Daniel Comboni. Neste
momento temos vários colegas em Darfur, Nyala. Há um português com quem vivi 3 anos: P. Feliz. Várias
noticias têm chegado. Ultima há cerca de 1 mês. Confirma-nos o estado de calamidade, os ataques, as
estratégias planeadas pelos Janjaweed. E mais, diz que não foi só desde 2003 que estes ataques começaram. Há
testemunhos desde 1999 dos ataques a aldeias na região. Pilhagens, destruição dos campos de cultivo que são a
base de sustento para a população, mortes em catadupa, violações…
- Da carta do Feliz:
As notícias sobre o conflito do Darfur começaram a ser divulgadas fora do Sudão em 2003. Mas a verdade é que,
desde 1999, os habitantes de Teguê conheciam o flagelo dos janjauid e eram vítimas das suas barbaridades.
A maioria montava em camelos; outros usavam cavalos. Vinham à nossa terra só para nos provocar e humilhar.
Passeavam-se pelas cultivações de amendoim e sorgo – o nosso pão diário – das muitas famílias da nossa aldeia.
Naquele dia, eram mais de mil.
Não fosse eu duvidar dos seus cálculos, Ibrahim repetiu pausadamente:
Mais de 1000, uallahi. Juro por Deus.
Ele não compreende como alguém tem a coragem de impedir outrem de colher e comer o pão semeado por suas
próprias mãos. E perguntava ainda:
Se, de verdade, quisessem ir a algures e tivessem que passar por Teguê, porquê não abriam caminho pelo espaço
livre e não cultivado do deserto ali à volta?! Além disso, mais tarde começaram a fazer verdadeiras razias.
Entravam nas nossas casas, levavam o que bem lhes apetecia, violavam mulheres e quem oferecesse resistência
era abatido.
Notei que o meu amigo se tornou mais triste ao afirmar que ele e a sua gente preferiam não reparar nas palavras
venenosas que tantas vezes tiveram que ouvir da boca daqueles inimigos do Darfur:
Se quereis viver, ide embora para longe de aqui!
Ibrahim deixou de me olhar e ouvi-o falar a sós:
Ir embora? Deixar a nossa terra? Se há uma terra que nos pertence é mesmo esta. Nós somos da tribo Fur e
vivemos aqui no Darfur, a nossa casa, a nossa terra.
Fez um esforço para controlar a emoção. E concluiu:
Abuna, destruindo o pão que crescia no campo, entende-se bem que nos queriam matar à fome.

11. Que actividades têm procurado desenvolver para ajudar ao conhecimento desta situação?
Que propostas de acção para a resolução deste conflito?
- Sessões de esclarecimento (3 Novembro em Nogueira do Cravo)
- Campanha de recolha de assinaturas para pressionar o Governo português a “impor” na
agenda de trabalhos da Cimeira Europa-Africa a realizar em 8 de Dezembro 2007 o tema
“Darfur”
- Caminhada a Fátima do Grupo de “Jovens Fé e Missão”
- Exposições sobre o conflito do Darfur em vários locais, “Tenda do Darfur”
- Plataforma por Africa – organismos vários de Institutos Missionários e ONGs
- Campanhas em várias paróquias de sensibilização sobre este conflito.
- Campanha de recolha de fundos para o projecto “Escola em Darfur” de Nyala (Sul do
Darfur), para formação e alimentação dos alunos (escola da missão comboniana com
Padre Feliz, Missionário comboniano).
- “Por Amor… uma carta!”
- Uma hora Darfur – Vigília de oração
- Site da Plataforma onde se pode também fazer a assinatura online: www.pordarfur.org
- Grupo de artistas portugueses que gravaram um CD por Darfur
-…

12. Em que consistirá a sessão de esclarecimento a realizar em Nogueira do Cravo no dia 3 de


Novembro?
- Apresentação da situação em Darfur com meios audiovisuais
- Campanha de angariação de fundos para o Projecto “Escola em Darfur”
- Sensibilização missionária das comunidades locais do concelho de Oliveira de Azeméis
- Sensibilização para a recolha de assinaturas porta a porta da petição ao Governo português
de inclusão desta situação na agenda de trabalhos da Cimeira Europa-Africa – Grupo de
Jovens “Utrilho”
- Presença e actuação de um dos artistas que gravaram CD por Darfur, Ricardo Azevedo dos
Easy Special (a confirmar)

13. Qual a motivação, como missionários católicos, que os leva a envolverem-se em acções deste
género? Haverá muitos outros Darfur no mundo hoje com certeza…
- João 10,10: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”…

Material online para saber mais (clicar com o rato +Ctrl):


- Entrevista a António Guterres sobre a situação no Darfur
- Darfur – Genocídio sem fim à vista (revista Além Mar)
- Darfur – O milagre da paz (revista Além Mar)
- Darfur – Não podemos aguentar mais (revista Além Mar)
- Darfur – O genocídio silenciado (revista Além Mar)
- Darfur – Aposta na reconciliação (revista Além Mar)
- Nova frente de guerra no Darfur (revista Além Mar)

Você também pode gostar