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Corporativismo Político, Foro Privilegiado e

Sistema Eleitorial: As Maiores Mazelas da


Política Brasileira

Um político nunca serra o galho em que está


sentado (frase da jornalista Lúcia Hipólito, no programa
de entrevistas do Jô Soares (15/04/2009), ao referir-se às
mudanças estruturais e políticas necessárias à
moralização do Congresso Nacional Brasileiro)

Foro especial é concebido deliberadamente (grifo


nosso) para assegurar a impunidade a certas
classes de pessoas (Joaquim Barbosa, ministro do STF,
em declaração à revista "Isto É). Minha pergunta: Por que
os políticos não serram logo esse galho? O projeto de
acabar com o foro especial já existe. Mas será aprovado?
Chegará, sequer, a ser apreciado?

De fato, se no lugar do menino aí da


foto fosse um político, ele estaria
serrando o galho lá de cima, mas
nunca o dele. Mais: também não
serraria o de nenhum colega, a não
ser que fosse inevitável. No
Congresso, em qualquer de suas
duas casas, quando a causa é
coletiva e suscetível de retirar
vantagens dos deputados e
senadores ou impor-lhes restrições
mais rígidas, ou vasar informações
de práticas ilícitas internas, entra em
cena o "corporartivismo político".
E é sobre isso que vamos falar neste artigo, passando pelo fisiologismo, pela
corrupção política, reforma do sistema eleitoral, do regimento interno do Senado e
da Câmara, da extinção do foro privilegiado, das mordomias, do ajustamento e
controle das verbas de gabinete, das impunidades, da mudança do nosso regime
político, etc.

O corporativismo político (um por todos, todos por um e


ninguém contra ninguém):

Assim pode-se definir, em caráter genérico, o que seja “corporativismo”:

“Corporativismo é a ação em que prevalece a defesa de interesses ou


privilégios de um setor organizado da sociedade, em detrimento do
interesse público.”

O corporativismo político é uma das práticas mais nefandas da política brasileira.


Não que ele não exista em outros países ou em outras categorias profissionais. Há
o corporativismo dos médicos (a "ética" os proíbe de condenar colegas e o CRM só
o faz em casos extremos); há o corporativismo policial (Polícia defende Polícia); há
o corporativismo entre juízes (juiz evitando condenar juiz); há o corporativismo
entre engenheiros (também por "ética", não se critica a obra de colegas) e por aí
vão os exemplos. Mas será que político tem "ética"? Arrisco-me a dizer que no
Congresso Nacional, pelo menos 80% deles não têm. E como as minorias não
resolvem nada...
Que exista o corporativismo em determinadas categorias profissionais, é até
compreensível, desde o momento em que isso não afete a população, como um
todo. Mas os atos políticos afetam e, por isso, essa prática deveria ser banida. Só
que eles não querem isso, porque no meio deles, é perigoso. Seria como "serrar o
próprio galho que se sentam, pois se esse galho cair, todos caem juntos. "Defendo
você hoje, para que você me defenda amanhã"; "não divulgo os seus podres, para
que você não divulgue os meus"; "não ataco, para não ser atacado". Essa é a regra
que vigora internamente e que a maioria das pessoas aqui fora não sabem como
funciona. O nosso corporativismo político é excessivamente condescendente e
prejudicial ao país.

O "foro privilegiado", a quebra do "decoro parlamentar" e a


impunidade:

Uma das grandes ferramentas do corporativismo político é o "foro privilegiado"


existente para os parlamentares. E por quê? Porque nao sendo julgados pela justiça
comum, como qualquer mortal não político,eles praticamente não sofrem punições.
A pena máxima que existe é "perda do mandato por "quebra do decoro
parlamentar". Nesses processos, eles geralmente são absolvidos pelos colegas e,
quando a falta é grave e não tem jeito, eles "renunciam" antes, para não perder o
mandato, e voltam eleitos nas próximas eleições (brasileiro é socialmente alienado
e esquece rápido).

"Decoro parlamentar"? Que figura esdrúxula é essa? Fácil! Foi inventada para dar
um nome à punição mínima dos parlamentares, punição esta que não dá em nada,
a não ser em raríssimos casos (como o do ex-presidente Collor de Mello, por
exemplo), quando o clamor popular exige. Mesmo assim, vejam: Ele não foi
condenado, saiu por renúncia forçada ( só teve que ficar 8 anos sem ocupar cargo
político), mas já está lá no Congresso de novo, como Senador, ocupando uma
função interna importantíssima, apoiado pelo seu colega Renan Calheiros, um outro
corrupto impune, que só perdeu a presidência do Senado, mas continua mandando
quase tanto quanto o presidente, tal é a influência que exerce. E que dizer de
Paulo Maluf? E Jader Barbalho, Jader Barbaaaaaaaalho, várias vezes processado
(estelionato, formação de quadrilhas e fraudes contra o sistema financeiro)?.

Todas essas válvulas de escape são permitidas pelos regimentos internos das casas,
e foram inseridas e deixadas lá de propósito, para legislar em causa própria e
permitir o fisiologismo e a impunidade. É uma farra geral. A lista dos processados e
não condenados é enorme, com e 100% deles até agora impunes, graças ao
"corporativismo" e ao "foro privilegiado". E isso, gente, é coisa só do Brasil.

Mas, afinal, o que seria o tal "foro privilegiado" de que tanto os políticos se valem?
É a prerrogativa constitucional de só poder ser julgado pelo STF, ainda que em
crimes comuns. E é essa prerrogativa que tanto tem estimulado a impunidade
política. Ao que se sabe, o STF nunca condenou nenhum parlamentar. Por acaso
algum réu do mensalão ou de alguns dos recenntes escândalos descobertos pelo
Ministèrio Público ou a Polícia Federal, já foram condenados? Claro que não! E a
estratégia é simples: como a nossa justiça é lenta e o STF não considera o
julgamento de políticos como "prioridade", os processos vão sendo deixados para
trás, até prescreverem, por decurso e prazo, e o réu sair limpo. Quando, por
pressão num ou noutro caso o STF tenta acelerar, os políticos entram com diversos
recursos, meramente protelatórios, até extinguir-se o prazo e o processo ser
arquivado por "prescrição". Maravilha!... Isso é Brasil. Não posso afirmar com
certeza, mas, do que sei, em nenhum país do mundo existem tantas facilidades e
prerrogativas políticas como aqui, tudo "na forma da lei". Depois, quando o ex-
Presidente da França, Charles de Gaulle, disse que o Brasil não era um país sério,
todos ficamos ofendidos.

Lembro-me que na ocasião, eu também fiquei indignado. Mas hoje, reanalisando o


Brasil, começo a achar que o ex-presidente francês tinha razão. Num país em que
Paulo Maluf se autodeclara o campeão de processos na Justiça, com mais de 150
ajuizados contra ele e, em seguida, com a cara-depau e jactância que lhe são
peculiares, se declara o campeão de vencimentos de processos, pois, em nenhum
deles foi condenado, o que se pode pensar? E o apadrinhado dele, o ex-prefeito de
são Paulo, Nelson Pitta, por onde anda? Ainda não foi preso? Como dizem os mais
jovens: “Fala sério, cara!... Que país é esse? Tem político que já comprou até
castelo de 25 milhões, levou vários colegas para visitar e ninguém viu nada,
achando perfeitamente normal que ele tivesse o seu castelinho. E era esse o
deputado que ia ser o Corregedor da Câmara! Pode?” É nessa linguagem que o
povão mais jovem, quando tem algum esclarecimento, se expressa.

Quem dá respaldo ao foro privilegiado e à imunidade


parlamentar?

Infelizmente, a própria Constituição Federal, em seu Título IV, Seções V e VI e os


regimentos internos das duas casas dão o respaldo legal necessário. Mas tudo isso
foi "armado" de propósito. Afinal, quem faz as leis? Será que eles não seriam
inteligentes o bastante para legislarem em causa própria e deixarem uma brechinha
para escapar? Foi o que fizeram! E fizeram o mesmo nas leis eleitorais. Ou seja:
arrumaram a casa em que iriam morar (e reinar). E não adianta a renovação dos
quadros de 4 em 4 anos, porque os vícios continuam e os novatos, os poucos que
se renovam, aprendem rápido, com as velhas raposas.

A im(p)unidade política e alguns casos conhecidos:

Vamos a alguns exemplos, todos favorecidos pelo corporativismo político e o foro


privilegiado que,por sua vez, garantem a imunidade e impunidade políticas: 1 -
Paulo Maluf (PP/SP): Será que existem dúvidas quanto à sua culpabilidade em
desviar dinheiro público para os paraísos fiscais? Acaso já não ficou comprovado? E
por que Maluf não está preso e continua na política?; 2 - Senador Jader Barbalho
(PMDB/PA): Processado por estelionato, formação de quadrilha e fraudes contra o
sistema financeiro, sem falar na renúncia do mandato na legislatura anterior, em
processo por "quebra de decoro parlamentar", no episódio em que junto com o
Senador Antonio Carlos Magalhães, tinham acesso e interfiriam no quadro de
votação do senado. 3 - Senador Renan Calheiros, ex-presidente do Senado,
forçado a renunciar por corrupção e "quebra de decoro parlamentar": está ativo e
mandando mais do que o atual presidente; 4 - Fernando Collor de Mello: O ex-
Presidente da República, depois de ser forçado a deixar o Governo, volta com força
total, como senador, apoiado internamente por seu comparsa Renan Calheiros.
Atualmente, esta sendo processado por falsidade ideológica e tráfico de influência;
5 - Michel Temer (Presidente do PMDB): sofre processos por crimes ambientais e
grilagem de terras, mas está aí também, mais forte do que nunca; 6 - Deputado
Valdemar Costa Neto: processado por crimes contra a administração pública,
formação de quadrilha e lavagem de dinheiro (caso do mensalão); 7- Pedro Henry
(PP-MT), Paulo Rocha (PT/PA), José Genoino (PT/SP), João Paulo Cunha
(PT/SP): Estes são todos ainda remanescentes doi caso "mensalão"; 8 - Neuto de
Conto (PMDB/SC): crime contra o sistema financeiro; 9 - Sando Mabel (PR/GO):
crime contra a ordem tributária.

No momento, existem 44 parlamentares sendo


processados (6 senadores e 38 deputados), fora
mais 127 que ainda não foram ajuizados porque
o STF ainda não acatou acusações que pudessem justificar "abertura de processos,
caso em que está, por exemplo, o deputado Antonio Palocci (PT/SP), com dois
inquéritos:acusação de quebra de sigilo bancário de um caseiro que testemunhara
fatos comprometedores dos políticos - entre eles Palocci -e outro por
irregularidades em licitações, quando prefeito de Ribeirão Preto (fonte: Revista Isto
É: "Os fichas-sujas do Congresso”).

Mas tem muita gente não mencionada. E o Paulinho do PT, o Paulinho da "Força",
no que deu o seu caso? E o José Dirceu? E não podemos nos esquecer também dos
prefeitos e governadores corruptos, que nem estamos citando nesta matéria.

Os crimes e delitos mais cometidos:

Estes, todos os brasileiros medianamente


informados, sabem quais são: crimes contra a
ordem tributária, crimes contra a
administração pública, crimes eleitorais,
corrupção ativa e passiva, peculato, formação
de quadrilha, falsidade ideológica, tráfico de
influência, estelionato, fraudes contra o
sistema financeiro, uso indevido de verbas de
gabinete, enriquecimento ilícito, fraude em
concorrências públicas, uso indevido do
patrimônio e do dinheiro público (mordomias,
verbas de representação, gastos pessoais,
passagens aéreas, utilização de funcionários
públicos para serviços particulares, etc)... É
um verdadeiro festival. O nosso Congresso
figura entre os mais bem pagos do mundo.

Que regime político é o nosso? Estado "Democrático" de


Direito?

Segundo a CF, o Brasil é um país de "democracia plena". Será mesmo? Ou é um


país em que a democracia é "de fachada", apenas para inglês ver? Parece ser este
último o nosso caso. Pelo menos, é o que pensam alguns cientistas políticos,
historiadores, economistas e doutores em ciências políticas, como o historiador
brasileiro José Maria Rodrigues Júnior, do Programa de Pós-Graduação em Ciências
Políticas da UFPE, segundo o qual, o Brasil viveria numa "semidemocracia ou
semiautoritarismo" (???), já que não preenche dois dos principais requisitos de uma
democracia plena: a autonomia do Poder Judiciário (Ministros do STF são nomeados
pelo Governo, devendo-lhe obediência) e falta de interação e coercitividade entre as
Forças Armadas, Polícia e Código Penal. E não é so ele que chegou a esta
conclusão: Josef Shumpeter, Max Weber, Scott Mainwaring, Adam
Przewaski, estudiosos da política de diversos países, compararam a nossa
democracia com a dos Estados Unidos e outros países e chegaram à mesma
conclusão (fonte: clique no link acima).

Com efeito, se examinarmos a última votação do STF (19/03/2009), com relação à


demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, poderemos
confirmar isso: o Supremo, pressionado pelo próprio Governo Brasileiro que, por
sua vez, era pressionado por organizações internacionais (inclusive a ONU),
determinou que se votasse a favor da demarcação contínua, sabidamente contrária
aos interesses nacionais. A ONU, os Estados Unidos, a Inglaterra, a França e as
ONGs internacionais ambientalistas e religiosas, aplaudiram a decisão. É óbvio,
conseguiram o que queriam.Mas alguém do povo sabe o que realmente aconteceu
por trás dos bastidores, para 10 dos 11 ministros votarem assim? Subserviência ao
Governo, o que não é próprio de uma democracia. Por isso ela não é plena.
Então, se não é democracia plena (não concordo com o termo "semidemocracia":
ou é, ou não é ou é uma coisa totalmente diferente), vou arriscar aqui o meu
palpite de como vejo o regime político do Brasil, numa expressão que acabei de
cunhar: o regime político brasileiro é uma democracia semiplena
cleptocrática. E aí, gostaram? Ah, acharam o nome engraçado ou complicado e
não entenderam o que é isso? Pois vou explicar:

• Democracia semiplena: é semiplena porque não é uma democracia plena,


com todos os requisitos. Ou seja: é exercida a meia-boca, apenas como
"fachada", para enganar os daqui e os de fora;
• cleptocrática: porque as facilidades para os desmandos, desvio do dinheiro
público e crimes políticos, a corrupção e a impunidade, empurram o país
para uma Cleptocracia (regime político de ladrões e corruptos, em que o
povo é obrigado a aceitar, sem poder protestar ou opinar)

Sendo assim, acho que a minha definição não está errada, embora ninguém tivesse
coragem de admitir isso antes (acho), talvez por julgar o termo "cleptocrático" um
tanto forte e de sentido um tanto quanto pejorativo. Como ficaria a imagem do país
no exterior se dissessem que o nosso regime é uma "Cleptocracia". Isso iria
espantar os investidores estrangeiros, os turistas e o aporte do capital
internacional. "Não, esse nome pode até ser verdadeiro, mas é feio, não soa bem
para o Brasil. Vamos deixar assim mesmo: democracia plena ou Estado de Direito
Democrático está bom. Não é o que está na nossa constituição?" É isso que as
nossas autoridades máximas pensam.

Afinal, qual é a solução?

Bem, como vocês viram, o excessivo corporativismo político é a causa primeira


de todas as demais mazelas: foro privilegiado e sistema político viciado. Esses três,
em conjunto, sob o abrigo da Constituição Federal e dos regimentos internos da
Câmara e do Senado, propiciam e até encorajam o nascimento de todas as outras
“subdivisões” de práticas ilícitas na política nacional: corrupção, desvio de dinheiro
público, evasão de divisas, concorrências fraudulentas, enriquecimento ilícito,
tráfico de influência, vendas de votos e, a mais festejada por todos, a impunidade.

Assim, na minha modesta e desabalizada opinião, mas legítima porque provinda de


um cidadão brasileiro, indignado com esse estado de coisas que eles pretendem
deixae como está, a solução é só uma, e poderia envolver estas ações:

PROPOSTA DE MORALIZAÇÃO DO SISTEMA POLÍTICO BRASILEIRO:

• Mudar por completo o sistema político brasileiro, passando por


uma reforma política que acabe com o foro privilegiado dos
parlamentares, altere os regimentos internos da Cãmara e do
Senado e acabe com a maioria das mordomias desnecessárias;
• Reformular o organograma e a estrutura de cargos do Congresso,
extinguindo diretorias e assessorias desnecessárias
• Fazer uma nova reforma eleitoral, com melhor controle dos gastos
de campanha, abolição do voto proporcional e a eleição por
"sobras de votos" das legendas partidárias
• Alterar a CF, através de emendas, para permitir as mudanças
propostas.

Só isso, já reduziria mais de 70% dos vícios e imperfeições do nosso sistema


político, levando-o a um patamar aceitável, nivelando com os dos países mais
evoluídos politicamente. Será que os políticos teriam coragem para tanto?
O que atrapalha mesmo é aquela frase da Lúcia Hipólito, que não me sai da cabeça:
"Os políticos não vão querer serrar o galho em que se sentam".

(Por: Ivo S. G. Reis)

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