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RESUMO
(INTRODUÇÃO) O tema em estudo segue ainda hoje sendo altamente significativo, pois
não podemos esquecer os momentos históricos, políticos e sociais vivenciados pelos
professores, buscando justamente explicações sobre como as questões de desencanto, a
qualidade e valorização da educação e outros tantos fatores que estão a alterar seu
comportamento. O prof. Esteve assinala que o termo está sendo cada vez mais utilizado
na literatura psicopedagógica para descrever os efeitos permanentes de caráter negativo
que afetam a personalidade do docente, como resultado das condições psicológicas e
sociais que afetam sua docência. (METODOLOGIA) Pesquisa de cunho qualitativo,
utilizando histórias de vida, enfatizando a dinâmica da psicohistórica, através de
entrevistas em profundidade, com professores universitários, na Grande Porto Alegre.
Utilizamos a Técnica de Análise de Conteúdo de Bardin (1995), adaptada a este tipo de
trabalho. (RESULTADOS E CONCLUSÕES) Em continuação ao trabalho em realização
há anos, detectamos elementos semelhantes às categorias anteriormente encontradas e
aquelas descritas na literatura: Recursos materiais, são precários em relação, por
exemplo, à biblioteca desatualizada, impossibilidade de utilizar mais os meios como rede
e internet, lidarem com materiais desatualizados; Condições de trabalho e acúmulo de
exigências, às vezes são consideradas difíceis, especialmente a situação financeira;
sobrecarga com algumas tarefas consideradas dispensáveis; dispersão em relação às
atividades que consideram essenciais, entre eles o processo de avaliação; Violência
institucional, existente em momentos como as dificuldades em lidar com a violência
(física e simbólica), expressa pelos e entre os próprios colegas, chefias, e também quando
ocorrem contendas com ou entre seus alunos; Esgotamento docente, decorrente da
contínua desvalorização da profissão, também fisicamente, com manifestações
psicossomáticas (alergias, suores ou insônia), até mesmo doenças que os afastam
temporariamente do trabalho. Seguimos coletando e analisando depoimentos.
INTRODUÇÃO
1
Professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCRS.
Endereço para correspondência: Av. Ipiranga 6681, PUCRS-FACED, CEP 90.619.900
Porto Alegre - RS. E-mail: stobaus@ pucrs.br Telefone-Fax: (051) 33203635
Os problemas que afligem a profissão docente não são algo novo, nem original;
acham-se ligados à própria origem, ao desenvolvimento histórico e à valorização social
dessa profissão. O que mais impressiona é o contínuo acirramento da problemática em
quase todo o mundo e que, como o tecido social, a docência é desgastada ante as
insatisfações grandemente justificadas dos professores, os descontentamentos dos alunos,
a improdutividade do conhecimento (denominada má qualidade do ensino) e a
desconfiança no aproveitamento social.
Sabemos das causas econômicas, políticas, sociais, profissionais, mas quase nada
nos é apontado sobre a pessoa do docente, suas inquietações, interesses, valores e
expectativas.
Embora tenhamos nos preocupado com esta temática já em 1975, vemos que ela é
relegada a um segundo plano, bastante modesto e caótico, pois o que as pessoas
realmente são parece não ter tanta importância quanto o que as pessoas representam.
Devemos recordar que a dinâmica e a significação do mal-estar foram, há muito
tempo, levantadas por Sigmund Freud em sua obra extraordinária O mal-estar na
Civilização. O Mestre da Psicanálise, como rara penetração, afirmou (1974, p. 43):
“Já demos resposta pela indicação das três fontes de que nosso
sofrimento provém: o poder superior da natureza, a fragilidade de
nossos próprios corpos e a inadequação das regras que procuram
ajustar os relacionamentos mútuos dos seres humanos na família, no
Estado e na Sociedade.”
Esse pensamento evidencia a complexidade da existência humana, que não pode
ser ingenuamente reduzido a uma simples e limitadora explicação. Claro está que
algumas explicações, em alguns momentos, são mais oportunas do que outras e,
evidentemente, têm mais oportuna dialética e convicção.
Ao tratar o tema Mal-estar na Docência, não podemos esquecer os momentos
históricos, políticos e vivências, pois eles podem propiciar maiores explicações sobre
dinâmica e causação final desse mal-estar.
Cremos que todos nós, professores, estamos cientes da necessidade de conhecer
melhor a realidade social em que vivemos e nossa realidade como pessoa. É exatamente
este o objetivo que ora nos guia.
O MAL-ESTAR NA DOCÊNCIA
INVESTIGAÇÃO
Nesta parte de nosso trabalho, gostaríamos de salientar que contamos com obtidos
em seis entrevistas que fizemos com docentes universitários, as quais foram realizadas
para constatar uma vez mais as situações que vivenciam os professores na sua vida
profissional com reflexo em sua vida pessoal.
Os dados informativos destacam que os docentes entrevistados trabalham na
universidade entre 5 e 23 anos. Quase todos iniciaram sua carreira logo após a formação
universitária básica, isto é, há muitos anos não era exigida, na entrada no mercado de
trabalho na universidade, ter um curso de pós-graduação, o que foi rapidamente mudando
nestes últimos dez anos, quando foi sendo exigido, no início, um curso de Metodologia
do Ensino Superior, em seguida um Mestrado, alguns realizando ou com vontade de
realizar Doutorado, em área específica ou em outra área, sendo a Educação uma das
preferidas. Cerca da metade dos entrevistados é do sexo masculino, ressaltando uma
diferença em relação às outras áreas de atuação, especialmente quando lembramos dos
professores da escola fundamental e do ensino médio, que são na maioria do sexo
feminino.
Tentando sintetizar os resultados das entrevistas, cuja duração média ficou em
uma hora, com algumas até ultrapassando a hora e meia, pela própria profundidade e,
segundo alguns, oportunidade de poder debater mais profundamente sobre os temas
propostos, passamos a ressaltar alguns dos comentários selecionados, relacionando-os às
categorias colocadas por Esteve, em seu trabalho com professores europeus.
Recursos materiais, em se tratando de "a biblioteca não acompanha (nem
poderia) a produção e nós não conseguimos ler tudo também", "a gente pede os livros e
demora até que tenhamos, e os alunos, acesso a eles", "em pouco tempo a gente está
desatualizada, tem de comprar do próprio bolso", "em casa eu não consegui ainda ter
acesso à rede (internet), tenho lá na faculdade, ainda acho muito caro", "às vezes fico
horas buscando (na rede) para encontrar algum material que me sirva", "cada dia que
passa tem mais artigos interessantes e importantes"," eu até sei que uso alguns materiais
desatualizados, é que é difícil montar tudo sozinho, cada semestre", "parece cômodo mas
uso materiais iguais como geradores de discussão, depois complemento ou os alunos até
trazem , quando acham".
Sobre condições de trabalho e acúmulo de exigências, destacam uma clara
sobrecarga de trabalho, na relação direta com o aluno e a respeito ao que devem realizar,
especialmente, quando dizem "não dá para atender todas as tarefas que nos solicitam,
tudo junto e ao mesmo tempo", "não dá tempo de atender todos os anseios dos alunos",
"há um número excessivo de alunos", "é difícil conciliar as aulas com a avaliação, este
ano tem até o provão", "complica cumprir as exigências da aula, da produção que nos
pedem e da pesquisa", "o problema são as várias disciplinas, em diferentes horários e
locais aqui na universidade".
Também podemos considerar sobrecarga, de forma indireta, comentários como
"temos nós mesmos de fazer o material para a aula", "tem aquele entra e sai dos
alunos", "sempre falta tempo para tantas tarefas burocráticas".
Um ponto delicado que apareceu novamente está justamente nos controles e
pressões, exercidos tanto na universidade como sobre dela, "controlam o horário, a
produção, em vez de acompanhar e ajudar no processo, construtivamente", "dói quando
me cobram da mesma forma que o outro colega, aquele que não faz o que eu faço",
"ficam nos cobrando, dizendo que com o provão por aí vai ser pior", "há sempre uma
pressão em cima da gente, quem mais está lá é mais cobrado que aquele que não é
visto", "até entendo que me cobrem, às vezes á até bem estimulante, outras vezes
desmotiva como é feito", "quando a coisa anda bem é porque eles [ se referindo à chefia ]
fazem bem, quando vai mal é nós que não fizemos bem", "tem a história da produção,
tem que ir a congresso e apresentar trabalho, reuniões nacionais, só que sai do nosso
bolso", "eu não entendo muito bem estas tais das avaliações externas, como é que
cobram uma coisa e depois é outra?".
Quando comentam sobre a sala de aula, colocam que "gosto muito de dar
aula", "às vezes os alunos correspondem, aí eu me sinto bem em aula, até dedico mais
tempo para alguns alunos que para outros, a gente não consegue a tal de neutralidade,
tem uns que eu gosto ,mais que os outros".
Aparecem a maior ênfase ao ensino, quando colocam que "me cobro muito,
tenho que dar boas aulas, bem preparadas", "é difícil inovar com o pouco tempo de
preparo de que disponho para as aulas e mais para a pesquisa".
Quanto à aprendizagem, destacam que "não há alunos que não queira
aprender", ou pelo contrário "eles vêm com tantas dificuldades que nem sei como ajudá-
los", "acho que tenho sempre algo novo para oferecer, só que tem uns dias que realmente
não dá , tamanha a bagunça em aula, aí eu acho que eles realmente não aprendem
nada", "não gosto de admitir, mas tem aluno que não vai adiante, por mais que a gente
ajude ele".
Em vários momentos apareceu a questão da avaliação, em referência a como "é
difícil avaliar, quando o grupo é muito heterogêneo é pior", "nem sempre dou nota só
pelo que me deram nos testes, dou uma margem para mais", "ainda hoje avaliar me
causa estresse, eu fico mais preocupado com a nota que ele", "faz tempo que não tenho
aquela competição sadia em aula, quando todos cresciam", "odeio aquele tipo de aluno
que só esta fisicamente sentado na aula, tanto quanto o que não tá nem aí, como eles
mesmos dizem", "eu digo invertido no começo, todos já tiraram dez, só que eles têm de
me mostrar com produto e processo".
Quando perguntados sobre a violência institucional, aparecem mais ângulos,
tais como "não tem como não manter boas relações com meus colegas, são muito
amigos, pelo menos no começo, pois alguns mudam, ou eu é que não via direito", "sou
contra esta forma de sempre estar de bem com todo mundo, isto é impossível", "tem
colega que é fofoqueiro mesmo, vive perguntando o que não deve e distorce tudo", "falta
muita coisa para tudo andar bem, a gente se abre e leva paulada de alguém", "alguns
colegas bem que poderiam escutar mais os outros, tem uns maria-vai-com-as-outras que
é tão fácil manejar, nem sei se é por não querer se comprometer ou não se darem conta",
"há colegas que parecem mais imunes que outros com as conversas na sala dos
professores e de corredor", "parece que a gente desenvolve, claro que leva tempo, uma
espécie de vacina contra certas coisas que acontecem", "quando chegou um colega novo
parecia que tudo ia mudar, aos dois ou três meses estava tudo igual", "tem colega que só
sabe falar dos aspectos negativos, sabe que é meio difícil a gente não se contaminar,
ainda mais em tempos complicados como atualmente", "as reuniões de professores dão
nos nervos, é sempre igual, não leva a nada, se leva é para mais trabalho e mais
cobranças", "eu até me sinto mal fisicamente, é aluno gritando com a gente, colega
enfurecido que desconta nos outros, chefe sempre chamando a atenção, às vezes é
humilhante", "o outro dia um aluno quase me derrubou, eu estava na frente dele e ele
queria sair para fumar no meio da aula, eles fazem uma espécie de corredor polonês,
tem de passar no meio deles ao sair da aula e lese soltam fumaça na cara da gente", "o
ano passado teve um colega que gritou conosco, nem era problema nosso, não consegui
dormir direito duas noites, de insônia", "em vez do chefe dizer na cara, manda alguém
ou dá aquelas "es odiosas indiretas", "eu ainda caio no conto de que a mãe adoeceu, tem
que fazer coisas urgentes, tenho que me dar conta que ela não quer é dar aula", "um dos
meus alunos usou o outro dia uma ironia tão forte que saí da aula depois e meu coração
estava muito mais rápido, isso que era com um colega de aula, mas me senti mal",
"quando o chefe disse na reunião que se não cumpríssemos ir ter sérios problemas, uma
colega ficou toda mole e quase desmaiou", "cada final de semestre colocam dois, três ou
mais colegas prá rua, isso ainda me deixa com suores, insônia, quero dormir vários
dias", "quando algum colega consegue algo, a gente acha que também tem direito e
pede, aí dói receber um não como resposta, nem sempre explicando o porque", "tem
aquelas reuniões que tem exigência e mais exigência, e os colegas que deveriam escutar
nem dão bola, parece que só alguns engolem, teve colega meu que foi parar no hospital,
pensaram que era enfarte, mas era só emocional".
Quanto ao esgotamento docente, aqueles momentos mais marcantes salientados
remetem à desvalorização, em especial "a gente sabe bem que as outras universidades
pagam bem mais, em especial algumas privadas, chega o fim do mês e o dinheiro não
alcança", "tem colega que não produz como eu e ganha o mesmo, isto é, ganha muito
mais, proporcionalmente, eu tenho que tomar meio comprimido [ deu o nome comercial
de um benzodiazepínico ] às vezes, para poder dormir e descansar", "há mais de seis
anos não aumenta, nem repõe, meu salário, já me disseram para eu consultar com um
psicólogo mas o dinheiro não dá", "aqui na universidade privada acho que a gente
ganha o dobro que lá [ se referindo à pública ], só que não cobram tudo o que cobram da
gente aqui em termos de aula, atendimento a aluno e produção, isso como tempo me
deixou , claro que nem sempre, nervoso ante certas circunstâncias, eu fico assim
prevenido para não me afetar tanto", "no meu tempo de início de carreira o professor
era muito mais valorizado, tinha muito obrigado, eram mais atenciosos conosco, hoje é
até palavrão ou descaso", "o outro semestre tive um grupo muito ruim, nem todos é
claro, mas como grupo, eram muito heterogêneos, nem se controlavam entre eles
mesmos, me deixaram realmente esgotado no final do semestre".
Alguns comentam o enfrentamento ou amenização da situação, "sabe o que eu
faço?, eu chego em casa e vou olhar TV, ou escutar música durante um tempo, para não
ir dormir direto, aí canso e consigo dormir melhor", "tenho os meus cachorros, brinco
com eles, levo para dar umas voltas, conto o que tenho que contar, ainda bem que eles
não entendem tudo aquilo ou me respondem", "eu sou um desastre para mim mesma, se
estou mal vou no shopping, gasto no cartão de crédito e depois tenho que correr ainda
mais para pagar tudo", "antes eu alugava um monte de fitas, saía caro, aí eu coloquei a
net em casa, no final pago menos".
Nos damos conta que grande parte da informação destacada pelos entrevistados
combina, de forma mais ampla ou até específica, com a categorização encontrada por
Esteve em seus estudos, em outra realidade cultural, mas que, de certa forma, parece
também estar implícita ou explícita na nossa pesquisa.
CONCLUSÕES: O QUE FAZER?
É evidente que o quadro não é animador, que não há receitas prontas ou que
alguma dinâmica de grupo possa auxiliar para tudo ficar no melhor dos mundos.
Podemos reagir? Cremos que não só podemos, mas devemos. Os que escolhemos
o Magistério e estamos nele temos que ser dialeticamente realistas-comprometidos e
futuristas-esperançosos. Algumas possibilidades podem ser levantadas.
Formação Docente
Sentido profissional