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Jornal de Letras, 17/30 Janeiro 2007, pp 6-7
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A prática e o ensino vocacional musicais tiveram um enorme desenvolvimento,
patente em estudos recentes, que revelam ser hoje possível, em quase todos os Concelhos
do país, frequentar uma escola de música, fazer parte de uma banda ou pertencer a um
grupo musical.
A oferta de espectáculos musicais, embora desigual na sua distribuição territorial,
é em números absolutos uma realidade sem precedentes. O acesso progressivamente
generalizado a mediatecas onde a música (em discos ou filmes) pode ser consultada ou
requisitada, a realização de ciclos temáticos, cursos e oficinas musicais, induzem-nos a
pensar que quem gosta de música tem à disposição inúmeros recursos que apenas
esperam ser bem utilizados, para se justificarem o investimento feito e o consequente
alargamento das colecções e iniciativas.
E no entanto, salvo algumas excepções, parece que nada do que referimos teve
consequências na vivência musical dos alunos do 1º ciclo. Ultrapassar este alheamento
terá forçosamente que passar pelo insubstituível papel que o professor generalista do 1º
ciclo poderá ter como facilitador e promotor de actividades e iniciativas musicais com os
seus alunos e na sua Escola.
Como proceder, então, para tornar o professor do 1º ciclo um participante activo
na mudança desejada, sem o forçar a adoptar projectos que lhe são estranhos ou a
promover actividades para que se não sente preparado?
Antes do que quer que seja, ajudando-o a convencer-se que a música e as
actividades pedagógicas dela decorrentes são da sua competência e que a ele pertence a
coordenação, na sua sala e com os seus alunos, de todas as actividades, incluindo
obviamente as expressões artísticas. Não há especialista que possa substituir o professor
do 1º ciclo no planeamento e escolha das actividades que mais convém aos seus alunos.
O que não impede a cooperação pontual, por projecto ou continuada, de professores
especializados ou de pessoas conhecedoras de determinadas áreas, a que o professor pode
recorrer. O PEC di-lo de forma inequívoca quando subordina quaisquer actividades a
desenvolver ao “Projecto Educativo do agrupamento de escolas e devem constar do
respectivo plano actual de actividades” (ponto 8), responsabilizando os educadores e
professores (titulares), por “zelar pela supervisão pedagógica e acompanhamento da
execução das actividades de animação e de apoio à família no âmbito da educação pré-
escolar bem como de enriquecimento curricular no 1º ciclo do ensino básico” (ponto 31)
Mesmo que o nosso país pudesse dispor de professores especialistas em número
suficiente para trabalhar com os alunos do 1º ciclo nas diferentes áreas, não mudaria de
opinião. E se acaso se viesse a optar por espartilhar o tempo curricular por especialistas,
quais as prioridades, as áreas e os saberes que mereceriam tal distinção? Porquê a música
e não a matemática, ou a educação física, e as ciências? Ou e educação cívica e a língua
materna. Será que o professor generalista é capaz de dominar tantos saberes? Felizmente
a experiência diz-nos que o professor generalista é capaz de utilizar os diferentes saberes
e instrumentos de forma equilibrada no desenvolvimento biopsicosocial dos seus alunos,
ajudando-os a dominar os instrumentos primordiais do conhecimento, que incluindo o ler,
escrever e contar se prolongam no expressar, comunicar, sentir, pensar, actuar,
transformar, cooperar e mais alguns verbos, todos confluindo na absoluta necessidade de
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os alunos gostarem da escola, de si próprios e dos outros. E quererem aprender e saber
mais.
O papel do especialista, seja de que área for, no 1º ciclo, é o de ajudar o professor
generalista a realizar projectos que sem a sua participação não seriam possíveis ou seriam
menos interessantes. É claramente o que se passa com a aprendizagem do Inglês, cujos
resultados dependem de um esforço continuado e regular de professores qualificados para
o trabalho com as crianças do 1º ciclo. E poderá ser também o caso de outras áreas
invocadas no ponto 9 do Despacho citado.
E há também que considerar como especialistas não só os professores mas
qualquer pessoa que pela sua experiência pessoal ou profissional reúna as condições
suficientes para estar com um grupo de alunos do 1º ciclo, falando, mostrando e fazendo
o que sabe, na altura própria e durante o tempo que o professor achar ser útil.
Mas será que ao professor generalista apenas cabe o papel de organizador de
vivências musicais para os seus alunos? O de um promotor de iniciativas de inegável
interesse realizadas por outras pessoas? Nem pensar! A música no 1º ciclo deveria ser
uma prática e vivência quotidianas. E quem lá está todos os dias é o professor que terá,
caso queira, muito por onde escolher de entre as actividades que estão ao seu alcance e
que, melhor ou pior, vêm enunciadas no Programas do 1º ciclo. Como o Programa têm
uma certa maleabilidade e apela à escolha do que se pode fazer, permito-me fazer
algumas sugestões que poderão ajudar os professores menos confiantes nas suas
capacidades.
Comecemos pela VOZ, que como se sabe é o recurso primordial nas actividades
de expressão e educação musical, e infelizmente considerada muitas vezes como
perturbadora do normal funcionamento das actividades escolares. Quando o professor
solicita os seus alunos para situações de jogo de descoberta das capacidades expressivas
da voz terá de aceitar o modo pessoal como cada aluno entende e responde ao que se lhe
pede. Não há certo e errado nestas situações. Dizer e entoar com expressividade nomes
próprios de plantas ou animais ou imitar os sons do meio ambiente e da natureza são
situações familiares para os alunos. A novidade estará na solicitação do professor, ao
incluí-las na sua prática pedagógica, tirando partido e valorizando o que cada aluno é
capaz de fazer. Os jogos colectivos de criação de ambientes sonoros, gradualmente mais
complexos, ao serviço de textos e histórias, são o culminar do domínio das
potencialidades vocais.
As rimas e canções são talvez o capítulo onde mais se espera do professor. De
início, deverá haver uma maior atenção às rimas e canções infantis, dando-se clara
preferência às que pertencem ao património tradicional.
Muito haveria a dizer de outros capítulos do programa em que o empenhamento
dos professores é indispensável. As limitações de espaço levam-nos a optar por referir
que o dia a dia na sala de aula poderia ser bem mais agradável se o professor
proporcionasse aos seus alunos a audição de obras musicais que estudos recentes
(Tomatis, 1996; Campbell, 1997) indicam como facilitadoras da concentração e bem
estar dos alunos, tornando familiares obras e autores que merecem ser conhecidos. Veja-
se a propósito o livro de Maria Luísa Amado, O prazer de ouvir música, sugestões
pedagógicas de audições para crianças, publicado em 1999 pela Editorial Caminho.
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Como recursos a consultar está em primeiro lugar o próprio Programa cujo estudo
tem talvez sido descurado. E o documento Currículo Nacional do Ensino Básico –
Competências Essenciais (ME-DEB, 2001) nos capítulos referentes à Música. A
Associação Portuguesa de Educação Musical publicou em Setembro de 2006 o
documento “Orientações Programáticas do Ensino da Música no 1º Ciclo do Ensino
Básico”, da autoria de António Ângelo Vasconcelos e com o contributo dos mais
qualificados formadores portugueses nesta disciplina. Todos estes documentos e muitos
outros estão disponíveis em Portais portugueses de fácil acesso.
Sabemos que não será possível de imediato ter os recursos humanos (mais do que
os materiais) necessários para que a Música esteja ao alcance de todas as crianças do 1º
Ciclo. Mas queremos acreditar que será possível avaliar o que se está a realizar e tomar as
decisões certas. A oferta de formação pela Escola Superior de Música de Lisboa
destinada a animadores das actividades de enriquecimento curricular na área da música é
um sinal de que poderá haver uma resposta de qualidade ao desafio feito pelo Ministério
da Educação.
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