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O zumbir adestrado
por Caroline Guimarães Gil
A arte de parar
phen King! de acabar com aqui-
Pegue uma pane- lo tudo. É neste ins-
la de pressão e vá tante, que muita de-
colocando nela: um sordem surge. Os
Arte é aquela criação inspirada, o momento único pouco de sangue, conflitos das rela-
onde o criador une sua intuição e sentimentos com o psiquismo, esote- ções interpessoais,
mundo e se expressa numa síntese de elementos que rismo, misticismo, e é isso o que mais
nem ele mesmo sabe exatamente quais são. Enfim, é moralismo, ética, me chama a aten-
um momento sagrado e especial. Não me surpreende
que chamamos de “arte” tudo aquilo que demanda um metáforas, ficção, ção nas histórias
empenho além do natural, como “futebol arte”; “arte realidade, outras di- mirabolantes des-
do encontro” e nesse grupo temos a “arte de parar”, mensões, relações te famoso escritor.
que é aquele momento de intuição aguçada onde se interpessoais e to- Pois o que mais me
escolhe pendurar as chuteiras, sair de campo antes dos os tipos, eu dis- espanta, não são os
que alguma coisa séria e ruim aconteça com sua vida, se TODOS os tipos zumbis, monstros,
ou a dos outros. de pessoa que en- pessoas de outras
Numa conversa com meu amigo Machado (sim, o contrar. Pronto! Te- dimensões, e sim, o
de Assis, o imortal das letras) fiquei sabendo que remos uma histó- comportamento do
ele achou um desses homens iluminados e, por que ria de Stephen King. ser humano diante
não corajosos, num anúncio de um jornal. Dizia lá: É, não é tão simples as- situação em grupo. Come-
“Vende-se uma casa de barbeiro fora da cidade, o sim quanto parece. Pare- ça um conflito de valores,
ponto é bom e o capital diminuto. O dono vende por ceu simples? Enfim, para pois até então, você pas-
não entender do ofício”. Tanto no Machado, quanto em quem já leu Celular, deve sa a ter que conviver com
mim o espanto foi o mesmo. Não só pelo exemplo de ter ficado chocado como pessoas que nunca viu an-
coragem ter vindo de um barbeiro, mas pela raridade eu quando chegou ao fi- tes. Os demais passam a
de se ver gente honesta consigo e com os outros a nal da história, melhor di- conhecer nossos momen-
ponto de reconhecer que não entende do que está zendo, ficou chocado du- tos de tristeza, nossa maior
fazendo e parar, respirar fundo e recomeçar em outra rante todo o processo da fraqueza, nossas crenças e
seara. história! filosofia de vida. Há pes-
Dizem que o trabalho enobrece o homem. Mas quão
nobre é um homem que faz serviço mal feito pois Neste livro em particular, soas que durante a trama
não gosta do que faz? Quão nobre é o sujeito que Stephen relata a respeito não suportam o terror dos
odeia o próprio dia. Quão nobre é andar cabisbaixo, da agressividade humana acontecimentos e se suici-
choramingando, frustrado? E o pior, o que há de um considerado “instinto”, dam, outras matam achan-
nobre em executar um serviço de qualidade inferior que segundo ele, o ser hu- do que é a melhor forma
ou sequer satisfatória? Seria nobre, então, enganar mano possui, guardando de solucionar os proble-
a todos que precisam dos seus préstimos? Ok, sem seus impulsos primitivos. mas, enquanto algumas
mais perguntas. A história se desencadeia tomam a posição de líde-
E aí me veio uma outra história, também de barbeiros, quando o personagem res outros preferem ficar
acho até que aconteceu no mesmo salão que estava à principal Clayton Riddell na retaguarda.
venda no jornal que o meu amigo Machado leu. Essa percebe uma mudança Stephen King se utiliza
história me chegou por um outro amigo, de São Paulo, drástica nas pessoas: al- do imaginário para desen-
o Luis. Lá vai: gumas começam a se ma- volver suas obras, mas não
Chegou um rapaz sem um dos braços no salão do tar de forma aterrorizante. é isso que nos assombra,
barbeiro e pediu um corte completo. “Barba, cabelo e Mas, o que afinal estaria o que mais nos instiga é o
bigode” – pediu o moço. O barbeiro pô-se ao trabalho acontecendo? Com o pas- comportamento humano.
imediatamente. Tesoura pra lá, tesoura pra cá, espuma sar do tempo, Clayton des- Para quem se interessar,
de barbear, navalha sobe, navalha desce...sangue cobre que há alguma re- vale a pena procurar os
escorre, orelhas à perigo... e alguns gemidos de dor lação em especial aos filmes baseados em suas
e medo. fatos com o celular. Todas obras, mas, fique tranqüilo
Terminado o serviço e curativos feitos, o barbeiro
olhou bem pro cliente e disse: as pessoas que se utiliza- se acaso no final você sen-
- Ora, mas eu conheço o senhor! O senhor não foi ram dele passaram a ter tir uma fúria tremenda ou
meu cliente há muito tempo atrás? comportamentos esquisi- começar a rir sem sentido.
E respondeu o maneta, em tom de sarcasmo:
- Não, o braço eu perdi num acidente de carro, ano
passado.
Ora, está mais do que provado que foi sábio o barbeiro
quando, ao ver o perigo e transtornos que poderia
causar se metendo onde não tem vocação, abandonou
o posto e mudou de vida. Foi cuidar, certamente, de
algo que sabe fazer.
Mas isso acontece com outras pessoas e empregos
pelo Brasil. Veja o caso do nosso amigo literata,
senador e insistente José Sarney. Ele pode entender
de Política, de vida pública e ter um currículum muito
legal, mas estou certo que não é o suficiente para
exercer sua função do jeito que se deve. Acho mesmo
que ele entende muito bem de outra profissão, mas
essa dá cadeia. Será que ele já ouviu falar sobre a
“Arte de Parar”?