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Conto do Encanto.

Canto do encontro.
Conto do encanto.
Acalanto do perdido,
Acolhido pelo pranto.

Acontece que hoje em dia já não se vêem mais fadas com tanta
freqüência. Embora elas nunca tenham sido tão comuns, quer em seus
hábitos, quer no convívio com os humanos. Mas ainda lembro de quando
se podia vê-las brincando pelos jardins da vizinhança. E, ainda que
estejam sempre presentes, parecem cada vez mais raras. Agora que se olha
apenas para a natureza e não se percebe mais os seres que brincam entre
as árvores. Agora que o homem insiste em negar a magia. Agora que ela se
faz tão necessária.
Os adultos, tão preocupados em afirmar sua auto-suficiência, se
esqueceram da magia. A deixaram enterrada, junto com suas fantasias e
seus sonhos, no jardim da casa dos pais, dos avós, ou perto de algum rio,
talvez um bosque da infância. Não sabem mais onde procurá-la. Parece
que, entre tantos contatos e compromissos, perderam o contato com suas
fadas madrinhas. Já não conseguem mais ouvi-las mostrando o caminho
para onde a magia repousa escondida.
Contudo, restam ainda algumas poucas fadas. Mas estas são
bastante discretas. È preciso um pouco de sensibilidade para que se possa
vê-las. Serão elas de uma raça especial ou superior de fadas? Talvez
apenas as mais fortes tenham sobrevivido. Às vezes penso que os homens
mais fracos têm as fadas mais fortes. Pelo menos a que cheguei a conhecer
me faz pensar assim.
Ela é encantadora, sua voz é doce e consoladora, é corajosa,
prudente e generosa como as outras fadas. Leve ela voa e livre ela sonha.
Suas lágrimas são sinceras, não se derramam à toa. Seu brilho é intenso e
vivo. Ela é bela, com uma beleza tão comovente que é impossível vê-la e
continuar indiferente. Beleza de fada, feita de magia. Mas em seus olhos
existe algo, algo raro mesmo entre as fadas. Não sei dizer exatamente o
quê é. (E penso que ainda que tentasse explicar, quem não a conhece não
entenderia). Mas pode estar certo de que quando ela sorri, o que se vê em
seus olhos não deixa dúvidas de que é uma fada especial.
Sua maneira de ser e seus hábitos também diferem das demais. Ela
não atende pedidos como as outras fadas. Na verdade, certos pedidos
parecem incomodá-la e a inibem. Em alguns momentos, até as próprias
palavras se tornam desnecessárias perto dela. (Talvez considere assim
estas que escrevo aqui).
Isso porque, ela sempre parece mais interessada na essência do que
na forma. Nos sentimentos do que na expressão deles. Parece conhecer
aquilo que vai dentro da alma da gente. Aquilo que se tem dificuldade de
dizer e de mostrar, por mais que se queira. E quando ela olha assim, no
fundo dos olhos, tudo parece tão belo e tão certo que nada nos convence
do contrário. Ela parece ver apenas o que é inteiro, o que é sincero. Ela vê
a beleza nas coisas que para nós parecem simples e imperfeitas. Ela vê
beleza até em mim.
E como eu havia dito, ela não atende mesmo aos pedidos, mas
realiza desejos. Assim, com graça, sem que seja preciso pedir ou merecer.
Ela conhece os desejos que eu mesmo tenho dificuldade em perceber. Ela
me mostrou que, muitas vezes, aquilo que peço não é exatamente o que
desejo. E, o que desejo, muitas vezes, não tenho jeito ou coragem para
pedir. Vai ver que é uma fada de desejos porque me conhece sem reservas,
por que me vê como sou.
Contudo, ela mesma não se reconhece fada e se diz comum. Parece
que sua graça, sua magia e seu encanto são surpreendentes e
incompreensíveis até mesmo para ela. Parece fazer o bem sem se dar conta
disso.
Por ser assim, às vezes ela se vê triste e só. Talvez pela indiferença
daqueles que já não vêem nem ouvem mais as fadas. Talvez porque as
pessoas já não tenham mais coragem de ser sinceras. Talvez pelas
cobranças e egoísmo daqueles que não compreendem seu modo de ser.
Talvez por temer aqueles que tentam aprisioná-la. Não sei ao certo porque
fica triste, ela nunca me disse. Acho que é algo pesado demais pra dividir
com um adulto.
O que sei é que, como é da natureza das fadas, há dias em que ela
voa pra longe. Tão longe que não se pode mais vê-la. E por longos dias fico
sem ter notícias dela. No começo até tentava chamá-la, sem resposta.
Percebi então que as fadas precisam voar sozinhas também. E aprendi a
deixava-la voar em paz. Com o tempo percebi que já não era mais preciso
chamá-la.
E ainda que não saiba a hora e o lugar, sei que ela sempre volta. E a
cada volta me surpreende com seu encanto. E é como se pela primeira vez
pousasse aqueles olhos em mim. E basta mesmo apenas um olhar para
que me conheça por completo, como se nunca tivesse partido. Talvez só
tenha ficado ausente dos meus olhos. Talvez só queira sentir um pouco de
saudade. Talvez tenha outras pessoas para tomar conta. Nunca tive muita
certeza sobre o que ela sente, embora ela sempre sorria a cada reencontro.
Acho que sorri por que sabe que, assim, realiza meu desejo mais profundo
e sincero.

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