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COMPETÊNCIAS OU CARGOS: UMA ANÁLISE DAS TENDÊNCIAS DAS BASES PARA

O INSTRUMENTAL DE RECURSOS HUMANOS

ARTIGO

Lindolfo Galvão de Albuquerque


Professor Titular da área de Recursos Humanos do
Departamento de Administração da FEA/USP.

Patricia Morilha de Oliveira


Graduanda em Administração de Empresas pela FEA/USP e
bolsista de iniciação científica pelo CNPQ.

RESUMO tendencies for the HR policies in the next ten years,


this article also presents the differences between
Este trabalho foi baseado, em parte, nos both models, pointing to their strengths and also to
resultados da Pesquisa RH 2010 (ALBUQUERQUE the problems related to each of them.
e FISCHER, 2000), que mostra a Gestão por
Competências como uma forte tendência da Gestão
1. INTRODUÇÃO
de Pessoas para os próximos 10 anos.
Fundamentado em levantamento bibliográfico e Na última década, em virtude das mudanças que
nos resultados da pesquisa, o artigo mostra a vêm ocorrendo no ambiente empresarial, ganhou
importância do processo de substituição dos expressão um novo conceito sobre Administração
sistemas tradicionais de gestão de pessoas, que têm de Recursos Humanos: o Sistema de Gestão de
o cargo como seu elemento base, pelos sistemas Pessoas por Competências.
baseados nas competências individuais, apontando Este sistema pode substituir os sistemas
as diferenças entre os dois sistemas, os fatores que tradicionais, baseados no cargo, que ainda hoje são
os favorecem e as principais críticas feitas a cada
largamente adotados apesar de suas deficiências e
um deles. desvantagens em relação ao sistema baseado nas
competências individuais.
ABSTRACT
O artigo explora a transição dos sistemas
tradicionais de gestão de pessoas para o Sistema de
In the past few years, the Competency-based
Gestão por Competências, de modo a mostrar o
model has been increasingly used as a new basis for
funcionamento de ambos, comparando suas
the Human Resources policies, replacing the job
vantagens e pontos de atenção, ante as tendências
analysis one. This new model consists today in one
que a área de Recursos Humanos apresenta para os
of the tendencies that will affect people
próximos 10 anos e conforme resultados analisados
management policies and procedures in the next
pela Pesquisa RH 2010 (ALBUQUERQUE e
decade.
FISCHER, 2000), que será utilizada como base para
This study aims to show this process of change in as análises das questões aqui propostas, juntamente
human resources policies, from the traditional com o levantamento do que diversos autores
models based on the job characteristics to the new publicaram sobre os temas estudados.
models based on the individual competencies.
Dessa maneira, o artigo analisa os fatores que
Based on bibliography and on the results of a levaram ao surgimento e popularização do sistema
research named HR2010, which covered the main de gestão baseado nos cargos, assim como os

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fatores que hoje o tornam objeto de várias críticas. treinamento para gerentes, focando habilidades no
Paralelamente, são mostrados os princípios básicos relacionamento interpessoal. No entanto, ainda se
do sistema de gestão por competências, suas tratava do “desenvolvimento de habilidades, e não
principais vantagens, bem como os fatores que de competências sociais, que agregassem valor à
levam à sua adoção. organização” (FLEURY, 1999).
Na década de 60 surgiu na Europa a abordagem
2. A UTILIZAÇÃO DOS CARGOS COMO sociotécnica, elaborada inicialmente por psicólogos
ELEMENTO-BASE DA GESTÃO DE sociais. O trabalho começava, já aí, a assumir
PESSOAS formas mais complexas e menos mecanicistas,
porém ainda sem relação mais profunda com a
Os sistemas de Gestão de Recursos Humanos que estratégia da empresa. Nos anos 80, foi marcante o
têm como elemento-base os cargos constituem hoje surgimento do modelo japonês de gestão, que se
a forma mais comum de sistema de Administração caracterizava por adotar o “trabalho cooperativo e
de Recursos Humanos encontrada nas empresas, de equipe, a falta de demarcação das tarefas a partir
embora venham sendo crescentemente questionados dos postos de trabalho e tarefas prescritivas a
por sua inflexibilidade e dificuldade de indivíduos” (HIRATA apud HIPÓLITO, 2000).
compatibilização com as novas formas
organizacionais e com a velocidade da organização O sucesso das empresas japonesas levou os
do trabalho. O método dos pontos, que é uma forma países ocidentais a repensarem suas concepções
de avaliação quantitativa dos cargos para determinar sobre organização e gerenciamento do trabalho.
a remuneração, foi criado por Merrill Lott e tornou- Ainda, o aumento da competição empresarial e da
se o método de avaliação de cargos mais utilizado diversificação da linha de produtos oferecidos pelas
no mundo (CHIAVENATTO, 1999: 236). empresas como fator de diferenciação favoreceu o
surgimento do conceito de gerenciamento dos
O início da utilização dos cargos como elemento- recursos humanos, alinhando a estratégia relativa às
base da gestão de pessoas dá-se juntamente com o pessoas à estratégia empresarial (FLEURY, 1999).
início da era industrial, atrelado aos modelos de Com o surgimento desse enfoque passou-se a dar
gestão Taylorista e Fordista (DUTRA, 1999), cuja maior importância ao desenvolvimento dos
característica mais marcante é o emprego da funcionários, como recurso para desenvolver as
produção em linha, que possibilitou o rápido estratégias empresariais. Várias práticas, como a
crescimento da indústria na época. A remuneração reengenharia, o downsizing, entre outras, foram
dos funcionários incluía, geralmente, pagamento criadas e tiveram seus momentos de destaque nessa
por peça (WOOD e PICCARELLI, 1999:32). fase e, segundo NAISBITT (apud HIPÓLITO,
Constitui-se em um sistema concebido pela lógica 2000), “fazem parte de um mesmo fenômeno: o
da engenharia, cujo principal papel era reduzir os desmantelamento das burocracias, na busca pela
custos com mão-de-obra e aumentar a produção, sobrevivência” em um ambiente competitivo.
minimizando o erro humano. Com o avanço da
industrialização, o sistema baseado no cargo foi 2.1. Deficiências do Sistema de Gestão baseado
tomando forma, com técnicas de análise, nos Cargos
especificação e avaliação de cargos. Por meio desse
A forma de gerir pessoas vem-se aprimorando
sistema facilitava-se a operacionalização do sistema
lado a lado com as diversas práticas de gestão
salarial, agrupando-se as muitas funções da fábrica
empresarial, sofrendo os impactos das crises
conforme as características semelhantes.
econômicas mundiais do crescente aumento da
Altamente técnico no início, o sistema de gestão competição entre as empresas e da globalização. O
baseado no cargo foi sofrendo mudanças ao longo Sistema de Gestão baseado no cargo tem sofrido
de sua existência, passando a dar maior ênfase aos muitas críticas, já que foi concebido em um
aspectos comportamentais. Já na década de 30 mercado com baixa variabilidade de produtos e
surgiam programas mais estruturados de ganhos de escala, e que se caracterizava por exibir

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mão-de-obra abundante, com baixa exigência de • Metodologia desatualizada, que faz com que o
qualificação, e atividade de produção rotineira e sistema passe uma “ilusão de mensuramento”
estruturada (DUTRA, 1999). Entre as limitações (EMERSON, 1991:48), pois tenta quantificar as
dos sistemas tradicionais apontadas pela literatura, funções com uma falsa objetividade (HIPÓLITO,
podem-se citar: 2000) sobre a realidade organizacional. Muitas
vezes, na tentativa de agrupar várias funções
• Falta de flexibilidade do sistema baseado nos
numa mesma descrição de cargo, acaba-se por
cargos, que está-se tornando obsoleto dadas as
não descrever bem nenhuma das funções
condições atuais em muitos mercados, tais como
agrupadas (EMERSON, 1991:40). Há ainda o
a reestruturação organizacional, o downsizing, a
alto custo de revisão do sistema: manutenção
reengenharia, a introdução de novos produtos no
trabalhosa, muito tempo gasto com comitês de
mercado, e até mesmo o surgimento de novas
avaliação de cargos, e, por vezes, desperdiçado
formas de organização do trabalho, como as
pois o sistema tem vida curta (WOOD e
equipes virtuais. Em virtude dessas mudanças, os
PICCARELLI, 1999).
funcionários têm trabalho a ser feito, mas muitos
não terão um cargo certo e bem definido por • Centralização das decisões na área de RH,
muito tempo (LAWLER III, 1998: 57). O sistema impedindo que os gerentes, principais
atual acaba por apresentar “baixa flexibilidade, responsáveis pelo dia-a-dia dos funcionários,
reduzindo a agilidade organizacional”, possam opinar nas decisões salariais. Nos
promovendo um “estilo burocrático de gestão” sistemas tradicionais a “descentralização das
(HIPÓLITO, 2000). decisões salariais” é inviável (HIPÓLITO, 2000).
•O sistema tradicional de gestão não recompensa • Desalinhamento com a estratégia da empresa,
os funcionários pelo que realmente se espera que com uma grande “dificuldade em acompanhar e
eles façam, já que as faixas salariais, nos sistemas sinalizar os objetivos organizacionais”
baseados no cargo, tendem a reproduzir o valor (HIPÓLITO, 2000), privilegiando as “ligações
de mercado: média, valores máximo e mínimo. hierárquicas em detrimento do foco nos processos
Raramente os gestores têm permissão para críticos e no cliente” (WOOD e PICCARELLI,
remunerar o indivíduo acima das faixas salariais, 1999).
não importa quanto o desempenho esteja acima
• Incentivo ao carreirismo, o que torna as
da média (EMERSON, 1991: 40). Dado o uso dos
promoções verticais excessivamente importantes
cargos, geralmente reconhece-se o tempo e não a
e dificulta a convergência de esforços para
contribuição dos funcionários quando da tomada
objetivos comuns (WOOD e PICCARELLI,
de decisões; assim, o sistema não “encoraja o
1999: 43).
desenvolvimento de habilidades e competências”
(HIPÓLITO, 2000). • Limitação da área de atuação das pessoas,
induzindo “as pessoas a se enxergarem dentro de
• Falta de confiança nas informações obtidas de
um sistema sobre o qual elas têm pouca ou
pesquisa salarial (HIPÓLITO, 2000), já que em
nenhuma influência e, conseqüentemente,
razão das mudanças freqüentes nas organizações,
consideram sua responsabilidade limitada à sua
a mesma denominação para um cargo nem
área de função” (SENGE apud HIPÓLITO, 2000:
sempre significa as mesmas atribuições em
40).
organizações diferentes. As funções
desempenhadas por indivíduos que teoricamente
2.2. Por que hoje o Sistema de Gestão baseado
ocupam os mesmos cargos são com freqüência
no Cargo ainda é o mais utilizado?
diversas em organizações diferentes, já que o
mais comum ultimamente são funções pouco Apesar de se apontarem várias limitações ao
padronizadas, que variam muito segundo a sistema que utiliza os cargos como elementos-base
realidade de cada empresa e de cada mercado. da gestão de pessoas, ele ainda hoje é o sistema
mais utilizado, embora em processo de atualização

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para sistemas mais modernos, como o de estabelecimento de faixas maiores para a


competências. Entre os motivos que o fazem ser promoção dos funcionários, o que facilita a
ainda o sistema mais popular estão: tomada de decisão por parte dos gerentes no
sentido de se utilizar a remuneração como
•O sistema de cargos ajuda a dar coerência interna
incentivo ao desenvolvimento dos funcionários,
à organização, montando estruturas hierárquicas
sem que isso represente grandes aumentos
que são fáceis de serem compreendidas pelos
salariais; ainda permite diferenciar profissionais
funcionários e produzem um sentimento de
da mesma faixa salarial mas que possuem
justiça e eqüidade interna (HIPÓLITO, 2000);
qualificações ligeiramente diferentes na empresa
• Como a maior parte das empresas adotam hoje (HOFRICHTER, 1993).
sistemas de cargos e salários, pode-se dizer que a
• Utilização de metas coletivas, por meio de bônus
remuneração funcional permite eqüidade externa,
variáveis utilizados como premiação e
já que facilita a comparação dos salários
recompensa (WOOD e PICCARELLI,1999:63).
praticados na empresa com os do mercado;
todavia, por ser procedimento adotado Apesar das adaptações do sistema baseado em
correntemente nas empresas, os sistemas de cargos, elas não resolvem por completo os
gestão baseados no cargo “nem sempre são problemas que a estrutura por cargos apresenta, pois
adotados por serem eficazes e gerarem soluções continua-se a “manter centralizadas as decisões
comprovadas” (WOOD e PICCARELLI). Muitas salariais”, tornando a estrutura “lenta” face às
vezes, isso acontece simplesmente por se adotar o necessidades de mudanças. Ainda há um outro
que é padrão. problema que permanece: o valor do cargo continua
sendo definido em termos relativos,
Existem ainda algumas tentativas de aperfeiçoar
comparativamente com as outras posições
o sistema baseado nos cargos, que não se têm
existentes (HIPÓLITO, 2000). Sendo assim, segue-
apresentado como as melhores soluções. Entre elas,
se não recompensando as pessoas diretamente por
podem-se citar:
seu valor, e não incentivando o desenvolvimento
• Modificação das descrições, de forma a focar individual.
processos e incluir informações sobre clientes
internos e externos, serviços ou produtos
3. A GESTÃO POR COMPETÊNCIAS
fornecidos e expectativas desses clientes, ao invés
COMO UMA TENDÊNCIA NA GESTÃO
de serem específicas e restritas às atividades de
DE PESSOAS
rotina dos funcionários. As descrições passam a
incluir também uma maior reflexão sobre a
Nos anos 90 começou a tomar forma um modelo
identidade e missão da função (WOOD e estruturado de gestão de pessoas, que tem como
PICCARELLI, 1999: 62). peculiaridade considerar a “participação dos
• Redução no número de cargos descritos, funcionários” como sendo “essencial para que a
adotando-se maior generalidade nas descrições, o empresa implemente sua estratégia e crie vantagem
que evita que se engesse as pessoas nas competitiva” (LAWLER III, 1998: 12). Esse é o
limitações da função. Os cargos devem mostrar chamado Modelo de Gestão por Competências, que
somente as “diretrizes gerais de trabalho” é uma tendência apontada na gestão de pessoas para
(WOOD e PICCARELLI, 1999: 62), tornando as os próximos dez anos e à qual 33% das empresas
funções mais abrangentes, de modo que dêem participantes da Pesquisa RH2010 (op. cit.) já se
espaço para a iniciativa das pessoas. adaptaram (Quadro 3.1).
• Broadbanding, ou seja, ampliação das faixas
salariais de modo que se possibilite o

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Competências ou cargos: uma análise das tendências das bases
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Quadro 3.1: Pesquisa RH2010: Principais focos têm que ser desenvolvidas para se chegar a essa
de atenção das empresas nos próximos 10 anos estratégia. Porém, “as organizações que se
esforçarem neste sentido certamente conquistarão
Filosofias e Princípios de Gestão Sim uma vantagem competitiva importante sobre as
Diferentes vínculos de trabalho e formas demais” (WOOD e PICCARELLI, 1999: 88).
de relacionamento 97% Vários autores têm tentado definir o conceito de
Autodesenvolvimento 97% competência, e isso hoje representa uma das
Comprometimento da força de trabalho dificuldades encontradas para a difusão do sistema:
com os objetivos organizacionais 97% sua difícil conceitualização. Os primeiros conceitos
de competência surgiram nos estudos de
Gestão por Competências 96%
PRAHALAD e HAMEL (apud FLEURY, 1999),
Educação Corporativa 96% que definiram competência essencial como o
Empowerment 95% conjunto de habilidades e tecnologias necessárias
Gestão do Conhecimento 95% para agregar valor a uma organização. Para
diferenciar as competências essenciais das não-
Empregabilidade 93%
essenciais, é preciso considerar que uma
Gestão de RH coerente com negócios 92% competência essencial deve, de acordo com os
Fonte: Pesquisa RH 2010, 2000. autores, passar por três testes:
• Valor percebido pelo cliente: as competências
Inicialmente, o conceito de competência surgiu essenciais são as habilidades que permitem à
com base nas core competencies, ou competências empresa oferecer um benefício fundamental ao
essenciais, conceito desenvolvido por PRAHALAD cliente;
e HAMEL apud FLEURY (1999). De acordo com
os autores, o aumento de competição entre as • Diferenciação entre concorrentes: a competência
empresas, conhecimentos altamente perecíveis, essencial também deve representar uma
principalmente sobre a tecnologia, e grande característica que torne uma organização única entre
instabilidade são alguns dos fatores que fizeram – e seus concorrentes, muitas vezes não por ser a única
fazem – com que as empresas passem de uma a possuir aquela característica, mas sim por possuir
perspectiva de estrutura estável para a de essa competência num grau acima da média do
instabilidade e generalidade, orientadas por um mercado;
conjunto de competências que as diferenciem da • Capacidade de expansão: as competências essenciais
concorrência; as posições defensivas dão lugar a um são as “portas de entrada para os mercados do
desenvolvimento de vantagem competitiva que se futuro”, ou seja, devem dar vazão a uma gama de
sustente, e a estratégia alinhada ao mercado passa a novos produtos imaginados ou serviços a serem
ser uma estratégia que pressupõe que o mercado gerados a partir dela.
apresenta tantas mudanças e possibilidades que
torna necessária uma visão consistente para “criar” As competências essenciais devem, portanto, ser
as oportunidades de realização. um parâmetro norteador das políticas da empresa
em geral. Sob o ponto de vista da Gestão de
Assim, esse é um sistema que se liga menos às Pessoas, as competências tendem a estar
atividades cotidianas e operacionais do que os relacionadas com os indivíduos que fazem parte da
sistemas que ainda têm por base o elemento cargo, e organização. Assim, as competências individuais
que está mais voltado para o futuro da organização devem ser decorrentes das core competencies, que
como um todo, para a sua estratégia (LEDFORD, são atribuídas à organização.
1995). Prever o futuro, contudo, não é tarefa
simples; poucas empresas têm posicionamento Uma das definições mais conhecidas e aceitas
estratégico claro, ou visão clara sobre seu futuro, sobre o conceito de competência, já no sentido mais
daí a dificuldade em estabelecer quais competências individualizado, é dada por FLEURY (1999):

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“Competência é um saber agir responsável e estratégia da empresa. Diante de informações como


reconhecido, que implica em mobilizar, integrar, essas, pode-se construir um modelo que transforme
transferir conhecimentos, recursos, habilidades que necessidades de mercado em respostas para o
agreguem valor econômico à organização e valor mercado (HIPÓLITO, 2000), gerindo recursos
social ao indivíduo”. humanos de maneira competitiva.
Outros autores também contribuíram com sua O primeiro passo consiste, portanto, na
definição para a significação de competência, e identificação das competências organizacionais que
foram de grande valia para a compreensão do adicionem valor à estratégia da organização. Esse
assunto. LAWLER III (1998) enfatiza, em sua processo considera algumas questões, como o
definição, a importância de relacionar competências número de competências a serem listadas e a melhor
com a performance individual. Para ele, forma de identificação das competências.
competências são “características demonstráveis de
Recomenda-se que se faça uma lista “ao mesmo
um indivíduo, que incluem conhecimentos,
tempo sintética e completa” (WOOD e
habilidades e comportamentos, ligados diretamente
PICCARELLI, 1999: 93). É um erro muito comum
com a performance”. Esse conceito, que se refere
a definição de listas enormes de competências, que,
diretamente ao indivíduo, é importante, já que uma
com freqüência, confundem competências com
pessoa pode demonstrar as mesmas competências
traços e características de personalidade (PARRY,
independentemente de seu cargo atual.
1998: 59).
PARRY (1998) acrescenta mais três aspectos à
O processo de identificação das competências,
definição de competências: para ele, as
obtidas as informações sobre a intenção estratégica
competências devem ser “diretamente ligadas à
da empresa, passa por três fases (KOCHANSKI,
performance do indivíduo” e, dessa maneira, não
1998): definição das competências essenciais da
deveriam refletir meros traços de personalidade
organização, desdobramento em competências
“mensuráveis através de padrões usualmente
coletivas por áreas ou grupos e, por fim,
aceitos” e passíveis, portanto, de serem
detalhamento das competências individuais.
“desenvolvidas por meio de treinamento e
desenvolvimento”. Após levantar as competências organizacionais e
individuais, dá-se início à elaboração dos níveis de
Quanto à sua classificação, as competências
complexidade do trabalho, work levels, alinhados às
podem ser (FLEURY, 1999):
competências individuais. Na seqüência, elabora-se
• Competências Técnicas/Profissionais: específicas o modelo de competências e as respectivas
para uma operação, ocupação ou tarefa (desenho ferramentas – remuneração, treinamento,
técnico, operação de um equipamento, finanças). recrutamento e seleção, programas de carreira.
• Competências Sociais: saber ser, incluindo atitudes
3.2. Desenvolvimento de um modelo
e comportamentos necessários para o
personalizado
relacionamento entre pessoas (comunicação,
negociação, trabalho em equipe). De acordo com KOCHANSKI (1998: 27),
“existem várias maneiras de desenvolver um
• Competências do Negócio: compreensão do
modelo de competências; todas, porém, estão
negócio, seus objetivos, relações com o mercado,
fundamentadas na descoberta, uma vez que as
ambiente sociopolítico (conhecimento em negócio,
competências não são uniformes”. Com o
planejamento, orientação para o cliente).
argumento de que não deve haver uma fórmula
rígida para desenhar um sistema de remuneração
3.1. Operacionalização
por competências, já que as organizações variam na
O processo de operacionalização de um sistema estratégia e na especificidade de seus produtos,
de Gestão por Competências passa, LAWLER III (1998) desenvolveu um modelo de
necessariamente, pela definição e detalhamento da réguas que auxiliam as empresas a decidirem sobre

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o escopo de seu projeto de gestão por competências, considerados pelas organizações por determinarem
pois ainda hoje há organizações cujo sistema de os pontos que mais se adequam à realidade da
produção, ao menos em parte, assemelha-se muito empresa e, dependendo do seu porte, até mesmo à
aos sistemas tradicionais, específicos e rotineiros. realidade de partes da organização (Quadro 3.2).
Assim, existem alguns parâmetros que devem ser

Quadro 3.2: Escopo de um Projeto de Gestão por Competências

Desenho de um Sistema de Remuneração por Competências

Os Sistemas de Remuneração por Competências consistem em oito


dimensões-chave. Cada uma dessas dimensões oferece dois pólos básicos -
e opostos - para desenhar a escolha. As escolhas que tendem para a coluna
da esquerda são mais similares aos sistemas de remuneração tradicionais,
enquanto as escolhas que tendem para a direita são mais modernas.

Específico Genérico

Tradicional Moderno

De baixo para cima De cima para baixo

Complexo e preciso Elegante, simples

Observável Abstrato

Durável Temporário

Remuneração fixa Bônus variáveis

Valor de Mercado Valor estratégico

Fonte: LAWLER III, 1998: 58.

Cada parâmetro, de acordo com LAWLER III desenvolvidas, que estejam ligadas ao plano
(1998), deverá ser analisado para formar o sistema futuro da empresa. A vantagem de utilizar
que mais se adeque a cada organização, conforme competências já existentes é que elas são
segue: familiares à organização e se aplicam bem a
organizações estáveis. Porém, em alguns casos é
1. Especificidade X Generalidade. Quanto mais
necessário prever as necessidades futuras.
atreladas a um cargo específico, menos gerais se
tornam as competências. Elas podem ser 3. De baixo para cima X De cima para baixo. Pode-
determinadas dessa maneira quando dizem se determinar as competências com base no que
respeito a um certo cargo ou área da empresa. Já os indivíduos utilizam para desempenhar seus
com relação aos objetivos estratégicos, as papéis, para então chegar à estratégia da
competências tendem a ser menos específicas, e empresa, no topo da estrutura organizacional.
se aplicam a todos os funcionários da Esse método é muito parecido com o desenho
organização. dos sistemas tradicionais, portanto já conhecido
e mais fácil de ser aplicado. Quando se parte da
2. Tradicionalismo X Modernidade. O sistema
estratégia para as funções, tem-se como base a
pode também dar ênfase às competências que já
premissa de que as competências são mais
existem na organização, apresentadas por
relacionadas à estratégia da empresa do que ao
indivíduos de alta performance, ou então
que se pratica atualmente.
enfatizar novas competências, ainda por serem

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4. Complexidade e precisão X Elegância e focarem o cargo, esses sistemas passam a focar a


simplicidade. É possível definir as competências captação, retenção e desenvolvimento das
requeridas de forma complexa e precisa. Porém, competências críticas da Organização. Assim sendo:
corre-se o risco de deparar os mesmos problemas
• Captação: os sistemas de captação, no novo
do sistema de gestão por cargos, entre eles a alta
modelo, passam a buscar as competências da
especificidade, que gera uma grande dificuldade
organização e do grupo em que a pessoa vai estar
– e custo – para a revisão periódica do sistema.
inserida.
5. Observável X Abstrato. Quanto mais
• Treinamento e desenvolvimento: esses processos
observáveis as competências requeridas, mais
sofrem mudanças significativas relativamente aos
são relacionáveis com as necessidades técnicas
programas tradicionais. Os programas de
do trabalho e também com funções mais
aprendizado devem viabilizar o desenvolvimento
técnicas. Por outro lado, são mais fáceis de
das competências, e proporcionar um aprendizado
serem observadas e desenvolvidas pelos
“orientado para a ação”, o que nem sempre é
funcionários.
contemplado por aulas descritivas
6. Durável X Temporário. Muitas empresas (KOCHANSKI, 1998: 27). Como conseqüência,
acreditam que irão desenhar um plano de as organizações começam a desenvolver novos
competências durável. Porém, o que acontece na conceitos de aprendizagem, como por exemplo a
maior parte das vezes é que o sistema necessita criação das Universidades Corporativas, cuja
ser reavaliado. Um exemplo disso são os missão é “desenvolver os talentos humanos na
conhecimentos em tecnologia, que se modificam gestão dos negócios, promovendo a gestão do
muito rapidamente. conhecimento organizacional – geração,
assimilação, difusão e aplicação – por meio de
7. Remuneração Fixa X Bônus variáveis. Em geral,
um processo de aprendizagem ativa e contínua”
o mais comum é a adoção de remuneração fixa,
(EBOLI, 1999).
seja porque as empresas estão acostumadas à sua
utilização, seja por causa da própria estrutura de • No novo modelo de gerenciamento de carreira, o
custos das empresas. Especialistas aconselham, avanço não ocorre somente no sentido vertical
no entanto, a utilização de pagamento fixo para (WOOD e PICCARELLI, 1999). É necessária,
competências duráveis, e bônus variáveis para então, a montagem de um modelo de
remunerar competências temporárias. planejamento de carreira que enfoque as
progressões horizontais dos empregados, em um
8. Valor de Mercado X Valor Estratégico. Num
plano de carreira “ligado às competências”
sistema de remuneração por Competências, as
(KOCHANSKI, 1998: 27).
empresas podem relacionar os pagamentos pelas
competências com o seu valor de mercado – • Novos modelos de avaliação da performance dos
ainda utilizando as médias, mínimo e máximo funcionários surgem, tais como “auto-avaliação,
salariais para determinar o valor de mercado dos avaliação gerencial e feedback de 360 graus”
indivíduos. Porém, uma possibilidade é utilizar o (KOCHANSKI, 1998: 27).
mercado como valor de referência, mas com a
opção de remunerar acima ou abaixo, de acordo
4. METODOLOGIA DA PESQUISA
com o valor estratégico de cada competência.
UTILIZADA
Uma vez implementado um sistema de gestão por
competências que abrigue todas as ferramentas de Este trabalho foi preparado tendo como principal
RH, ele deve ser de fácil acesso a todos os fonte de informações a Pesquisa RH2010 (op. cit.),
funcionários (KOCHANSKI, 1998: 27). Quanto às e como objetivo, levantar as tendências de RH para
ferramentas desenvolvidas, a gestão por os próximos 10 anos. A metodologia utilizada foi a
competências modifica os sistemas tradicionais de Técnica Delphi, bastante recomendável para a
RH desde o seu conceito básico. Ao invés de previsão de cenários futuros. Por meio dela,

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Competências ou cargos: uma análise das tendências das bases
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especialistas respondem à pesquisa e recebem, pela resultados da tabulação da primeira rodada.


troca dos resultados, as opiniões dos outros Assim, puderam rever suas respostas, de posse da
participantes, até obterem consenso sobre os média das opiniões dos participantes da rodada
resultados. Portanto, trata-se de uma “técnica que anterior.
busca um consenso de opiniões de um grupo de
• Na terceira fase da pesquisa foi realizado um
especialistas a respeito de eventos futuros”
workshop, onde os participantes puderam se
(WRIGHT apud ALBUQUERQUE e FISCHER,
encontrar para discutir os grandes temas
2000).
levantados pelos questionários anteriores.
A Técnica Delphi é considerada uma Técnica
Os participantes da pesquisa foram selecionados
Qualitativa de Pesquisa Prospectiva. Os métodos
entre profissionais ligados à área de Recursos
prospectivos são utilizados quando não há dados
Humanos de grandes empresas – em geral foram
históricos disponíveis sobre o fato que se pretende
escolhidas as empresas classificadas como
estudar. Assim, aplicam-se muito bem a análises de
Melhores e Maiores pela revista Exame, professores
futuro, como a da pesquisa citada.
das principais Universidades do país e consultores
Nela, a coleta dos dados deu-se em três fases, a na área de Gestão de Pessoas. Embora os
saber: consultores e professores também tenham
participado, a maioria dos participantes realmente
• Na primeira fase foi distribuído um questionário a
foi composta de gerentes e diretores de Recursos
168 participantes, que responderam à pesquisa
Humanos de empresas de médio e grande porte
sem a presença dos outros participantes.
(Quadro 4.1), já que, por estarem nessas posições,
• Na segunda fase, da qual participaram 120 são pessoas mais qualificadas para responder
respondentes, todos os participantes receberam os questões ligadas a tendências de RH.

Quadro 4.1: Perfil dos Participantes da Pesquisa RH2010

12.5% 5.0%
13.3%

20.0%

14.2%

35.0%

Gerente de Outras Áreas Professor Consultor


Gerente de RH Diretor de RH Outras

Fonte: ALBUQUERQUE e FISCHER, 2000.

Em média, os participantes são homens na faixa com a opinião de pessoas altamente qualificadas,
dos 40 anos de idade, dos quais a grande maioria capacitadas para nos dar um panorama da área de
(85%) passou por algum curso de especialização. Recursos Humanos.
Isso demonstra claramente que a pesquisa contou

Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 08, nº 4, outubro/dezembro 2001 21


Lindolfo Galvão de Albuquerque e Patricia Morilha de Oliveira

5. ANÁLISE DOS RESULTADOS globais, e para revitalizar seus produtos e serviços.


Assim, necessitam de pessoas atualizadas com as
A Gestão por Competências é apontada por 96% tendências de mercado e de seu campo de
dos participantes da pesquisa RH2010 como uma atualização tanto em termos nacionais como
tendência hoje. Algumas mudanças sociais, internacionais”.
econômicas e políticas aparecem como
Há, no entanto, um grande acirramento da
catalisadoras desse processo de mudança.
competição entre empresas. Esse foi um outro
No Brasil, a grande maioria (99%) dos aspecto relevante, apontado por 97% dos
executivos pesquisados concordou que ocorrerão participantes. E quanto maior a competição,
mudanças significativas ou até mesmo radicais nos melhores práticas de gestão são desenvolvidas no
próximos anos, na Gestão de Pessoas. Essas mercado, exigindo das empresas maior mobilidade
mudanças terão impacto principalmente sobre os e flexibilidade na tomada de decisões.
princípios, filosofia e estratégias gerais de gestão
Uma outra tendência do cenário mundial que
das empresas, o que as levará a redefinirem toda sua
igualmente gera demanda de práticas mais efetivas
atuação, já que os princípios, filosofias e estratégias
de gestão de pessoas é o processo crescente de
são a base para a definição das políticas, práticas,
fusões e aquisições (89% dos respondentes
instrumentos, estrutura e forma da organização, e
apontaram esse aspecto). O aspecto humano,
para a própria definição do perfil do profissional
quando se trata de fusões e aquisições, é um dos
que atuará nela.
pontos de maior complexidade e importância, pois o
De acordo com WOOD e PICCARELLI (1999), conflito de culturas entre as empresas que se estão
o crescimento do setor de serviços na economia é unindo pode levar a diversos problemas,
uma característica do desenvolvimento dos países, e impactando a qualidade e produtividade de ambas
é acompanhado de forte demanda de profissionais as empresas; mas esse aspecto pode também ser
qualificados. Assim, a gestão por competências transformado em vantagem competitiva, se se
surge como uma alternativa para atrair os souber aproveitar o que há de melhor nas duas
profissionais que apresentem características mais culturas. Daí a necessidade de uma política de
ligadas à estratégia da empresa, além de Recursos Humanos mais flexível e eficaz para lidar
desenvolver os empregados atuais. com essa situação.
No ambiente em que essas empresas estão
5.1. Vantagens oferecidas pelo Sistema de
inseridas, muitas são as mudanças que estão
Gestão por Competências
ocorrendo, às quais, segundo os participantes, a
maioria das empresas ainda não se adaptou. O Sistema de Gestão por Competências surge
como resposta para muitas preocupações das
No que tange ao cenário mundial, as empresas
empresas nos próximos 10 anos. Entre essas
deverão desenvolver princípios e estratégias que se
preocupações, que estão fortemente relacionadas ao
adaptem à cada vez mais rápida globalização da
desenvolvimento do novo modelo de gestão, são
Economia, das empresas e dos negócios (citada por
citadas a seguir as principais, apontadas pela
98% dos participantes). Ligado a esse fenômeno da
pesquisa acima mencionada e pela literatura.
Globalização, há ainda o fator da integração do
Brasil em Blocos Econômicos, também apontado Manter a Gestão de RH coerente com os
por 92% dos respondentes. Esses dois aspectos Negócios é uma preocupação de 99% das empresas
influem nas relações da empresa com outras áreas pesquisadas. Esse princípio é um dos responsáveis
geográficas, nacionalidades e culturas, expandindo pelo status estratégico que hoje é atribuído ao
o leque de oportunidades de negócios, que antes era Sistema de Gestão por Competências (WOOD e
somente local. Segundo DUTRA (1999), “as PICCARELLI, 1999: 87), uma vez que este define
empresas hoje demandam também uma maior as competências requeridas pelos funcionários de
velocidade para entrar e sair de mercados locais e

22 Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 08, nº 4, outubro/dezembro 2001


Competências ou cargos: uma análise das tendências das bases
para o instrumental de Recursos Humanos

“cima para baixo”, ou seja, da “estratégia para a com desempenho muito acima ou muito abaixo da
tarefa” (LAWLER III, 1998). média, que são geralmente os que mais chamam a
atenção dos gerentes no dia-a-dia, quando imperam
No âmbito dos funcionários, a Gestão por
os métodos tradicionais (GREENGARD, 1999;
Competências surge como um fator motivacional, já
KOCHANSKI, 1998).
que incentiva o desenvolvimento pessoal e
profissional dos funcionários, pois eles vão O sistema de Gestão por Competências
adquirindo mais e melhores competências. acompanha a “velocidade de comercialização de
Ultimamente, vêm ocorrendo mudanças no conjunto produtos no mercado, a satisfação dos clientes” e “a
de expectativas das pessoas em relação às suas flexibilidade” dos mercados atualmente
carreiras (DUTRA, 1999), uma vez que as pessoas (KOCHANSKI, 1998).
estão “cada vez mais remetidas a elas mesmas como
Por fim, o Sistema de Gestão por Competências
referência para sua relação com o mundo, estando
“representa uma mudança cultural em direção a um
cada vez mais mobilizadas por valores como
maior senso de responsabilidade e autogestão dos
autonomia e liberdade nas suas escolhas de
funcionários” (KOCHANSKI, 1998), o que vem em
carreira”. Também ganham maior atenção aspectos
resposta a uma das maiores preocupações atuais dos
como integridade física, psíquica e social, e, nesse
gestores, que consiste em aumentar o
sentido, a Gestão por Competências surge como
comprometimento dos funcionários com os
fator motivacional e de retenção de talentos.
resultados do negócio (ALBUQUERQUE e
O que acaba ocorrendo, nesse sentido, é uma FISCHER, 2000).
maior pressão para que as empresas sejam
transparentes com as pessoas e possuam processos
6. LIMITAÇÕES DO ESTUDO
de comunicação mais eficientes, gerando assim uma
maior expectativa de vida em geral, o que amplia o O presente trabalho foi realizado com base numa
tempo de vida profissional ativa dos funcionários. revisão bibliográfica, e em partes do resultado da
Existe hoje uma “maior exigência de condições pesquisa RH 2010, que tratou de tendências na
concretas para o contínuo desenvolvimento” gestão de pessoas. Para um estudo mais
(DUTRA, 1999) e pressão para que as pessoas aprofundado do tema, seria necessário um estudo de
continuamente se atualizem, como condição para casos de implantação do Modelo de Gestão por
sua empregabilidade. De fato, a questão da Competências e de seus resultados. Porém, em
empregabilidade foi apontada por 94% dos virtude do fato de o tema ser recente, é grande a
participantes da Pesquisa RH2010 como uma das dificuldade em encontrar informações sobre casos já
maiores preocupações quando da tomada de decisão implementados.
na Gestão de Pessoas, e, conforme foi visto, está
relacionada com os pontos positivos oferecidos pelo
Sistema de Gestão por Competências. 7. RECOMENDAÇÕES DE ESTUDO
O desenvolvimento das competências no novo Para maior aprofundamento, recomenda-se um
modelo é também incentivado de forma autogerida, estudo mais detalhado das mudanças que o Modelo
ou seja, os funcionários passam a gerenciar o de Gestão por Competências traz às diversas
próprio desenvolvimento (GROVES, 1999). Essa é práticas de Recursos Humanos: remuneração,
uma característica que surge como resposta à treinamento, recrutamento e seleção, avaliação de
preocupação das empresas de incentivar o desempenho e planos de carreira.
autodesenvolvimento de seus funcionários, e foi
consenso entre os participantes da pesquisa.
8. CONCLUSÃO
As competências também proporcionam um
método estruturado para remunerar o desempenho Este trabalho faz um paralelo entre os sistemas
de todos os funcionários, e não somente daqueles tradicionais de gestão de pessoas, baseados no

Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 08, nº 4, outubro/dezembro 2001 23


Lindolfo Galvão de Albuquerque e Patricia Morilha de Oliveira

cargo, e os mais modernos, que estão baseados no 9. BIBLIOGRAFIA


conceito de Competências. O sistema de Gestão por
Competências surgiu na década de 90, e hoje se ALBUQUERQUE, L. G. e FISCHER, A. L.
constitui em uma tendência para a área de Recursos Pesquisa RH 2010: Uma análise das tendências
Humanos, revelada pela Pesquisa RH2010, que em gestão de pessoas para os próximos 10 anos.
analisou tendências de RH para os próximos 10 São Paulo: FIA/FEA-USP, 2000.
anos. Nessa pesquisa, Competências surge como CHIAVENATO, I. Gestão de Pessoas: O novo
uma tendência, apontada por 96% das empresas
papel dos recursos humanos nas organizações.
pesquisadas, de relativa dificuldade de São Paulo: Editora Campus, 1999.
implementação.
DUTRA, J. S. Gestão da Carreira por Competência.
Tal dificuldade está relacionada principalmente
In: CURSO ABERTO EM GESTÃO POR
ao fato de Competências ser ainda um conceito em COMPETÊNCIAS, 1º, 1999, Anais. São Paulo:
desenvolvimento, e de haver relativa dificuldade PROGEP FIA/FEA-USP, 1999.
para ser entendido, já que existem diversos
significados para o termo Competência, dados por EBOLI, M. As Universidades Corporativas. In:
diversos autores. Ainda existe uma grande CURSO ABERTO EM GESTÃO POR
dificuldade relacionada a aspectos comportamentais COMPETÊNCIAS, 1º, 1999, Anais. São Paulo:
quando se trata de entender o funcionamento do PROGEP FIA/FEA-USP, 1999.
Sistema de Gestão por Competências, ou de EMERSON, S. M. Job Evaluation: A barrier to
implementá-lo. Daí a importância de implementar o excellence? Compensation & Benefits Review,
sistema com uma equipe especializada e envolver New York: American Management Association,
todos os níveis da Organização. v. 23, p.39-51, jan./fev. 1991.
As dificuldades para implementar o novo Sistema FLEURY, M. T. L. Modelo de Gestão de Pessoas
de Gestão são rapidamente compensadas pelas por Competências. In: CURSO ABERTO EM
diversas vantagens que ele traz. Basta verificar as GESTÃO POR COMPETÊNCIAS, 1º, 1999,
tendências reveladas pela Pesquisa RH2010, Anais. São Paulo: PROGEP FIA/FEA-USP,
representativas das grandes preocupações dos 1999.
gestores de RH hoje, e colocá-las ao lado das
vantagens em utilizar Competências, para ver que GREENGARD, S. Competency Management
estas respondem diretamente às preocupações dos Delivers Spectacular Corporate Gains.
gestores. São muitas as melhorias apresentadas pelo Workforce, [s.l.: s.n], p. 104-105, mar. 1999.
novo sistema, citadas ao longo do trabalho, das GROVES, F. e HOLLISTER, M. E. Recruit,
quais podemos mencionar algumas: maior Reward and Retain. Professional Builder
flexibilidade; facilidade em recompensar Magazine, [s.l.: s.n], p. 67-70, nov. 1999.
devidamente os funcionários, estimulando o
desenvolvimento de novas características HIPÓLITO, J. A. M. A Gestão da Administração
necessárias ao Negócio; alinhamento da Estratégia Salarial em Ambientes Competitivos: Análise de
da Empresa com a Estratégia de Gestão de Pessoas; uma metodologia para construção de sistemas
maior facilidade para manter o sistema; de remuneração por competências. Tese
descentralização das decisões de RH, dando maior (Mestrado em Administração) – Departamento
autonomia aos gerentes, entre outras. de Administração da Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade. São Paulo:
A grande questão que permeia os pontos Universidade de São Paulo, 2000.
positivos do sistema é a constatação de que os
sistemas tradicionais não mais se adaptam à HOFRICHTER, D. Broadbading: A ‘Second
realidade vivida atualmente pelas empresas. Generation’ Approach. Compensation &
Benefits Review, New York: American

24 Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 08, nº 4, outubro/dezembro 2001


Competências ou cargos: uma análise das tendências das bases
para o instrumental de Recursos Humanos

Management Association, p. 53-58, set./out.


1993.
KOCHANSKI, J. Mais e melhores competências.
HSM Management, São Paulo: HSM Cultura e
Desenvolvimento, p. 24-28, nov./dez. 1998.
LAWLER III, E. Estratégia versus funcionários.
HSM Management, São Paulo: HSM Cultura e
Desenvolvimento, p. 12-15, set./out. 1998.
LEDFORD Jr., G. E. Paying for the Skills,
Knowledge, and Competencies of Knowledge
Workers. Compensation & Benefits Review,
New York: American Management Association,
p. 55-62, jul./ago. 1995.
PARRY, S. B. Just what is a competency? (and why
should you care?). Training Magazine, [s.l.:
s.n], p. 58-64, jun. 1998.
WOOD, T. Jr. e PICARELLI, V. Filho.
Remuneração Estratégica: A nova vantagem
competitiva São Paulo: Editora Atlas, 1999.

Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 08, nº 4, outubro/dezembro 2001 25

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