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Comissão de Inquérito aos acontecimentos da Lota de Matosinhos

1. - A Comissão Política Nacional deliberou constituir, em 15 de Junho de


2004, uma Comissão de Inquérito presidida pelo Presidente do Partido António
de Almeida Santos e ainda por José Vera Jardim e Jorge Lacão, encarregada
de proceder a um rigoroso e urgente apuramento dos factos e das
correspondentes responsabilidades relativos aos acontecimentos ocorridos na
lota de Matosinhos.

No cumprimento deste mandato, a Comissão de Inquérito tomou em conta as


reportagens e noticias divulgadas na comunicação social, reuniu registos
audiovisuais e fotográficos do evento, e, sobretudo, procedeu à audição de
dezenas de pessoas, cujos depoimentos recolheu acompanhados, nalguns
casos, de elementos documentais conexos.

De tudo se lavraram os correspondentes autos que ficam a integrar o processo


de inquérito aos acontecimentos da lota de Matosinhos, ocorridos durante a
visita dos candidatos do PS às eleições para o Parlamento Europeu, em 9 de
Junho de 2004, e que foram conclusos, incluindo o presente relatório e
correspondentes conclusões e proposta, em 26 de Julho p.p.

2. - A lista das pessoas ouvidas nos presentes autos, de que resultaram


sessenta e sete (67) depoimentos, vem identificada no frontispício dos autos.
Do processo consta, como sua parte integrante, um álbum fotográfico, um
dossier com recortes de imprensa e os registos audiovisuais das transmissões
televisivas com relação aos acontecimentos da lota de Matosinhos.

3. - Os factos

Com base nos depoimentos recolhidos (no seu conjunto, sem embargo de
algumas referências específicas ao longo do presente relatório) e na sua
avaliação crítica, bem como nas fotografias e registos audiovisuais e, ainda,
coadjuvantemente, nas notícias publicas na comunicação social sobre o
evento, a Comissão de Inquérito aos acontecimentos da lota de Matosinhos
apurou a seguinte factualidade que tem como provada ou fortemente
indiciada:

1 - Com imediata antecedência e durante a visita à lota de Matosinhos

1. No dia 9 de Junho, os candidatos da lista do PS ao Parlamento Europeu


saíram pela manhã, algum tempo depois das 08.00 horas (Auto VI, fls. 35) do
Hotel Ipanema, no Porto, em direcção à lota de Matosinhos

2. À saída do Hotel, Narciso Miranda, que aí se havia deslocado, foi


convidado, por responsável da caravana, a acompanhar o professor Sousa
Franco na viatura em que este seguia, tendo prosseguido juntos para a visita à
lota.

3. No momento da saída das viaturas, incorporou-se na caravana uma viatura


que dela não fazia parte e onde foram vistos seguir pelo menos três pessoas
desconhecidas dos restantes elementos da comitiva, que, segundo vários
testemunhos presenciais, ostentavam auricular de comunicações e revelavam
ser pessoas bastante robustas, mais tarde algumas delas identificadas como
tendo na lota exercido funções de segurança.

4. Entretanto, iam-se agrupando na lota as pessoas mobilizadas para esperar a


caravana do PS. E, segundo relatos coincidentes obtidos de várias
testemunhas (autos e fls. XV, 70; XXX, 144; XXXVIII, 172 e segs; XLVI, 212 e
segs; XLVII, 221 e 222; XLIV, 235; IXI, 266 e segs) passaram aí a ter lugar
alguns episódios evidenciadores de uma particular tensão latente. De que se
destacam:

- o agrupamentos das pessoas, militantes e simpatizantes do PS, que foram


aguardar a chegada da caravana, em dois grupos, gritando esparsamente "PS,
PS" mas, sobretudo, "Seabra, Seabra";
- o encabeçamento do grupo mobilizado pela Comissão Política Concelhia de
Matosinhos por parte do seu Presidente, Manuel Seabra, em relação ao qual os
presentes entendiam manifestar apoio com a palavra de ordem "Seabra,
Seabra" e a quem chegaram a erguer em ombros antes da chegada da
caravana;

- uma particular hostilidade evidenciada contra a pessoa de Narciso Miranda,


sobretudo identificada com um grupo de mulheres vendedoras de peixe e a
quem igualmente haviam sido distribuídos os materiais de campanha e as
bandeiras do PS.

5. Da ida em conjunto de Narciso Miranda como Prof. Sousa Franco foi por um
responsável da caravana dado prévio conhecimento a Manuel Seabra, presente
na lota (Auto XI, fls. 51); do clima de tensão vivido na lota nos momentos que
antecederam a chegada da caravana foi, também, dado conhecimento a
Narciso Miranda, por telemóvel, durante a deslocação da caravana do Porto
para Matosinhos (XV, 71).

6. Segundo Testemunhos de depoentes que seguiram no mesmo carro do


Professor Sousa Franco e de Narciso Miranda, este evidenciou no percurso um
estado de apreensão e nervosismo, procurando no entanto garantir ao
Professor Sousa Franco que tudo na lota se passaria bem (II, 11; XII, 53; XIII,
57).

7. O Professor Sousa Franco fora entretanto aconselhado a não usar os seus


óculos durante a visita, dada a especiosidade destes ligados a um aparelho
auditivo, e o risco de, na agitação possível e tradicional do momento da
visita, os mesmos poderem ser danificados. O Professor Sousa Franco passou a
confiar em Narciso Miranda para as funções de acompanhante permanente e
de guia durante a visita, disponibilidade em que este inteiramente assentiu
(II, 12; XII, 54).

8. Logo nos primeiros momentos da chegada à lota, pouco depois das 8.30 h.
(XXI, 97; XXX, 134), teve lugar um primeiro impacto com o candidato, com
destaque para o comportamento de um dos principais responsáveis da
recepção, o coordenador da secção do PS de Matosinhos, António Parada, o
qual, em atitude de envolvimento impetuoso, de imediato pretendeu afastar
o Professor Sousa Franco de Narciso Miranda, dado que aquele se encontrava
agarrado a este para melhor poder ser conduzido. Desta acção resultou uma
quase queda de Narciso Miranda e um acentuado desequilíbrio do Professor
Sousa Franco, circunstância que contribuiu para o rápido aumento da tensão
geral, para uma tentativa de agressão por parte de um dos presentes, usando
uma haste de bandeira num movimento sustado por outro mas que,
potencialmente, poderia ter atingido qualquer das figuras presentes (II, 12;
XV, 71; XVIII, 84; XXIX, 124 e 125; XXXI, 140; XXXII, 144; LVII, 255 e álbum de
fotografias, nº 3).

9. Passaram então a ouvir-se vivas dissonantes entre os manifestantes, mais


intensamente de "Seabra, seabra", menos intensamente de "Narciso, Narciso",
e, segundo os relatos, o menos ouvido de "PS, PS". Mas ouviram-se igualmente,
segundo muitos dos testemunhos (XXXII, 144; XXXIV, 153; XXXVIII, 176; XLVI,
215; XLVIII, 228 e segs; LI, 245; LII, 247; LVII, 260; LXI, 267), fortes insultos e
grosseiras injúrias dirigidas à pessoa de Narciso Miranda.

10. Durante o inquérito, a Comissão recolheu, aliás, múltiplos depoimentos


convergentes (II, 5 e segs; XXXVIII, 172 e segs; XLVII, 222; XLIV, 233, entre
outros) testemunhando o enquadramento de um grupo de vendedeiras de
peixe (presumivelmente de entre aquelas que vêm mantendo um conflito
arrastado com a CM em consequência da proibição por parte desta de venda
de peixe em condições ilegais) no sentido de expressarem, na ocasião, uma
atitude de hostilidade a Narciso Miranda. Vários desses depoimentos avultam
ainda no sentido de considerar que essa manifestação de hostilidade foi
especialmente encorajada ou até orquestrada pelo principal agente
coordenador da acção da visita à lota, o Presidente da secção de Matosinhos
do PS, António Parada, que aliás trabalha para uma empresa de segurança que
presta serviços à lota de Matosinhos, tendo-os já prestado à própria C.M. de
Matosinhos, por contrato que anteriormente cessara na sequência de um
concurso ganho por outra empresa.

11. Após a "turbulência" (assim descrita por muitos dos depoentes) do impacto
inicial, o Professor Sousa Franco, sempre acompanhado e enlaçado por Narciso
Miranda, foi levado a encetar uma deslocação intensa no sentido do interior
de edifício da lota, que alguns qualificam como sendo, numa primeira fase,
efectuada de forma rapidíssima e, até, quase em passo de corrida,
praticamente inviabilizando qualquer possibilidade de cumprimentos às
vendedeiras presentes (já que, em matéria de consumidores, estes eram
quase completamente ausentes). A referida deslocação mostrou-se, ainda
segundo muitos testemunhos (XIV, 62; XXV, 112; XXVI, 113 e segs.; LVII, 258 e
fotgs. 4, 5 e 6), enquadrada por forte cordão se segurança, dificultando, em
particular de trás para a frente, o acesso dos presentes à cabeça da comitiva
e levando mesmo a inevitáveis embates com as bancas e os cestos do peixe
que, nalguns casos, com protesto das vendedeiras, foi derramado pelo chão.

12. Neste circunstancialismo, as recorrentes manifestações de "Seabra,


Seabra", a espaços, de "narciso, Narciso" e, episodicamente, de "PS, PS" não
deixaram de se ouvir. Além disso, em vários momentos do trajecto, o
Professor Sousa Franco, submetido desde o Início à pressão dos
acontecimentos, tal como se relatam, voltava a ser fortemente interceptado
e incomodado por António Parada, sempre com o propósito de i afastar de
Narciso Miranda e, também, de fazer colocar, em posição supostamente
privilegiada junto deste, e consequentemente destacada para efeitos
mediáticos, a pessoa de Manuel Seabra.

13. Só uma intervenção estabilizadora da situação levada a cabo por António


Costa - que tendo andado inicialmente deslocado da cabeça da comitiva pela
impossibilidade de se ter acercado dela, veio em sentido oposto ao da
comitiva sustar o seu andamento de "ondulação em dia de tempestade" - para
referir a imagem de um testemunho (LI, 245) - acabou por permitir uma nova
volta ao recinto, de forma mais calma e propícia ao efectivo e mais sereno
contacto pessoal dos candidatos com as vendedeiras da lota.

14. Após esta fase da acção, mais serena, o Professor Sousa Franco saiu do
edifício da lota em direcção à respectiva viatura tendo, nesse momento, tido
oportunidade de trocar comentários breves com alguma comunicação social,
exibindo um bom estado de espírito e procurando minimizar o significado e o
impacto do sucedido na sua visita à lota. Mas pode verificar-se ainda, pelas
imagens televisivas exibidas, que, quando o Professor se dirige para a viatura,
as pessoas que o rodeavam vão gritando intensamente a palavra de ordem
"Seabra, Seabra".

15. Na sequência imediata do abandono da lota por parte do Professor Sousa


Franco, os ânimos voltaram a recrudescer com os gritos de "Seabra, Seabra" e,
menos, de "Narciso, Narciso", mais uma vez, com um grupo de mulheres, que
vários e impressivos testemunhos dizem ter visto ser orientadas por António
Parada, em atitude expressivamente hostil e injuriosa para Narciso Miranda
(LI, 245), ao ponto de os membros da caravana presentes terem receado pela
integridade física deste, facto que levou António Costa a decidir a sua rápida
evacuação do local, disponibilizando para o efeito a sua própria viatura (XIV,
64, entre outros).

16. Nos momentos que se seguiram, foi ainda António Costa quem procurou
reconduzir as coisas a uma aparência de normalidade, tanto nos contactos
com a comunicação social como numa recentração da acção em torno do PS e
não dos rivais de Matosinhos. Mas ainda aí os circundantes, apoiantes de
Manuel Seabra, tiveram como adequado catapultar este em ombros bem
como, de seguida, perante a perplexidade do próprio, António Costa, com
vivas de "Seabra, Seabra" e entrega a Manuel Seabra, para coroação final do
momento, de um ramo de flores (XIV, 65; XVII, 79; XXXII, 145).

Nota: Omitem-se do âmbito do relatório os aspectos concretamente referidos


ao trágico falecimento do Professor Sousa Franco, por não terem os mesmos
articulação directa com o apuramento das responsabilidades relativas aos
eventos da lota, tal como delimitadas no âmbito do presente inquérito.

II - Com relevância directa ou indirecta face aos factos ocorridos na visita


à lota

Face à narração sintética dos factos ocorridos na visita da caravana PS à lota


de Matosinhos, importava à Comissão de Inquérito poder determinar e apurar
os níveis e os graus de responsabilidade dos vários intervenientes pelos
eventos que aí se verificaram. Designadamente quanto a saber:

1 - Se o eclodir das rivalidades locais verificadas na lota de Matosinhos era


previsível, fora efectivamente previsto e de que modo tinha sido abordado ou
tentativamente prevenido;

2 - Se os eventos, tal como efectivamente ocorrerem, resultaram de uma


situação de descontrole inesperado ou foram potenciados por qualquer tipo de
comportamentos indutores ou, ainda, de qualquer forma, premeditados. A
este respeito, a Comissão pôde apurar, com relevo, o seguinte:

Quanto à primeira questão:

1. A Comissão apurou que os riscos de incidentes na lota de Matosinhos tinham


sido efectivamente levados ao conhecimento de dirigentes nacionais e
distritais do PS, por iniciativa de Narciso Miranda, e designadamente com
alerta ao Secretário Nacional da Organização, Vieira da Silva, e ao Presidente
da Federação do Porto, Francisco Assis. O referido alerta - que Narciso
Miranda reputou ter para si muita credibilidade por derivar de um acesso que
considerou muito fidedigno, através de interpostas pessoas, ao que se havia
passado no interior de reuniões onde se preparariam actos de hostilidade a si
especialmente dirigidos - terá sido ponderado mas não suficientemente
valorizado para justificar uma eventual anulação do programa da visita à lota
de Matosinhos.
A Comissão de Inquérito tomou também conhecimento de que, através da
publicação do jornal "Matosinhos Hoje", havia sido publicada uma sondagem,
no períodos imediatamente antecedente ao momento da campanha eleitoral
das europeias, evidenciando uma preferência maciça dos inquiridos pela
candidatura de Manuel Seabra à presidência da C. M. de Matosinhos. Consta,
todavia, dos autos do inquérito, a declaração de um técnico (fls. 81 a 85) no
sentido de tal sondagem ter sido orientada e carecer de fidedignidade,
servindo, assim, sobretudo, de suporte instrumental à campanha local de
Manuel Seabra em oposição a Narciso Miranda e contando, neste particular,
com o impulso do próprio director do jornal que, sendo também filiado no PS,
é adepto confesso de Manuel Seabra (confesso e parcial, como resulta do teor
do depoimento constante dos autos - XL, 183 e sgs.).

O ambiente entre os socialistas de Matosinhos e a própria opinião publicada a


nível local, encontra-se, pois, visivelmente bipolarizado em torno de duas
facções revelando manifesta incapacidade de cooperação e até
indisponibilidade para o simples diálogo entre si. Incapacidade e
indisponibilidade que acaba por ter recorrentes afloramentos na vida
partidária local, submetido a fortes tensões e antagonismos.

De vários testemunhos (XXXIV, 152; XLVII 219; XLI, 268) resulta, aliás, que na
preparação e na realização das acções de campanha eleitoral organizadas no
concelho de Matosinhos se evidenciou uma atitude, pelo menos pontual, de
afastamento de uma das sensibilidades (a afecta a Narciso Miranda) de
participação nessas mesmas acções.

2. Com este quadro subjacente, a Comissão de Inquérito apurou que o


Secretário Nacional, Vieira da Silva, chegou a admitir uma visita desdobrada a
Matosinhos, com recepção do Professor Sousa Franco pelo Presidente da
Câmara Municipal, no edifício desta, e uma visita à lota sem a sua
participação. Mas que esta hipótese acabaria por não ser adoptada. Que, por
outro lado, na sequência de contactos de informação que desenvolveu, Vieira
da Silva recebeu garantias do Presidente da Federação do Porto, Francisco
Assis, do Presidente da Comissão Política Concelhia, Manuel Seabra, do
Coordenador da Secção do PS de Matosinhos, António Parada, e, até, parecer
de António Costa, após diligências de consulta por este levadas a cabo, de que
tudo se passaria com normalidade na visita da caravana PS à lota de
Matosinhos. Que, por isso, esta foi mantida no calendário das acções de visita
ao conjunto dos municípios do distrito do Porto.

3. Por outro lado, como alega Narciso Miranda, a instâncias do Secretário


Geral, através do Secretário Nacional Alberto Martins, para que não
radicalizasse as suas posições (a sua declarada intenção de não comparecer na
visita à lota), mas, também, de muitos outros camaradas que o incentivaram
a estar presente no evento, decidiu comunicar ao Secretário Nacional, Vieira
da Silva (do qual esperava ainda um contacto, não concretizado, na sequência
dos apelos por si feitos), através de Alberto Martins, que tinha acabado por
decidir ir à lota e que se empenharia em que a visita decorresse o melhor
possível.

4. Narciso Miranda lamenta a insuficiência das respostas da direcção nacional


e da federação aos seus apelos. Mas, neste ponto, a Comissão pode apurar o
elevado grau de diligência com que preventivamente agiu o Secretário
Nacional para a Organização, Vieira da Silva. Já perante idêntico lamento de
desatenção e ausência de comunicação por parte de dirigentes da Federação
distrital do Porto com especiais responsabilidades na campanha eleitoral para
as eleições ao Parlamento Europeu, a Comissão de Inquérito compreende
menos bem as razões da insuficiência dessa comunicação, aparentemente
facilitada tanto por razões de proximidade como de cooperação e
solidariedade institucional, supostamente devidas entre pessoas e órgãos de
uma mesma federação.

5. Por outro lado, face à evidência do muito que correu mal na visita à lota de
Matosinhos, no contexto de um ambiente partidário de elevada tensão, a
Comissão de Inquérito manifesta a sua perplexidade pelo facto de todos os
consultados, com responsabilidades locais e distritais, terem podido assegurar
que o programa da visita iria decorrer com total normalidade.

Quanto à segunda questão:

A Comissão de Inquérito tomou conhecimento de aspectos cujo melindre


aconselha uma abordagem prudente.

1. Desde logo, quanto à realização de reuniões com um restrito número de


pessoas das estruturas de Matosinhos, reveladoras de uma animosidade
especialmente orientada contra Narciso Miranda, e que seria feita eclodir
durante a visita à lota - não sendo de todo possível garantir em definitivo a
veracidade ou inveracidade de tais ocorrências -, chama-se no entanto a
atenção para os seguintes aspectos:

- de que os autos registam impressivos testemunhos, quer quanto à


verosimilhança de tais reuniões, quer quanto á emanação de um espírito
persecutório e de vindicta em relação a Narciso Miranda (depoimentos IV, 28;
V, 29; XVIII, 81 e segs; XXII, 104 e segs; XXIV, 109; XXXVIII, 168 e segs; XLIX,
232);

- de que os autos são abundantes na descrição de ocorrências verificadas


imediatamente antes e durante a visita à lota de Matosinhos em que,
especialmente, o coordenador do PS da secção de Matosinhos é apontado
como animador ou instigador activo de um clima de hostilidade contra Narciso
Miranda, praticas que revelam pelo menos uma coincidência objectiva e
subjectiva com as suspeições levantadas.

2. O próprio clima de suspeição vivido na véspera da visita à lota de


Matosinhos, com afloramentos na caravana do PS, fez despertar os jornalistas
para o propósito de identificarem por antecipação as causas desse mesmo
clima, o que se traduziu, aliás, em notícia da LUSA e, pelo menos, também,
com relevância, no jornal "O Público" do próprio dia da visita à lota.
Do conteúdo revelador das declarações então prestadas vale a pena reter, da
parte de António Parada, da secção de Matosinhos, em relação a Narciso
Miranda: "Há mais de 20 anos que andei a fazer esse trabalho para o Narciso
Miranda. As mobilizações aconteceram graças a mim, mas agora ele nada está
a fazer, pelo menos em articulação com a concelhia de Matosinhos do partido"

Por seu lado, Narciso Miranda, afirmando-se "surpreendido" com o teor das
supra citadas declarações, protestando não querer "perder tempo com essas
intrigas" informou que no mesmo dia à noite (véspera da visita à lota) estaria
num jantar "com cem operacionais" que participam na mobilização no distrito
do Porto, assegurando que "vai haver uma grande mobilização".

3. Com efeito, veio a ter lugar o referido jantar, com cerca de 40 pessoas,
usando aí da palavra Narciso Miranda e o vereador na Câmara de Matosinhos,
Guilherme Pinto. Segundo os depoimentos recolhidos, tratou-se acima de tudo
de apelar à participação das pessoas no programa da visita. Na ocasião,
segundo testemunhos, Narciso Miranda fazia transparecer um estado de
espírito de muita preocupação (XXXVIII, 173; XLVII, 221; XLIX, 239).

A Comissão de Inquérito pôde, no entanto, apurar que, já no final do jantar,


estando já ausente Narciso Miranda, aí esteve presente um indivíduo que, não
sendo filiado no partido, assegura tradicionalmente a sua presença nos
principais eventos públicos de Matosinhos em que participam figuras
conhecidas do PS. Tal como Pôde apurar ter tido esta mesma pessoa um papel
especialmente preponderante com relação aos acontecimento do dia
seguinte.

4. Assim, em relação ao dia da visita à lota, importa realçar os seguintes


aspectos e ocorrências (com provável relevância indutora nos acontecimentos
que se verificaram) bem como o seu significado:

4.1.- Que o facto de Narciso Miranda ter acompanhado pessoalmente Sousa


Franco, a partir do Hotel, e ter surgido na lota de Matosinhos como o
acompanhante privilegiado deste, em nada terá contribuído para um clima de
apaziguamento das rivalidades latentes, bem pelo contrário. E se é verdade
que o convite para o acompanhamento foi feito à saída do Hotel pelo
responsável operacional da caravana (Marques Perestrelo), não é menos
verdade que era Narciso Miranda quem, como ninguém, conhecia o ambiente
mansão - outra vez acentuado pelo acontecimento mediático da véspera -
com que se iriam provavelmente deparar. Nestas condições deveria ter
ponderado as implicações de aceitar figurar como o principal guia de Sousa
Franco na lota. Aliás, em especiais circunstâncias derivadas da diminuição da
capacidade visual e auditiva deste, devido ao não uso propositado dos óculos,
e que tornaram esse acompanhamento necessariamente mais intenso, como
se verificou. E esta asserção é ainda reforçada pelo facto de se ter
conhecimento de que do ambiente de tensão vivido entre os manifestantes
que aguardavam na lota foi dado conhecimento ao próprio Narciso Miranda,
por telemóvel, durante o períodos do trajecto, (XV, 71);

4.2. - Que, sendo certo que o responsável da caravana, à saída do Hotel


Ipanema, avisou por telemóvel o Presidente da Concelhia de Matosinhos,
Manuel Seabra, da presença de Narciso Miranda junto de Sousa Franco, e que
não obteve deste qualquer sinal de repúdio, o conhecimento na lota, desta
facto, por essa e outras vias, não terá contribuído para serenar os mais
exaltados, antes pelo contrário;

4.3.- Que as movimentações de António Parada, coordenador da secção de


Matosinhos, muito auxiliado por outros militantes - dos quais se destacava um
da secção de Custóias, conhecido pelo "Galinha", portador de "T-shirt" com a
fotografia de Manuel Seabra e o slogan "Seabra a Presidente" (já usada na
campanha anterior para a disputa eleitoral para a concelhia) -
particularmente junto do grupo de vendedeiras externas (aquelas que mantêm
um conflito arrastado com a Câmara Municipal e o Presidente Narciso
Miranda); e, com especial destaque, para o já descrito comportamento
impetuoso, por mais de uma vez evidenciado junto do Professor Sousa Franco,
agressivo na conduta, sectário na obsessão promocional de Manuel Seabra e,
até, mobilizador de hostilidades (XLVIII, 226; XXXIX, 181) contra Narciso
Miranda, comportamento este evidenciado desde os primeiros momentos do
evento, em nada contribuíram para dotar a visita do ambiente minimamente
adequado à desejável unidade dos socialistas numa tão sensível e mediática
acção de campanha eleitoral. Muito pelo contrário, ficaram a evidenciar-se
como um dos aspectos mais desestabilizadores e censuráveis dos
acontecimentos;

4.4.- Que a inequívoca complacência de Manuel Seabra, durante praticamente


todos os passos da visita, e até na interpretação que dela posteriormente fez,
imediata (junto dos órgãos de comunicação social) e mediatamente (nos
depoimentos prestados), para com o clima sectário especialmente mobilizado
em seu redor e para sua exaltação, muito mais do que para a promoção dos
candidatos e da candidatura do PS às eleições ao Parlamento Europeu,
começando a culminando simbolicamente na elevação em ombros e, até, na
coroação pela oferta de um ramo de flores, contribuiu decisivamente para
comprometer aos olhos da opinião pública - "guerra de facções na lota" - o
significado político da visita , independentemente do seu desfecho trágico;

4.5 - Que um outro e significativo factor de instabilização do ambiente da


visita decorreu de uma inusitada preponderância de indivíduos repartindo
entre si, de modo descoordenado, funções de ordem e de segurança. Com
efeito, além da normal presença no local de agentes fiscalizadores da própria
lota, devidamente fardados, evidenciou-se nos acontecimentos a presença e a
acção de um conjunto de indivíduos com características de profissionais de
segurança (usando mesmo alguns deles auriculares de comunicação) e de
outros, de perfil diverso mas de compleição igualmente robusta, além de mais
elementos actuando de forma difusa ou dispersa. Este entrecuzamento de
movimentações acabou por se revelar em aspectos paradoxais - por um lado,
terá evitado o risco de confrontos físicos entre pessoas mais exaltadas e, até
o risco de agressão física pelos mais crispados contra Narciso Miranda; por
outro lado, terão eles próprios contribuído para a precipitação dos
acontecimentos ao isolarem dos manifestantes a pessoa do candidato, ao
precipitarem comportamentos que levaram, pelo seu impacto negativo, à
irritação das próprias vendedeiras do interior do edifício da lota; ao
disputarem entre si a proeminência na condução da cabeça da comitiva; ao
patrocinarem acções de maior radicalização do conflito subjacente (como a
de erguer em ombros Manuel Seabra e, inesperadamente para o próprio,
António Costa); ao evidenciarem aos olhos da comunicação social factores de
dilaceração nunca tão evidentes em acções pretéritas do PS.

4.6. Que a referida presença e actuação dos elementos em funções de ordem


e de segurança pode ser caracterizada como correspondendo:

Primeiro, a um grupo de pessoas especificamente contactadas e


especialmente preparadas para o efeito. É convicção dos membros da
Comissão apoiada nos autos (XXCXI, 138 e segs.), que esse contacto foi
concretizado pelo menos pelo já referido indivíduo - Pedro Nogueira - que
habitualmente se apresenta nas acções relevantes do PS, em articulação que
não ficou provado ter sido efectivada com Narciso Miranda mas que com
grande probabilidade terá ocorrido com pessoa ou pessoas da sua equipa de
trabalho próxima;

Segundo, a pessoas sob orientação de António Parada, algumas exercendo


funções de segurança na própria lota, de que se destacam os elementos que
elevaram no ar António Costa e Manuel Seabra;

Terceiro, a alguns militantes ou simpatizantes do PS que espontaneamente


concorrerem parta o serviço de ordem;

Quarto, a algumas intervenções difusas de alguns dos elementos da caravana


nacional, os quais, aliás, falharam quase por completo uma orientação interna
no sentido de preventivamente acautelarem as condições da visita à lota por
parte do Professor Sousa Franco.
III - Com relevância no capítulo das responsabilidades, na sequência dos
acontecimentos verificados na lota

Neste aspecto, a Comissão tomou nota de ocorrências imediatas ou mediatas


aos acontecimentos de que julga relevante destacar as seguintes;

1. Da parte de Narciso Miranda


As suas imediatas declarações à comunicação social, à saída da lota, ainda no
desconhecimento da morte do Professor Sousa Franco, no sentido de desde
logo encetar um processo de culpabilização da facção rival pelos
acontecimentos verificados.

2. Da parte de Manuel Seabra


A insistência de declarações suas à comunicação social, após conhecimento da
morte de Sousa franco, e nas próprias imediações do Hospital Pedro Hispano
de Matosinhos, apesar de observações para que evitasse tal conduta,
justificando, até, uma intervenção particularmente veemente nesse sentido
do secretário Nacional Vieira da Silva.

3. Da parte do funcionário do PS da Federação do Porto, Domingos Ferreira

A persistência de declarações suas totalmente desprimorosas contra Narciso


Miranda, algumas que, pelo seu carácter virtualmente difamatório,
inverdadeiro ou carecido de prova, podem dar lugar a procedimentos de
natureza penal, proferidas, nomeadamente, por ouvir dizer - visto o próprio
não ter estado nem à saída do Hotel nem na lota - e em circunstâncias (como
os corredores da Federação do Porto) de poderem ser ouvidas, coligidas e
divulgadas por órgãos de comunicação Social (vide, por todos, "T&Q", de 18 de
Junho de 2004), como efectivamente veio a acontecer (XX, 95)

Conclusões

Em face do relatório apresentado, a que corresponde e tem subjacente, como


material probatório ou indicuário, um processo de que constam autos
circunstanciados documentando os testemunhos recolhidos e outros elementos
documentais, registos das notícias de imprensa, cassetes com imagens
televisivas e um álbum fotográfico relativo aos eventos da lota de Matosinhos,

A comissão de Inquérito, por unanimidade, retira as seguintes conclusões:

1. Embora não sendo possível dar como provadas as suspeitas originárias


invocadas por Narciso Miranda para, com base nelas, ter alertado a direcção
do Partido para a seriedade do ambiente divisionista vivido entre os militantes
do PS de Matosinhos, com risco de séria afectação do desejável sucesso de
uma visita à lota no período da campanha eleitoral para as eleições ao
Parlamento Europeu, é possível reconhecer indícios sérios da sua
probabilidade e, em todo o caso, evidências objectivas e múltiplas de um
clima de efectivo e radicalizado divisionismo entre militantes, dirigentes e
responsáveis autárquicos locais do PS - clima esse que é mesmo adensado por
inimizades profundamente acentuadas entre pessoas, as quais muito
comprometem a desejável coesão e solidariedade nas suas relações. Neste
quadro, os alertas tempestivamente feitos por Narciso Miranda tiveram,
quando ao essencial do problema, plena justificação.

2. Em face do que se refere no número anterior, a Comissão de Inquérito


tomou conhecimento das diligências de avaliação preventiva do problema, em
particular das levadas a cabo pelo Secretário Nacional para a Organização e
responsável máximo pelo desenvolvimento da campanha eleitoral, Vieira da
Silva, reconhecendo nelas um efectivo grau de atenção e cuidado. Com
efeito, demonstram-se nos autos múltiplas diligências de avaliação do
problema de Matosinhos e uma decisão final de só concretizar a programada
visita á lota depois de verificados os seguintes pressupostos: garantias de
absoluta normalidade no processo de preparação da visita dadas directamente
pelo Presidente da Federação do Porto, Francisco Assis, e do próprio êxito
assegurado com a referida acção dadas pelo Presidente da Comissão Política
Concelhia, Manuel Seabra, e pelo Coordenador da Secção do PS de
Matosinhos, António Parada. Além ainda de parecer favorável à efectivação de
tal acção de campanha dado por António Costa na sequência de Consultas
informais por si levadas a cabo. Sendo que o Próprio Narciso Miranda , com
intermediação do Secretário Nacional Alberto Martins, veio a declarar a sua
decisão final de comparecer na acção da lota bem como de se empenhar no
êxito da sua realização.

3. Não deixa, todavia, a Comissão de Inquérito de observar, com


preocupação, a insuficiência de comunicação e acompanhamento do problema
por parte de dirigentes da Federação do Porto do PS com especiais
responsabilidades na campanha eleitoral, não tendo sido possível identificar,
a este nível, quaisquer diligências de auscultação preventiva junto de Narciso
Miranda por efeito dois avisos tempestivamente por este efectuados. mais
estranha que diligências de tal natureza tivessem decorrido sob orientação do
funcionário daquela Federação, Domingos Ferreira, envolvendo contactos
deste com interpostas pessoas na aproximação a Narciso Miranda, o que não
parece ser procedimento adequado à relevância das suas responsabilidades
funcionais e á relevância das responsabilidades institucionais dos principais
envolvidos na questão.

4. A Comissão de Inquérito pôde no entanto ganhar a convicção firme, através


da impressividade e da convergência de depoimentos por si recolhidos, tanto
quanto pelo própria objectividade dos acontecimentos que se verificaram n
lota, de que o momento da visita, pela sua especial cobertura mediática, foi
premeditadamente instrumentalizado no sentido de dele vir a ser possível
realçar dois aspectos em consonância: a afirmação intempestiva, deslocada e,
como tal, desajustada e sectária da candidatura de Manuel Seabra à
presidência da Câmara Municipal de Matosinhos e a confirmação de um clima
de hostilidade em relação ao actual Presidente da Câmara Municipal, Narciso
Miranda. Para esta convicção concorrem múltiplos factos e aspectos de que se
retêm dois com particular relevo:

- A insistência inteiramente despropositada com que, durante a visita dos


candidatos à lota, com manifesto prejuízo para a própria afirmação da
candidatura e dos candidatos do PS ao Parlamento Europeu, se promoveram,
com particular insistência, os vivas a Manuel Seabra, se exibiram pessoas em
"t-Shirt" com o slogan de "Seabra a Presidente", por mais de uma vez este foi
ovacionado e erguido em ombros e até, simbolicamente, apesar do muito que
na visita havia corrido mal, acabou a ser especialmente distinguido com um
ramo de flores;

- A patente agressividade orquestrada, em particular junto de um grupo de


mulheres identificadas com a venda ilegal de peixe, em relação às quais corre
um conflito administrativo com a câmara Municipal, mas face a cujo problema
não só os organizadores da recepção na lota não tomaram quaisquer medidas
preventivas como, pelo contrário, foram mesmo vistos, por testemunhas
identificadas nos autos, em atitudes de incentivo à expressão dessa
hostilidade. Segundo depoimentos, merecedores de crédito para a Comissão,
a preparação dessas atitude por parte de António Parada terá mesmo
precedido de alguns dias a realização da visita à lota.

5. A Comissão de Inquérito, tendo em atenção o significado de coincidentes e


impressivos testemunhos sobre a entranhada hostilidade do militante e
responsável local do PS, António Parada, para com a pessoa do presidente da
Câmara Municipal, Narciso Miranda; a forma intencionalmente
comprometedora como, na comunicação social, em vésperas da visita,
resolveu suspeitar da conduta do dirigente Narciso Miranda em face dessa
visita; mas, sobretudo, a natureza do comportamento por si desenvolvido nos
acontecimentos da lota, dado que sendo um dos principais responsáveis,
senão o principal responsável operacional pela organização da recepção, a sua
conduta se caracterizou, em diversos momentos da visita, como de manifesta
e incontida impulsividade e agressividade, obsessiva nas sistemáticas
diligências de evidenciação da figura de Manuel Seabra, e, em contraste, de
expresso incentivo à hostilidade para com Narciso Miranda. Tudo isso, aliás,
com recurso a colaboradores seus, alguns dos quais conhecidos como
funcionários de segurança da própria lota e agindo sob sua coordenação,
sendo, por isso, a Comissão de Inquérito de parecer que o mesmo não tem
condições para continuar a exercer actividades regulares de militância e,
muito menos, de responsabilidade nas estruturas do PS.

6. No que diz respeito à conduta do Presidente da Comissão Política Concelhia


do PS de Matosinhos, Manuel Seabra, a Comissão de Inquérito não tem por
apurado que em qualquer momento da fase preparatória do programa da
visita à lota, este tenha estado envolvido, directa ou indirectamente, em
procedimentos de hostilidade premeditada contra o Presidente da Câmara,
Narciso Miranda. Não encontra, assim, a Comissão de Inquérito base
probatória para fundamentar qualquer forma de afectação da sua normal
actividade política nas estruturas e nos órgãos do PS.

Diferente, porém, é o juízo da Comissão de Inquérito em função da avaliação


a que procedeu das responsabilidades pessoais e políticas de Manuel Seabra
enquanto possível candidato à presidência da Câmara Municipal de Matosinhos
e com relação aos eventos verificados na lota. Neste domínio, Manuel Seabra
revelou-se não apenas pactuante mas parte activa e motivada nos
acontecimentos que o centraram como a principal referência aclamatória do
evento. Prestou-se visivelmente à exibição de comportamentos
completamente desfasados da natureza da acção da campanha em causa.
Contribuiu assim para que fosse dado ao País, através dos relatos presenciais
da comunicação social, com a instrumentalização consentida do significado da
visita à lota de Matosinhos em período de campanha eleitoral para o
Parlamento Europeu, um chocante exemplo do que é capaz a chamada "guerra
de facções". E, como se o deprimente espectáculo da lota não tivesse
bastado, já após a morte do Professor Sousa Franco, nos momentos mais
dramáticos que à tragédia se sucederam, foi ainda possível ver Manuel Seabra
a conceder entrevistas nas imediações do Hospital Pedro Hispano, para
consternação de muitos e inevitável repúdio da atitude por parte de
dirigentes nacionais presentes no local.

Além do mais, tal como resulta dos actos, até hoje Manuel Seabra não
encontrou nada de anormal com relação aos eventos da lota de Matosinhos
que fosse susceptível de justificar qualquer forma de assunção de
responsabilidade, pelos seus actos e pelos actos comprovados e identificados
de colaboradores e apoiantes seus, por parte do Presidente da Comissão
Política Concelhia - o mesmo que, todavia, tinha assegurado que tudo na
programada visita iria decorrer com normalidade e sucesso para a boa
afirmação política da campanha do PS.

Nestas condições, para defesa da dignidade e da credibilidade do PS e por


respeito devido a quantos continuam a defender a actividade política como
expressão de nobreza e de dedicação ao serviço público, numa perspectiva de
responsabilidade estritamente ético-política, entende a Comissão de Inquérito
propor à consideração da Comissão Política Nacional que declare que Manuel
Seabra não tem condições para representar o PS como candidato nas próximas
eleições autárquicas aos órgãos do Município de Matosinhos.

6. Quanto à avaliação das responsabilidades pessoais de Narciso Miranda,


tendo a tal respeito a Comissão de Inquérito igualmente procedido a um
minucioso trabalho de auscultação e análise dos acontecimentos que
precederam e ocorreram na visita à lota de Matosinhos, para além do já
exposto nos pontos 1. e 2., entende pronunciar-se nos seguintes termos:

- Não ter detectado em todo o processo de averiguações seguros indícios


comportamentais, assumidos por si ou por interpostas pessoas sob a sua
orientação, que pudessem ter contribuído, anteriormente à visita, para o
instigar do clima de radicalização e sectarismo vivido na lota de Matosinhos,
sendo de referir que da realização de um jantar ocorrido na véspera do dia da
visita terá apenas resultado um apelo à efectiva mobilização de apoiantes
para o evento, com sinais de preocupação para que se evitassem
comportamentos susceptíveis de conflito ou de polémica;

- Ter no entanto constatado da parte de Narciso Miranda, nas ocorrências da


visita à lota, procedimentos reveladores de certa ligeireza ou mesmo
negligência, que, no plano da avaliação política dos acontecimentos aí
verificados, não podem deixar de lhe ser apontados e censurados, sobretudo
tendo em vista a prudência que é exigível a alguém com as suas
responsabilidades.

Com efeito, quer os temores do risco da acção pelo previsível desencadear de


hostilidades contra si de que inicialmente tanto se fez eco; quer a evidência
da persistência de um clima de elevada tensão à sua volta, como havia podido
constatar na própria controvérsia da véspera ocorrida através da comunicação
social; quer ainda as preocupantes notícias sobre o ambiente vivido na lota e
que recebeu durante o próprio momento do trajecto em que se deslocou do
Porto para Matosinhos em companhia do professor Sousa Franco - tudo seriam
factores que deveriam aconselhar uma pessoa normalmente prudente a não
expor outra, ainda para mais aquela sobre que recaía a representação maior
da candidatura do PS, ao risco de ver reverter sobre si e, desde logo, com
consequências no êxito ou no fracasso da própria acção de campanha, os
temidos afloramentos de tensão e hostilidade.

Ora, foi na aceitação, se não na potenciação, dos factores desse risco que
incorreu Narciso Miranda, mesmo se, como se reconhece, sem premeditação
da sua parte. Risco que aliás se mostrou agravado pela circunstância de, não
usando óculos, com dificuldades visuais e auditivas, o Professor Sousa Franco
ter ficado mais dependente do voluntarismo de Narciso Miranda como seu guia
preferencial de visita à lota. A sua insistente presença junto do Professor veio
na verdade a revelar-se um dos elementos que mais contribuíram para o
deflagrar da "guerra de facções" na lota de Matosinhos;

- Quanto á presença visível e à actuação comprovada de indivíduos com


funções de segurança - cuja acção tanto poderá ter contribuído, por um lado,
para prevenir momentos de maior tensão e hostilidade como, por outro, para
adensar essa mesma tensão e hostilidade - não foi possível dar como provado,
com os elementos constantes dos autos, terem vários deles sido mobilizados
por Narciso Miranda, o qual, aliás, afirma, sob sua expressa palavra de honra,
que a tal não procedeu nem mandou proceder nem de tal tomou prévio
conhecimento.

Todavia, uma apreciação meticulosa dos elementos testemunhais presentes


nos autos, permite á Comissão de Inquérito assumir a convicção da existência
de indícios sérios de que houve lugar a um recrutamento de alguns indivíduos
com funções de segurança (em número insusceptível de poder ser confirmado
pela Comissão) por parte de pessoa ou pessoas próximas de Narciso Miranda,
certamente com a intenção de garantir a sua protecção em vista da existência
de sérios rumores quanto ao desencadear de hostilidades contra este na lota
de Matosinhos.

Nestas condições, e face à avaliação que faz do teor dos depoimentos


constantes dos autos, a Comissão de Inquérito, não pode imputar a Narciso
Miranda responsabilidade por actuação intencional nos acontecimentos vividos
na lota, tanto mais que em nenhum momento deles é possível detectar
manifestações de radicalização sectária em seu favor que por si tivessem sido
estimuladas ou com as quais tivesse pactuado.

Pelo contrário, a Comissão pôde verificar ter sido Narciso Miranda alvo directo
de um clima e mesmo de uma campanha de hostilidade contra si
especialmente alimentada e efectivamente dirigida.

Porém, a Comissão de Inquérito imputa a Narciso Miranda responsabilidades


por negligência da sua actuação como acompanhante preferencial de Sousa
Franco, apesar do clima de tensão contra si e que não ignorava. Tal como lhe
imputa a responsabilidade ético-política de doravante não poder pretender
que a presença de indivíduos com funções de segurança nos eventos da lota, à
revelia da organização da recepção, nada tivesse a ver com preocupações
especialmente dirigidas à sua protecção pessoal. Assim, em última análise, é
a si próprio que incumbem as responsabilidades políticas pelo correspondente
resultado.
Em síntese, a Comissão de Inquérito pronuncia-se no sentido de apelar a
Narciso Miranda para que aceite compreender o significado profundo e infeliz
dos acontecimentos da lota de Matosinhos, o melindre da sua participação
neles, mesmo que sem premeditação, a grave afectação que os mesmos
todavia acarretaram à credibilidade do PS e o respeito devido à memória do
Professor Sousa Franco. E que, honrando o seu valioso passado de militância
no PS, compreenda e aceite o bem fundado das conclusões do presente
relatório, nomeadamente a que consta do ponto seguinte.

7. Do que decorre, a Comissão de Inquérito tem por certo que nem Narciso
Miranda nem Manuel Seabra têm, hoje, condições para serem candidatos aos
órgãos do Município de Matosinhos, sem que disso resulte sério risco de novas
tensões e confrontos entre as facções inconciliáveis, com grave lesão de
dignidade e do prestígio do Partido Socialista. Isto, sem prejuízo do diverso
grau de responsabilidade apurado em relação a um e a outro, tal como resulta
das presentes conclusões.

8. Por fim, a Comissão de Inquérito entende que a honorabilidade dos


comportamentos devidos no interior do PS, como instituição que deve saber
respeitar e fazer respeitar todos os seus membros, não é compatível com a
possibilidade de um funcionário seu, e no próprio exercício das duas funções,
poder permitir-se propalar, com repercussão pública altamente danosa para o
visado, juízos que a muitos títulos podem, se é que não devem, ser
considerados infamantes ou difamatórios. Razão pela qual suscita junto da
Comissão Política Nacional a oportunidade de abertura, pela entidade
jurisdicional competente, de processo disciplinar a Domingos Ferreira, com
fundamento nas acusações por si imponderadamente veiculadas contra
Narciso Miranda, com expressão nos órgãos de comunicação social, tal como
consta dos autos.

PROPOSTAS
A Comissão de Inquérito, por unanimidade dos seus membros, propões à
Comissão Política Nacional as seguintes medidas:
A) No plano procedimental

Que todo o processo seja submetido a integral reserva, com excepção do


relatório, conclusões e propostas nele integradas e que, tomando
conhecimento do relatório, no quadro da competente reunião de apreciação,
tudo o mais dos autos seja submetido à guarda do Presidente do Partido e
apenas ficando disponível, para conhecimento dos visados e, se for caso, para
consulta ou utilização da Comissão de Jurisdição nos termos que tiver por
convenientes.

B) No plano das competências da Comissão Política Nacional

Que a Comissão Política Nacional, com fundamento nas conclusões da


Comissão de Inquérito, tome imediatamente as seguintes medidas:

1. Ao abrigo do Artigo 91.º, n.º5 do Estatutos, declare de importância nacional


a aprovação das futuras listas do PS aos órgãos Câmara Municipal e Assembleia
Municipal de Matosinhos e, consequentemente, avoque a competência para
essa aprovação, sem prejuízo de, no tempo próprio, proceder com integral
cooperação institucional tanto com a Comissão Política Concelhia de
Matosinhos como com a Federação Distrital do Porto do PS.

2. Delibere, desde já, em face das conclusões do presente inquérito e ainda


que com reconhecimento do diverso grau de responsabilidade e culpa nele
evidenciados, que nem Narciso Miranda nem Manuel Seabra estão em
condições de poderem integrar as listas de candidatura do PS aos órgãos do
Município de Matosinhos, nas próximas eleições autárquicas.

3. Ao abrigo do Artigo 100.º, n.º1 dos Estatutos, proceda à suspensão


preventiva, com efeitos imediatos, de António Parada, da sua condição de
militante do PS e, consequentemente, de Secretário Coordenador da Secção
do PS de Matosinhos. Com base nas responsabilidades que lhe são imputadas,
submeta de imediato a deliberação da suspensão do militante António Parada
à ratificação da Comissão Nacional de Jurisdição bem como para efeitos de
abertura do competente processo disciplinar com vista à determinação da
sanção definitiva susceptível de aplicação, incluindo a possibilidade da sua
exclusão do PS.

4. Requeira à Comissão de Jurisdição competente a instauração de processo


disciplinar contra o funcionário da Federação do Porto, Domingos Ferreira,
com base nos factos dados como provados pela Comissão de Inquérito e na
correspondente responsabilidade.

Lisboa, 26 de Julho de 2004

Relatório, Conclusões e Propostas aprovados por unanimidade

Os Membros da Comissão de Inquérito

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