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SUMÁRIO

HISTÓRIA POÉTICA DE DIAS ORDINÁRIOS ............................................ 1


VESTIDO DE SOL ........................................................................................... 3
ENQUANTO TUDO ......................................................................................... 4
ARQUITETO DO TEMPO ............................................................................... 5
ENQUANTO TUDO ......................................................................................... 4
ESVAÍDO .......................................................................................................... 6
UNAUTHORIZED I ......................................................................................... 7
UNAUTHORIZED II ........................................................................................ 7
1: 59 . 10 ............................................................................................................ 8
DOR DO ÍNTIMO ............................................................................................. 9
LONGEVIDADE .............................................................................................. 1
0
TIA MARIA ...................................................................................................... 1
1
TIORIPE ............................................................................................................ 1
2
DIA APÓS DIA ................................................................................................. 1
3
DESCARTE ....................................................................................................... 1
4
OS OUTROS ..................................................................................................... 1
5
GÔNDOLA ....................................................................................................... 1
6
TORMENTO ..................................................................................................... 1
7
DIACRÔNICO .................................................................................................. 1
8
AD EXIMERE TEMPUS .................................................................................. 1
9
TERNURA ........................................................................................................ 2
0
ÁGORA ............................................................................................................. 2
1
CASTELO DE BRISA ...................................................................................... 2
2
ENTRE AMIGOS .............................................................................................. 2
3
A PRIMEIRA IMPRESSÃO ............................................................................. 2
4
MEDO ............................................................................................................... 2
5
ESQUECIMENTO ............................................................................................ 2
6
FAGULHAS ...................................................................................................... 2
7
DE MIM PRA VOCÊ ........................................................................................ 2
2

8
LAVOISIER ...................................................................................................... 2
9
AOS TREZE ...................................................................................................... 3
0
DISTINTIVO ..................................................................................................... 3
2
PIGMEU ............................................................................................................ 3
3
ENQUANTO NÃO OUVEM ............................................................................ 3
4
O QUE ME FAZ EU ......................................................................................... 3
5
ECCE HOMO .................................................................................................... 3
6
ATÉ QUEM SABE ........................................................................................... 3
7
NOCIVO ............................................................................................................ 3
8
AGRADECIMENTOS ...................................................................................... 3
9
ATALHO ........................................................................................................... 4
1
NOITE FRIA DEPOIS DA MANHÃ DE CALOR .......................................... 4
2
SATÉLITE ......................................................................................................... 4
3
CONDIÇÃO ...................................................................................................... 4
4
OBJEÇÃO ......................................................................................................... 4
5
NAS TARDES DE OUTONO EU ACREDITO NO AMOR ........................... 4
6
ROSAS NÃO PROSAICAS EM NOSSOS JARDINS ..................................... 4
7
ENTÃO .............................................................................................................. 4
8
POSSIBILIDADES ........................................................................................... 4
OPÚSCULO ...................................................................................................... 5
0
VERSOS ............................................................................................................ 5
1
ESPAÇO ............................................................................................................ 5
2
PÁSSARO VERDE ........................................................................................... 5
3
VIVA! ................................................................................................................ 5
5
RELATO ........................................................................................................... 5
6
3

CONSCIÊNCIA VERMELHA ......................................................................... 5


7
ALAMEDA DE SAUDADE ............................................................................. 5
8
UM MENINO COM IDÉIAS DE MENINO E CONSCIÊNCIA DE
ADULTO ........................................................................................................... 5
9
PAUSE-CAFÉ ................................................................................................... 6
0
O ATO DA CARIDADE ................................................................................... 6
1
VERTIGEM ....................................................................................................... 6
2
INDEPENDÊNCIA OU MORTE ..................................................................... 6
3
EU PRECISO!? ................................................................................................. 6
4
4

HISTÓRIA POÉTICA DE DIAS ORDINÁRIOS

A leitura de O observador do mundo finito deixa aquela sensação de


engasgo. Somente depois de ter chegado ao fim de seus versos é que nossa
respiração retoma o fôlego, um respirar remarcado pela ansiedade, angústia,
talvez a dúvida nas horas do instante de uma vida. Múltiplas percepções, enfim.
Sentimentos e atitudes se entrelaçam nessa escrita, o que faz com que
questionemos: quem fala nesses poemas? Ora, a resposta poderia ser: Túlio
Henrique Pereira. Mas reducionista, se considerarmos essa escrita de si como uma
obra ensimesmada.
A cada página observamos um trajeto individual guiado pelas dobras da
história do nosso dia-a-dia, muitas vezes, terno e erótico, bio-químico e bio-
político, espaços fincados em lugares que recitam a ausência, solos metafísicos
que se materializam nas várias costuras do raciocínio tortuoso de um olhar para
fora de si. O Observador do mundo finito, assim, parte do exterior de nós mesmos,
passando pelas veias de dentro das mãos e da cor dos olhos de um poeta que se
mescla à presença do outro que nele deixa as suas marcas.
Nesse livro encontraremos um conjunto de poemas, à primeira vista,
irregular. Sintamos, então, como Túlio Henrique, não o sol que aquece, mas o que
queima a pele. E daí, usando um percurso raciocinado, identificaremos um fio
regular que vai escorregando por todas as páginas. As imagens que saem de seus
poemas vão construindo um filme que nos coloca como ator principal de cada
poema, as velhas pequenas histórias que nos lançam ao passado de uma tia, ao
nosso cabelo, àquele toque que nos virou no avesso, à revolução interna das
feridas, ao grito de independência incessante e diminutamente inalcansável. De
tanto pular fronteiras, na dispersão de espaços outros, o livro começa quando
termina. Quando o fechamos, vemos de novo seu título, O Observador do mundo
finito, referência não explicita em nenhum dos versos, mas neles presente pela
ausência.
Ora, ao invés de entrarmos em contato com o infinito, aquela viagem sem
fim dos poemas, uma volta ao mundo espontaneamente dividido em palavras, a
linguagem perdida dos anjos, um estilo arrojado de temática marcante,
encontramos o comum. Uma pequena história poética de dias ordinários. Isso sim
5

assusta e surpreende. Essa regularidade de mostrar o que estamos sendo no mundo


desdobra-se nos sulcos que falam de nossa finitude, sem ser julgada, que não se
quer transformada ou capitulada. Um livro de poemas que fala da poeira, das
cinzas, do velho e que, por isso, ao falar do que tem fim, mostra a impaciência de
viver e faz surgir o novo, recriando os já tão repetidos ditos em tantas vidas e
obras. Dobras do futuro próximo.
Ao estabelecer os limites do homem, o observador que é Túlio Henrique,
olha também com nossos olhos o nascimento de idéias e lugares, que
imperiosamente constroem um saber sobre essa vida tão simples da qual se
adivinha um por vir impossível. Do interior desses poemas, ela, a vida, parece
supor e instalar em cada momento uma atualidade, permitindo que se prescreva
suas formas nos modos de vivê-la por meio de nossos corpos, nossos desejos e
pela maneira de ser da linguagem. Esses imensos detalhes talvez nos façam pensar
que é preciso viver o tempo de outra maneira.
Certamente, um trabalho que impõe o rasgo e a interrupção ao centro do
nosso presente, colocando a questão tanto de nossa identidade quanto de nosso
tempo. Uma cartografia de migalhas de vida e linguagem, que mapeiam a história
dos instantes, que se acorrentam à fina cadeia dos pensamentos meio a nossa
existência em forma de livro, O Observador do mundo finito, com nome de autor,
Túlio Henrique Pereira, o qual permite generosamente falar nossas próprias vozes
e recontar nossas histórias de poesias diárias.

Nilton Milanez
6

VESTIDO DE SOL

Um moço despido dos sonhos


Encontrou no cosmos
A proteção que o corpo necessitara

A epiderme
Fixada entre o nervo e a derme
Formando a pele

Vestida de raios
solares
7

ENQUANTO TUDO

Quando penso, penso


e muitas reticências...
Penso hipérboles
Metáforas
Anacolutos
Antíteses
Paradoxos
Ironias
Prosopopéias
Onomatopéias.
Penso o mundo e no mundo
até não mais querer pensar.

Nunca é pouco nem barato pensar [o mundo]


é dorido
e profundo
e tarde
e distante
e solitário
8

ARQUITETO DO TEMPO

Tudo ainda dói em mim


como quando as coisas
fluem lentamente...
os espaços raramente
são preenchidos, e nada,
nada além do medo
de trilhar lugar desconhecido

Ainda que tudo terminasse


pra não ser considerado perdedor
poderia o foco focar a face
que o renegou durante dias,
e dias, e dias... assiduamente
de forma continuada
sem pausar para lamentos
sem ouvi-los

Sendo condescendente
com tudo aquilo que nos reprova
apenas oferecendo a esmola
para o nosso sustento
diário, legado, frívolo
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ESVAÍDO

As ruas solitárias têm vida


Os muros altos segregam
E as almas seguem no espaço
Espaço qualquer invisível

Escalas de altitudes longas


Medíocres pensamentos
Hiatos e ditongos perdidos
Paroxítonas dissonantes
Fluídos ressequidos num colo qualquer

E Ele ainda ama o amor


Nunca lhe apresentaram
Ele o ama com a gana de um homem
Entre as escalas... muros
Ruas solitárias e armários

Aguarda-o numa esquina vazia


Sem o sentido que espera
À procura do deleite preliminar
Satisfação inalcançável, embora sentida
Norteado ao gozo de um sustento

Portanto amado pelo seu desejo


Seja homem num sonho não amadurecido
Perdido no caminho da idade
Percurso apressado de tributos
Descarrilando-se, embora contente
1

UNAUTHORIZED I

Se todas as pessoas existem


Suas consciências inexistem
Num habitat cíclico e dual

Numa transposição fajuta


Monocórdia e dúbia elevação
Porque as pessoas existem

E se todas as pessoas existem


Por que correm contra a multidão?
Por que atentam contra elas?

UNAUTHORIZED II

Caminham percebidos pelas calçadas


A espera de serem despercebidos
Num centro unitário irrelevante

Perdem o tempo à espreita de pilastes


Donde param automóveis pro futuro
De ontem, anteontem, mês passado...

Estão apressados para caminho nenhum


Ter dinheiro no bolso, prazer sem esforço
Abdicar gostos: sentir solidão ao dormir
1

1: 59. 10

A estafa tem diluído a sanidade


a coerção social, ideológica, historiográfica
desperta emoções invariáveis no corpo
a sociedade remete representações coletivas
o desejo de tocar alguém é irreal

Por um instante o nada... pára a reflexão


Durkheim é filho legítimo do capitalismo
Sobre o aparador o recorte com dados dum ser:
trinta reais, com local!

Uma risada sem graça e uma coca-cola gelada


Na televisão o anúncio das férias:
nenhum problema se contratarmos a Mais Turismo
comodidade, preço baixo, parcelas suaves
e o desemprego no noticiário

Desemprego?
Para aqueles que dependem de salários
Lembra do Marx? A mais valia – materialismo...
sua previsão frustrada sobre a ascensão do proletariado
Tão óbvio!

Quem tem grana está desempregado


quem não tem também, mas passa fome
enquanto o mundo grita por paz
Matrix tem estréia internacional
e a mente filosofa
1

DOR DO ÍNTIMO

...eu agora arqueio ao desejo

eu tenho medo

eu tenho medo

eu tenho

agora me queimo em desespero

sofro em desespero

sofro o desespero

sofro

e não há fulano que diga

aquilo que o sicrano não diz

pro beltrano falar

coisas que eu nem fiz

mal vão soar sussurradas

ouvidos em bocas

exprimidos por poucas

argüições

...eu agora ardo em demasia

choro medo em demasia

sofro demasiado

observando os carros

orneio-me
1

LONGEVIDADE

Depois da chuva
Todo aquele horizonte molhado

Raios de sol reluzindo as águas nos telhados


E eu me perguntando
Se algum dia
Testemunharei um velho senhor

Cantarolando Biquíni Cavadão


1

TIA MARIA

Todo mundo diz que a tia Maria é doente


mas Ela fala que o povo é que é demente
e que ninguém sente o que o seu coração exala

Tia Maria é bonita


tem graça incalculada
e uma calma ilimitada
pra aconchegar no seu regaço
o que lhe torna tenra e cheia de cuidado

Ela não viveu no luxo


Mas o lixo que ela traga
torna o seu olhar amarelado profundo
...um luxo inalcançável por qualquer alguém
qualquer que tente alcançá-lo

O seu segundo filho, novo, padeceu


e o seu prazer se escondeu
num lugar que nem sei se ela o acha

O seu primeiro filho, então crescido


trouxe ao seu aconchego dois frutos
só pra contentar o descontentamento da tia Maria
que é capaz de se sentar na varanda
e olhar durante horas o resto todo do mundo
ignorado pelo povo do mundo
observados por ela que tampouco fala

Ah... tia Maria tem graça


consegue existir cautelosamente ao que os outros acham
sem ser só a maria doente naquela tapera
donde sua vida inteira cresceu florada
e que agora se esconde
de tantos que nunca souberam admirá-la.
1

TIORIPE

Eurípides era o nome dele


Naquele retângulo de papel plastificado
Pescava as letrinhas todo momento
Dividindo a leitura do signo
Com a recente lembrança do passado

(...) Faz não Oripe! Faz não!


Num sei o que os dois se achavam
Mas se gostavam mez
Assim mez com esse ze
Dum modo diferente que só es sabiam

E aquilo era vida pra mais de séculos


Inté parecia que ocê tava infeitiçado véi!
Ele num gostava nada nada
Mas deixava outrora escapar um riso
No canto daquela boca nervosa e ensimesmada

Sua vez chega


Perde as estribeiras, mas se lembra
O cartão tá na mão Tioripe!
Entrega logo ele pra moça bonita do guichê
Recebe o benefício e vorta logo!
Que não é pra amargar humor de Irda, visse!
1

DIA APÓS DIA

Eis a hora de minha morte


Enquanto dia, tardo solitário
Sob um sol sem nome nem visco
Vejo profundo, sinto, sublimação
Sutil como o copo guarda água

Agora é o dia, quando dia findo


Temo o céu aberto, sem nuvens
Sem sombra a proteger o rio
Evaporando lentamente gotículas

Contudo, se voltam do céu as nuvens


A desaguar nas margens, subtraem
Toda a gente deste mundo
Pelo ontem e o que se foi

Acalme-se, acalme-se
Todos os dias passam e ninguém sente
O dia vale o fruto que nasce
Enquanto vivo a espatifar-se ao chão

Eis agora a sombra do horizonte


Pranto triste que o faz disforme
Glória contida, alegria pobre
Sempre, sempre irrevogável
1

DESCARTE

Nada me falta
porque nada tenho
Não tenho a mim
nem a você
e nem a ninguém

Não sinto nada


porque nunca aprendi sentir
por nunca querer sentir
nem tanto buscá-lo

desapareço quando penso


quando não penso inexisto

esses têm sido os conflitos meus


Tudo tem sido meu esconderijo

Eu não me escondo de Deus


eu inexisto
pra qualquer dádiva, todo sonho
esmaeço em partículas quando respiro
o ar que não mereço
Nem pra mim eu desejo nada
1

OS OUTROS

Eles não sabem se esquecer de mim


Eles riem e bocejam o tempo todo
Eles adoram se perder no tempo
Eles atiram seus desejos em mim
Eles acreditam que não entendo
Eles observam meu jeito e riem
Eles não sabem que eu não agüento
1

GÔNDOLA

A saliva na boca me toma


por inteiro uma vontade crescente
extasia, repudia, emerge...
um monstro cresce do ímpeto...

Quer estraçalhar as vísceras e escapar de dentro


onde às vezes silencia-se num sono profundo
e dorme... e dorme

Noutro momento me corrompe


tornando-me agente de atos não lícitos
provocando a cólera que emana dos nervos
fundindo meu peito ao degelo da realidade

A boca seca pede água para tomar


tenho sede; sou vivo, tenho segredos...
caminho sozinho por uma rua qualquer
vazia, escura... que entorpece.
2

TORMENTO

Encontrei alguém real para minhas fantasias


Deixei que ousasse em demasia suas teorias
Perdurando com cautela a sabedoria estimada

Viajei durante horas até encontrar a verdade


Encontrei malévolas bagagens de caridade
E decidi dormir tranqüilo sob o tempo

Espaireci meus sentimentos


Reclamei constantemente das decisões, atento
E impenitente, reprimi o seu tormento
2

DIACRÔNICO

Eu faço silêncio quando falo


Quando agarro o meu corpo
Vomito
E tem um desespero que emana
Vem de dentro corrompendo
Vem com tudo, profundo
Fazendo-me ter medo de mim
Sinto nojo

Tenho desgosto de ser o que sou


Como sou e porque tenho sido
Não acredito
Eu duvido que haja sentido
Nos sonhos
Um labirinto

Eu vomito o que como


E quando como se faz ouvido
Mastigando excrementos
Ignorante certamente catártico

Humano enojado de sua genética


Sem tato do perigo, primata
Crente no mito da personalidade
Guiado pela dualidade e Cristo

Eu faço silêncio quando grito


Gemidos cardíacos indubitáveis
Pulso firme acelerado, lamentável
Sensação explosiva de cansaço
2

AD EXIMERE TEMPUS

A moldura sob o pano


Nem chegava ao tule
Sapato velho, espelho quebrado, napa roída
Deve ter tido festa dias atrás
Alguns copos me incomodam
Enquanto espero o sabor da língua embebida no álcool

Passeia por toda a casa


Apenas meus olhos seguem o vulto
O cheiro pelas narinas
O distanciamento obtuso

Diz de longe conhecer a Marinha


Ilhas Canárias e o Pelourinho
O relógio nesta sala marca 4h52
Não vai rolar!

Cigarro é surpresa
Arrasta-me, me abraça, beija e chupa:
Há língua em atrito na sua
Não divagam encantamento por essas carícias
Há desejo!

Depois do abraço outro beijo... sono


Cheiro de ácaro na solidão me aflige
A moldura ainda observada do colchão
No pequeno quarto onde o pai e o filho,
Assim como o espírito santo, habitam

Dou-lhe outro abraço depois é Ave Maria


Enfim, para acordar feliz no outro dia
Com o corpo inteiro gozado
2

TERNURA

Há ternura em cada canto, amor


Há ternura em toda a vida
No assopro que resseca o dorso
Sobre a ferida sua que arde

Há ternura em vão na esgrima


Caminhando assim sempre, amor
Em teu semblante amarelado e seco
Crespo e ressequido – Ah, ternura!

Em ti que a mim fala, amor - toca!


Traga-me amor, vida
Resseque essas minhas feridas
De ternura em nossas vidas
Cubra-nos, por favor!
2

ÁGORA

o amor é uma coisa idealizada


da ágora se fez em solidez presente
os neurônios mortos e os vivos
o estômago apertado, boca seca
insensatez jobiniana ao tom de Vinícius

o amor é o descontente contentamento


é coisa que se sente enquanto vivo
léguas em estradas vicinais
saraivada lisérgica... platonismo, entrega
é o sentir eterno do infinito pelos segundos

tudo isso ilimitado transfigurado


sentimento humano, prerrogativa de veto
desejo enfeitado, babaquice e cacofonia
coisas bonitas reluzindo criatividade
o amor é um ideal inalcançável

sentido do medievo ao modernismo


fragmentos atemporais solidificados
enquanto presente grego, amor do antigo
é rima frágil, complexidade ilegível
verossimilhança, verdade, mentira, tolices...

é tudo isso complicado e explicado


aquele descontente embelezamento secular
dadivoso universo padronizado, amor é laço
lábio, seio, vício e descompromissado trato
entendimento de amigo, ruína, caso, fito e largo...
2

CASTELO DE BRISA

Por que edificamos os castelos?


Por que edificamos os castelos horrendos
Com paredes todas folheadas a ouro
Bancos de marfim
Bancos com marfins...
E altares com detalhes em pedras preciosas?

Por que um dia não possa ser


Apenas um dia igual a todos
Mas muitas vezes nos surpreendemos
Em busca de fazê-lo da maneira
Mais nova, inusitada
Corrosivamente profundo

Nesses dias em que tudo se vende e compra:


sexo, amor, beleza, fraternidade
dias frenéticos, amigos “céticos”
um céu estrelado e o sol sem calor
Não quero comprar o seu jeito novo
nem mesmo você
ou seu sorriso maroto me engolindo a tarde
e a sua boca sobre a minha
Porque edifiquei tudo isso.
Edifiquei!? ...tudo isso...

Talvez pra dar sentido a essa vida


desprovida de dias igualitariamente inertes
num mundo lúdico pra o aconchego da rebeldia
O acometimento...
Tudo aquilo que evito ser e que não deveria
Tudo aquilo que idealizei e não deveria
Tudo aquilo por que tentei e não deveria
Tudo aquilo que edifiquei e não deveria
Não deveria
Não deveria
Não deveria
Não
Não
Não deveria.
2

ENTRE AMIGOS

Um amigo disse:
Amor não enche barriga!
Pensei:
Isso é verdade...
Disse:
Tenho que pensar mais nisso
Disse:
Tenho que pensar nisso o tempo todo
2

A PRIMEIRA IMPRESSÃO

Um braço estendido
Um livro aberto numa página escrita... com palavras impressas
Poemas: são palavras do poema de Alphonsus de Guimaraens
São impressões de vésperas de finados... está perdido,
assim como o braço na sala estendido
esfriado naquele piso escuro e limpo, polido... encerado
(a palavra certa para a personificação do fato)

O misticismo o corrói
Tem medo do medo mal e medo do bem do medo
Teme um deus – que nem parece conhecer -, um demônio...
e a morte que o persegue como o sacramento
aos enamorados desejosos de uma eternidade trivial

Uma sala coberta por “ocaso” de Alphonsus e do mundo natural


ao findar de uma tarde cheia de barulho que se contempla ao silêncio
que entrega a um homem um bem maior que a sua própria expressão
silêncio ou solidão pudessem causar... o eterno início de um começo
que se finda com a deterioração de uma primeira idéia de fim

num ambiente consternado:


voltado para o braço estendido
o cabelo molhado
o rosto pálido
e o olhar...

o livro aberto numa página escrita... com impressões:


“Se estes sinos vão dobrar por mim,
Se este é o momento do meu enterro,
Fiquem os sinos a esperar por mim...
Que eu nunca alcance, ó Deus, o alto daquele cerro!”1

e não mais viver[á] em terrenos áridos


onde só cresçam plantas rasteiras e silvestres
para lastrar pelo corpo desse moço que se deita e adormece
num sono sepulcro em que o sonho se perde
num pequeno monte penhascoso e abrupto

1
Fragmento do Poema “Ocaso” de Alphonsus de Guimaraens.
2

MEDO

Volta e meia o passado retorna


Sei lá se não sei expulsá-lo
Ou tratá-lo como o certo a fazê-lo, aceitando!

medo de ser o mesmo...

Será que ainda menino?


Os mesmos medos!
O desespero louco em ser auto-suficiente,
ou uma vontade louca de ser sozinho?
Afastar de todos para não ser julgado!

medo de ser crescido...

Ainda tentando sê-lo!


Lutando com o ego para abandonar o dia
e tudo aquilo pelo qual não vale nada pro amadurecimento

medo de ser menino...

Mas o que é amadurecer,


quando parece que crescer só traz insegurança?
lembranças de um passado sofrido
Por causa de um corpo crescido se desenvolvendo

medo de ser-se só...

Volta e meia retornam certos dias


dá coceira na barriga, cansaço de alegria...
e uma infelicidade imensa
2

ESQUECIMENTO

Todos se foram:
as relevâncias fuzilantes
as imediações pragmáticas
imposições coerentes baseadas no imediatismo
as ideologias neuróticas e utópicas

Agora tudo é nada


e a pele espessa já não precisa de couraça
para se proteger do frio nem do fogo

Troquei diversas vezes a casca


e este é o último casulo em direção ao horizonte:
a incerteza não mais como subterfúgio
o medo é a coisa de quem pode ser protegido

Todos se foram
desgarrando-se de meus dedos lúdicos
esperançosos e tementes

Agora o nada é tudo que ostento


para continuar vivendo desgarrado
arrancar os espinhos com as próprias mãos
inutilizar o cérebro
ser ágil
3

FAGULHAS

A água de uma poça evapora lentamente


Esvai-se a cada marcha abrupta que faz centelhas
Nenhuma outra pessoa as vê como vejo
Inspirando a mente num galgar de idéias
Fazendo-me esquecer de lembrar você

Os gravetos na fogueira lentamente se queimam


Esvai-se a cada assopro de vento que faz centelhas
Nenhuma outra pessoa as vê como vejo
Inspirado – pequenas almas flutuando pelo ar – as fagulhas
Como sonhos leves que galgam e galgam até se apagarem
Lentamente...

Seu corpo cansado ao repouso na cama


Simplesmente
Enquanto ao observá-lo busco parâmetros
Um paradoxo para justificar minha alegria em te ver
Porque nenhuma outra pessoa o vê como vejo
Conspirando ao inspirar-me, pressupondo-se do seu riso
Falso riso

Das poucas vezes em que me abraçou e se oferta

Embora previsível, de tudo que oferece, vem isto:


Fagulhas que galgam...
Momentos!
3

DE MIM PRA VOCÊ

Eu não preciso de muita coisa:


não preciso de sua ignorância
de sua tentativa vã de oferecer carinho
do seu sexo barato

não preciso de seus poros transpirando em minha pele


do seu cheiro massacrando meu corpo
de seu gosto gostoso na minha língua

Eu não preciso de muita coisa:


não preciso do pouco tempo que oferece
das poucas vezes que tenta falar algumas palavras
dos seus cabelos refletidos entre meus dedos

não preciso da cor verde de seus olhos fitando os meus


do seu gozo limitado depois de outros
não preciso de você (penetrando) em minha mente
naqueles momentos em que meus pontos erógenos são ativados
ou quando leio Foucault ou Freud

Eu não preciso de muita coisa:


não preciso ficar lembrando você que te gosto
não preciso fazer com que me goste
não preciso cobrar nada de você
seu beijo... nunca provado
seu abraço... nunca legítimo
seu todo em volto ao meu
Tudo idealizado...
...tudo que desejei!
3

LAVOISIER

O tempo penetra o corpo através das narinas


Traz consigo a química que abastece a vida
E a química responsável pela corrosão do corpo

Faz-se lento o definhar de cada órgão


A engrenagem é obstruída pelo mais belo pôr do sol

O límpido riacho
O alimento orgânico
O prazer do sexo
Enternecer da paz
E a felicidade

O tempo sai do corpo através dos poros e boca


Traz consigo a química que destrói a vida
E a química responsável pela corrosão da alma

Faz-se lento o deflorar de cada palavra


O alento disritmado pelo descompasso das estrelas

Nesse espelho lustrado


Refletindo um olhar estático
Uma ação estagnada
O esquecimento
E o nonsense.
3

AOS TREZE

Quando morro choro


Quando choro sofro
Quando sofro vejo
Quando vejo morto

Há alguém do lado direito dessa rua


Ali há mais de anos
Observando o caminhar
Se é tranqüilo... ansioso...
Não se pode explicar

Aos treze as coisas podem ser novas


Se aos oito nada foi experimento

Ela já sente o sangue quente


E julga saber definir o que precisa

Tem corpo de mulher, rosto de mulher, boca de mulher...


mais pra mãe é menina
Mas tudo mudou, porque quem observa,
ali parado, há décadas, observa a curva à esquerda,
onde seguimos em busca de um caminho...
onde deixamos de ser meninos,
porque passamos a nos conformar,
como a água num copo adquire o seu formato...
como o vinho, o óleo, o desejo...
adaptável a qualquer um

Quando morto vivo


Quando vivo esqueço
Quando esqueço lembro
Quando lembro perco...

Mãe chora dores de orgulho,


dores de medo, dores de afeto... dores.
Ana sente o que sente pra si...
aos treze tudo poderia ser flores, mas são dores e mentiras
são desejos de menina forçosamente mulher
são alegrias de adulto adaptadas a necessidade da falta
Afeto?
Não se pode explicar... nunca disse!
Nunca perguntaram.

Foram horas e horas e horas de conversação com um aparelho


que lhe oferecera conselhos lhe abastava os medos e lhe encorajava...
pra ser o que é aos treze, desde os oito?
Cinco?
3

Quatro?...

Quando perco encontro


Quando encontro ouço
Quando ouço falo
Quando falo desejo
Quando desejo... morro
3

DISTINTIVO

Um menino caminha para alguém vê-lo ao seu destino


É distinto esse menino – e tem pressa -, caminha...
Alguém observa o menino caminhar apressado
Ao seu destino distinto – apressado -, perseguindo...
O menino percorre a estrada de pedras sendo observado
Sabendo que é observado pelo observador atento de sua notoriedade

O destino é distinto e o observador analisa-o


Quer continuar olhando o menino chegar ao seu destino
O percurso é percorrido com ligeireza: rapidez
O menino é ligeiro a caminho do destino que se faz
A cada passo marcado de pedras
A cada pedra presa no sapato
O menino observa o observador observá-lo e caminha...
3

PIGMEU

Aqui nesse mundo onde vivemos


O primeiro crime capital é ser a diferença
O segundo crime não menos ameno é fluir o pigmento
O terceiro crime é não poder comprar a indiferença

E sigamos assim todos desolados


Assolados por um grito coletivo de gol
Ou sob o choro de um pandeiro em plena avenida

Se houver justiça pela dor


A cor dirá que o negro é antônimo da claridade
E que a noite sucede o dia que se converte

Aqui nesse mundo onde vivemos glórias


Choramos pela perda com cólera ou insurreição...
Perdemo-nos com a falta do grão
E a abundância do pão que não alimenta
3

ENQUANTO NÃO OUVEM

Não digam nada a ele


Nem fale que eu sei
Nunca mostrem sim
Note-se carinho igual
Na vida de quem vê
No dia de quem sai
Ninguém pode saber
3

O QUE ME FAZ EU

O que me faz melhor neste mundo:

É respeitar a constituição
Acordar seis dias na semana bem cedo
Sair do trabalho ao findar da tarde
Não reclamar do meu salário de fome
Não desejar o que o meu dinheiro não compre
Não satisfazer o meu ego com o démodé
Não utilizar do meu sexo para me satisfazer

É doar o que não tenho a quem nunca teve


É comprar um bilhete de loteria
E não brigar com quem me furta o capacete
É vender a vida de outros para legitimar o poder
E pagar a força que nos mantêm ligados neles
Saldar a dívida da água que sacia a sede
E o tributo da casa onde vivo ladeado de paredes

O que me faz pior neste mundo:

É gritar alto que injustiça é o proletariado


Desacreditar a política e o pecado
E ao invés de Beatles enaltecer os Secos & Molhados

É caminhar a pé descalço pelas ruas


Transar a alegria da minha gordura
Fantasiar-me de Xuxa todo Carnaval
É buscar entre detritos a primeira refeição do dia
E ser acordado pelo padeiro abrindo o estabelecimento
É vender o corpo pelo pouco que sustente
É me prestar aos sonhos utópicos de amar além da beleza
Substituir o branco pelo preto como a cor da pureza
E sempre, sempre reclamar dos erros

Ainda que houvesse chance nessa vida


De encontrar as respostas mesmo desfalcadas
Saberia ao certo interpelar o dono
de toda a burocracia?
Ao submergir profundamente em meu ego
Apenas para descobrir o que realmente
torna-me o que nem sei se sou

Mas esvair por um segundo a consciência


Pela necessidade e, desvendar o que me faz
Eu ser o que sou
3

ECCE HOMO

O papel é dispersão
A TV dispersa
A política é controle
O político varre
O natal é disperso
As mães são inquietas
O shopping é descontração
A escola controla
O mundo desperta
O samba anima
De depressão se dispersa
A droga limita
O capital aniquila
A existência dispersa
4

ATÉ QUEM SABE

É tarde e não há pressa


Paciência não falta, só tempo
Nada é mais lento que pensar
E coca-cola com pizza na geladeira

Gentileza se faz sozinha na cama


Enquanto dorme, dorme e nada mais
O mundo lá fora berra e dança
A casa suja com cascas de banana e giz

Nos olhos o contorno do creiom


Boca vermelha com gloss e sangue
A noite fria diz tudo que ouvem
Enquanto o passado se torna distante

Nada mais é pouco enquanto físico


Preguiça, inércia, vontade de nada
O dia quase vindo ao som de Nara
E a sensação terrível do tempo
4

NOCIVO

Quero estraçalhar meus sentimentos


Sem ao menos tentar ser ímpio
E somente a você ímpio me tornarei

Quero rolar nos grandes pastos


Tentar beber água dos rios
Dançar para o mundo, ser rubro, ser vil.
Quero a cama mais indene
E com franqueza me tratar

Quero a crendice sem crença


E na seresta incrédula
Minha música tocará

E quando a noite chegar


Vestir-me-ei de preto, espantando a procissão
Mas se a água da chuva me lavar
Junto a você as impurezas do pecado desaparecerão

E ao findar da tarde, ao escurecer da noite


Nesta hora, sonhando ao leito estarei
Serei igual aos fulaninhos
E inofensivo adormecerei
4

ACONTECIMENTOS

Uma saraivada é uma chuva de saraiva


grande quantidade de coisas que caem
se sucedem como saraiva, saraiva, saraiva:
são pedrinhas de gelo, resultantes do resfriamento
dos vapores que formam as nuvens;
granizo

Emoções que se formam e se dissipam num instante


em que o homem acredita sentir uma emoção
uma emoção humana, sentida da ignorância do homem
mais simplesmente passa
e torna-se dissipada no consciente
que se revolta numa toada só
num bailado entoado de sofreguidão
pra nos dizer que felicidade tem fim, mas a tristeza não

Porém, as nuvens diuturnamente se formam


Pra se dissiparem diuturnamente também

e nada pode ser eterno


quando aparentemente nada se tem
mas, o nada pode ser aquilo que se conquista
com emoção de saraiva
De saraivada
Como um vulcão erupto que se ascende sem auxílio
me ascendo todo com a iniciação de uma nova sensação
que se perda rapidamente

entre uma palavra e outra que não é falada


entre um amigo e outro que requer atenção
entre uma sutil coletividade social precisada
entre uma canção sertaneja e uma estrangeira
entre a possibilidade e a não possibilidade
entre o meu amor estranho e o seu amor convencional

Ah... uma saraivada é uma chuva de saraiva


que me torna humano todos os dias
e um descobridor invicto de fatalidades conclusas
perdido no olho de um turbilhão fenomenal
corrompido em meio a um furacão
entregue ao problemático oficio da análise
de acontecimentos tão cotidianos
que só fazem chorar aquilo que está preso
bem aqui dentro, num lugar que não é metáfora
nem com metáfora se denomina
4

São pedrinhas de gelo perfiladas


Caindo lentamente do infinito do céu
sobre o meu rosto quase triste por uma tristeza feliz
sobre o meu corpo quase triste por uma alegria infeliz
sobre os meus dias quase tristes por uma melancolia infeliz

Caindo, do céu...
caindo... caindo... caindo...
São pedrinhas de gelo, são granizos caindo...
caindo...
caindo...

são acontecimentos perfilados


são puramente acontecimentos
que não sabem ao certo se acontecem
ou se acontecer ou se aconteceram
e se continuarão a acontecer
Simplesmente isso
4

ATALHO

O vento
Não esvoaça meus cabelos
Porque são crespos
São curtos

Símil deles?
Castanhos
Aparentemente pretos

Tenho pele de índio?


Sangue de negro!
Miscigenado até a raiz do cabelo

A água
Passeia pelos meus cabelos
Crespos
Curtos
...belo
4

NOITE FRIA DEPOIS DA MANHÃ DE CALOR

Frua...?
Não sei quem irá decidir o certo
Enquanto isso a vida continua
E todo o resto vive o que lhes interessa

Uma cor comum em detrimento ao fosco


O brilho contemplando o prado
Estão destilando o óbvio nas danceterias
Ninguém compreende o sincronismo disforme

Pois então, ela brilha


A luz pungente do estômago e eus
Muitos iguais, e quem fala
São eles quem entendo
E a lua
4

SATÉLITE

Os lugares vazios são cheios de sonoridade


Existem caminhos levando a gente
Para qualquer parte desse mundo
Cercado por muros

que impedem as ondas


que divergem os pontos
que desconcentram

São caminhos íngremes na subida


Íngremes nas descidas

Alguns...
Avistando estradas retilíneas por toda parte

E numa ou noutra esquina


Uma senhora varre o quintal
Recolhendo as folhas
Instituindo imagem típica do romantismo
Em dias dos anos 30, 60 ou 1980
Quando com as folhas se ornavam os cabelos
Espiava-se a vida por cima dos muros
Tão baixos quanto à prima caçula da vizinha

Os muros altos contêm a visão do outro lado


Nos anos 1990 o homem retorna ao cativeiro
Impedindo-se vislumbrar com o outro
Modernizado nos gestos, nos gostos, negando-lhe
Ao mesmo tempo em que lhe faz dependente

Alguém se despiu
e esse alguém vestirá

no começo do próximo mês


num crepúsculo tarde, numa lua de fim
dia de sábado
as cinco ou três
ainda com sol
ainda que ausente

um sinal!
4

CONDIÇÃO

Hoje cometi um pecado meu


cuja conseqüência foi tocar o gelo
do seu ego e meu desejo

Uma prova do sentido


Necessidade de ser testado
Experimentar o já vivido

O simplório ato de buscar carinho


sozinho
sozinho

Sozinho
4

OBJEÇÃO

Foi com você que ouvi Onde Ir


Foi pra você que decidi existir
Foi por você minha entrega presumida
São de você minhas lembranças mais bonitas
E as feridas mais adormecidas também

É sempiternamente você meu souvenir


Não deixar a vida nos dirigir
E contrair o corpo numa exata objeção

É por você meu choro deprimido


E o sorriso maroto que me mostra menino
Perdido no desejo mais nocivo de você

Foi com você que aprendi ousar


Foi pra você que decidi esperar
Foi por você que me acostumei a perder
E por você o prelúdio do enlouquecer
De amor e dor, de morrer e viver, de esquecer
4

NAS TARDES DE OUTONO EU ACREDITO NO AMOR

Você trouxe a esperança pra os meus olhos


Aquilo que a consciência falha nem lembrava mais
Trouxe a entrega que esperava que ninguém trouxesse
Assoprou no meu rosto o valor que existe ao ser tocado
O corpo frígido, lívido e tão pouco adorado
Você lavou a minha carne e salvou a minha alma da estagnação

Acho que acabo de sentir bem-estar


Acabo de ser arrebatado e ganhado a salvação
Você trouxe o eu que eu procurava entre tantos...
E que nunca encontrava, nunca encontrava, nunca... encontrava
Mesmo quando parecia ser exata a sensação de sobrevida

Algumas palavras quando faladas têm força incontida


Bastou que escrevesse algumas concordâncias pra eu acreditar
Que a vida é muito, além daquela velha idéia de definhar...
Esperando as árvores desfolharem no mês de setembro

Você trouxe a certeza que eu nunca quis ter


Sobre a possibilidade de a infelicidade existir aqui
Quando acreditamos que nada pode durar, sem ao menos tentar
Sem querer ao menos sentir...

Você soube me olhar quando ninguém me via


E entender que esse meu jeito é meu mesmo, e que nunca será diferente
E você soube enfeitar os meus dias, fazer-me rir de você e de mim
Numa tarde incomum de outono, quando tudo acontece

A rua caminha
As garotas e os meninos caminham
As aves voam, e o pardalzinho se banha sobre a calha...
Enquanto você me olha desbravando alguns segredos contidos
5

ROSAS SÃO PROSAICAS EM NOSSOS JARDINS

Quando um botão de rosa triste nascer em seu jardim


Lembrar-se-á sempre de mim que era triste por viver
Deslumbrará seus dias no final da semana
E será a rosa mais perfeita entre suas plantas.

Se lá ficar até o anoitecer, onde vivia


Lembrará de minhas lágrimas que encharcavam os olhos de alegria
Comemorando por cada botão de rosa que nascia
E lembra você, que nem se importava.

E se chorares ao perceber que a bela rosa caíra


Se lembrará que do mesmo modo, há anos também partira
Quando não mais me sentia feliz naquele lugar.

Para cada pétala de rosa que o chão cobrira


Será a eternidade daquela paixão que por você sentia
E que a cada dia vem se despetalar.
5

ENTÃO

Corremos...
No lago transcendental
Curvilíneos corrimãos

Corro
Um jazigo transpassa
Sutilezas... permissões

Um homem fala
Enquanto... corram!
A cidade sitiada
Ele está sentado na calçada
E ele só está sentado na calçada
5

POSSIBILIDADES

Há como dizem ‘coerência dentro da incoerência’


Mais popular seria ‘caroço nesse angu’ ou simplesmente sei...
Um, dois, três... quatro pessoas podem ser uma única idéia
No entanto a idéia precisa surgir de uma pessoa ou quatro
E se fundirem (os quatro) num ideal incoerente carregado de coerência

Porém, e o romantismo, por onde anda?


Falávamos ontem à noite de um lirismo consciente
Separado do hoje por uma linha tênue, prestes a romper:
o moralismo e as ênfases causadoras dos percalços
impedem quatro pessoas de construírem uma idéia
Ideal
Ideologia

Possibilidades existem por todos os lados


Enquanto alguém sofre de intemperança
outro se liberta pra não perder a cabeça
E eles se encontram pra amar um sentimento egoísta
Enquanto isso o tempo passa e passa e ninguém vê

Para alguns nove horas são horas


Para outros ‘já são nove horas!?’
E para outros o que importa a hora

Hoje é uma sexta-feira, nove horas e vinte e nove minutos


Trinta e dois segundos, dentro do dia vinte e dois do mês sete:
Qualquer bobagem poderia ser feita se não houvesse a conta de telefone
as camisetas, o tênis, o aluguel... nossa...
...a vida, cheia de possibilidades, porém negligenciadas
em pleno século vinte e um, no ano de dois mil e cinco...
uma globalidade!
5

OPÚSCULO

Nada vezes infinito


e a passagem
Há sentidos no ficto
exterminam a realidade

o homem nasce nu
e assim concebido
é mentira a verdade
paisagens lisérgicas iludem

o mapa das mãos traçam


a guia daquilo que falam
ninguém deve escutar
mas se cegam
5

VERSOS

Hoje eu sou Hélio


amanhã eu sou Ana
uso Chanel durante a tarde
na praia uso tangas

Ouço jazz pra variar


procuro o canal de esportes
sem ter a certeza das horas
de quando a novela vai começar

Hoje eu sou Hélio


amanhã eu sou Ana
uso Havaianas pra caminhar
no carro dirijo de Nike
à noite pedalo de Bike
e às vezes devoro croissant

Ouço Blues, Reggae e Bossa Nova


pra trazer à memória a resistência
ou lembranças atemporais
de tempos esquecidos pelo ontem

Hoje eu sou Hélio


amanhã eu sou Ana
uso uma enxada pra sustentar a casa
em casa avental pra lavar a louça

Desejo de Coca e Ruflles nos dentes


Silicones na mente e fondue pro jantar
Simbiose entre o mito e o fito humano
Entre Ana, Hélio, símbolo, víspora, virtuosismos...
Sedução catártica e king size só pra relaxar
5

ESPAÇO

Fomos a Paris
mas o gel que usamos
no sexo
era brasileiro

Não que isso fizesse


a diferença

Só não mudou
em nada
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PÁSSARO VERDE

A dialética do continuísmo deste mundo


Tem provocado rupturas na corrente sanguínea
Que espalha o sangue pelos dedos dos pés e mãos
A lógica desses “donos do mundo” que quantificam tudo
Em detrimento da cognição mitológica do povo dessa vila

Essa falta que maltrata esses olhos já cansados


De observar o estrangeirismo nas calçadas
Procurando a finalidade de tudo aquilo que o valha
Seja pouco ou hipoteticamente econômico pra sua beleza
Exigência suprema e suplantada

De pensar que as edificações que formulam essas ruas


Sejam apenas atos de idealistas políticos
Além dos ideais da vontade social desse povo que vive
Sem saber ao certo a glória ou a chatice do marasmo
Todos com olhares remotos na cerimônia solene da fundação dessa terra

O pássaro verde nem mais dança nessas árvores agora concretas


Donde num tempo nem tão distante vivíamos
Pensando que “às vezes” os dias pudessem ser nada
Nem doridos demais pra que não suportássemos

Nessa rua essa monotonia comprada me faz desejar nada


Fantasio continuá-la para olhar o seu regresso
Mas imagino interrompê-la, já que nem se lembra de como penso
Ouvindo o rock and roll surgir daquela morada cercada de farpas
Contrastando cos reinados do Regimento de Tomé de Souza

Mas nessa cidade, nessa vila, nessa rua


Haja falta de comanditas ...dos seus adornos
Das protuberâncias do seu colo despido a ser tocado
Donde o afagar dessa cabeça se fez necessário
Todo o dia, tarde e noites...

Todo mundo nessa vida reclama o tempo que nos leva


Deixando, ainda que perto, uma distância inalcançável
Pra morada de uma existência passada quase despercebida
Sentida apenas quando caminho pelas ruas desse bairro
Perdendo aos poucos a solidez de uma lembrança

Porém, há mobilidade mesmo dentro das incertezas


Pois os sentimentos que você ontem sentia, nunca
Nunca como hoje compreendi tão profundamente
Fez-me rir variadas vezes da utopia
Da comiseração, indiferenças, idolatria dos crédulos e incrédulos...
5

Enquanto isso há caminho constante numa rua retilínea


Rasgo do mundo a fotografia daqueles nossos ignorantes momentos
Cujos olhares nada articularam
Hoje, o seu choro manso tem sabor gostoso quando experimento

Pra te mostrar que não morri no tempo daqueles dias


Só pra te mostrar que não morri no tempo daqueles dias
Mesmo que nem veja, que nem sinta ou regresse.
5

VIVA!

Toda vez que minto


constroem verdades

E quando despido encanto


as longânimes vidas te vestem

Porque na rua onde moro


ninguém conhece filosofia

Fofocam!
5

RELATO

Isto comigo... aquilo também


Vontade crescente por dentro
Chafariz sem moeda alguma
E a certeza de um fim tocável

Escárnio solto no seu rosto liso


Tem cabelo escondido no seu corpo
E revelo cada desejo no olhar

Retardo sentimento de viver


Aprendiz do tempo lúcido
Ocupadíssimo com seu mundo
Distração que não acaba

Eu não tenho um nome


Não pergunte, apenas beije-me
E deixe-me seguir o caminho

Pois carrego em mim incertezas


Trago feiúras e belezas quando pouso
Nisto que carrego e acredito
6

CONSCIÊNCIA VERMELHA

Pela estrada afora


Eu vou…
Bem sozinho?
Não sei!

Nenhuma vovozinha a espera


Não levo nem trago doces

Pela estrada afora


Eu vou...
Perpassando bocas... lobos...
Perdendo-me no caminho

Em busca
À encontrá-lo
6

ALAMEDA DE SAUDADE

Caminho só por entre árvores


Em uma estrada escura e quente
Não há luz além da lua
Não há outro toque além do vento

Tem dias em que a dor se exalta


A voz não fala e a boca cerra-se
Algo melhor existe no nada
Enquanto a estrada não se finda

Persigo o caminho do silêncio


Ao final das palavras nocivas
Eu lamento tanto e só tenho lamentado
Enquanto a chuva cai me diluindo

Esta estrada não termina


Só dúvidas das vidas que não sigo
Tenho tido tempos óbvios e dias rígidos
E peço a todos que não amolem enquanto vivo
6

UM MENINO COM IDÉIAS DE MENINO E CONSCIÊNCIA DE ADULTO

Eu queria lembrar de você vovó


Queria sentir chamar você de vovó
e acreditar que isso me ajudou a viver o hoje

Eu chamei meu avô Euripe de vovô


até ver a consciência da juventude aflorar
eu o chamei de vovô mesmo o vendo fazê-la sofrer
Até o dia em que neguei vê-lo padecer
eu dormi o sono mais denso no meu quarto

Eu acho que nunca tive um papai


um papai pra eu sentir quando requisitado
Abraçando e beijando a minha mãe cansada
de se matar diariamente
em busca de uma vida incontida
em seus olhos de espera

Queria dizer não seja assim mamãe


porque eu te amo sem nunca dizer
sem ao menos te conhecer
só decifrando os seus gestos
sua estafa
o cansaço
o acometimento simplório a alegria

E mostrar pra você que o mundo meu é seu também


mesmo que não se concretize
ele existe: dentro de mim, agora
porque um dia fui você
e você me trouxe aqui, mamãe

Eu nunca quis uma alegria sem contenção


pra eu sorrir sozinho
apartado de vocês que me cuidaram
e que agora nem me lembro se os amei
se os toquei com um abraço
ou se só estive dormindo de olhos abertos
negando as raízes desse fruto que amadurece
[oxidando] a matéria e a mente nesses dias

sem o azul do céu


com o azul do mar

com a vida sem canções de ninar


sem a lembrança de um tenro cumprimento
6

PAUSE-CAFÉ

No dia em que o mundo nasceu


Ele tinha 18 anos
Pensava em besteiras de menino e shorts curtos
Chico cantava Caetano
Gil mudava seus planos
Seu pai descobria o oceano e lhe escrevia
Falava sobre democracia e repressão

Um menino era homem enfrentando o mundo


Seja em 30, 40 ou 1960...
Falácias e sabedoria incutiam seus olhos
Sua face de menino, corpo franzino
Sorriso tenro peculiar

Acreditando que liberdade fosse o óbvio


Alegria beleza se consumindo nua
Poesia meras palavras iludidas
Passatempo delas riscando seus diários
Intumescidas, flácidas de postura curvada

Sua mãe fazia o mercado na loja da esquina


Anfetaminas que curam feridas de saudade
Dando-lhe a crença na liberdade incondicional dos homens
No mundo imaterial das ilusões que anestesia

Enquanto ele observava e não dizia


O mundo nascia ramificado pelo corpo
No seu olho, desencontrando solidez
De todo modo presumido, descontente, pouco rico
Incompletado e infeliz
6

O ATO DA CARIDADE

O ato da caridade
É o preço da diferença
Quando dôo me distancio
Coloco-me na posição em privilégio
Em detrimento a condição do necessitado
Me esquivo, ridicularizo pelo mérito

Dôo o mínimo em relação ao que tenho


Só para mostrar ao mundo que tenho e que dou
Mas não os convido para o meu banquete
Não lhes presenteio com souvenirs eletrônicos
Não os banho, não causo impedimento à morte
Eu os ordeno a serem de morte porque sofrem
Alimentados pelo pouco e pelo pão

O ato da doação me liberta


Faz-me enorme indivíduo piedoso
Sentido pela dor do outro que agonia
Caminha sob o sol ou a chuva no espaço bilateral
Faz-me redentor e salvador de grande pátria

A doação do homem o salva, o liberta, renova


Faz-te livre para voar entre as imagens do infinito
Onde o bem da natureza humana concede vitória
Eles o legitimam, os tornam ídolos da derrota, assolando
Torturando... consumindo-os
6

VERTIGEM

Olha
Olha ela
A roupa dela
O jeito dela andar

Olha
Olha a monocelha dela
Calça larga na cintura
Sapato furado no dedão
As espinhas na testa

Olha
Coisa mais velha
À moda dela
O riso dela
É alegre por qual razão?
6

INDEPENDÊNCIA OU MORTE
Unidade Mínima Distintiva no Sistema

Independência ou morte para os fracos


Independência para os sábios ou morte
A flâmula no seu peito se acende
Quando olha displicente a vitrina
Sabe ou não sabe a decisão que enfim
Dependa de uma simples decisão que lhe defina

Quimicamente dependente de uma história


Coerção que envolve e dá-lhe o elo
Para o céu e para a terra com horizontes
Onde as escolhas são feitas para o bem viver
De quem se cansa diuturnamente
Por morrer da conseqüência cansativa da dependência

Independência ou morte para os poemas


Independência para os gemidos ou morte
À consciência calada e surda aos murmúrios
Obscuros pelas eruditas palavras transcritas nos poemas
Que já não discorrem sobre a dor da morte
Nem tão somente do prazer da vida
Não narra o odor das flores, sequer a cor das feridas

Independência ou morte para os dependentes


Independência para os dependentes ou morte
Independência ou morte à independência
Independência é morte da dependência
A independência independe da dependência
O dependente depende da independência
Para ser dependente e morte
6

EU PRECISO!?

Eu preciso reencontrar o caminho


Perdido em qualquer vão entre o aqui e o ontem
Esquecido porque ninguém se atentou
Porque ninguém perguntou ou falou
Ou simplesmente porque ninguém o viu

Eu preciso desconsiderar as considerações


Perdidas entre os espaços das conversações
Mantidas com inúmeras pessoas ‘pensadas’
Cansadas de pensar na máquina que são os seus membros
Pois quando pensam cansam de pensar o que fazem
E deixam tudo pensar pra aliviar seus egos

Eu preciso descongestionar os sentidos


Acondicionados dentro de uma compota de doce cítrico
Cujo sabor desagrada o paladar agressivo de quem fala
Apenas coisas nocivas aos ouvidos daqueles que fanam

Eu preciso perder o dom de articular


Porque isso é coisa pra quem gosta de ganhar
Ou somente sustentar opinião sobre qualquer coisa
Que acometa alguma coisa atual, extraordinária para o povo
No determinado momento em que todo o povo se rende a ‘issos’

Eu preciso esconder o orgulho e ficar mudo


Pra nunca mais ouvir o falar das línguas cansadas
Das vozes descansadas e dos corpos exaustos

Eu preciso
Eu preciso
Eu não preciso de nada disso eu admito!

Eu preciso transformar
Eu preciso lavar
Eu preciso destruir
Eu preciso construir
Eu preciso fugir
Eu preciso encontrar
Eu preciso permitir
Eu preciso duvidar

Eu preciso negligenciar
Eu preciso admitir
Eu preciso fantasiar
Eu preciso raciocinar
Eu preciso explicar
Eu preciso difundir
6

Eu preciso alimentar
Eu preciso comportar

Eu admito que eu não precise me anular por nada


Mas pela simples causa de ser aquilo que não é
Aquilo que aparentemente é e deixa entrar
Num lugar amplo e torto...

Eu preciso desculpar
Eu preciso acertar
Eu preciso descontrair
Eu preciso inventar
Eu preciso desistir
Eu preciso contar
Eu preciso interagir
Eu preciso comprar

Eu preciso reencontrar o caminho


Perdido em qualquer vão entre o aqui e o ontem
Esquecido porque ninguém se atentou
Porque ninguém perguntou ou falou
Ou simplesmente porque ninguém o viu

Eu preciso reencontrá-lo só pra concluir esse texto


Sem deixar de falar deste contexto
Que na verdade nem sei se foi dissecado contextualmente

Eu preciso falar
Eu preciso contrapor
Eu preciso votar
Eu preciso ganhar
Eu preciso deixar
Eu preciso seguir
Eu preciso amar

Eu preciso

Eu preciso casar
Eu preciso lutar
Eu preciso evitar
Eu preciso chegar
Eu preciso deixar
Eu preciso insistir

Eu preciso aprender
Eu preciso ensinar
Eu preciso regozijar
Eu preciso inibir
Eu preciso trabalhar
Eu preciso pensar
6

Eu preciso disputar
Eu preciso articular

Eu preciso ter
Eu preciso ser
Eu preciso ostentar

Eu preciso

Eu preciso?

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