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Thiago Bersou
Resumo
O estudo da relação entre ambos os personagens visa estabelecer que o autor, dentro da sua
narrativa, vale-se de uma argumentação psicoanalítica tanto na construção conceitual dos
personagens como principalmente da relação entre si.
Introdução
Neil Gaiman, autor da série em quadrinhos “Sandman”, constrói uma mitologia própria,
porém ricamente intertextual, metafórica e referencial para contar a jornada de seu protagonista –
Sonho
“Sandman” (homem de areia) é uma referência encontrada em várias culturas. A mais
consagrada é a dinamarquesa, através de um conto de Hans Christian Andersen, chamado Ole
Lukoeje (ou Olavo fecha-olhos). Esse personagem, de contos infantis, é uma figura mitológica que
sopra areia nos olhos das crianças para que elas durmam.
Com essa linha mestra, o autor desenvolveu todo um universo próprio transpondo grande
parte do imaginário mítico ocidental dentro da cultura pós moderna. Dentro desse universo criado
pelo autor, sem dúvida sua maior contribuição foi o estabelecimento de uma “família” para Sonho.
Composta por sete irmãos, batizados de “Perpétuos”.
Os sete irmãos sãos os seguintes: Destino (Destiny), Morte (Death, Sonho (Dream),
Destruição (Destruction), Desejo (Desire), Desespero (Despair) e Delírio (Delirium).
Os perpétuos descritos por Gaiman não são deuses, apesar de que alguns deles terem sido
eventualmente adorados como tal. São conceitos, ou idéias presentes no coletivo psíquico humano
representadas antropomorficamente. Apesar de serem conceitos metafóricos, Gaiman dá aos
personagens personalidades e falhas bem humanas (assim como os deuses pagãos).
O próprio Gaiman os define na edição X do arco Estação das Brumas (a descrição de Destruição
não está presente nessa edição. Até aquele momento a identidade dele não era conhecida):
“Sandman:
É um verdadeiro enigma.
Destino:
Delírio:
Desespero:
Sua pela é fria e pegajosa. Seus olhos são da cor do céu, naqueles dias cinzas e úmidos que
desbotam o significado do mundo. Sua voz vai pouco além do sussurro. E, embora ela não tenha
odor, sua sombra é almiscarada e pungente, tal qual a pele de uma cobra.
Desejo:
Jamais a(o) possuída(o), sempre o(a) possuidor(a), com pele tão pálida quanto fumaça e olhos
aguçados como vinho, Desejo é tudo o que você sempre quis Quem quer que seja você. O que quer
que seja você.
Tudo
Morte:
E há a morte...”
Tema da Pesquisa
Um sonho é um desejo que seu coração faz
Um sonho é um desejo.
Dentro das relações que o autor trabalha em sua obra, uma das mais interessantes é entre
Sonho e sua/seu irmã/irmão Desejo. A relação deles é tratada como a mais conflituosa e passional, o
que inexoravelmente leva à tragédia.
Partindo da premissa usada como letra de canção de Luisa Guerra, o presente trabalho é
demonstrar que uma vez que os conceitos de sonho e desejo foram levados a status de
representações antropomórficas, suas relações também devem ser pautadas como tal. Assim, ao
contrário do que a pequena estrofe da canção de Guerra dá a entender, o convívio entre Sonho e
Desejo (personagens) não tem nada de poético. Levado a condição de seres com emoções, o
sentimento mais afluente de Desejo é a inveja. Ora, como não seria, pois segundo Freud “o sonho é
a realização (disfarçada) de um desejo (suprimido ou recalcado)” (FREUD, 1900, p. 193). Ou seja,
só nos sonhos, o desejo é plenamente realizável. Desejo como personagem não é por si só capaz de
realizar o que deveria.
A série Sandman é dividida em dez arcos, subdivididos em setenta e cinco histórias que se iniciam
com o aprisionamento de Sonho por um feiticeiro mortal e terminando com sua morte.
A sua relação conflituosa com sua/seu irmã/irmão no entando tem suas carcterísticas mais bem
delineadas no arco “A Casa de Bonecas” (Sandman V. 2 – A Casa de Bonecas, Ed. Conrad 2005), na
história “Três setembros e um janeiro” (Sandman V.6 – Fábulas e Reflexões pg. 20, Ed. Conrad
2006) e na história “O coração de uma estrela” (Sandman – Noites sem Fim, cap. 3 Ed. Conrad
2003) em que o presente estudo se pautou para estabelecer a articulação com os conceitos
freudianos.
Casa de Bonecas
O arco “A Casa de de Bonecas” é o segunda parte das dez em que são dividas a série “Sandman”
por Neil Gaiman.
Após os acontecimentos do arco “Prelúdios e Noturnos” (Sandman volume 1 – Ed. Conrad, 2005),
Sonho começa a reconstrução de seu reino após 75 anos em que ele esteve preso no mundo
desperto. Em paralelo somos apresentados a Rose Walker que após receber um misterioso convite
para viajar à Inglaterra, será levada a uma seqüência de eventos que convergirão ao seu encontro
com Sonho e sua verdadeira identidade.
Também conhecemos Nada uma antiga paixão em Sonho em uma história não diretamente ligada a
narrativa cronológica dos eventos principais em um prólogo chamado “Contos na Areia”.
Nesse arco, é demonstrado que tais acontecimentos (incluso “Contos na Areia”) foram arquitetados
por Desejo.
Trata-se de uma história sobre Joshua Abraham Norton, personagem real nascido na Inglaterra em
1819 e morto 61 anos depois sob o título de Imperador dos Estados Unidos e Protetor do México.
Após perder tudo que tinha, Joshua se vê sem esperança e flertando com o suicídio. Desafiado por
sua irmã Desespero, Sonho dá a Joshua um sonho para se agarrar e dessa forma não adentrar aos
domínios do desespero. O sonho é de que ele é o imperador dos Estados Unidos da América, o que
lhe dá uma razão para continuar sua vida. Tentando por Desejo a aceitar um casamento com uma
princesa de verdade (o que dessa forma mostraria a irrealidade da vida que levava e por
consequência a derrota de Sonho em sua disputa), Joshua recusa levando a ira de sua irmã/irmão e
aos acontecimentos subsequentes do arco “A Casa de Bonecas”.
A história “Sonho” ocorre há milhares de anos dos acontecimentos de “A Casa de Bonecas” e “Três
setembros e um janeiro”.
À época, Desejo era a irmã/irmão favorita de Sonho, pois é entendido que foi por causa de Desejo
que Sonho encontrou sua consorte mortal Killalla da Luminescência.
Levada para conhecer a família de Sonho, Lillalla tem um diálogo com Desejo e após alguns
acontecimentos ela o deixa para ficar com Sto – Oa, o sol de seu mundo. Levado a crer que Desejo
é responsável por isso, Sonha rompe os laços de amizade que outrora aliementava para com sua/seu
irmã/irmão, sendo cronologicamente o evento que os levam à relação beligerante atual.