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Segundo Roteiro de Concerto Campestre
Segundo Roteiro de Concerto Campestre
M – CONCERTO CAMPESTRE
PERSONAGENS:
Major Eleutério Fontes – Mateus Perez
Clara Vitória – Bruna Lauermann
Maestro – Cássio Souza
Dona Brígida – Simone Schuck
Silvestre – Mateus Castro
Vigário – Fernanda Alves
Rossini – Fernanda Alves
Siá Gonçalves – Djulie Ferreira
NARRADOR: - Ignorando seu aspecto físico, seria possível imaginar – e errar – que Major Antônio Eleutério
dedicava paixão antiga pela música, protegido pelos vagares que lhe davam a imensidão dos bens. Mas nem
sempre fora rico. Sua história era conhecida de todos: construíra fortuna aproveitando a sorte e armando
situações irreversíveis para seus devedores. O contrabando de gado foi seu meio de vida por duas décadas, o
que lhe deu o posto de Major Honorário da Guarda Nacional. Durante a Revolução farroupilha ampliou os
haveres vendendo para ambos os lados em luta, com o término do conflito dedicou-se a charqueada, e enfim
porque começa a envelhecer, à amizade dos padres.
VIGÁRIO: Mas me conta Major, é verdade ou é só mais um causo essa história de tempestade que levantou o
sangue dos seus bois?
MAJOR: Não meu padre, o pior de tudo é que é verdade, a “chuva de sangue”. Naquele dia deu um pé de
vento furioso, ergueu todo o sangue dos bois que tava no tanque, e girou todinho no céu.
DONA BRÍGIDA: Girou e foi desabar em cima da casa da estância, olha meu padre, ainda tem as manchas ali
nas telhas. Falando nisso, que vagabundagem, já pedi para os escravos limparem! E aqueles músicos de
merda em Eleutério? Já que não fazem nada o dia inteiro poderiam ajudar os negros na lida da casa. Só
decepção! Vou continuar com meus bordados!
MAJOR: Falando em música, o senhor bem soube que meus dois índios fugiram?
VIGÁRIO: Mas como? Mesmo com proposta de salário e moradia? Lembro-me bem deles beijando suas mãos.
Pobres criaturas, pareciam anjos ao cantar.
MAJOR: Agora ao invés de anjos tenho um bando de vagabundos, que de vinho e farra entendem bastante,
mas de música nada. Bando de vagabundos, ei de mandá-los embora hoje mesmo.
VIGÁRIO: Um homem, um Maestro, de Minas Gerais. Veio pra cá e foi preso no lance mais ridículo da
revolução, mas como artistas são inofensivos, foi solto. Tem bastante experiência e posso assegurar ser o
melhor músico da Província. Tem seu passado de indolência, com algumas criadas das casas em que passou,
mas vem bem avisado e o senhor major, mantenha os olhos abertos, sabe como é, é homem.
(Os dois saem de cena para buscar o Maestro. Dona Brígida continua bordando. Clara Vitória entra em cena)
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MAJOR: Esposa, filha, aqui está o Maestro que contratei para fazer música nos nossos pampas!
(Clara Vitória e Maestro olham-se e sorriem)
MAJOR: Severidade e virtude meu guri, apenas isso. Então vamos testá-lo agora mesmo!
(Major e Maestro saem de cena. Clara e Brígida bordam. Ouve-se uma barulheira ensurdecedora.)
BRÍGIDA: Seu pai anda ficando velho e gagá, não agüento mais essa barulheira, incomoda meus ouvidos.
CLARA: E que idéia foi essa de trazer esse desconhecido aqui para dentro de casa, só por que o padre pinta-o
como um Santo da música? Tenho que concordar com a senhora mamãe, papai está ficando louco.
BRÍGIDA: Então borde minha filha, que quando se casares com Silvestre, um fazendeiro rico que teu pai
arranjou, livra-te de tudo isso! Já eu...
MAESTRO: Sinto muito Major, mas com esses músicos, se é que posso chamar isso de músicos, sua orquestra
não terá sucesso. Peço permissão para escolher meus próprios companheiros em Porto Alegre...
MAJOR: Pode falar meu bom e velho padre, depois que me arrumaste esse guri não há nada que eu possa
negar ao amigo.
VIGÁRIO: Pois bem, peço que me leve até o boqueirão, onde dizem que o senhor cultiva essas uvas
maravilhosas, as uvas do fantasma, tão famosas por esses pampas!
MAJOR: Está ficando louco padre? Não... Não, jamais. O boqueirão é um lugar asqueroso, de dificílimo acesso.
Eu mesmo só estivesse lá uma vez, há uns dez anos!
VIGÁRIO: Mas Major, tenho estudado muito esses pampas! Preciso verificar as condições cientificas do local,
quem sabe possamos fazer vinho com aquelas uvas maravilhosas? O vinho é santo, está nos Salmos, o senhor
não vai negar isso a Deus não é Major?
BRÍGIDA comenta com clara: Esses dois caducos vão, mas não voltam.
SOM DE VENTO
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VIGÁRIO: Menos 4 graus. (olha pra cima) nuvens baixas, pesadas... Bárbaro! E dizer que a pouco estávamos
no verão, Major! Coisas estranhas acontecem por aqui.
SOM DE ORQUESTRA
VIGÁRIO: Tudo como no inicio dos Tempos, mas daí surgirá a Ordem. Ou a música. Batizo-a então de Lira
Santa Cecília, em homenagem a padroeira da música. Vou-me embora Major, vá apreciar tua música!
(Vigário e Major saem do palco, entra Maestro lendo partituras, com uma cara de dúvida)
MAESTRO: ROSSINI!
(Entra o Major)
MAESTRO: Sim, senhor. Aqui estão, Rossini e meus músicos, vieram de Porto Alegre, agora sim tenho o que
preciso!
SOM DE ORQUESTRA
NARRADOR: Clara Vitória, a filha do Major, mal entrara na adolescência, já era uma dama.
NARRADOR: Seus dedos pálidos, quando levados para ajeitar um pouco a cascata dos cabelos, não faziam
contraste com a pele do rosto, e os olhos eram tão largos e verdes que ultrapassavam a fronte, projetando ao
ar pestanas abundantes e vibráteis. Os filhos dos estancieiros á volta afirmavam que morreria virgem, pois
ninguém teria a audácia de macular aquela inocência angélica – e casavam com outras. Para ela não mais
importava esses juízos levianos, nem esses matrimônios de varejo: se havia algo de certo na vida, que a
empolgava até latejaram as têmporas e doerem os ossos, fazendo com que perdesse a fome e até as
palavras, era a sua paixão pelo Maestro.
(Maestro entra em outro lado do palco, escrevendo partituras. Clara fica olhando para ele)
Clara Vitória: Como pode? Um homem com má educação ser Maestro! Senta-se de pernas cruzadas igual a
um carroceiro. É uma tortura essa música, chega a doer nos ouvidos.
Brígida: Que maravilha? Quem vai perder tempo escutando essas bobagens?
Major: Nós, os vizinhos, ora. E toda essa gente que chega por aqui, e se não chegarem, eu convido. Isso! Um
concerto! Vou dar um concerto! E deveria me agradecer Brígida, ótima oportunidade de convidar Silvestre,
futuro noivo de Clara Vitória.
(Clara Vitória levanta pega uma vassoura e começa a varrer a parte da frente da casa.)
Brígida: Mas e com essa música? Com esse Major insolente? Não confio nesse negro...
MAESTRO: Se não se importasse, poderia varrer em outro lugar, para que possamos ensaiar aqui?
(Saem Major e Brígida de cena, Clara Vitória volta para o outro lado, senta-se emburrada)
MAESTRO: (imitando clara vitória) O serviço não vai parar por sua causa! Tenta ser rude, mas és tão doce...
Ah menina!
(Maestro começa a tocar uma música no violão, Clara Vitória vai até o quarto dele)
CLARA VITÓRIA: Senhor, eu ouvi uma música, uma linda música e resolvi vir v...
(Maestro pega na mão de clara vitória e ela sai correndo do palco. Rossini entra no quarto).
MAESTRO: hã?
(Apagam-se as luzes)
NARRADOR: Aquele era mais um concerto dentre tantos outro que o Major já tinha oferecido a seus amigos e
vizinhos. Dona Brígida não reclamava tanto, pois Silvestre comparecia a todos eles, e assim ficava mais perto
de sua noiva, Clara Vitória. O que não ficou muito claro, até para você meu caro ouvinte, é que havia tempo,
todas as noites, Clara Vitória saía da cama, apagava a vela e como uma sombra entre as sombras, se
esgueirava para dentro do quarto ao lado e deitava-se com o Maestro, até alta madrugada.
SILVESTRE: Ora meu amor, lembra que eu te disse a poucos dias que tu estavas cada dia mais gorda e sem
motivos ficaste ofendida com meu elogio? Pois hoje digo que pareces uma rosa, continuas gorda, mas uma
linda rosa gorda.
(Continuam dançando, silvestre pisa no pé de clara, ela reclama. De longe maestro e Rossini observam.)
(A música acaba e todos batem palmas e saem. Permanece Clara no palco, nervosa e enjoada)
NARRADOR: Clara Vitória tem de se levantar para ir à janela, sorver o ar fino e engolir aquela espécie de
amargor que lhe vem à garganta a qualquer momento, desde que se soube grávida.
CLARA (vomita): Desgraçada que sou! Uma puta, desgraçada, desgraçada, uma puta! (vomita)
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(entra em cena discretamente Siá Gonçalves)
(Sai Siá, entra Brígida, Major e Vigário. Clara continua com cara de enjoada)
CLARA: Eu, eu estou grávida... (chora no colo do vigário) Do Maestro padre, do Maestro!
(Clara sai de cena e Vigário volta para o centro do palco onde estão Brígida e Major)
VIGÁRIO: Quer saber? Ás vezes o Maestro me aborrecer. Passei a me sentir mal quando vejo. Sei, vai dizer-
me que há pouco eu o elogiava. Mas a gente muda. Sabe, estive pensando... Quem sabe casemos logo a
menina. Quando digo logo, digo daqui a umas duas semanas.
MAJOR: As famílias às vezes encurtam o casamento, mas só as famílias sem moral, e quando a noiva já se
desgraçou.
VIGÁRIO: Não é o que o senhor está pensando. Ela sim si desgraçou, como o senhor diz, mas de puro amor.
Tudo o que ela sente essas perturbações dos humores que o senhor viu no almoço... É preciso que se case já.
MAJOR: Jamais. Não vou passar essa vergonha. Filha minha, mesmo com essas tais perturbações dos
humores, se casa direito, com proclamas e no tempo certo. Ou é assim ou é nada. Peço que o senhor não
toque mais no assunto.
- Tem certeza que não quer ouvir a orquestra?
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NARRADOR: D. Brígida estava com as idéias inflamadas. A filha mantinha-se como nos últimos dias, no
estado lastimável de quem não dorme, a todo instante lançando um olhar mortiço para fora, para o campo,
dando um suspiro que vinha das imensidões da alma intranqüila. Hoje D. Brígida perdia toda a desenvoltura
diante da filha. Aquela conversa do Vigário fora muito estranha, o que ele estaria escondendo? Sentia-se
paralisada, como se o céu se abrisse e Santo Antônio lhe soprasse nos ouvidos, um pensamento fantástico
passou pela sua cabeça.
BRÍGIDA: Miserável (tapa na cara) Era isso! Enquanto eu ficava aqui como uma boba, vocês se refestelavam
como cachorros, você e Silvestre! (Clara cai no chão, e Brígida dava pancadas mais fortes) E eu ainda mandei
de fossem passear, louca que eu era!
BRÍGIDA: É isso que ela merece! Alguém que eu pari e criei, agora me faz isso! Ainda faço uma loucura. Ah,
seu pai vai ficar sabendo! Saia daqui! Gonçalves chame o Eleutério, já!
MAJOR: É a última vez na vida que tu me vê. Brígida arrume as coisas dela!
(Major e Brígida ficam num canto do palco. Siá e Clara vão para outro)
GONÇALVES: Antes de perguntar bobagens, a senhora deve contar para D. Brígida que o Maestro que é o pai
da criança. E contando para sua mãe, a senhora salva o Silvestre!
CLARA: Não vou contar para a minha mãe, nem para ninguém. (Segura as mãos da ama) Jure que vai dizer
para o Maestro voltar para Minas Gerais.
GONÇALVES: Que conversa sem fundamento. A senhora vai logo sair do boqueirão e dizer isso pra ele.
MAJOR: É ISSO QUE ACONTECE COM AS PUTAS! E DE HOJE EM DIANTE NÃO SE FALA MAIS NELA NESTA CASA!
NARRADOR: Desde a hora em que percebera Clara Vitória desaparecer na porteira, o Maestro entregara-se a
um atoleiro de remorsos.
NARRADOR: Pudera imaginá-la pálida de desespero, a procurá-lo entre aqueles rostos mortificados, a
chamar em silêncio pelo seu nome. Tentou ir ao boqueirão, mas o Major havia posto vários de seus homens
bloqueando a passagem. Agora o Maestro começava a levar em consideração o pedido de Clara Vitória,
porém não ia voltar Minas, iria para Porto Alegre.
MAESTRO: Vou embora, eu amo a menina, mas devo ir. O Major enlouqueceu, não há mais o que fazer, vou
para Porto Alegre. Rossini irá comigo.
GONÇALVES: Tu já deverias ter feito isso. E deixe a menina comigo. Ela está bem, e quando acontecer o bom
sucesso, vou estar junto dela.
SILVESTRE: Não espere nada de mim Padre. Vim só dizer que vou embora. Tenho ainda campo em São
Gabriel e Alegrete , o senhor sabe.
SILVESTRE: Um homem não pode ser humilhado dessa forma. Só não abati o Major porque não sou covarde
de matar um velho.
SILVESTRE: E cabe a mim reparar? Eu não quero mal a ninguém. Nem a Clara Vitória. Adeus.
VIGÁRIO: Vá em paz.
VIGÁRIO: Bom dia Major. (estende a mão e não obtém resposta.) É uma desumanidade tudo isso, você deve
acabar com essa falta de cristianismo. A menina não pode ficar sem os sacramentos. Tu não podes abandoná-
la!
MAJOR: Padre, nossa amizade terminou hoje, proíbo o senhor de voltar aqui.
VIGÁRIO: Se assim desejas, assim será. Meu dever me obriga a dizer que se acontecer alguma coisa com a
menina, o senhor será o culpado. Não se deixa ninguém sem o conforto espiritual. Depois, não me procure
para o perdão.
(Saem de cena Major e Vigário. Clara Vitória entra, atira-se no chão e começa a ter as dores do parto. Siá
entre em cena)
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GONÇALVES: Menina, vim trazer comida e... SENHORA!! (ajuda no parto)
GONÇALVES: (com a criança no colo): É uma menina! E pesada. Agora está livre. Vou levar a criança para
estância, pois uma negra que deu à luz e pode dar o peito pra ela.
(Clara faz gesto de que quer ver a criança. Siá mostra a menina.)
CLARA: Bonita.
GONÇALVES: Bobagem. Nenhum recém-nascido é bonito. E vai ter a cor do pai. Venha, te ajudo a voltar para
a tapera.
NARRADOR: O Maestro desde que chegara em Porto Alegre caiu de um mal indecifrável, tinha febres que o
prostravam como um moribundo. Recusava-se a sair da cama, Rossini observava seu doente: um lenço de
cambraia, encharcado por suor maligno, modelava as formas do rosto, não falava nada, e o peito mal se
movia numa respiração curta e angustiada.
MAESTRO: Será que Clara Vitória está vendo este céu lindo?
ROSSINI: Ah homem, não vá morrer em minhas mãos que nem dinheiro para o enterro eu tenho.
MAESTRO: O que me diz, será que ela ainda pensa em mim? Será que ainda está viva?
ROSSINI: Decerto. Primeiro: as mulheres não morrem. E a prova é que no mundo só há viúvas e não viúvos.
Segundo: as mulheres não esquecem. Para a alegria e tragédia dos homens.
(Rossini dá um tapinha nas costas do Maestro. Os dois saem. Entra Major e Gonçalves)
MAJOR: Gonçalves, meus músicos voltaram! Deixe a casa toda arrumada para o grande concerto de amanhã:
a volta da Lira de Santa Cecília e meu aniversário. Mande as cozinheiras preparem as uvas! Todos os vizinhos
vão comparecer.
MAJOR: Dia bom, vem bastante gente para o concerto. Traga mais vinho Siá!
SOM DE TEMPESTADE
MAJOR: Eles me abandonaram sim, todos eles. Ignoraram tudo que eu já fiz por eles e por suas porcas vidas.
Eles não são capazes de entender nada e por isso se vingam agora, usando motivos cretinos. CRETINOS
COMO SÃO!
MAJOR: Boa tarde seus cretinos, vieram ouvi da minha boa música seus porcos? Podem sentar, à vontade.
Sabe quem é o culpado de tudo isso? Foi Deus que os fez tão medíocres, tão mesquinhos... Seus porcos
imundos!
BRÍGIDA: E tu esperavas que viesse gente, depois das coisas que fez?
BRÍGIDA: À vontade.
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MAJOR: Pois vá duma vez criatura dos diabos. VAMOS TER CONCERTO! Adiante!
MAJOR: Toquem uma música alegre que eu quero dançar! (Major pega Gonçalves e obriga-a a dançar,
caindo, tropeçando...)
NARRADOR: Como coisa de outro mundo, começaram a cair gotas escuras e viscosas, que varavam o ar e
projetavam-se nos rostos.
MAJOR: Tu falas em Deus, mas a onde ele escondeu os meus convidados? Apreciem, seus porcos!
ROSSINI: ... Final feliz! Vá meu amigo! Antes que as cortinas desse amor se fechem!
NARRADOR: No boqueirão, o céu, um cristal translúcido, exibia abertas de luz. Toda atmosfera respirava um
novo ar, pássaros de bom tempo giravam nas alturas, descrevendo arcos de felicidade, e o arroio voltava a
correr.
NARRADOR: Ela foi até a margem, tirou a roupa e lavou-se. Estava assim, meio submersa, refrescando-se na
delícia da tarde, quando sentiu que alguém vinha em sua direção, atravessando as águas. E logo soube quem
era, sempre saberia dali por diante, pelos anos afora: não precisou cobrir-se, nem correr de vergonha, apenas
abriu os braços e entregou-se ao primeiro beijo de todos os beijos de sua longa vida.
NARRADOR: A história da moça abandonada no boqueirão me foi contada por uma amiga, a escritora Hilda
Simões Lopes, e aconteceu no século passado, nos campos de sua família. É, portanto uma história real, o que
lhe dá certa nota picante; mas aqui, como em todas as realidades, a fantasia ocupa lugar do trivial e do
desconhecido – e isso é apenas uma homenagem a literatura.