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Quais as condições necessárias para encarar tal desafio? Como podemos planejar e desenvolver
nossas práticas educativas de modo a superar, ainda que parcialmente, a fragmentação do
conhecimento? Como evitar a velha pergunta "professor, por que eu preciso aprender isso?",
tantas vezes ouvida por nós professores, tantas vezes formulada por nós mesmos no tempo em
que éramos alunos? Como superar a fragmentação do conhecimento em uma instituição escolar
cujo horário de funcionamento é um reflexo dessa própria fragmentação?
Estes trechos da LDB foram escolhidos para dar início a uma reflexão sobre o papel das
disciplinas científicas na educação básica do estudante. Essa reflexão é necessária por um
motivo que não pode deixar de ser considerado desde o início: as universidades brasileiras
escolhem seus estudantes por meio de uma prova de seleção que tem como conteúdos
principais os conhecimentos próprios das disciplinas científicas. As provas que constituem os
vestibulares exigem que os estudantes tenham conhecimentos próprios das disciplinas
acadêmicas, em um nível de detalhe muito exagerado. Essa hipertrofia dos conhecimentos
disciplinares acadêmicos tornou-se uma imposição que se reflete em todo Ensino Médio,
chegando mesmo às séries finais do Ensino Fundamental. A principal conseqüência desse
processo é a confusão que se estabelece entre as finalidades do conhecimento científico e as
finalidades do conhecimento escolar.
De acordo com o texto da LDB, um cidadão que termina a Educação Básica deve ter a
capacidade não só de compreender os fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, mas também, de aprimorar-se como pessoa humana, incluindo [...] o
desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. Ou seja, ao terminar a
Educação Básica, o educando deve ter autonomia para, compreendendo os fundamentos
científicos e tecnológicos dos processos produtivos, posicionar-se criticamente com relação aos
investimentos em ciência e tecnologia que o país faz, utilizando os recursos conseguidos por
meio dos impostos. No entanto, a hipertrofia dos conhecimentos disciplinares promovida pelos
exames vestibulares, impede que a Educação Básica cumpra sua real tarefa.
"Você é capaz de visualizar imagens? Então pense no senso comum como as pessoas comuns. E
a ciência? Tome esta pessoa comum e hipertrofie um dos seus órgãos, atrofiando os outros.
Olhos enormes, nariz e ouvidos diminutos. A Ciência é uma metamorfose do senso comum. Sem
ele, ela não pode existir. E esta á a razão por que não existe nela nada de misterioso ou
extraordinário".
Já na antiga Grécia, os filósofos se preocupavam com uma educação que fosse unificadora dos
conhecimentos, procurando o desenvolvimento do indivíduo como um todo. Essa tradição se
manteve até o surgimento da Ciência moderna. A partir do século XVIII, com o desenvolvimento
da Física, da Química e da Biologia, começa a haver uma preocupação em distinguir o que
seriam as ciências naturais dos conhecimentos ligados às produções humanas.
Essa divisão do conhecimento em dois campos distintos repercutiu na educação dos jovens
muito intensamente. Para se ter uma idéia, até o ano de 1971, no Brasil, havia dois cursos que
correspondiam ao atual ensino médio, seus nomes eram
Clássico e Científico. A escolha entre um ou outro era feita
em função da carreira profissional que o estudante
almejava. Escolhia o Clássico quem pretendia fazer Letras,
Direito, Sociologia e áreas afins. Escolhia o Científico
quem ia estudar Engenharia, Medicina, Física, Biologia,
etc.
Apesar dos grandes esforços empreendidos pela sociedade brasileira com relação à
democratização da educação escolar, esta tem ocorrido apenas no que diz respeito ao ingresso à
escola. Podemos dizer que no Brasil, atualmente, 97% das crianças em idade escolar conseguem
ingressar no sistema educacional. No entanto, essa possibilidade de ingresso não se concretiza
em formação escolar, pois a maior parte dos alunos que inicia a 1ª série do ensino fundamental
não chega a terminá-lo.
Esse enorme desastre tem como uma de suas principais causas o fato de que, apesar de
permitir a entrada de todos, a escola continua funcionando de acordo com a mesma concepção
de educação que possuía em décadas anteriores: o ensino praticado em nossas escolas continua
sendo propedêutico e seletivo.
Ensino propedêutico é aquele organizado com o único objetivo de levar o aluno a um nível mais
adiantado. É sempre um ensino preparatório. A educação infantil prepara para o ensino
fundamental que, por sua vez, prepara para o ensino médio. Este prepara para a universidade.
Ensino seletivo é aquele voltado à escolha dos melhores. Os que conseguem fazer as provas, os
que conseguem aprender sem precisar de ajuda específica, os que já vêm "preparados de casa".
Nossa escola atual não pode selecionar quem entra, mas seleciona quem pode ficar. Fica quem
tem condições de agüentar o difícil caminho de aprender os conteúdos científicos tornados uma
quantidade enorme de informações. Uma escola na qual aprender é quase sempre sinônimo de
"ter decorado".
Essa escola continua, portanto, seletiva e propedêutica, porém, suas finalidades (ao menos em
intenção) mudaram, ela precisa ser uma escola democrática. Uma escola que, além de preparar
os cidadãos para a vida democrática, seja o principal agente de democratização do saber em
nossa sociedade.
A construção de uma escola democrática passa, necessariamente, pelo rompimento com essa
visão "seletiva e propedêutica", e uma das formas de
empreender essa construção é desenvolver um ensino
interdisciplinar. Um ensino no qual as atividades de
aprendizagem dêem prioridade à capacidade de pensar os
problemas reais que afligem a sociedade, problemas esses
que não pertencem a uma disciplina específica e que para
serem resolvidos precisam dos conhecimentos científicos
disciplinares.
Pensando nessa metadisciplinaridade, podemos afirmar que muitos "objetos de estudo" podem
ser selecionados por professores e alunos de uma escola. Exemplos: a produção e o destino do
lixo em uma cidade (na própria escola ou no bairro em que ela se encontra); o controle de
epidemias transmitidas por insetos na região em que se situa a escola; a produção e distribuição
de energia no país e os problemas que levaram ao risco de "apagão" no ano de 2001. Questões
amplas como essas podem desencadear um trabalho pedagógico interdisciplinar. As reflexões
sobre suas possíveis soluções levam à eleição dos conteúdos disciplinares que precisam ser
compreendidos para que as soluções possam ser construídas, tornando então as disciplinas "o
meio que dispomos para conhecer uma realidade que é global ou holística".