A NOÇÃO DE “PROBLEMA ÍNDIGENA” E A DISPUTA DE TERRAS
Leandro Fernandes Sampaio Santos
Os estereótipos atribuídos às populações indígenas que as concebem em sua
“pureza” cultural e ambiental aprisionados em tempos remotos fora do processo “modernizador” da sociedade globalizada (visão essencialista) chocam-se ao verem “índios de carne e osso debatendo seus problemas” com embasamento político, jurídico e até mesmo científico, por exemplo, manejando dados estatísticos, ambientais e geográficos falando a língua oficial do país com clareza. Entretanto, isto ocasiona perplexidade por um lado, para o “senso comum” que os identifica como não índio por não carregar consigo as marcas da “primitividade” e, por outro lado, as chamadas “comunidades científicas”, sobretudo os indigenistas que identifica o indígena a partir do seu grau de adaptação à “sociedade nacional”. Podemos acentuar que há uma semelhança entre as duas acepções acerca da palavra “índio” que aparentemente parecem dissociadas. João Pacheco de Oliveira observa com pertinência que em ambos os discursos crêem no incontornável mito de que os povos indígenas estariam desaparecendo “refletindo igualmente sobre o processo de perda e descaracterização cultural” que repercutiram nas classificações de Darcy Ribeiro e absorvidas pelo indigenismo oficial. No que tange a “noção de problema indígena”, podemos apresentar alguns aspectos de convergência e divergência entre a abordagem de João Pacheco Oliveira e Darcy Ribeiro. Segundo Oliveira, é necessário que haja uma noção que norteie e ilumine os debates acerca das “populações indígenas” e sua promoção, ou seja, “um poderoso instrumento de unificação de idéias”. Seguindo esta direção, Oliveira dialoga com Ribeiro referindo-se a ele como o que mais contribuiu e difundiu a “noção de problema indígena”, sendo que tal problema não pode ser visto de maneira restrita aos indígenas, pelo contrário, tem que ser compreendido numa perspectiva mais abrangente, nos “quadros da sociedade brasileira”, Ribeiro concebe que isto deve se dar através de uma forma “direta e imediata” controlada rigidamente pelo Estado e com a colaboração de estudiosos e seu compromisso para a “preservação dos povos indígenas”. A divergência de ambos os autores se dá justamente no tocante ao papel do Estado dentro da noção de problema indígena. Oliveira aponta que anteriormente o Estado era concebido como “relativamente distanciado dos processos de expansão capitalista” e que os indigenistas seriam defensores exímios dos interesses nacionais e, que tal formulação do “problema indígena” é anacrônica e a concepção de um Estado nacionalista estanque não correspondem com a atual “expansão das fronteiras econômicas” e com os grandes empreendimentos e investimentos de capitais nacionais e internacionais, isto conforme salienta autor. Portanto, Oliveira acentua que o “problema indígena” deve buscar soluções eficazes nas bases legais e administrativas, pois verificamos que muitos conflitos dos grupos indígenas são inclusive com as iniciativas oficiais. Uma outra problemática analisada por João Pacheco Oliveira é a questão das terras indígenas. Argumentos em oposição aos indígenas foram redimensionados para as críticas de que estes povos são “privilegiados” pela “sociedade brasileira” e acusando-os de serem “latifundiários” e detentores de grandes extensões territoriais e por isso seriam povos “ricos” dominando os recursos sociais e conseqüentemente a “população regional”; Oliveira demonstra que há interesses claros por trás de tais acusações que se baseiam em “casos absolutamente excepcionais” e as desculpas às invasões de terras indígenas se baseiam no frágil argumento de que não há terras para agricultura e para o trabalhador rural “não-indígena”, em contraposição, o autor em sua análise critica tais argumentos e acentua sua crítica neste trecho: “Os trabalhadores rurais não ficam sem terra em decorrência da ‘exorbitância’ das terras indígenas, mas sim da extrema concentração da propriedade fundiária”. Contudo, as demandas indígenas e a extensão de suas terras representam uma mínima porcentagem do estoque total de terras e em sua maioria, as terras não são totalmente produtivas como alegam os seus opositores e com isto, não há como os indígenas “prejudicarem” as atividades agrícolas, ou seja, o almejado agro-negócio, portanto, os argumentos daqueles que querem se apossar das terras indígenas não faz sentido e não corresponde a atual realidade brasileira.