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PROCURADORIA DA REPÚBLICA

CÍRCULO JUDICIAL DE PORTIMÃO

ACTA DA REUNIÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE PORTIMÃO COM


REPRESENTANTES DE ÓRGÃOS DE POLÍCIA CRIMINAL
CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Data – 17 de Novembro de 2009.


Hora – 15:00 horas.
Local – Edifício do Tribunal da Comarca de Portimão.

Presentes – Para além dos Procuradores da República no Círculo Judicial de


Portimão, José Magalhães e Menezes e José Franco Pinheiro, dos Procuradores-
Adjuntos na comarca de Portimão, Justina Simões, Francisco Martins, João
Almeida, Susana Ferreira, Sónia Faustino, Paula Domingos e Rita Rodrigues
(estagiária), da Procuradora-Adjunta na comarca de Lagos, Joana Pinheiro e do
Procurador-Adjunto na comarca de Silves, Luís Caldeira, os seguintes
representantes da GNR e da PSP (indicados por ordem alfabética):
- Aida Guerreiro (GNR – NIAVE de Portimão)
- Carlos Bengala (GNR – Comandante do Destacamento Territorial de Portimão)
- Domingos M. Silva (Comandante do Posto GNR)
- Fernando Correia (GNR – EII de Lagoa)
- Francisco Dias (GNR – EII de Portimão)
- Hélder M. Fonseca (GNR – Comandante do Posto de Portimão)
- Hélder Paulos (GNR – EII de Portimão)
- Luís Costa (GNR – Chefe do NIAVE de Portimão)
- Manuel Carvalho (GNR – EII do Carvoeiro)
- Nuno Viana (PSP – PSP – EIC de Portimão)
- Pedro Martins (GNR – NIAVE de Portimão)
- Ricardo Bailote (GNR – Comandante do Destacamento Territorial de Silves)
- Rui Henriques (PSP – Subchefe da EIC de Portimão)
- Sónia Mourão (GNR – NIAVE de Portimão)

Na sequência de convite feito para tal fim, bem como de anterior


comunicação aos OPCs da comarca de Portimão no que respeita à matéria
(matéria abordada em reunião dos magistrados do MP na comarca em
22.10.09), bem ainda face a dúvidas colocadas pelo NIAVE de Portimão (ofício
de 3.11.09), foi levada a cabo reunião com vista a abordar as dificuldades
sentidas com a publicação da Lei nº 112/2009, de 16 de Setembro.

No seu decurso foram abordadas, embora ainda de forma pouco


aprofundada (até por via da sua recente entrada em vigor que não permitiu
ainda aquilatar de muitas dificuldades práticas que se irão sentir) as alterações
introduzidas por tal legislação, sendo tentado o esclarecimento de diversas
dúvidas já existentes e o estabelecimento de regras de actuação, quer por
parte dos OPCs com competência nesta área, quer por parte do MºPº.

Assim, foram abordados diversos assuntos que se referem em seguida:

-- A aplicação imediata da lei aos processos pendentes:

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Concluiu-se pela aplicação imediata da Lei nº 112/2009 aos processos já


pendentes, por se tratar de lei adjectiva e, como tal, de aplicação imediata. Foi
entendido que – sem prejuízo de a questão vir a ser colocada em concreto e
então melhor analisada, incluindo em sede de recurso – todas as normas
revestirão aquela aplicabilidade imediata, incluindo-se aqui o estabelecido nos
artºs. 30º e 31º.
(Os senhores magistrados poderão observar a existência de opiniões contrárias, em
documentos apostos no SIMP, bem assim como de discussão existente acercada matéria no
fórum do mesmo sistema).

-- A necessidade de não confundir os casos de violência


doméstica com os de maus tratos:

Verificando-se por vezes confusão entre os dois tipos de ilícito, sendo


que apenas relativamente ao crime de violência doméstica é aplicável a Lei
112/2009, foi chamada a atenção para a necessidade de não confundir os dois
tipos, até pelas consequências que daí decorrem (entre as quais a natureza
urgente dos processos referentes a violência doméstica).
Assim, há a notar especialmente que existe diferença nas vítimas
objecto de actividades similares – no crime de violência doméstica (artº 152º,
do CP) estão elencadas nas diversas alíneas do seu nº1, sendo diferentes as
pessoas protegidas no crime de maus tratos (artº 152º-A).
Assim, só cabem no conceito de violência doméstica os maus tratos a
um conjunto de pessoas com quem o agente mantenha ou tenha mantido um
relacionamento conjugal ou análogo, seja do outro ou do mesmo sexo e ainda
que sem coabitação, bem como àquelas que coabitem com o agente e se
encontrem particularmente indefesas.

-- A concepção de “violência doméstica”:

A caracterização das actividades que configuram a prática do crime foi


muito debatida, dada a forma genérica consignada no preceito, ‘agravada’ pelo
facto de, com a última alteração legislativa efectuada ao Código Penal, se ter
expressamente admitido poder uma única actuação integrar tal ilícito.
Daqui que se tenha colocado a possibilidade de se poder considerar
praticado o crime quando apenas está em causa, por exemplo, uma injúria. Tal
decorreria do facto de se poder integrar essa injúria isolada na previsão de
‘maus-tratos psíquicos’ constante do nº1 do preceito (sendo também suficiente
para integrar o crime uma só actividade).
No entanto, pelos magistrados presentes foi lembrado que só existe
violência doméstica quando existem efectivos ‘maus tratos’, não se podendo
dissociar o caso dessa exigência.
Ou seja – e embora os conceitos não estejam definidos de forma
satisfatória (existindo diversas interpretações jurisprudenciais acerca do que
constituem maus tratos) – haverá que analisar a situação de forma cuidadosa
para se poder entender pelo preenchimento ou não do crime. E muito mais isso
sucede aquando do início do processo, nomeadamente aquando da
apresentação de queixa pelo ofendido.

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Embora – como se disse – não exista uma definição concreta quanto a


que actividades integrarão o crime, necessidade existe de se estabelecer regras
orientadoras, nomeadamente para se saber se se deverá aplicar a Lei
112/2009 (notem-se as diversas consequências práticas daí decorrentes, quer
para os ofendidos, quer para os arguidos).

Assim sendo, e lembrando que uma só conduta isolada pode integrar a


prática do crime, não se pode entender – como atrás referido – que uma
simples injúria, ou mesmo uma agressão corporal simples, preenche o crime.
Para tanto, necessário será que essa acção isolada tenha uma gravidade
superior à que se verifica em qualquer outro caso.
Conforme alguns autores e decisões jurisprudenciais (referidas no Ac. do
STJ de 2.7.2008 e que se transcrevem parcialmente para o que aqui interessa)
uma só actividade poderá integrar a prática do crime quando:
Existe perpetração de qualquer acto de violência que afecte, por alguma forma, a saúde física,
psíquica e emocional do cônjuge vítima, diminuindo ou afectando, do mesmo modo, a sua dignidade
enquanto pessoa inserida numa realidade conjugal igualitária.
Qualquer acto que constitua atentado à vida, à integridade física ou psíquica ou à liberdade que
comprometa gravemente o desenvolvimento da sua personalidade.
Não são todas as ofensas corporais entre cônjuges que cabem na previsão criminal, mas aquelas
que se revistam de uma certa gravidade ou, dito de outra maneira, que, fundamentalmente, traduzam
crueldade, ou insensibilidade, ou, até, vingança desnecessária, da parte do agente.
Só em casos excepcionais basta um só acto, se ele for suficientemente grave para afectar de
forma marcante a saúde física ou psíquica da vítima;
Admite-se que um singular comportamento possa ter uma carga suficiente demonstradora da
humilhação, provocação, ameaça.
Ou seja, acaba por se admitir que um único comportamento integre a
prática do crime, mas quando esse comportamento for de importância tal que,
não obstante único, importe consequências gravosas na pessoa da vítima,
demonstrando-se como comportamento grosseiramente violador da saúde
física ou psíquica daquela.

Já no caso de comportamentos reiterados a integração no crime de


violência doméstica será mais fácil, embora – como atrás se disse – continuem
a ser sempre discutíveis.
(Os senhores magistrados poderão consultar as intervenções do 'III Congreso del Observatorio
contra la Violencia Doméstica y de Género: Madrid, 21 a 23 de octubre de 2009, publicadas no SIMP).

-- A apreciação dos factos no início do inquérito.

Se a apreciação dos factos indiciados no final do inquérito é passível de


diversas interpretações quanto a estar-se ou não perante a prática do crime de
violência doméstica, maiores problemas surgem quando esse mesmo inquérito
se inicia.
E essa apreciação acaba por ser determinante, nomeadamente por via
das consequências que tem para os intervenientes directos – ofendidos e
arguidos, face às normas agora introduzidas pela Lei aqui em análise. Lembre-

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se o estatuto de vítima e a actuação a ter perante os arguidos, quando


verificados os factos em flagrante delito.
Acabam por ser os OPCs a depararem-se com maiores dificuldades na
qualificação inicial dos factos, sendo que deverão ser, nessa qualificação,
orientados pelo Ministério Público.

Para tanto, terá que ser estabelecida regra de actuação uniforme,


preferencialmente na área do Círculo judicial, para evitar situações de
tratamentos desiguais perante factos idênticos.

Assim, e embora sem prejuízo de alteração futura (caso a experiência


venha a demonstrar ser esta uma via a alterar), entendeu-se que os OPCs
deverão seguir as orientações que se seguem:

●●● No caso de verificação da prática em flagrante delito de actos, p.


ex., de agressão a pessoas mencionadas no artº 152º, apenas se deverão
desde logo qualificar esses factos como de violência doméstica se:

● se estiver perante situação especial nos termos atrás mencionados ou


se (por exemplo, uma agressão especialmente violenta do marido à mulher,
com expulsão da casa onde residem e consequente afectação desta em termos
físicos e psicológicos); ou

● embora não se verificando tal situação excepcional, já o OPC tiver


conhecimento de situações anteriores (ou seja, que se estará perante a
reiteração de comportamento delituoso por parte do arguido), ou se, no
mesmo momento em que observarem os factos, recolherem elementos (por
exemplo, através de declarações de testemunhas ali presentes, que levem a
concluir ser o facto verificado já uma repetição de anterior – imagine-se a
situação de verificarem uma agressão em flagrante, apurando-se no momento
que essa actuação tem sido frequentemente levada a cabo pelo agressor, tudo
suportado em depoimentos colhidos no momento).

[Nestes casos, será aplicável, desde logo, a Lei nº 112/2009, incluindo-


se as questões da detenção e da atribuição do estatuto de vítima.]

●●● No caso de verificação em flagrante delito de, p. ex., uma agressão


de marido a mulher, inexistindo elementos que possibilitem concluir estar-se
perante mais uma situação idêntica a anteriores, a uma reiteração de
comportamentos ilícitos de tal natureza, não deverá desde logo concluir-se pela
verificação do crime de violência doméstica (mas sim, do tipo de crime
genérico em questão – ofensa à integridade física, na situação exemplificada).

[Nestes casos, não deverá recorrer-se à Lei nº 112/2009, seguindo o


processo os seus termos de acordo com as normas genéricas do CPP.]

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●●● Nos casos em que o ofendido apresenta queixa no OPC por factos
que poderão vir a integrar a prática do crime (não sendo verificado esses factos
em flagrante):

● Caso já haja notícia de reiteração de comportamentos, ou de serem


descritos reiterados actos de violência física ou psíquica com sustentabilidade
(casos de existência de queixas anteriores ou de, embora sendo a primeira
queixa, o ofendido indicar desde logo diversas ocorrências, situando-as no
tempo, indicando desde logo testemunhas, etc.) nada obstará a que seja desde
logo qualificado o inquérito como versando sobre violência doméstica, com
todas as consequências (nomeadamente o conferir do estatuto de vítima).

● Caso o OPC ao receber a queixa fique na dúvida quanto à qualificação


da actividade, deverá remeter de imediato a queixa ao MºPº para análise.

(Em cada comarca deverá ser estabelecido regime próprio quanto a esta matéria, em
termos de ser determinado qual ou quais os magistrados que apreciarão estes casos,
nomeadamente se deverão apreciar os mesmos no despacho do ‘correio’ ou já depois da
distribuição do inquérito).

De qualquer forma, foi chamada a atenção para a necessidade de,


aquando do recebimento das queixas, serem logo colhidos todos os elementos
possíveis – P. ex. no caso de o ofendido referir factos anteriores, indicar as
datas, locais e meios de prova respeitantes a tais factos anteriores.
Foi referida a necessidade de serem as vítimas fotografadas, de forma a
verificarem-me mais facilmente as lesões provocadas, tendo em conta que
muitas vezes decorre algum tempo até serem sujeitas a exame médico.
Para tanto, deverão os OPCs emitir instruções às pessoas que recebem
as queixas.
Ainda neste âmbito, e para evitar repetições de inquirições, deverá ficar
consignado expressamente – quando for essa a situação – que os queixosos,
embora refiram actos violentos anteriores, não os conseguem situar no tempo,
nem indicar elementos de prova aos mesmos relativos.

Também os magistrados deverão ter o cuidado de, no caso de


entenderem estar em causa crime de violência doméstica, remeterem
directamente os inquéritos ao NIAVE, quando a competência for da GNR
(Sendo os demais inquéritos remetidos para o posto da GNR territorialmente
competente).

--- A apreciação dos factos no decurso do inquérito (alteração da


qualificação do crime):

Nestes casos existem, para além de diversas sensibilidades acerca da


matéria (que levam a diferentes opiniões acerca de um dado comportamento
estar ou não incurso no tipo de ‘violência doméstica’), frequentes situações em
que casos que inicialmente foram qualificados de outros crimes se revelam ser
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de violência doméstica, bem assim como situações que evoluem em sentido


oposto.

Ora, estabelecendo a Lei nº 112/2009 o carácter urgente (idêntico ao


dos processos com arguidos presos) dos processos de violência doméstica, é
importante que os inquéritos sejam correctamente classificados em termos de
crime que nos mesmos estão em causa.
Nada justifica que um processo que, embora inicialmente tenha sido
classificado como de violência doméstica assuma natureza urgente se
entretanto se verificar não ser esse o caso. Assim como nada justifica a
situação contrária – manter-se como não urgente um caso de violência
doméstica apenas porque inicialmente assim não foi classificado.
Para além disto, há a notar que nada justifica que a uma vítima de
violência doméstica não seja atribuído o respectivo estatuto, apenas porque o
processo foi inicialmente autuado como reportando-se a crime diverso (p. ex.
de ofensa à integridade física).
Daqui a necessidade de a classificação do crime ser dinâmica, sendo
alterada quando e se necessária.

Tal deverá ser efectuado pelo magistrado titular do inquérito, por


iniciativa própria ou a sugestão do OPC (sendo que deverá sempre o
magistrado informar o OPC da alteração que efectuar à classificação do crime).

--- O Estatuto de Vítima (artºs. 14º e seguintes da Lei nº


112/2009):

Ligado à qualificação do crime como se tratando de violência doméstica


está a questão da atribuição deste Estatuto.
Conforme já mencionado anteriormente (Acta de magistrados do MºPº
na comarca) não existe ainda o formulário em causa (sendo que o artº 83º,
nº2, da Lei diz que será aprovado por portaria conjunta dos membros do
Governo responsáveis), podendo entender-se que o formulário que circula já
por diversas comarcas só servirá para que sejam supridas deficiências do
legislador.

No entanto, nada parece obstar a que se use tal formulário (que foi à
data da reunião entregue aos presentes e já remetido por e-mail aos
intervenientes), muito embora sendo certo que muitos dos direitos que ali se
enunciam como garantidos às vítimas ainda não existam (esperando-se que o
legislador crie as condições para se poder dar completo conteúdo a tais
direitos).

De notar que – face ao disposto no artº 24º - que mesmo se houver


reclassificação de processo (casos acima mencionados em que, iniciando-se o
processo como sendo de violência doméstica, deixa de o ser quando colhidos
elementos que afastam a prática indiciária de tal crime), o ofendido com o

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crime em regra apenas perde o estatuto a final, não desde logo aquando da
reclassificação. Na verdade, a exigência da norma – “fortes indícios de
denúncia infundada” – parece só poder estabelecer-se aquando do proferir do
despacho de arquivamento (Sendo possível, no entanto, que o magistrado
entenda a dado momento, no decurso do processo, pelo retirar do estatuto).
Certo é que o OPC nunca poderá retirar ao ofendido o Estatuto, podendo, no
entanto, sugerir ao magistrado que tal suceda.

Ainda relativamente ao Estatuto de vítima foram levantadas várias


questões, reveladoras da importância de uma boa classificação do processo
como se tratando ou não de violência doméstica.

Assim, foram apreciados os direitos consignados nos artºs. 20º e 21º do


diploma, na vertente de qual a sua abrangência, dado até a possibilidade de
deles poder vir a existir abuso de aplicação.

No que se refere ao artº 20º - “Direito à protecção” – foi levantada a


questão de qual o âmbito da protecção à vítima e aos seus familiares ali
prevista, em termos de actividade policial – se se está perante um caso de
equiparação aos casos (p. ex. elementos do governo ou magistrados, casos a
definir pelas entidades competentes), ou se se está perante uma protecção
genérica.
Foi entendido que a norma prevê uma situação que já está – para
efeitos de actividade das autoridades policiais – instituída como obrigação
dessas mesmas autoridades policiais (a protecção da segurança dos cidadãos),
sendo que apenas deverão prestar maior atenção às situações de potencial
insegurança decorrente da verificação de casos de violência doméstica.

No que se refere ao artº 21º, levantaram-se questões relativas ao


âmbito de aplicação do seu nº4, quando ali se prevê que a vítima tem direito a
ser acompanhada por autoridade policial na deslocação a casa para dali retirar
os bens.
Se a matéria da retirada dos bens pessoais não levanta, em princípio,
grandes questões, já a retirada dos “bens móveis próprios” pode levar a
diversos problemas: Podem as autoridades policiais deparar-se com discussões
acerca de quais são esses bens, bem assim como podem deparar-se com
situações de abuso do «estatuto da vítima» (lembre-se a possibilidade de ser
apresentada uma queixa por violência doméstica já com o fito de, com o auxílio
das autoridades policiais, resolver facilmente disputas relacionadas com a
propriedade de bens).

Foi entendido que terão sempre as autoridades policias que intervir


cautelosamente, não dando uma protecção cega a quem tem o estatuto de
vítima, devendo assegurar-se da que no caso não há abuso do estatuto (foram
especificamente referidas situações de divórcio em que existem litígios entre os
intervenientes que só deverão ser resolvidas nas respectivas acções, não
através do estatuto de vítima e com a instrumentalização das autoridades
policiais).
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Ligada a esta questão foi a de saber se competirá à autoridade policial


arrombar a porta de casa da vítima, quando esta não possui meio de a abrir.
Foi entendido que não caberá nas funções policiais – salvo em casos de perigo
eminente (medida cautelar de polícia) – uma actividade desse tipo, devendo
ser as pessoas residentes na habitação (no caso a pessoa que detém o estatuto
de vítima) a diligenciar por tal acção. Também neste caso a linha entre o
direito e o abuso desse direito terá que ser aferido cuidadosamente, sob pena
de a autoridade policial ser responsabilizada por acções que vão para além das
suas competências.

--- As medidas de coacção aplicáveis aos arguidos:

Nesta área surgem os artºs. 30º e 31º da Lei nº 112/2009.


No que se reporta ao primeiro dos preceitos, não surgem especiais
problemas de aplicação. A única questão é a já tratada anteriormente: Estar-se
efectivamente perante um caso de violência doméstica, pois que só nestes
casos é possível aplicar-se o regime especial desta lei, também nesta área
(nomeadamente no que respeita à manutenção da detenção até à
apresentação ao Ministério Público, sem possibilidade de notificação para
comparecimento, nos termos gerais do CPP).

Já no que respeita ao artº 31º muitas dúvidas foram levantadas, por


forma a dar cumprimento ao prazo de 48 horas ali mencionado, sendo ainda
levantada a questão de se saber se em todos os casos de violência doméstica
deverá o processo ser presente ao juiz de instrução para eventual aplicação
das medidas de coacção mencionadas nas alíneas a) a d).

No que se refere ao prazo de 48 horas, foi entendido que, quando o


processo está a ser investigado pelo OPC, este deverá, depois de constituir o
denunciado como arguido e de proceder ao seu interrogatório, remeter de
imediato o processo ao MºPº, quer para validar a constituição como arguido,
quer para, entendendo por tal necessidade, requerer ao juiz de instrução a
aplicação de medidas de coacção (quer as previstas naquele artº 31º, quer as
previstas genericamente no CPP).
Só a efectiva rapidez de remessa poderá possibilitar a aplicação das
medidas, sendo que estas, por sua vez, necessitam de base factual para serem
aplicadas. Daqui que também nestes crimes tal constituição como arguido do
denunciado deverá ser relegada para final do inquérito, para momento em que
a prova já foi recolhida.

(Nesta situação de remessa ao MºPº logo a seguir à constituição de


arguido, não deverá o OPC proceder a qualquer relatório final, sob pena de
impossibilitar pelo decurso do prazo a aplicação das medidas de coacção
urgentes no prazo de 48 horas.
E, nos casos em que os OPCs entendam pela constituição de arguido
antes de concluídas as diligências, deverão remeter os autos ao MP para
validação e para eventual aplicação de medidas de coacção, com a menção
expressa de que existem ainda diligências a realizar.)

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Já quanto ao que se refere à remessa ao juiz de instrução, foi entendido


que tal remessa só se justificará quando o Ministério Público entender que será
necessária a aplicação de medida de coacção que vá para além do TIR. Na
verdade, não obstante o artº 31º parecer inculcar a ideia de que o ‘tribunal’
apreciará sempre a necessidade de imposição de medidas de coacção dentro
das ‘especiais’ ali referidas, certo é que o próprio preceito alude ao respeito dos
pressupostos gerais e específicos referidos no CPP. Ora, o juiz de instrução só
pode aplicar medidas de coacção quando o MºPº lho requer, não podendo
aplicar medidas mais gravosas do que aquelas que o MºPº entende deverem
ser aplicadas (artº 194º, nº2), sob pena de nulidade.
Daqui a desnecessidade de remeter o processo para a mencionada
‘ponderação do tribunal’ quando o MºPº entender ser suficiente no caso a
prestação de termo de identidade e residência.

--- A situação do MºPº e dos OPCs em termos de andamento dos


processos referentes a este tipo de crime:

A atribuição de carácter urgente aos processos de violência doméstica,


urgência idêntica à que a lei confere a processos com arguidos presos já está a
levantar diversos problemas.
Assim, só na comarca de Portimão, os Senhores magistrados analisaram
os processos de inquérito classificados como de violência doméstica, sendo
que, mesmo depois de terem reclassificado alguns (por não terem
características integradoras do crime), se alcançou, à data de tal contagem (o
final de semana passada) o total de 115, sendo que destes se encontram
suspensos provisoriamente 16 (foi elaborada listagem com indicação de todos
estes processos).
Muitos outros poderão estar pendentes, registados como crimes contra a
integridade física, injúria, ameaça, etc.

O processamento de tal número de processos urgentes tem colocado


diversas dificuldades, quer a magistrados, quer a funcionários, decorrentes do
facto de terem passado a ser tramitados antes dos demais (com prejuízo para
estes) e do facto de terem que ser despachados por magistrados que não são
os seus titulares no caso de faltas dos magistrados que os acompanham
actualmente (e têm-se verificado situações de doença que a tal tem levado).
As mesmas dificuldades de processamento têm-se verificado nas outras
comarcas do Círculo.
A isto acresce a diferença de entendimentos – já atrás tratada – quanto
ao que constitui ou não violência doméstica, tudo aconselhando que apenas um
magistrado (preferencialmente em todo o Círculo Judicial) ficasse afecto a este
tipo de processos, com ligação directa aos departamentos policiais que tratam
dos mesmos inquéritos. Para isso, necessário será o reforço de magistrados.

Mas pode dizer-se que em pior situação se encontram os OPCs,


nomeadamente a PSP.
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Com efeito, se o número de elementos do NIAVE da GNR já é


insuficiente (4 elementos para 5 comarcas), quando existe em média a entrada
de 1 processo de violência doméstica a cada dois dias (acabando muitos deles
por não serem investigados ali, mas sim nos diversos postos, quando não
existe complexidade na investigação), o caso da PSP é – também aqui (pois
que a mesma falta de efectivos é geral para toda a investigação criminal) -
ainda pior. É que no caso da PSP apenas 1 elemento existe para tratar de todos
os processos, entrando em média 1 ou 2 queixas por dia relativas a violência
doméstica.
Necessariamente será impossível atribuir a tais inquéritos a urgência que
a Lei lhes confere. Tão pouco será possível proceder aos inquéritos dentro de
prazos razoáveis.
Só com um efectivo – e urgente - reforço dos elementos dos OPCs que
lidam com estas matérias poderá dar-se cumprimento a todas as exigências da
Lei 112/2009 e servir condignamente a população. A manter-se a situação em
termos de quadros de pessoal afectos à investigação criminal na GNR e na PSP,
o rápido processamento dos inquéritos será impossível.

--- Contactos futuros:

Ficou acordado que futuras dificuldades na aplicação da Lei nº 112/2009


por parte dos OPCs poderão e deverão ser comunicadas ao Ministério Público,
por qualquer meio (incluindo e-mail), com vista a serem as mesmas
solucionadas.

E nada mais havendo a tratar, foi encerrada a reunião, pelas 18 horas.

[Cópia deste acta será remetida ao Exmº Senhor Procurador-Geral Distrital de Évora, aos
Órgãos de Polícia Criminal que estiveram presentes na reunião, bem como – via SIMP - a todos os
Senhores Procuradores-Adjuntos no Círculo].

Portimão, 19.11.2009
O Procurador da República

(José Carlos Franco Pinheiro)

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