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FÁBULAS QUE AINDA


NÃO SE TORNARAM
CANÇÕES
Darlan M Cunha
VOORARA EDIÇÕES
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3

O livro é homem:
fecunda;
o livro é mulher:
gesta e solta.
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5

Para
TÂNIA FILIPPO

FÁBULAS QUE AINDA NÃO SE TORNARAM CANÇÕES

Darlan M Cunha
http://www.flickr.com/photos/darlanmc
http://paliavana4.blogspot.com

Poemas

EDIÇÕES VOORARA – Belo Horizonte, MG, Brasil


19 de fevereiro 2010
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PONTE

(fábula 1)

Irá, sim, irá


atrás do tempo
de ficar mais
tempo com ela
no espaço
criado por eles,
só para eles.
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PÁSSARO

(fábula 2)

No reflexo da lagoa
está o pássaro
cantador
já sem a mesma
verve, a anterior alegria
sumiu do seu bico
enterrado no mutismo,
sons imaginários há
em redor dele,
mas uma lágrima real
rola de seu rosto.
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CANTO DE SIRIEMA

(fábula 3)

Cantar em tempo
integral, de um
ou de outro
modo. Vê: a siriema
chama
pela outra, cada qual
de um lado diverso
de uma longa distância.
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BRISA

(fábula 4)

A voz da saudade
pode alterar o destino
de um homem,
de uma mulher, eis
um dos sabores
de ambos: a saudade.
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E-MAIL AMOROSO

(fábula 5)

Entre os ossos
do ofício de amar
está a chama teimosa
com seu gosto
de riso e seu brilho
de corte, suas íris
de liberdade sob tez
marcada pelo sol
(porque o amor
não ama o frio), assim
são as mãos do adeus
com seu grito parado no ar.
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TREM DE DOIDO: O DIABO POR MAQUINISTA

(fábula 6)

Rola de bom rolar o macio sabor


de uma aventura no mar
de montanhas
de um distante lugar, uma leveza
em cada ombro, um assombro aqui
e outro ali, rolando com o verde
que te quero verde de um novo calor,
o azul de um novo colar de entendimento.
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PAULO & OUTROS AMIGOS

(fábula 7)

Quem dera fosse para sempre


ou para muito tempo aquela modorna
de eu ali estar (nós)
entre íris amigas e unhas do riso mais leve
possível, sim, há gente capaz
de rir com o céu da boca
todo à mostra, oferecendo música
de estrêlas, planetas, sóis e galáxias.
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DORSO

(fábula 8)

Nada de viver agitando o frasco


dos nervos, nadando em círculos
é o que não quer para si
a criatura que um dia quer voltar
para onde ainda não foi: vila tal, rio
tal, cidade tal, montanhas e brejos
nos quais certamente algum
estranho bicho já prepara de cicerone.
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A CONVIDADA À MESA

(fábula 9)

O anverso, o inverso , o verso


ou o reverso da moeda
ou da medalha: sabe ?
nada disso importa,
quando os temperos
entram e ficam
na gente, flutuando
como uma página de amor
que a gente leu (ou pensou ter lido)
há muito e muito tempo.
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ANDAR

(fábula 10)

Uma curva atrás de outra


são as nervuras
da cidade que olha
para a visita
como se ela tivesse
vindo para ali morar
(sim, a criatura quer
ficar), e por isso mesmo
a cidade abre-se em leque,
e já não há lugar
onde a visita não possa ir
na cidade cheia de curvas
e de sobe-e-desce.
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ANDANDO

(fábula 11)

Era uma vez, subindo uma rua


(ou seria uma cobra de pedras
e de sol tropical aquela rua?),
a visita viu o Diabo
no seio do redemoinho, saindo
de dentro dele e entrando
num “ó” de parafuso, sim,
todo mundo viu o vulto vermelho de bondade
fazendo música para crianças
e turistas, no seio
da rua, sim, no seio da rua.

A visita ficou pasma, riu muito,


e disse que aquela cidade
não existia, que era mal assombrada.

E voltou de lá falando bem até do Diabo.


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LAGOA

(fábula 12)

Cravou os dentes
nos cabelos
da lagoa
e ficou por lá: uma
olhando para a outra,
admirando-se
mútuamente: a lagoa
e a turista...
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ESTRADA REAL

(fábula 13)

Caminhando pela estrada


real, ouviu um som imaginário
vindo dela, talvez de ouro
esquecido por ali mesmo
à beira da estrada
da loucura, talvez fosse
de diamantes discutindo por onde
começarem o novo dia (os diamantes
vivem muitíssimo, dizem),
mas talvez fosse o som da pessoa
amada, presa a algum feixe de luz.
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BAR NA SAÍDA DA CIDADE

(fábula 14)

Resolveram descansar um pouco.


Longa é a vida, curtos
os dias.

Ficaram no bar: entre o coração limpo


daquela gente (refresco de losna & hortelã
com o mel da palavra) e o som
de um campinho

de “peladas”; ficaram
por lá, sob chuva de risos
e música, até voltarem para casa, com lágrimas,
as visitas.
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O RIO

(fábula 15)

O rio é muito velho, dizem


que é das velhas, dizem
que tem ouro
e diamantes, crimes e assombrações, mas
os turistas querem meter-se lá dentro
e encher olhos e unhas
com aquele tanto de mistério.
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O HOTEL

(fábula 16)

O hotel é frio, fria


é a boca do dono
do hotel

mas lá embaixo
há muita corrente
humana

nas ruas, elas


são quentes, pois

é na rua que as coisas acontecem.


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O BAR DA PRAÇA

(fábula 17)

Assentaram-se com a brisa leve


de quem chega e não quer nada mais
do que assentar-se e olhar com calma
as paredes do bar: telas, fotos e dedicatórias
nas paredes a partir das quais certos compositores
moldaram as suas e outras vidas, sim,
ocuparam uma mesa no passeio, visão aberta
para a grande, silente e verde praça
com um bolão de alegria nela: crianças

e turistas, cansados de nada, nem mesmo


das maravilhas de um copo de cerveja
e de carne de sol com mandioca.
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CONTAGEM DE TEMPO

(fábula 18)

Na calma daquela tarde não havia indícios


contrários aos desígnios dos turistas
em breve trânsito,
a terra em transe parecendo encobrir deles
qualquer coisa desagradável, pois tudo
é contagem: conta-se o número de abóboras
para o mercado, o número de fronhas
a serem lavadas, os passageiros
para decolarem e irem lá em cima, perto do Salvador,
até descerem próximo ao mar, ou às montanhas;
conta-se o número de dias que faltam para as bodas,
bem como para o vencimento
do aluguel, sim, tudo é conta, mas
o número de beijos, ah... isso não tem conta !
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A DESPEDIDA

(fábula penúltima)

Mande notícias do mundo de lá: diga


se a cachorrinha vai
bem, se o céu
da boca da cidade melhorou seu tom,
e como foi que as velhas e boas sandálias saltaram
de debaixo da cama, contentes pelo teu regresso.

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