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02/03/2010 | Gilberto Maringoni | São Paulo

Libelu, Rolando Lero e Gustavo


Corção na "Confecom da direita"
A terceira mesa da "Confecom da direita", realizada na última segunda-feira, foi
intitulada “Ameaças à democracia no Brasil” e foi a mais trepidante de todas.
Contou com Demétrio Magnoli, o Gustavo Corção da Libelu, Denis Rosenfeld,
o Rolando Lero na filosofia gaúcha, e Amauri de Souza, sociólogo. Na
mediação, Tonico Ferreira (Globo).

Ferreira é mais um daqueles que um dia foram de esquerda e transitaram


alegremente para a outra ponta do espectro político sem culpas. Chefe de
redação do semanário Movimento, no final dos anos 1970, Ferreira, de saída,
denuncia o caráter autoritário da lei eleitoral. “É censura”, diz ele, antes de
passar a palavra a Magnoli.

Este não perde tempo. Logo faz um apanhado da história do PT e dispara: “A


relação do partido com a democracia é ambígua. Juntamente com o PSOL,
apoiou o fechamento da RCTV”. Acusa a agremiação de Lula de fazer uma
volta atrás em seu ideário democrático. “Retomaram a ideia autoritária de
partido dirigente e de democracia burguesa”, sentencia. E logo completa: “Este
movimento, de restauração stalinista, é reforçado pela emergência do
chavismo e do apoio a Cuba”. Na plateia, uma senhora murmura: “Que
vergonha nosso governo apoiar isso”.

O risco, para Magnoli, é um possível governo Dilma, supostamente mais


subordinado ao PT do que a gestão Lula. O fim das ameaças, para ele, só
acontecerá “com a vitória da oposição”. Bingo! E culmina: “Não somos
Venezuela e Cuba! Temos de falar que nós somos diferentes!”. Aplausos
entusiasmados.

Rosenfeld vai pela mesma toada, mas busca elaborar uma “pensata” sobre o
“corpo e o espírito do capitalismo”. Segundo ele, o corpo vai muito bem. “Os
grupos econômicos ganharam muito dinheiro nesses oito anos”. O problema é
o espírito, “os bens intangíveis”, revela o filósofo. A base material é garantida
pelo governo, segundo Rosenfeld. “As metas de inflação, a autonomia
operacional do Banco Central e o superávit fiscal” mostrariam um rumo seguro.
Mas o espírito está sendo minado, alerta. Esse ectoplasma é “a liberdade de
expressão” que estaria ameaçada. E enumera os problemas, numa tediosa
repetição: “O PNDH, o MST, a questão dos quilombolas” etc. etc. etc.

A sutileza do sr. Basile

O seminário foi sumamente repetitivo, diga-se de passagem. No período da


tarde, os previsíveis Arnaldo Jabor, Carlos Alberto di Franco (Opus Dei) e
Sidnei Basile (diretor da Abril) tentaram dar novas roupagens ao samba de uma
nota só do evento. Basile, sob o olhar atento de Roberto Civita, seu patrão,
defende um regime de autorregulação para a imprensa. “Algo semelhante ao
Conar” (Conselho de Autorregulamentação Publicitária), formado pelas próprias
agências, ao invés de uma lei para o setor.

A proposta é ensandecida. Se aplicada a toda a sociedade, com cada um


supervisionando seu próprio setor, o mundo seria uma graça. Um exemplo.
Não haveria mais leis de trânsito, sinais, placas, mão e contramão. Os
motoristas se reuniriam e fariam um código de autorregulação. Se os pedestres
reclamarem, basta acusá-los de tentar bloquear um dos mais sagrados direitos,
o de ir e vir dos motorizados. Todos se autorregulariam e chegaríamos ao reino
encantado de Basile. No meio de seu delírio anarquista, o executivo, sempre
observado pelo patrão, acusou a convocação da Confecom por parte do
presidente da República como um ato “cínico e hipócrita”. Adendou: “Um conto
do vigário”. Basile é de uma sutileza a toda prova.

Jabor, que aparentemente não preparou intervenção alguma, repetiu


“jaborices” pelos cotovelos. Populismo autoritário, jacobinos, bolcheviques e
quejandos formam o mundo a ser vencido. Homem experiente que é, contou
mais uma vez já ter sido comunista. E disparou diatribes à granel. Impossível
não lembrar de uma impagável frase do escritor paulistano Marcos Rey (1925-
1999). Este dizia não gostar de dois tipos de gente, ex-comunistas e ex-
fumantes, “porque ambos são metidos a dar conselhos”.

Outro lado pra quê?!

A quarta mesa – “Liberdade de expressão e Estado democrático de direito” –


contou com a participação de três luminares: Reinaldo Azevedo (Veja), Marcelo
Madureira (Casseta & Planeta) e o Dr. Roberto Romano (Unicamp), os dois
últimos tentando ver quem era mais Reinaldo Azevedo que o próprio Reinaldo
Azevedo.

O próprio é um fenômeno da natureza. Um criador de personagens. É uma


espécie de Walt Disney de si próprio. Disney inventou o Mickey, o Pato Donald,
o Pateta e uma plêiade de figuras inesquecíveis. Reinaldo Azevedo criou
Reinaldo Azevedo. “Sou de direita!”, avisa de saída. “A imprensa tem que
acabar com o isentismo e o outroladismo, essa história de dar o mesmo espaço
a todos na mídia”.

Madureira foi mais um a alardear sua condição de ex-comunista. Fez


piadinhas, embora não se saiba se seu cachê incluía chistes e gags. Atacou
tendências autoritárias e “recadinhos” oficiais. “O governo pressiona os editores
com os anúncios da Petrobras e do Banco do Brasil. Isso é censura!”. Com a
presença do patrão na plateia, logo sublinhou: “A Globo não nos censura”.

Mas o humorista da tarde foi o Dr. Roberto Romano. Este revelou ao mundo
uma nova teoria, que vai pegar. É sobre a militância. Atenção: “O partido de
militantes causa a corrosão do caráter”. Guardem essa! Depois de A corrosão
do caráter, de Richard Sennet, que fala dos vínculos trabalhistas e sociais
tênues e sua influência no comportamento humano, um livro sério, o Dr.
Romano vem com sua versão pândega. E explica: “No partido de militância não
tem mais jornalista, médico e nem nada. Tem o militante que se reporta ao
chefe”. Isso, para as muitas luzes do Dr. Romano, corrói o caráter. Olha lá,
Brasil! A partir de agora, só se falará em outra coisa!

As pesquisas científicas do Dr. Romano o levaram a constatar, além de tudo,


que “90% das ONGs são totalitárias”. Como o mediador William Waack
prometeu publicar a fala original do Dr. Romano no site do Instituto Millenium, o
mundo aguarda ansioso as fontes empíricas de tão bombástica revelação.

No fim de tudo, na última palestra, o deputado Antonio Pallocci veio


confraternizar com aqueles que malharam sem dó seu partido e o governo que
integrou até há poucos anos. Para agradar, também criticou o PNDH, no que
foi cumprimentado ao final.

Tendências não democráticas

O Fórum do Instituto Millenium, apesar de seu tom folclórico, não é engraçado.


Embora seja um direito democrático a organização de toda e qualquer facção
política, é forçoso reconhecer que estas nada têm de democráticas ou plurais.
Buscam se articular justamente para evitar reformas democratizantes no país e
no setor de comunicação. Um ponto positivo é dado pela seguinte constatação:
os monopólios de mídia se desgastaram com o boicote à Confecom. O tema da
democratização da comunicação entrou na agenda nacional com força. O
seminário é uma gritaria da direita. Sem problemas. O duro é buscarem afirmar
seus interesses contra a vontade e as necessidades da maioria da população.

Agradecimento

Este obscuro jornalista agradece sinceramente ao Dr. Roberto Romano pela


menção ao texto “Instituto Millenium: toda a democracia que o dinheiro pode
comprar!”, feita no calor de suas vibrantes intervenções. Apesar de ele ter
recomendado às pessoas taparem o nariz para lê-lo, só posso ficar
envaidecido com tão ilustre recomendação.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se
inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

02/03/2010 | Gilberto Maringoni | São Paulo

A conferência de comunicação
particular da direita
“O Plano Nacional de Direitos Humanos [PNDH] é totalitário”, “o stalinismo
predomina no PT”, “temos de ir para a ofensiva”, “vamos acabar com essa
história de ouvir o outro lado na imprensa”, “governo cínico, cínico, cínico!”,
“democracia não é só eleição”. Frases assim, proclamadas com ênfase quase
raivosa, deram o tom no Fórum Democracia e Liberdade de Expressão,
realizado na última segunda-feira, em São Paulo.

O evento, promovido pelo Instituto Millenium, foi uma espécie de Conferência


Nacional de Comunicação (Confecom) particular da direita brasileira, facção
grande mídia. Revezaram-se nos microfones convidados internacionais, donos
de conglomerados e seus funcionários de confiança. Fala-se aqui da Editora
Abril, da Rede Globo, da Rede Brasil Sul (RBS), da Folha de S.Paulo, O
Estado de S. Paulo e agregados. Como se sabe, tais setores resolveram
boicotar a I Confecom, um processo democrático ocorrido em todos os estados
da Federação, que culminou em uma etapa nacional, realizada em dezembro
último. Presentes nesta, cerca de 1,3 mil delegados, entre empresários,
movimentos sociais e governo. O total de pessoas envolvidas em suas fases
regionais envolveu cerca de 12 mil participantes.

Pois o Instituto Millenium fez seu convescote para cerca de 180 participantes.
Eram empresários, jornalistas e interessados, que desembolsaram R$ 500
cada um, por um dia de atividades. Na mira dos palestrantes, os governos de
centro esquerda da América Latina, os movimentos sociais, o governo Lula e o
PNDH. As intervenções mais moderadas foram as de Roberto Civita (Abril) e
Otávio Frias Filho (Folha), que buscaram, de certa forma, situar seus interesses
na cena política. Externaram o que se espera de proprietários de monopólios.

Defendem a livre iniciativa de “investidas antidemocráticas como o controle


social da mídia” e “menos legislação para o setor”, no dizer de Civita. Roberto
Irineu Marinho (Globo) foi ainda mais discreto. Ficou na plateia e fez uma única
pergunta por escrito ao longo de todo o dia. Eles mantêm uma certa linha. Os
três resolveram terceirizar a artilharia pesada para seus empregados, que
fizeram uma verdadeira competição para ver quem seria o Carlos Lacerda
(1914-1977) da Nova Era. O ex-governador da Guanabara se notabilizou entre
o final dos anos 1950 e o início da década seguinte como o mais notável
agitador, na TV e no rádio, em favor do golpe de 1964. Dono de uma retórica
incendiária, Lacerda intimidava adversários e aglutinava seguidores para a
derrubada do presidente João Goulart. Nessa toada, os conferencistas tiveram
a inusitada ajuda do ministro das Comunicações, Helio Costa (PMDB), e do
deputado Antonio Palocci (PT), como se verá adiante.

Visão particular da história

A primeira mesa trouxe três convidados externos: o argentino Adrian Ventura


(Clarín), o âncora da televisão equatoriana Carlos Vera (Ecuavisa) e o
venezuelano Marcel Granier (dono da RCTV, cuja concessão não foi renovada
em 2007). Arrogante e inflamado, Vera afirmou que em seu país “não existe
liberdade de expressão”. Reclamou que seu canal de TV não recebe mais
publicidade estatal e acusou o presidente Rafael Correa – “um ditador” – de ter
sido eleito “por prostitutas”. Já Marcel Granier foi saudado como uma espécie
de símbolo da luta pela liberdade de imprensa pelo apresentador Marcelo
Rech, diretor da RBS.

O proprietário da rede venezuelana denuncia “o autoritarismo do governo Hugo


Chávez”. Relata o que diz serem provocações, intimidações e a certa altura, de
passagem, fala da “renúncia” de Chávez. Em nenhum momento, menciona o
golpe de Estado de 2002 e o papel da grande mídia de seu país. Parece que
toda a tensão em seu país nasceu por geração espontânea. Uma visão
particular da história, sem dúvida.

Granier e seus colegas de mesa não deixam de deplorar a existência de


aliados dos tais governos ditatoriais entre os empresários da mídia. Aliados,
não. “Cúmplices”, sublinha o mediador Rech, com anuência dos convidados.

Logo após a mesa inicial, chega o convidado mais aguardado da manhã


chuvosa, o ministro das Comunicações, Hélio Costa. Com seu inimitável
penteado, fala o que a “seleta platéia”, conforme sua expressão, queria ouvir.
Busca esvaziar a Confecom de qualquer significado maior. “Através de três
ministros, Luiz Dulci, Franklin Martins e eu, o governo foi unânime em decidir
que em hipótese alguma se aceitará algum tipo de controle social da mídia”. E
enfatizou: “Isso não foi, não é e não será discutido”, enfatiza para gáudio da
maioria dos presentes. Genial. O membro do primeiro escalão confraterniza-se
com os que deploram seu governo como marcado por tendências
discricionárias.

E essa foi a parte séria. A mais engraçada pode ser lida adiante.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se
inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

01/03/2010 | Daniella Fernandes | Da Redação

Esquerda protesta contra debate


sobre liberdade de imprensa que
não ouviu “o outro lado”
Do lado de dentro, grandes empresários de comunicação da América Latina e
jornalistas de perfil conservador discutiam a “liberdade de imprensa” e um
imaginário risco de fim da democracia no Brasil. Do lado de fora, militantes de
esquerda, vestidos de palhaços, ridicularizavam o “debate” que ocorria sem
nenhum convidado que pudesse contradizer a tese central do encontro.

No hotel Golden Tulip, próximo à Avenida Paulista, em São Paulo, o evento


promovido pelo Instituto Millenium reuniu 21 nomes - na maioria ligados a
grandes conglomerados de comunicação -, a começar pelo empresário
venezuelano Marcel Granier, proprietário da emissora RCTV, pelos colunistas
Arnaldo Jabor e Reinaldo Azevedo e pelo sociólogo e geógrafo Demétrio
Magnoli, conhecido por criticar políticas de ação afirmativa no Brasil.

Representando o governo, o ministro das Comunicações e jornalista Hélio


Costa, ex-estrela do jornalismo da Rede Globo, e o deputado federal Antônio
Palocci (PT-SP). Também estavam entre os convidados os deputados federais
e também jornalistas Fernando Gabeira (PV-RJ) e Miro Teixeira (PDT-RJ).
Nenhum dos presentes pertencia a jornais alternativos ou tinha um discurso
alinhado à esquerda no tema da comunicação.

Leia mais:
Evento debate criação de associação para mídia alternativa
Governo venezuelano tira RCTV do ar por não cumprir a lei

A manifestação dos militantes não podia ser ouvida dentro da sala onde
aconteceram as palestras, mas chamou atenção de jornalistas que cobriam o
evento, de trabalhadores das redondezas e de alguns hóspedes do hotel. Mais
de 20 manifestantes vestidos de palhaço – uns usando narizes de plástico,
outros com meias na cabeça, pompons e calças balonés – participavam do
protesto, alimentado por um megafone que repetia: “Respeitável público! Os
palhaços estão aqui fora, mas o circo está lá dentro!??"

“Eles fugiram do debate na Confecom [Conferência Nacional de Comunicação]


e agora querem debater democracia e liberdade de expressão? Que liberdade
é essa? Deve ser a liberdade do monopólio”, disse Altamiro Borges, secretário
nacional de mídia do PCdoB.

“Ameaça latino-americana”

Na abertura do Fórum Democracia e Liberdade de Expressão - apoiado, entre


outros, pelo movimento Endireita Brasil -, a fala de abertura do ministro Hélio
Costa foi substituída por um discurso de Roberto Civita, presidente e diretor
editorial do Grupo Abril - que publica, entre outros títulos, a revista Veja.

Civita disse que o fórum acontece em um momento oportuno, pois, para ele, há
“ameaças ao processo democrático, tanto no Brasil quanto nos países
vizinhos”. Nos primeiros minutos de sua fala, ele anunciou seus inimigos: as
“Leis de Mídia” da Argentina (que proíbem a concentração de emissoras de
rádio e TV por uma mesma empresa), propostas pelo governo de Cristina
Kirchner, e as medidas de regulamentação e fiscalização da mídia na
Venezuela. Para ele, as ações representam uma ameaça para a democracia
brasileira – subentendida no discurso, estava a ideia de um “efeito dominó”,
como se não houvesse mais democracia na Venezuela e na Argentina, mas
ainda sim no Brasil.

Após mencionar os tópicos, Civita defendeu que a imprensa não pode ser
regida por leis. “Quanto menos legislação, melhor, quando o tema é expressar-
se”, alegou.

O equatoriano Carlos Vera, apresentado à plateia como um dos jornalistas de


maior prestígio de seu país, começou afirmando que não há democracia no
Equador. “Não há um presidente, mas sim um chefe de Estado, um ditador”,
gritou. O atual ocupante do cargo, Rafael Correa, foi reeleito em maio de 2009
para um segundo mandato com 52% dos votos.

Quem encerrou as palestras foi o dono da RCTV, apresentado aos


participantes apenas como “um empresário venezuelano”. Durante sua
exposição, Granier não mencionou o golpe de Estado contra o presidente Hugo
Chávez em 2002, apoiado pela mídia opositora, inclusive sua emissora.
Durante um intervalo, o empresário tentou argumentar ao Opera Mundi que
em 2002 não houve golpe, mas uma “renúncia” de Chávez.

Exemplo argentino

O jornalista Adrián Ventura, do jornal argentino Clarín, iniciou sua fala em tom
de pânico, pedindo cuidado aos brasileiros para que não aconteça aqui o
mesmo que aconteceu em seu país: a regulamentação do setor.

Ele se referiu várias vezes à Lei do Audiovisual, sancionada na Argentina no


ano passado. Afirmou que, para aprová-la, o governo Kirchner fez uma
“campanha feroz contra os meios de comunicação”.

Ventura acusou o governo argentino de perseguir o grupo Clarín, uma das


maiores empresas de comunicação do país - que controla 70% do setor -, e
concluiu dizendo que na Argentina “não existe monopólio da mídia”.

No intervalo entre as exposições, o jornalista disse ao Opera Mundi estar


consciente de que a legislação vai descentralizar as emissoras – e reconheceu
que isso “será ruim para seus proprietários”. Para Ventura, o governo criou a lei
para para beneficiar “empresários amigos”.

DEBATE ABERTO

Instituto Millenium: toda a democracia


que o dinheiro pode comprar!
Seminário sobre liberdade de expressão reunirá em São Paulo a nata da
plutocracia. O interessante é que o Instituto que o promove tem o mesmo
nome de uma conceituada casa de prazeres

Gilberto Maringoni

Acabou o carnaval, mas a festa continua. Vem aí, gente, o Fórum Democracia
e liberdade de expressão, promovido pelo Instituto Millenium . O acontecimento
será no dia 1º de março, no Hotel Golden Tulip, na capital paulista. A inscrição
é uma pechincha: R$ 500 por cabeça.
A lista de palestrantes é de primeira. Lá estarão o dr. Roberto Civita (Abril), o
ministro Hélio Costa (Globo), Marcel Granier (dono da RCTV, famosa por
tramar e propagar o golpe de 2002 na Venezuela), Demétrio Magnoli
(venerando Libelu de direita, que está decidindo se o melhor é ser contra a
política de cotas ou contra a política de quotas), Denis Rosenfield (entidade do
folclore gaúcho que ainda não tomou conhecimento do fim da Guerra Fria),
Arnaldo Jabor (o espirituoso), Carlos Alberto Di Franco (dirigente da
organização democrática Opus Dei), Marcelo Madureira (humorista neocon),
Reinaldo Azevedo (claro!), Roberto Romano (ético ao quadrado) e os
modernos deputados Fernando Gabeira e Miro Teixeira.

Intelectuais de programa
O Instituto Millenium veio para ficar. Foi fundado em 2005, no Rio de Janeiro.
Não se sabe se tem algo a ver com o conceituado Café Millenium,
estabelecimento classe A, onde gente de primeira ia buscar diversões,
digamos, adultas até julho de 2007, no bairro do Ipiranga, em São Paulo. O
Café Millenium não escondia seu negócio. O slogan era “Sua noite de primeiro
mundo”. Com belíssimas garotas a excitar a imaginação e a ação de senhores
de fino trato, vendia o que anunciava. Deve-se à fúria moralizante do prefeito
Gilberto Kassab – um “Jânio sem alcool”, na genial definição de Xico Sá – o
fechamento desta e de outras instituições semelhantes, nos tempos em que as
enchentes não eram preocupação de um alcaide movido a reeleição.

No site do Instituto Millenium não há nenhuma informação sobre o paradeiro do


Café. Os proprietários devem ter feito alguns arranjos aqui e ali, para não dar
muito na vista e resolveram tocar o pau. Para manter o embalo dia e noite,
aparentemente já contrataram alguns intelectuais de programa, vários
articulistas que não estão no mapa, inúmeros jornalistas de vida fácil e go-go-
oldies. Discrição total. O distinto senhor ou senhora comprometida pode ir sem
medo, que é todo mundo limpinho, o ambiente está aparelhado para
experiências das mais exóticas. Há estacionamento e os acompanhantes falam
inglês e são educados.

O tal do fórum
O máximo do prazer será a atração deste início de março, o Fórum Democracia
e liberdade de expressão. Entre os apoiadores do evento, sempre segundo o
site do Millenium, estão a Associação Brasileira de Empresas de Rádio e
Televisão (Abert) e a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), entidades que
envolvem a Globo, o SBT, a Record, a Folha de S. Paulo, o Estado de S.
Paulo, a RBS e outras empresas que decidiram boicotar a I Conferência
Nacional de Comunicação, numa demonstração de forte apreço pela
democracia. Figura lá, além do Instituto Liberal, um sensacional Movimento
Endireita Brasil (MEB), cujo nome diz tudo.

A Carta de Princípios do Café, digo Instituto, é das mais edulcoradas. Entre


tantos pontos, está lá: “promover a democracia, a economia de mercado, o
estado de direito e a liberdade”. Assim, o mercado, quase como sinônimo de
democracia. Mais adiante são enunciados seus valores e princípios: “o direito
de propriedade, as liberdades individuais, a livre iniciativa, a afirmação do
individualismo, a meritocracia, a transparência, a eficiência, a democracia
representativa e a igualdade perante a lei”. Jóia! Vamos todos aderir!

Entre os conselheiros “de governança” e mantenedores está a fina flor da


sociedade brasileira. Entre outros, figuram João Roberto Marinho (vice-
presidente das Organizações Globo), Jorge Gerdau Johannpeter, Roberto
Civita (Abril) e Washington Olivetto (presidente da W/Brasil). Já no Conselho
Editorial está o sempre alerta Eurípedes Alcântara (diretor da redação de Veja)
e no Conselho de Fundadores e de Curadores está ninguém menos que Pedro
Bial, o grande comandante do programa cultural Big Brother Brasil, um modelo
do que se pode fazer com a liberdade de expressão às mancheias. Coroando
tudo está o Gestor do Fundo Patrimonial, Dr. Armínio Fraga, que dispensa
maiores apresentações.

Com o empenho do Café, digo do Instituto Millenium, a democracia e a


liberdade de expressão passam a ser mais valorizadas no Brasil. Por baixo, por
baixo, a valorização deve ser de 500% em fundos off shore.

Todos dia 1º. de março ao Millenium, gente. A sua noite – ou dia - de primeiro
mundo!
Em tempo: Não se sabe ainda se os antigos proprietários do Café Millenium entrarão na
Justiça contra os mantenedores do Instituto Millenium. A ação se daria não apenas por plágio,
mas por comprometer o bom nome do Café em uma possível volta ao mercado.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de


São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos
tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

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