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A proibição Perseguida a ferro e fogo durante a escravidão, a capoeira continuou sendo alvo dos

poderosos mesmo após a abolição. Agora era com leis que tentavam dar-lhe um fim. O código penal
de 1890, criado e imposto durante o governo de Deodoro da Fonseca, proibiu a prática da capoeira
em todo o território nacional. O código foi reforçado com decretos que especificavam penas
pesadas contra capoeiristas. A perseguição oficial somava-se o ódio de alguns chefes, chefetes e
vassalos da polícia que tentaram, então, exterminar por completo a capoeira. O motivo só pode ser
aquilo que ela traz na sua essência: a liberdade. E foi em nome da liberdade, agora não somente para
o negro mas para a capoeira como um todo, que a luta continuou. E mesmo sob o ferro da repressão,
grandes nomes de capoeiristas célebres passaram para a história como Nascimento Grande,
Manduca da Praia, Natividade, Pedro Cobra e Besouro Magangá, entre outros. Mas é o nome desse
último, Besouro nasceu na Bahia e ganhou esse nome devido à lenda que o cerca, atribuindo-lhe a
capacidade de se transformar em inseto e fugir voando quando cercado por muitos homens armados.
Sem usar armas, o famoso capoeira, bateu-se a vida toda contra a injustiça. Defendeu
trabalhadores contra patrões de sonestos, investiu inúmeras vezes contra a políci para defender
inocentes. Perseguido, nunca deixou-se prender. Nem as balas conseguiram acabar com ele. Foi
vítima de uma arma mais poderosa: a traição. Seu nome é glória na capoeira e símbolo de todo aquele
que combate a injustiça e a desigualdade.

A palavra "capoeirista" assombrava homens e mulheres, mas o velho escravo Tio Alípio
nutria grande admiração pelo filho de João Grosso e Maria Haifa. Era o menino Manoel
Henrique que, desde cedo, aprendeu com o Mestre Alípio os segredos da capoeira. Na rua
Trapixe de Baixo, em Santo Amaro da Purificação, sendo batizado como Besouro
Magangá por causa da flexibilidade e facilidade de desaparecer, quando a hora era para
tal. Negro forte e de espírito aventureiro, nunca trabalhou em lugar fixo nem teve profissão
definida.

Quando os adversários eram muitos e a vantagem da briga pendia para o outro lado,
Besouro sempre dava um jeito, desaparecia. A crença de que tinha poderes sobrenaturais
veio logo. Confirmando o motivo de ter ele sempre que carregar patuá. De trem, a cavalo
ou a pé embrenhando-se no matagal, Besouro dependendo da circunstância, saía de Santo
Amaro para Maracangalha ou vice-versa, trabalhando em usinas ou fazendas.

Certa feita, quem conta é seu primo e aluno Cobrinha Verde. Sem trabalho, foi à Usina
Colônia (hoje Santa Eliza), em Santo Amaro, conseguindo colocação. Uma semana depois
do dia do pagamento, o patrão, como fazia com os outros empregados, disse-lhe que o
salário havia "quebrado" para São Caetano. Isto é, não pagaria coisa alguma. Quem se
atrevesse a contestar era surrado e amarrado a um tronco durante 24 horas. Besouro,
entretanto, esperou que o empregador lhe chamasse e quando o homem repetiu a célebre
frase, foi segurado pelo cavanhaque e forçado a pagar, depois de uma tremenda surra.

Misto de vingador e desordeiro, Besouro não gostava de policiais e sempre se envolvia em


complicações com os milicianos, não raramente tomando-lhes as armas. Conduzia-os então
até o quartel. Certa vez obrigou um soldado a beber grande quantidade de aguardente. O
fato registrou-se no Largo da Santa Cruz, um dos principais de Santo Amaro. O militar
dirigiu-se posteriormente à caserna, comunicando o ocorrido ao comandante do
destacamento, Cabo José Costa, que imediatamente designou 10 praças para trazer
Besouro, vivo ou morto.
Pressentindo a aproximação dos policiais, Besouro recuou do bar e encostando-se na cruz
existente no largo, abriu os braços e disse que não se entregava. Ouviu-se violenta
fuzilaria, ficando ele estendido no chão. O Cabo José chegou-se e afirmou que o capoeirista
estava morto. Besouro então ergueu-se e mandou que o comandante levantasse as mãos.
Ordenou que todos os soldados se fossem, e cantou os seguintes versos:

Lá atiraram na cruz
Eu de mim não sei
Se acaso fui eu mesmo
Ela mesmo me perdoe
Besouro caiu no chão fez que estava deitado
A polícia
Ele atirou no soldado
Vão brigar com os caranguejos
Que é bicho que não tem sangue
Polícia se briga
Vamos para dentro do mangue

As brigas eram sucessivas e muitas vezes Besouro tomou partido dos fracos contra
proprietários de fazendas, engenhos e policiais. Empregando-se na fazenda do Dr. Zeca, pai
de um rapaz conhecido por Hemeu, Besouro foi com eles às vias de fato, sendo então
marcado para morrer.

Homem influente, Dr. Zeca mandou pelo próprio Besouro, que não sabia ler nem escrever,
uma carta para um seu amigo, administrador da Usina Maracangalha, para que liquidasse o
portador. O destinatário, com rara frieza mandou que Besouro esperasse a resposta no dia
seguinte. Pela manhã, logo cedo, Besouro foi buscar a resposta, sendo então cercado por
cerca de 40 soldados. Estes fizeram fogo, sem contudo atingirem o alvo. Um homem,
entretanto, conhecido por Eusébio de Quibaça, quando notou que Besouro tentava
afastar-se gingando o corpo, chegou-se sorrateiramente e desferiu-lhe violento golpe com
uma faca ticum (há controvérsias sobre as facas ticum ou tucum. Alguns dizem que tais
facas são feitas de madeira venenosa, próprias para "furar corpo fechado". Outros, que as
facas ticum são na verdade grandes facas comuns, usadas para cortar as fibras da palmeira
conhecida como ticum ou tucum).

Manoel Henrique, o Besouro Magangá, morreu jovem, aos 27 anos em 1924. Restaram
ainda dois de seus alunos: Rafael Alves França (Mestre Cobrinha Verde) e Siri de
Mangue. Hoje Besouro é símbolo da capoeira em todo o território baiano, sobretudo pela
sua bravura e lealdade para com os

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