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BU LSg Tie Qualitativos ee Dee ees een ee Dn arts STE eel Ca cCe! BT O Dapo Quatrrativo 0 DADO E 0 EVENTO © dado qualitative é a representacdo simbélica atribuida a manifestagSes de Jum evento qualitative, E uma estratégia de classificagle de um fendmeno aparen- Hemente imponderdvel que. fixando premissas de natureza ontoldgica ¢ seminti« ca, instrumentaliza © reconhecimento do evento, a anilise de seu comportamento © suas relagdes com outros eventos Para o pesquisador cietifico, a assungi0 de determinades referenciais sim= bélicos ¢ axiomiticos representa a oportunidade de valer-se do arsenal metodo gico subjacente a cles, Em contrapartida, no entanto, a adogio de referenciais re- [resenta também uma circunscrigio de escopo ao reconhecimento que se fax do evento. & assim que a adoglo de simbolos numdricos e premissas aritmdticas para 3 represemtaglo de algum evento habilita © pesquisador a analisar-o evento com a versatilidade dos nimeros © suas operagées, mas priva-o da oportunidade de re- sonhecimento de manifestagies que cxcedam o escopo da representago- numéri- cae das premissas da aritmética. © dado qualitative ¢ uma forma de quantificagdo do evento qualitative que normatiza € confere um cariter objetivo i sua observaga. Nesse sentido, consti- tui-se em allernativa 4 chamada pesquisa qualirarive, que também se ocupa da investigagio de eventos qualitativos mas com referenciais teGricos menos restriti- 2 FOLIO CESAR R. PEREIRA vos ¢ com maior oportunidade de manifestage para a subjetividade do pesquisa dor. Essas duas abordagens alternativas, nde raro, sho confromtadas numa falsa opesigio que busca uma ordem de precedéncia ere elas, a qual carece de perti- néncia ¢ 3 encontra abrige na intolerincia, inimiga da ciéncia ¢ da verdade, A ANALISE DE DADOS QUALITATIVOS, E A PESQUISA QUALITATIVA Este livro alo se ocupa da pesquisa qualitativa, cujo universe conceitual pode ser buscado em excelentes trabathas brasileires, como 0 de Minaya", ou es: Wangeiras, como o de Habermas®, No entanto, refuta qualquer oposigio a ela, entendendo a andlise de dades qualitatives apenas como uma altemativa metodo- Kigica, de natureza quantitativa, para se waiar do mesmo objet. Greenhalgh ¢ Taylor, comparando as abordagens qualitativa ¢ quantitativa, ‘escrevem: ‘Quastinative rescazch showk! begin with an Mica (usually articulated as a bypoubesis), which then, through measurement, penerates data and, by deduction, allows a conchasion up be drawn, Qualitative rexcarch, in coatrast, begins with an intention to explore 9 particular area, seolleets “Jata™ (observations and interviews), and gemeraics ideas and hypotheses from ese dala Lingely through what ia known as inductive reasoning. A abordagem quantitativa para o estude de um evento qualitative 6 deixa fe ser alternativa concreta & abordagem qualitativa numa situagdo especitics, bas- lante rara mos dias de heje, em que niio se disponha de qualquer conhecimento anterior do abjeto de ecudo. Nesse cass, o dado para quantificagso da manifesta- \g0 do evento qualitative no pode ser considerado porque nio se pode arbitrar representagdes simbdlicas om assumir premissas sobre o desconbecide. E, entio, a abordagem qualitativa que viabiliza, pelo menos, o primeiro reconhecimenta do objeto c. eventualmenic, instrumentaliza uma posterior abordagem alternativa. Come afitmam Greenhalgh ¢ Taylor, numa abordagem qualitativa “afler a while, we may notice a pattern emerging, which may prompt us to make our observa: tions in a different way”. A oposigho entre essas duas abordagens € uma representagde, provarelmen- te extemporinca ¢ inapropriada, da oposigio entre racionalismo ¢ empirismo como paradigmas cientificos distintos. © eonceito de paradigma cientifice fol cunhado por Thomas Kuhn" para identificar o universo de valores culturais, ideo- ldgicos, histéricos ¢ epistemoligicos que condicionam a produgdo do conheci mento. Diferentes referenciais paradigmiticos sucedem-se na histiria das citncias, mas, segundo Kun, no tém relagies aditivas cnize si que sugiram uma acumula- 80 progressiva de conhecimento. Ao contririo, cada paradigma representa uma forma de olhar a natureza, ¢ 0 conhecimente que de um deriva ndo se soma av de oulro, mas ve opde a ele como uma nova iMerpretagie, supeatamente mais eficien- te, da realidade. No Renascimemo, @ movimento iluminista, que criou bases para uma nova ciéncia, gerou uma falsa contradigio entre racionalismo © empirismo, A observagio armada da natureza e a experimentagio de hipéieses tornaram-se: paradigmas da nova ciéncia argiindo fromtalmente as bases puramente racionais da ciéncia anterior, ou seja, da filusofia clissica. Galileu (sécwlos XVI-X'VII). umn dos prit is antifices da revolugée cientifica do Renascimento. tinha, no entan- to, clareza de que a oposigao cntre as abordagens no significava contradigio cfe- tiva. Au defender suas idéias, niu reconbecia a necessidade de negagio das teo rias aristotélicas, mas sim a necessidade de sua confrontagde com evidéncias em- piticas com vistas ao refinamento do conhecimento, Da disputa que manteve com, Fortunio Liceti, um professor atistotdlion de Filosofia ¢ Medicina, destaca-se um techo de carta de 1640: Eu considera (¢ erein que 0 senhor ainda o faga) que sce verdadciramente peripatética, isto , FikivoFo aristotdlico, consisia principalmenie em filosofar cosferme ox ensinamenlos aristoiglicos, procedendo segundo aqueies métodos © aquelas suposicées © principios verdadei- ros nos quait se femdamenta-o discerso cicatifico, supende aquelas informaytics preais cujo deste seria prandissime defcilo. Entre exsas suposaites cutd tudo axyuilo que ArisBiteles os emsina cm sua diakdtica, nelative 06 fazer-nos cuidadosos para fupir de falécias do discurse, orientando.o-< adestrando-o a bem silogizar © a dodustr das premissas a concluso recessieia: ¢ tal doutrina refere-se A forma do rite ¢ juste anpumeniar, Quanto a esa parte, secio ter aphemdide com os inumerdveis grogreisos mateméticos purds, jantais falazes, tal sepuranca no demoaswrat que, 56 ho por ouiro, a0 menos rarissimas vezes cal ena equivocos.em meas argumentos. Desi ent, sou peripanética. © que Galileu procurava enfatizar era a distingo entre métodos e Kigioa, Ses noves métados nilo pretendiam argdir a Wgica aristotélica, ao contririo, julpava- se ligads @ cla para conceber proposighes para a nova ciéncia, Seus comtempori- eas, no entanto, felutaram em aceitar as evidéneias empéricas de suas teses. tan- u HOLNO CESAR PEREIRA to que, quando identificow as luas de Jdpiter com seu telescépio, muitos ainda se Perguntaram se nfo seria tal imagem um artefato do instrumento de observagilo. A contradigio entre racionalismo ¢ empirismo em muito deveu-se a corren- tes filosdficas cldssicas que reificavam radicalmente o raciocinio, desprezando. cvidéncias empiricas a ponto de atribui-las a uma ilusio dos sentidas, Marcelo Gleiser® oferece-nos um exemplo ao comentar os eledtiows, povo de Sul da Tuk lia. © eledtico Parménides (século TV a.C.), para defender uma concepgdo monis- ta de Deus, amparou-se em argumentos légicos para propor uma “teoria de ple- nitude estitica”: Deus sempre teria existida e existiria imutivel para sempre: da mesma forma toda a natureza seria estitica; qualquer movimento, portanto, se constituiria em simples ilusio dos sentidos. Seu discipulo Zenda, como argumen- to, concebeu seu famose paradoxe, que Gleiser descreve da sepuinte forma: (Na comida entre Aguiles © a tactaruga, se a lartaraga comecar ma frente, Aquiles jamais commpuird siltrapassé-ia. Coma para vencer a corrkda Aquiles tem de se mover, we ke no ul trapassar a tamtarupa fiea provade que, pelo menos ems learia, 0 moisneate ¢ iimpossivel, A pro ‘va de Zenlo ¢: quando 0 veloz Aquiles cobnir a disthotis original entre cle © a tartaruga. cla terd aranjado um pouco mais adiante. Quando Aquiles cobrir exsa nova distincia, a tartaruga terd avangado novamente em pouca mais, ¢ assim por diate, ad infimum. Aquiles 3b abeangaria tamaswga depots de um periodo de impo iafinito! ‘Se esse raciocinio se permitisse ser argvido pela experiéncia e, ao inves de negd-la como ilusko, buscasse explicagio para a contradi¢lo dada pela visio de Aquiles alcangando a tartaruga, chegar-se-ia a0 reconhecimento de que a0 racko- cinio apresentado falta a consideragdo da relagio entre espago ¢ tempo, a qual ¢s- clarece que uma sucessio infinita de espagas nio implica necessariameme um tempo igualmemte infinite ¢ que, dade © tempo necessdrio, o movimento pode ser constatado, A experiéncia empirica também foi objeto de valorizagio exagerada por al- guns fildsofos da nova ciéncia. Barrow” oferece-nos exemplo de como: os positi- vistas, tentando delimitar o campo. de conhecimento ao das experigncias empiri- cas, tendiam a menosprezar as evidéncias de base puramente racional ou Iigica. Ele relata que Augusto Comte ridiculasizou a descoberta de Netuno sugerinda que. ainda que fosse genuina, ela sé poderia ser de interesse a supostos habitan- tes de Urano, jd que excedia o plano das experiéncias da Terra, E Barrow trans- creve seus argumentos: ANAUISE OE OADOS QUALITATIVOS a ‘When all heaventy bodies were supposed to be connected with Earth. of rather subardi- ated toi, it was reasonable thi mone showld be neglected. But now that the Earth's morement is known tows, it is not necessary to study the fixed stars. except so fir as they are required for purposes of terrestrial observatice |...) Even sappasieg it possible to eatead our investigations. to ether [tolar] systems, it would! be undesirable to-do so. We know now that auch investiga: toms can lead to mo wseful result: they caneet affect our views off temestrial phenomena, which Bone are worthy of hremnat atteation. © duilizme ditré abordagens racional é experimental chega ans dias de hoje na opesigin entre pesquisas qualitativas ¢ quantitativas. No entanto, nem a prised ra esid isenta de quanlificagho nem a segunda prescinde de raciocinio Kigica. So ‘sim aliernativas metodoldgicas para a pesquisa, ¢ a denominagio qualitativa ou quantitativa no delimita para uma e¢ outra objeros quurlitarives © quantitatives, nem tampouco paradigmas cientificos distintos. Ambas podem interessarse por ‘qualquer objeto, a identidade de cada uma expressando-se ho campo dos métodios ¢ nw dos objetos. © fulero da suposta disputa entre a abordagem qualitativa (pesquisa quali- tativa) © quantitativa (andlise de dados) de eventos (objetos) qualitalivos parece residir particularmeme nos conceitos de mensuragio ¢ objetividade. De um lado, a andlise de dados qualitativos se desqualiticaria per se propor a medir o impon- derdvel ¢, de outro, a pesquisa qualitativa seria desautorizada por seu componen- te subjetivo. A OBJETIVIDADE E O CONHECIMENTO CIENTIFICO Ma come si fa @ gavreinne quiicosa lasctande de porte Fia! Di chi somo gli occhi-che gwandano?.. Di li e'E Hl momo; € al qua? Sempre tf monte: cos"alive wolete che ci séa* Le seepeazion 0 Panoaan: I, wcnne cuaRDA a monn” Qualquer vinculo com a subjetividade tende a ser visto apressadamente ‘come estranho ao ambiente cieatifeo, mas, no enanto, Mirio Bunge”, moderno: fildsofo da cigncia, ensina que a verdade na natureza é uma fungiie assintitica de somhecimentos acumulados tanto em bases objetivas quanto subjetivas. Dal, em- bora ambas sejam abordagens vilidas, nem mesmo o sinergismo entre clas pode garantir a clucidaglo completa da verdade, da qual poder-se-ia alcangar grande proximidade, mas nunca dominio completo, A tendéncia de negagho de qualquer componeme subjetivo para © conheci- mento tem faizes mo pensamento determinista que marca a origem das ciéncias modernas. Laplace (1749-1827) acreditava que a natureza poderia ser, por com> plete, reconhecida ¢ reduzida a um sistema inteiramente objetivo ¢ perfeitamente previsivel. © cntendimento da naturcza para cle cra uma quesiio de tempo para acumulag3o de cotthecimentos de tal fofma que o imprévisivel, a diivida e, por conseqliéncia, o misticn seriam banalidades temporais pasa a ciéncia, Como mui- to representativa dessa sua posighe registra-se sua resposta d pergunta de NNapolelo sobre a auséncia de referéncin a Deus em sua Mécanigne céfeste, que teria sido algo como “nlio precisei desta varidvel para explicar os fentimenes que estudet" As ciéncias da saGde eatin marcadas por esse pensamente determinista que suple uma objetividade de perfeita previsibilidade da natureea, Claude Bernard", no séeulo XIX, ajudou a construir esse idedrio dando énfase a0 conhecimento da fistologia como caminhoe inequiveco para o entendimento e, purtanio, pant o previsibilidade dos processes patoligices. Como corolirie, distinguia ox métados empiricns ¢ experimentais como referenciais absolutes para o conbecimento cien- lifico, A falicia desta idéia ¢ intrinseca ao proprio méindo experimental, pois si se pode alirmar que a replicaglo de um eaperimento pravevelmenie resulte em ‘conclusie semethante ao do experimento antes realizado, restarido sempre a hipé- ese de que uma repetigh possa nepar evidéneias ameriores. Segundo Da Costa''®, o conhecimento cientifico consiiuise numa cramp venudeira © justificada. S presenga de um componente de crenga por si 56 ja denola a incorporago de um momento subjetivo ae conhecimenta cientifico, Da mesma forma, a referéncia 4 verdade no cnunciade suscita naturalmente uma ‘quecido sobre a objetividaie da verdade. G conceite clissico de verdade € ode verdade por correspondéncia, ou seja, de confrontagio de uma hipdiese com um fato. No enianto, a reconhecimento dor fat é parte de um sistema cognitivn. que por sua vez envolverd crengas ¢ premis- sas, Sendo, por exemplo, uma dessas premissas o principio da contradigio da Id gica formal, que presereve que x nla pode serve ndox( Valet a4) ). no hd verdade para particulas substémecas, que slo simultaneamente onda ¢ ndo-cnda. Da Costa recorse a Tarski para entender a verdade por correspandéncia como uma questo semintica; (ip “a neve € branca™ verdade se, ¢ somente se, (2) a neve ¢ branca. As aspas em (1) delimitam a afirmagio como uma emidade da qual se ar- glia verdade, € um nome para 4 afirmago ¢ pode ser tepresentade por um sim- bolo, ng. A de forma que a afirmayao poderia ser expressa como A &> a neve ¢ branca, Em (2), seu contetido € expressa em linguagem corente, Para Tarski, a verdade é verificada por sua persisténcia quando expressa numa linguagem (ou metalinguagem) altenativa. © exemplo de Tarski poderia ser modificado como: (1) “Snow is: white” é verdade se, ¢ somente se, (2) a neve € branca. Cada linguagem envolve uma estrutura ontoldgiea (de nome, de ser) © se- mintica (de significado, de simbolos) prépria que pode implicar distintamente difirmagio ou negagdo da verdade, Compare-se: (1) “a neve € branca” (1) “a newe € bramca™ é verdade sc, ¢ somente te, € verdade se, ¢ somente se, (2) neve = braneco (2) neve © branco: © operador “igual a” (=) da linguagem aritmética parece inapropriade (nem todo branco € neve), enquamo 0 operader “pertence a” (€) da linguagem dos A subjetividade da erenga ciemifica reside nas proposigdes axiomikicas que fundarsentam uma dada disciplina cientifica. O principio reflexivo de idemidade da légica cldssiea — que estabelece ser uma coisa sempre igual a si mesma, qual- quer coisa que ela seja (‘Vx(x = x)) - € um axioma, uma crenga que se admite somo verdadgira sem qualquer demonstragio. No emamto, como lembra Da Cos- ta, uma coisa se transforma com o tempo de tal forma que x si é igual a x Ou numa circunsctigho especifica de espago-temmpo ou na forma de um quid dex. que se mantém inalterado em x a despeito de suas transformagiies. De Meis er al.'"', estudando as imagens de cincia entre os proprios cien- vistas, descobriram, para surpresa do esteredtipe cigncia & objetividade, que os a FORO CESAR R. PEREIRA cientistas de maior produtividade eran amucles que mais incluiam em sua visio de-ciéncia fatores subjetivos, como intuicdo, instinta, senso comum. Tal desco- berta sugere que talvez no sé a subjetividade seja um componente do conheci- mento stentifico, como também seja cla um importante inswmo da criatividade: do cientista A justificagdo de uma crenca vendadéir, com vistas & conseliddacio do cor nhecimente: cientifico, padecert das mesmas restrigdes de estrutura Idgica que Pressuptic premissas ¢ principios, Dessa forma, deve ficar evidente que antes de “descoberta objetiva” da natureza, “a ciéncia é uma criago, uma inveng3o do ho- mem”. na qual “captamos ¢ explicamos o real via conceitos € redes conveituais, que edificamos”, come conclui Da Costa. Para corroborar essa conclusio, poder- se-lam examinar, como exemplo, os conceitos da geometria euclidiana, que, tidos come objetivas © encontrando larga aplicagio mas cigncias, embora competentes para representar a realidade de um espago plano, fornevem conhecimenta equivo- cada sobre um ambiente tridimensional, ».g., 0 globo terrestre. como mostra a fi- gura a seguir: Figura 1 - Violagdes da geometria euclidiana num tridngulo sobre o glabo terrestre Deas fetus paraiclas vacadas a partir do Equador cncoatan-st no polo, viclando a weoria ‘euclidiana de que duas paralelas wonca se encomtram. Delimitam, ainda, um tridapulo, cwja soma ‘dos Amgulos teternos também vila o conceizo de que seu valor ¢ semyre I8(F: como as parate- las she perpendiculares a0 Equador $6 a soma dos Sapulos ee com cle formam resulta} cm yeore AMALIE DE BADOS QUALITATIVOE » A MENSURAGAO E A DISTINCAO ENTRE © SER E © ATRIBUTO Callimechi sumeris non est dicendue Achitier ‘Orvioe, Renee amon, ©. 3B ‘A imaterialidade da qualidade tende a falsamente sugcrir sua impondcrabi- lidade, ou scja, sua impossibilidade de ser medida. A citagio de Ovidio vem a propdsito dessa falsa sugestio. © autor, embora distante das coisas da cigacia em seu texto Remedi amavis, interessante. A tradugio da frase por Aniinio S, Mendonga’™ € “nic € corn o metra de Calimace que se deve cantar Aqutles™. Niomerus, cm latim, mic tem © sentido res- trite de ndmero em portugués. mas pode significar ritmo, musica, harmonia oy, fa boa tradugio de Mendonga, méirica, estraiggia de medida, de descrigio. O- Sehtide da frase € contrapor a mésrica (seu estilo, 0 escopo de sew trabalho) de Calfmaco, autor de obras rominiicas. de amor, & méirica de Homero, que descre- 0 usat a palava numeri sugere uima eeflesto veu Aquiles na Miada, um épico de tmias e aventuras, em que Aquiles é 0 guer- reiro invencivel responsdvel pela derrota de Tria. Passe Calfmaco descrever Aquiles c, certamente, ndo seriam as batalbas gloriosas que seriam objeto de tengo (descrigio cu medida), mas talvex seus amores por Briseida, ou mesmo por Patrocla, A lighe que se busca emprestar de Ovidio € que a cada evento cor- fesponde uma métrica especifica e que, se a medida no se assomar como boa, deve-se buscar a medida adequada ao invés de remunciar 4 medida numa supesi- 30 de imponderabilidade. imagio de que se deve medir 0 mensurivel ¢ transformar em mensurdvel 0 que, 4 primeira vista, nic for, Bauman'”, em obta dedicada 4 oriemagio metodaligica de pesquisadores no campo da saside, afirma: It is often said that some variables camiot be measured, {J W this were tr, view many important questions in commanity health and welfare coeld met be stedied Fortunately, all variables may De comsbocred tcasurable when iis recogsized thal measurement isa process by which people define and describe. That is, variables exist as a result of their definitions and descriptions [Se so FOLIO CESAR R PEREIRA Para a mensuragio de eventos qualitativos 0 que € pentinente lembrar é a distingSo entre objeto ¢ atrituto: 0 dado qualitative é uma estratégia de mensura- ¢30 de atributos, ou seja, 0 objeto (o objective) da mensuragio ndo € 0 objeto (a coisa) em si, mas seus predicados, Para estudar etributos, o pesquisador deve, em primeira instiincia, reconhe- cer w objets, 0 ser. cujos atributos quer estudar. ©: semidlogo Umberto Eco, em publicagla recemte’™®, sugere a precedéncta da ontologia sobre a semintiea, ao de- dicar o primeino capitulo de seu trabalho 4 discussio do ser. Ele distingue pelo menos trés instincias do ser: 0 ene (substantivo), o ser (substantiva) ©. ser (ver~ bo). Os filésofos oferecem uma larga multiplicidade de conceitos relativos ao ser, mas para os fins da presente discussie deve bastar somar aos irés conecitos ante- riores os de esséncia ¢ nome, A esstncia refere-se & substincia de Aristiteles © Femete dquilo que foi dita em Da Costa como o guid da identidade. O nome € um artificio imprescindivel para o seconhecimentn do ser: para que alge seja estuda- do & preciso nomed-lo. Sem nome, tem-se o cass primordial que Gabsiel Garefa Mirquez apontava para sua Macondo, onde “por ser 0 munde ainda muito jovem, muitas coisas careciam de nome ¢ necessitava-se aponti-las para referir-se a elas, A prosa ¢ os versas dos artistas, usando via altermativa ks definigdes da Josofia, em muito contribvem para a compreensio do ser, tanto que Eoo thes de- dica algumas paginas de seu citado trabalho ("A Inerrogagdo dos Postas”, pp. 34- 37), Em relagho ao nome, em adendo & observagiio de Garela Mirquez, merece wanscrigie wm trecko de Italo Calvino: ‘Aina 2 confuse @ estado das cossss 9a srando, no vempo:remow em que esla Bisiiria so passa. Nio cra rare defianlar-se com somes, pensamcwlos, fuerias © HasliUiGDes a quC me ‘correspondia madi de existenie. E, por ovire lado, « mundo prlulava de objeto © facubades \pesioas que ado possuiam nome nem distingSo do restaate. Era uma época em qac n vontade € a obatinaydo de existin, dc deinar mascas, de provvocar atsto cos nade aquike qoc existe, ae ora imeiramente wads, dado que muitos ado fariam nada com isso ~ por mistria ou ignorincia ow Pocque tudo dava cesto. para cles do esesme jeito A primeira reflexio sobre atributos deve-se a Aristétcles em seu Catego- ris. Seu trabatho inicia-se com o exercici de distingdo entre a esséncia das coisas (subitinneia) © sina qualificaglo, ou seus predicados (praedicamentae), que seriam © comespondente latino de categorias, palavea de origem geega que, pos- leriormente, s¢ integrow ao latin. ANALISE DE DADO QUALITATIVOS a A obra de Aristételes (século IV aC.) faz uma ampla reflendo sobre as ca- tegorias € conclui que elas seriam nove na natureza. Para a substiincia "homem”, ‘cle exemplifica: qualidade (sua figura), relagde (de quem € irmio), quantidade {sua estatura), ago (se faz alguma coisa), patrdo (s¢ sofre, padece), hirgar (onde ‘esti), tempo (quando nasceu), extade (de pé, sentado), hibit (ealgado, armado), De seus comentirins, aqui se pretende destacar os itens seguintes, que mais tarde -contribuirio para as estratégias metodolégicas de anilise de dados qualitativas: + A substincia & o ser. a categoria é a qualidade do sex. + A substincia nlc tem contririo, a categoria sim, * A substincia no varia cm intensidade. a categoria sim. + As quantidades so disctetas ou continuas. Nio iim conttirios. + As qualidades so relativas. © contri estd implicito. * Quantidades podem ser iguais om desiguais. Qualidades podem ser similares ou dissimilares, * A oposicio de qualidades ocorre por inter-telagdes entre elas, uma senda o con trdrio da outra: uma revelar presenga, outra deprivagio; uma ser afirmativa, outra ser negativa. + A oposic’n de qualidades pode comhecer situagdes intermeditirias. Da leitura de Aristételes, santo Agostinho™ (século IV) dew énfase & dis- tingdo entre substincia ¢ predicado e fixou-se na primeira como obra divina, de tardter perene ¢ essencial. Os predicadas scriam circunstanciais ¢ seu comheci- mento, ou estudo, ainda que parecesse gratificante ao intelecto, na verdade daria as cosias & vetdade, @ Deus, Sabre as categorias de Aristdieles, ele escreveu: ‘And the Book appeared 40 me to speak very cleatly of substances, such as “mas. and of their qualities, as the figure of a man, of what sort Mix, and stature, how many Feet high: and his relationship, whose brother he is: or where placed. ce when born: ee whether he stands or sits; or he shod or armed: or does, ox sulfers anything: and all the immumerabte things which might be ranged under these nine Predicaments. of which I have given some specimens. of under that chief Predicament of Substance. Pura compleiar, comentando 0 valor de suas feituras dos ebissicos (ehem), assinalou: ‘And I delighied in them, bul new not whence came all, that therein was ine er cestain For I ad my back to the ligh, amd my face us the things culigiienedk: whence my face. with which I discemed: the things ealighereed, self was noe enkightcord n JOEIO CESAR & PEREIRA O discursa obscurantista de Agostinho estabeleceu as bases da ideclogia medieval em que a teolngia. por se fixar na substincia, seria a fonte do conbeci mento. A filosofia (ou ciéncia) seria uma distragde do conhecimento, porque se fixaria nos atributes, instincia irrelevante de manifestagi do Ser. A reeonciliagao com a filasofia elissiea 56. foi escontrada no séeulo XH por santo. Tomas de Aquino, Em seu esforga para conciliar # eosceite eristia de “Deus bam” corn alguma racionalidade cientifica, Tomis de Aquino introdur o-conceito de absoluto de qualidade: s¢ 4% eategorias s8o relativas (Aristételes) ¢ as qualidades slo evi- -déncia real (bondade, maldade, beleza, feidira etc. cxistem ¢ slo meconhecidas como tal), entio sua existéncia 56 ¢ possivel gracas a um absoluto de qualidades (bonda- ide, beleza etc.}, que € 0 Deus, em contraste com qual o real se estabelece. A existéncia de Deus seria comprovada pela pecessidade de uma origem para as coisas, © sua qualificagio decomveria da necessidade de referencial para as qualidades, A teoria tomisia reconcilia a teologia com a ciémeia, mas fixa referenciais tedricos nha primeira — as categorias devem referenciar-se & qualidade abseluta, o Deus, A ciéncia moderna nic comporta absolutes dessa natureza e 0 estado de qualidades retoma os conceitos aristottlicos de relatividade da qualidade, © con- traste, ov o referencial para a qualidade, & dado pela estrutura tedrica © metodo- Idgica da investigacio cientifica. As bases da 1coria e da metadotogia cientifica comemporiinea so iniciadas por Galileu, masa oportunidade para sew apareci mem deve-se a Tomis de Aquino, cujo trabalho permitiu a superagio das restri- ges agostinianas a0. imeresse pelo estudo dos atributos, das qualidades, das cate~ gorias das coisas. MENSURANDO © OBJETO DE ESTUDO Susser™ estabelece que a produgio do conhecimente esté relacionada a ‘uma estratégia de delimitagin de quadros de referéncia que permitem a aborda- ‘gem parcelada do todo para que, eventualmente, 4 soma progressive de conheci- _mentos paulatinamente revele a matha complexa do proceso sadde-doenga, Essa delimitagio corresponde A circunserigio de objeto, & definiglo de medidas, ¢, definigio de processamento ¢ andlise dessas medidas, A delimitago de objeto diz respeito & finatidade do-estudo ¢ estabeloce © que & estudado com circunserigio- de expago (unidade de observagdio} © tempo (inter- valo ou unidade), Sto definigies que implicam conkiecimente téenico de abjeto, de ANKLE DE DADOS QUALITATIVOS y forma que sun delimitagio nie inviabilize ou deforme a observagie, v.g.. estudar a cxposigo a resfriade (objeto) em pessoas (espage) num corte transversal de wm determinade dia (tempa) pode resultar em conjunto vazio ainda que o evento (res- friado) nfo seja nulo, ¢ avaliar resfriado em pessoas num periodo de um século pode resultar em medida tio grosscira que nada revele sobre © comportamento do ‘objeto (nesse tempo um ciclo completo de vida das pessoas teria se completade todos cm algum momenic teriam sido expostos a uma doenga the comum). A definigSo de medidas interessa o reconhecimento do objeto como uni ou multidimensional, o reconhecimento de eventuais relagies entre diferentes dimen- ses de mensuragio © suas unidades de medida, contagem ou classificagio, A melhor medida ¢ uma Gnica varidvel cominua que classifica toxdos os abjetos ¢s- tudados numa dnica dimensio. Quando isso nie for possivel, as variiveis tercio medidas preferencialmente come contagem de inteiros, classificagile ordinal em scala intervalar ou classificago nominal simples de categorias, nesta ordem, As medidas podem ser de dois tipos: findamental e derivadd™. No primeiro caso, a mensuragio faz-se diretamente sabre o objeto, ug., fita métrica medinda largura de uma mesa, enquanto, no segundo, faz-se por projego de uma mensuragto in- directa. vg.. a temperatura ¢ a altura de uma coluna de mercirio, Dois objeis podem ser comparados quer por dimensies priprias de sua natureza ques por div mensic albeia 4 sux natureza, mas sobre a qual o¢ objetos possam ser projetados, ‘como sugere a figura 2. O conceito de mensuragie por projerlio sobre dimensies athelas ans objetos, © eventualmente abstratas, constitui-se em importante recurso analitice para os eventos qualitativos, come se werd eportunamente. Figura 2 - Tipos de medidas Vamemabe 0 Dimmonabey a a Frejegbode A fesse . 2 reich de Medi nae 4 ene Midis err: A 0 ana por All permis ma peopctnkea robes adic 7 Somparagao eveta (para gee pou we compare u CLIO CESAR A PEREIRA Quando uma dnica dimensio niio der conta de medir o objet de estude, a mensurayio deste poderd ver exaustiva ou poderio ser consideradas estratégias de redug-o de dimensionalidades por composigao das dimensies originais para uma mensuragio sintélica. Come exemple, tome-se 0 estude dos wrés poligonos da fi- gura 3, em que a drea representa uma estraiggia de redugio de dimensionalidade, Figura 3 - Estratégias de medidas considerando mais de uma dimensia Esanneégia: de media ] x ‘Nomina quads triingalo ‘Ordinal: ‘umaaho 1 ‘tamaaho 3 ‘ altara = Ve alot = He ‘Mensuragio exaustiva: = Mensaraibo ea ‘A redugho de dimensionalidade das medidas constitui-se jd em estratégia de processamemwo de medidas originals, vg., cdlculo da drea a partir das medidas de altura ¢ largura. © processamento que precede a andlise busca ajustar as me- didas para a andlise que se pretende realizar, A andlise buscard relagies entre as medidas como similaridade (categorias), razio de ocoméncias (comtagens), posi- \gdo hierdrquica (escalas ordinais), correlagio (quantidades), A relagio. linear en- tre medidas. que é buscada por meio de regressdo. ¢ umn exemplo de estratégia de andlise capaz de combinar medidas de quantidades com categorias, come mostra a figura 4 ANALISE DE DADOS QUALITATTVOS ” Figura 4 - Exemplo de analise por regressio linear combinando medidas quantitativas € qualitativas A MENSURACAG NAS CIENCIAS DA SAUDE © dado qualitative esta fortemente presente nas ciéncias da satide. As carac- letisticas das pessoas, ng., raga, © das docnyas, ug., severidade, so frequente- mente medidas come varidveis categGricas'. No entanto, mercé de sun trediso escolistica jf comentada, as ciéncias da sadde ainda mostram preferéncia pelas medidas continuas de alta precisto, rg.. medir em miligramas, milimetos etc. Engajado no conhecimento de bioligico, o cientisia da sadde tends a isentar-se de reflexio sobre a importincia das estratépias de mensuragio e andlise providas |. Rpiste-se aqui que exua senominagio Pode Sct cbjeto de Sisputs. © professor die ds Moma Sanger do IMEAUSP prefere desigear os dadas qualilatives como cateporieaon, ui adjetivagdo: verbal de categorizar (alocar em cateporias). temscedo por um anglicismo (raiegorira asa) OW Um sequndo seni (pevemyptitio). Aqui se wllseaeh a exptessio “dado/varitvel calegeieotay” nis pot afiiagdo a0 laglts, mas a0 onigiaal grece-latiao de ArivGteles (reladvo & cancgorias, pedicados, (qualidhaces). Wow: Singer. Menadalnghe Cemifina’ A Evttsinm Aplirada & Fesquisa Clinira € Ci- rargia Cardiara, Escola Pastista de Medicina, 7-8, mar 1997, * JOLIO CESAR 2, PEREIRA ‘por oulras ciéncias. com a estatistica. Salvo em disciplinas especificas. como a psicologia que mostra refinamemto na mensuragio de Categorias, as medidas qua- litativas sho, com freqiéncia, realizadas com um rigor muito menor que o dedi- cado As medidas quantitativas. ‘A mensuragio de uma forma geral, qualitativa ou quantitativa, com frequtn- cia desconhece os conceiias clementares discutides antertormente, Embora haja uma tendéncia de amadurecimento metodoligico, esse ainda se processa a ritmo: lento © as medidas qualitativas nlio tém precedéncia em prioridade. Como exem- plo, slo desceitos aqui trés momentos distintos da investigagio cientifica da asma bednguica: |. A primeira edigdo (1698) de uma obra cientifica sobre asma em lingua mader- ‘fa (io em Hatim), de autoria de John Floyer™ anotava: [1 though the circulation of the blood be Inely disconered, and the cieeulaion of the serumn throuph tbe lymphatic weasels. yet these discoveries have made ut lige alterations in the practice of physic, [1 The investion of the microsrope hax much discover'd the sensible mechanism of the solid paris: bat what indicwlion cam I take from Ow “eloteh” off the Nukgr “Tha” they may help me beiiet is explain, yet I feds, I shall wot be enabled by their discowery, casily 40 cure any disease Aparentemente, no século XVII alo se consideravam as mensurages para estudar a asma. De fato. em todo o livro nota-se que as novas evidéncias provi- das pela medicina emergente sho tratadas na perspectiva do racionalismo tradicio- nal anterior a0 Renascimento © as teorias miasmdticas conseguiam maior nexo Tégico do que as evidéncias empiricas que comegavam a se apresentar ao conbe- cimento médico. 2. Estudando asma no século XVIII, Joha Millar, embora j4 tome a frequéncia de ocaméncia de eventos come medida, di-Ihe tratamento qualitative arbitediio endo 46 se desobeiga de apresemtar mimerns como também wata a frequéncia de mancira absoluta, ignorando a importincia das denominadores das conla- gens (muita/pouco sobre quanto”): 1] from a meteorological register, very accurately kept by a clergyman, for almost 14 (years compaced with a journal of diseases during that period, it appears, that Ube asthma was more or less frequent according 10 the state of the weather. that it prevailed most im spring. and ANALISE DE DADOS QUALITATIVOS a sutumn, and especially im moist seasons, accompanied with cast and scrth-easterly winds, whee the weather was variable, when the mercury in the barometer was fluctualsag, but generally low. and when suxiden changes tem frost 1 thaw were Frequces, 2. Jd no século XIX, Henry Salter registra numericamente suas observagties, anotando: Is asthma hereditary? I think there-can be mo: doubt that it is. Not that I would wake this ‘ivet for granted. or on the commos assertion that it isn; for | think this is a point om which ‘error might be apt to arise, In all diseases a

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