Você está na página 1de 7
ddas classes dominantes. Por isso, 0 caso da Revolugio Cubana merece atencio especial do Ieitor. Como pon- to de partida, poderia usar 0 meu pequeno livro Da Guerrlha ao Socalismo: A Revolugio Cubana (Sto Pau- lo, T.A. Queiroz, Editor, 1979). © capitulo III, espe- cialmente, oferece uma boa base factual ¢ interpre~ tativa para a comparacio de Cuba com outtos paises dda América Latina e para se entender como os guerti- Iheiros foram beneficiados e souberam aproveitar uma situagio revoluciondria que se constituiu e se agra vou a0 longo de uma larga evolucio histérica. A bi- bliografia concatenada no fim do livro deve ser apro- veitada seletivamente pelo leitor. Como se trata de uma combinacio singular de situacio revolucionéria € revolucio, recomendo insistentemente a todos os que queiram aprofindar seu conhecimento sobre as revolugées proletarias de nossa época que Ieiam com cuidado (e que releiam) as principais obras sobre a Revolugio Cubana. Apindice SETE NOTAS SOBRE A TEORIA DA REVOLUGAO BRASILEIRA Plinio de Arruda Sampaio J. ‘Esas anotagées sistematizam algumas questSes debati- das no Ambito da Consulta Popular sobre as diretrizes fundamentais de um projeto nacional capaz de abrir novos horizontes para o desenvolvimento do Brasil. Nio se trata de fazer um apanhado exaustivo do actimulo alcancado nesta discussio coletiva, mas apenas de apon- tar algumas questées — inspiradas no pensamento de grandes intérpretes do Brasil ~ que devem orientar a Teflexio sobre os desafios da revolugio brasileira 1. A teoria da revolucao brasileira ‘Uma teoria da revolucio brasileira é um programa de transformacio das estruturas da sociedade com 0 1 Plinio de Ards Spa épofstor do fst de Economia Uni ‘edade Feel de Campin ce 0 fn prepara ps3 ros APROPUC. objetivo de resolver os problemas fundamentais do conjunto da populagio. No Brasil, esses problemas sio facilmente identificéveis: a extrema desigualdade social e regional que caracteriza a sociedade brasileira .a subordinacio da vida nacional a logica de acumu- lagio do capital internacional. O grande desafio da teoria da revolugio brasileira é desvendar ab tendén- cias efetivas da luta de classes, a fim de impulsions-la no sentido da superagio dos nés internos ¢ externos responsiveis pelas mazclas do povo. Caio Prado, um dos expoentes do pensamento socialista no Brasil, re- sumiu a questio nos seguintes termos: “A revolugio brasileira, (..), se constitu do complexo de transfor maces em curso ou potenciais, que dizem respeito & estrutura econdmica, social e politica do pais, ¢ que, contidas e reprimidas pela inércia natural a toda situa- Gio estabelecida, se desenrolam de maneira excessi- vamente lenta ¢ nio logram chegara termo. Nem por isso deixam de estar presentes, ¢ se revelam ¢ fazem sentir através de perturbacdes que agitam a vida do pais: desequilibrios econdmicos, desajustamentos ¢ tensdes sociais, conflitos politicos de maior ou me- nor gravidade e repercussio. Cabe precisamente 4a¢i0 politica revolucionéria estimular e ativar aquelas trans- formagies implicitas no processo hist6rico em curso € de que tais perturbagdes constituem o sintoma apa rente ¢ mais diretamente sensivel. E a programacio das medidas necessirias ou favoraveis a esse fim que forma a teoria revoluciondria®* 2 Prado: Jv GA Rawls Brie, A, Bree 209 2. O segredo da revolugio esté na histéria Para que a reflexao coletiva sobre as possiveis alter- nativas de reorganizacio da economia, da sociedade, do Estado ¢ da cultura possa fizncionar como um guia efe- tivo para a agio politica, é vital que ela nio seja uma construcio abstrata, mas 0 produto de uma interpreta ‘gio das contradigées existentes na sociedade brasileira Donde a necessidade incontorndvel de que a teoria da revolugio brasileira esteja fundamentada em uma andli- se dos dilemas hist6ricos de nossa sociedade. Afinal, como jé alertou Caio Prado, “Nao ¢ praticével propor reformas que constituam efetivamente solucio para os problemas pendentes, sem a condigio de que essas re- formas propostas se apresentem nos proprios fatos in= vestigados. Em outras palavras, de nada servitia, como tantas vezes se faz, trazer solugbes ditadas pela boa von- tade ¢ imaginacio dos reformadores, inspirados embora nna melhor das intengSes, mas que, por mais perfeitas {que em principio ¢ teoricamente se apresentem, nao encontram nos préprios fatos presentes e atuantes as ci as capazes de as promover, impulsionar € rea- lizar. E de Marx a observagio tio justa € comprovada por todo o decorrer da Hist6ria, que os problemas sociais rhunca se propdem sem que, 26 mesmo tempo, Se Pro- ponha a solugio deles que nao é, nem pode ser forjada por nenhum cérebro iluminado, mas se apresenta, ¢ af hi de ser desvendada e assinalada, no proprio contexto do problema que se oferece, ¢ na dindmica do processo em que essa problemtica se propoe”.* ‘FPia jr A Rig Bri, A, Branton, 6 3. Os dilemas da formacao nacional No nosso caso, 0 sentido das mudancas sociais & ‘marcado pela longa transicio do Brasil colénia de on- tem para o Brasil nacio de amanha. Tra movimento condicionado pelas contradigées que sur- {gem entre a posicio subalterna do pafs no sistema ca- pitalista mundial ¢ o esforco da sociedade brisieira de controlar o seu proprio destino. O dinamo da transi- io 6 a reagio contra o sentimento de profundo mal- estar gerado pela situacio de pobreza, irracionalidade, corrupgio ¢ instabilidade que caracteriza a vida nacio- nna Iss0 significa que as esperangas € as aspiragdes da sociedade brasileira polarizam-se em torno de um ob- jetivo maior: controlar os fins e os meios do desenvol- ‘vimento nacional. Trata-se de criar as condig6es ne~ ccessirias para que 0 processo de modernizacio que ca- racteriza a civilizagio ocidental beneficie 0 conjunto da populacio e no apenas uma pequena parcela de privilegiados como ocorre quando o desenvolvimento € guiado pelo processo de modernizagio dos padres de consumo. O problema fundamental da sociedade brasileira consubstancia-se, portanto, na necessidade de assegurar a continuidade de processos hist6ricos responsiveis pela consolidacio das bases materiais, so- ciais, espacias, politicas e culturais do Estado nacional. se de um 4. 0 objetivo da revolucao brasileira Os interpretes do Brasil que refletiram sobre os desafios da formagio a partir de uma perspectiva de- mocritica, de um modo ou de outro, vincularam a construgio do Estado nacional a integragio do con- Junto da populagio, em condigdes de igualdade, aos avangos técnicos e aos valores humanistas da cra mo- derna, Acima de suas diferengas te6ricas, historicas € ideol6gicas, um denominador comum unifica esta visio: a nogio de que os problemas do pais nio serio resolvidos sem transformagSes socioculturais profun- das, que criem as bases de uma sociedade eqiiitativa e auto-referida. Elaborado em contraposicio tradigio oligirquica, que defende a construgio da nagio com um fim em si, 0 pensamento democritico vé a estruturagio do Estado brasileiro como um meio de submeter 0 desenvolvimento aos desfgnios de uma sociedade irmanada na defesa de um destino comum para scus cidadios. Logo, antes de condicionar a emergéncia de nossa nacionalidade ao aparecimento de uma nova raga oriunda da mestigagem, ao controle de um territ6rio de dimensdes continentais rico em recursos naturais, &s potencialidades de sua economia, & estruturacio de tum aparetho de Estado capaz de impor a autoridade da ordem, bem como a descabidos sonhos ufanistas de um hipotético Brasil-poténcia predestinado a um suposto destino manifesto — concepgdes chauvinistas que ocultam a natureza hierdrquica e antoritéria de nossa formagio social ~ 0 pensamento democritico centende a afirmacio da nacionalidade com a necessé- ria cristalizacio de uma sociedade homogénea, porta- dora dos valores humanistas da sociedade ocidental, baseada em nexos morais entre as classes sociais e na existéncia de lacos orginicos entre as diferentes re- sides do pais. 5. Nacionalismo e internacionalismo ‘Nesta abordagem, a instincia nacional nao passa de um instrumento temporario que serve para prote- ger a coletividade dos efeitos destrutivos das trans- formacies que se irradiam desde 0 centro do sistema capitalista mundial, bem como para planejar a internalizagio das estruturas e dos dinamisthos da ci- vilizagio ocidental de modo condizente com 0 au- mento progressivo do grau de autonomia e criati- vidade da sociedade, assim como com a elevagio da riqueza ¢ do bem-estar da totalidade dos brasilciros Pensada como um centro de poder que condensa a vontade politica da coletividade, a forma nacional é aqui Gnica e exclusivamente ~ um meio de as socie~ dades que vivem sobredeterminadas pelo campo de forca do imperialismo controlarem o seu tempo his- AGrico. Trata-se, portanto, de um instrumento histo ricamente determinado que deve ser ultrapassado por formas superiores de organizacio social ¢ politica, de alcance supra-nacional, assim que o contexto hist6ri- co mundial © permitir, isto é, assim que a ordem mundial deixar de estar sob 0 dominio de concorrén- cia intercapitalista e das rivalidades imperialistas. ‘Nio hé contradigio entre 0 nacionalismo inerente 2 revolucio brasileira e a tradigao internacionalista das lutas operirias. Nao se pode transplantar de maneira mecainicao internacionalismo desenvolvido nas nagbes ‘mais ricas da Europa para sociedades de origem colo- nial da América Latina. © internacionalismo dos po- vvos da periferia se manifesta na condenacio de todas as, formas de injusticas ¢ exploracio em qualquer lugar do mundo, a comecar pelos que possuem problemas analogos. Concretamente, isso significa participar ati- vamente em todas as trincheiras contra 0 imperialis- mo. Na América Latina, trata-se de dar um contetido popular e socialista 20 velho sonho de Simon Bolivar de criar uma federagio latino-americana de povos autodeterminados. 6. Reverso neocolonial e barbarie Dentro da longa transicio do Brasil colonial de on- tem para o Brasil nacio de amanha, a conjuntura atual caracteriza-se pelo fato de que a nova fase do proces so de globalizacio dos negécios transformou em an- tagonismo aberto a secular contradicio entre 0 de~ senvolvimento desigual do sistema capitalista mun- dial ea formagio do Brasil contemporanco. De acor o.com a interpretagio de trés dos maiores pensadores do Brasil ~ Caio Prado, Florestan Fernandes e Celso Furtado ~ o capitalismo dependente jé nio tem mais nada a oferecer 3 populacio brasileira. Os trés autores convergem para um diagnéstico terrivel: entre 1950 ¢ 1980, a formacio do Brasil comecou a patinar. Ao contririo do que poderia sugerir a acelerada moder nizagio dos padrdes de consumo de uma exfgua par- cela da populacio e 0 avancado grau de industrializa~ ‘io, 0 capitalismo dependente teria esgotado todas as suas propriedades construtivas. A gravidade do m ‘mento hist6rico fica evidenciada tanto na conclamacao de Caio Prado quanto & urgéncia da “revolugio brasi- leira”, quanto na insisténcia de Florestan Fernandes no caréter anti-social, antinacional e antidemocritico da burguesia brasileira, assim como na elogitente ad- verténcia de Celso Furtado de que forgas externas poderosissimas que impulsionam a globalizacio das ‘economia ameacam a integridade do sistema econd- mico nacional ea propria unidade territorial do pais. Em breve, uma formulacio sintetiza a esséncia do, momento histérico: reversio neocolonial e barbie. A visio destes grandes intérpretes de que © pro- cesso de formacio do Brasil contemporaneo esta ameagado é tanto mais grave porque perfeitamente condizente com que se observa no dia-a-dia da so- ciedade. Afinal, quem com um minimo de Iucidez ¢ boa fé é capaz de ignorar as evidéncias de progressiva desorganizagio econdmica, acelerada decomposicio do tecido social, assustadora exacerbacio das rivali dades inter-regionais dramitico colapso da capa dade de intervengio do Estado? O desaparecimento dos setores estratégicos do parque produtivo, o cres- cimento vertiginoso do subemprego ¢ do desempre- go aberto, a crise do pacto federativo, a corrupcio como sistema de governo e os alarmantes sinais de perda da identidade nacional sio os sintomas mais preocupantes do avancado estado da crise de reversio reocolonial que abala o Brasil. Nao é dificil imaginar © efeito catastrofico dessas tendéncias em uma socie~ dade com um territério de dimensdes continentais, grande heterogeneidade regional e social, elevadissimo grau de urbanizacio ¢ um vasto parque industrial sem condigées de suportar a fiiria da concorréncia inter- nacional. O descontrole da violéncia urbana e as cres- centes tensdes sociais no campo sio duas evidéncias ve Aanuen Saavatn Je gritantes de que vivemos em uma época de grande turbuléncia* 7. Ahora ¢ a vex da revolugio democritica © diagndstico de que o Brasil vive um perigoso proceso de-reversio neocolonial aponta para a ur- ‘eéncia de uma ruptura com a situacio de dependén- cia externa, Em seu livro, Brasil: A construgo interrom- pida, Celso Furtado, intelectual not6rio por sua visio ponderada dos problemas nacionais, explicitou de maneira dramitica 0 carter decisivo do momento hist6rico, “Em meio milénio de hist6ria, partindo de uma constelacio de feitorias, de populacdes indfge- nas desgarradas, de escravos transplantados de outro continente, de aventureiros europeus ¢ asidticos em busca de um destino melhor, chegamos a um povo de extraordinéria polivaléncia cultural, um pafs sem pa- ralelo pela vastidio territorial (..). Mas nos falta a ex- perigneia de provas cruciais, como as que conhece- ram outros povos cuja sobrevivéncia chegou a estar ameagada, E nos falta também um verdadeiro conhe- ccimento de nossas possibilidades ¢, principalmente, de nossas debilidades. Mas nao ignoramos que o tem- po historico se acelera e que a contagem desse tempo se faz contra n6s. Trata-se de saber se temos um futu= ro como nacio que conta na construgio do devenir humano. Ou se prevalecerio as forgas que se empe- “Aedes acrolnil€ anal em deat em Sampaio Stas "Os Inputs Fina Jo Lae Fe, sae Maeda ‘Date de ie Ed Monee. ham em interromper 0 nosso processo histérico de formacio de um Estado-nacio”? Para evitar o risco de solugdes retoricas, destituidas de qualquer eficécia real, o fundamental é apontar os nds que devem ser desatados para romper as relagies externas e internas_responsaveis pelo avango do pro- cesso de reversio neocolonial. E a natureza dassas mu- dangas que vai condicionar o cariter do process de transformacio social. A propésito nio custa lembrar a adverténcia de Caio Prado: “O que, sobretudo, vale na agio revolucionsria nao é 0 que se proclama e, em til- tima instincia se projeta. E sim o sentido dialético des- sa agio, isto & sua potencialidade em projecio para o futuro e seu contetido, latente embora, inexpresso ¢ até mesmo inesperado para a generalidade dos partici- pantes, de transformacoes politicas, econdmicas € so- ciais que nele se encerram ¢ dele derivam como conseqiiéncia ¢ natural desdobramento” Logo, mais do que uma listagem de medidas programiticas, a teoria da revolucio brasileira deve in- dicar de maneira objetiva e clara as rupturas que signi ficam uma mudanga efetiva no curso dos acontecimen- 10s. A analise dos dilemas hist6ricos do povo brasileiro mostra que a abertura de novos horizontes historicos ‘exige que se coloque na ordem do dia a superacio das tués principais mazclas da sociedade brasileira: 1.0 ca- rater dependente de seu sistema econémico ~ uma for- ima de organizagio da vida material que deixa o pais 3 Fart, © Bra A Conor Inrompi, Ba Pa Trap. 38. 6 Pro, JC. A Regs Br, Ea Bases, p18 sujeito 3s vicissitudes do capital internacional; 2. an tureza assimétrica das estruturas sociais — um padrio de estratificacio social que cria um abismo entre os brasileiros; 3. 0 pesado fardo do colonialismo cultural {que impede a generalizagao dos beneficios da civiliza~ Gio pelo conjunto dos brasileiros ~ uma concepgio de mundo estreita que transforma a c6pia dos estilos de vida das economias centrais na prioridade absoluta a orientar a organizacio da economia e da sociedade. ‘Ao abrir novas perspectivas para o desenvolvimen- to nacional, a ruptura histérica com o capitalismo de- pendente representa uma alternativa criativa a discus- so que circunscreve as opcdes da sociedade brasileira a escolha binaria entre 0 modernismo desvairado dos neoliberais ¢ a nostalgia extemporanea do nacional- desenvolvimentismo. Este é 0 caminho de quem nio aceita 0 impasse que limita o debate sobre o futuro do Brasil a um estéril brago de ferro a respeito do ritmo ¢ da intensidade do processo de modernizacao dos pa- drdes de consumo. Aextrema adversidade do momento hist6rico revela que nao hi atalho para o desenvolvi- mento nacional. O desafio é colossal e a urgéncia do problema inadiavel. As forgas politicas comprometi- das com 0 futuro da nacio devem transformar a revo- lugio democritica a erradicacio do regime de segre- gacio social ~ a revolugio nacional — a desarticulagio da dependéncia econémica ¢ cultural ~ ¢ a revolucio socialista ~ a ruptura com a modernizacio dos padroes de consumo ¢ com os valores da concorréncia ¢ do in- dividualismo — nos trés principais objetivos da luta po- litica. © ponto de partida dessa caminhada € a climina- io dos privilégios aberrantes que bloqueiam acesso do conjunto da populacio 4 vida econdmica ¢ politica do pais. Na pritica, isso significa transformar a luta por terra, trabalho ¢ teto no eixo de articulacio de um novo projeto para o Brasil

Você também pode gostar