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ASSOCIAÇÕES GEOQUÍMICAS DE MERCÚRIO COM OXI-HIDRÓXIDOS DE ALUMÍNIO, FERRO E

MANGANÊS EM SEDIMENTOS SUPERFICIAIS DA BACIA INFERIOR DO RIO PARAÍBA DO SUL, RJ,


BRASIL

Marcelo. G. Almeida1 & Cristina M. M. Souza1.


1. Universidade Estadual do Norte Fluminense - Laboratório de Ciências Ambientais, Centro de Biociências e
Biotecnologia -. Av. Alberto Lamego, 2000, Horto, Campos dos Goytacazes, RJ, CEP: 28015-620, Brasil.
marcelogaa@yahoo.com.br

ABSTRACT
Mercury geochemistry and its main geochemical supports (e.g. oxi-hydroxides of aluminum, iron and manganese) were
studied in superficial sediments in the lower portion of the Paraíba do Sul River. A total of 57 sediments (i.e. 27 in
fluvial, 10 in tributaries, 14 in estuarine end-members, and 6 in flooded areas) were collected during the dry period of
2000. Geochemical speciation showed an enrichment of Al, Fe, Mn oxides and hydroxides concentrations (20%, 51%
and 69%, respectively) in relation to its total contents in all sediment types. These results show the importance of
analyzing all types of binding associations in order to better understand the mobility and bioavailability of Hg in the
biogeochemical cycle.

KEY WORDS: geochemistry, mercury, oxi-hydroxides and Paraíba do Sul River.

INTRODUÇÃO
A capacidade de remobilização do mercúrio é determinada pela sua forma específica de ligação, ou, mais
propriamente, por sua taxa de acumulação em cada fase geoquímica do sedimento (Lechler et al., 1997). O mercúrio tem
como principais agentes carreadores, através de associações geoquímicas no meio aquático, o ferro, o manganês, o carbono
orgânico particulado (COP), o carbono orgânico dissolvido (COD), sulfetos e substratos finos como argilas (Lechler et al.,
1997). Estudos recentes têm demonstrado uma interdependência entre a distribuição de Hg e a dinâmica de Al, Fe e Mn no
material particulado em suspensão, sedimentos e solos (Hylander et al., 2000). Em sedimentos superficiais de rios da área
central do Brasil que recebem entradas de Hg0 advindo de depósitos de rejeitos da mineração de ouro, foram encontradas
correlações positivas significativas entre Hg0 e Fe (Rodrigues Filho, 1995). As correlações freqüentemente observadas entre
o Hg particulado e os conteúdos de Mn e Fe particulados, podem ser razoavelmente explicadas por mecanismos de
adsorção, uma vez que óxido de Mn e hidróxido de Fe apresentam uma grande área de superfície, disponível para formar
ligações estáveis (Hylander et al., 2000). O objetivo do presente estudo é caracterizar os níveis de Hg no sedimento da
bacia inferior do RPS e quantificar relações entre o conteúdo de mercúrio no sedimento e a abundância relativa de Al, Fe e
Mn total e na forma de oxi-hidróxidos.

ÁREA DE ESTUDO
O rio Paraíba do Sul é um corpo hídrico de vital importância sócio - econômica para os Estados do Rio de Janeiro e
São Paulo. A porção inferior da sua Bacia de Drenagem esta localizada na região que compreende o trecho entre a
cidade de Itaocara e a desembocadura deste próximo a localidade de Atafona. As principais fontes antropogênicas de
Hg nessa região no passado relacionaram-se a ação do garimpo (rios Pomba e Muriáe) e a utilização de fungicidas
organo-mercuriais nas plantações de cana-de-açúcar (Figura 1).

MATERIAL E MÉTODOS
A amostragem de sedimento superficial (correspondentes até 10cm de profundidade) foi realizada em setembro de
2000, que corresponde a estação seca na região. Em laboratório, as amostras resfriadas de sedimento superficial foram
liofilizadas até atingirem peso constante e posteriormente selecionada a fração menor que 2mm, fração essa utilizada no
processo de digestão química, após homogeneização em moinho de bolas.
As amostras foram agrupadas de acordo com a região de coleta em: Porção fluvial -F (n=27), Tributários - Rio
Pomba (RP), Rio Dois Rios (RD), e Rio Muriaé (RM) (10), Estuário principal - EP (n=6), Estuário secundário (ES)
(n=8) e Áreas inundáveis –S (n=6) (Figura 1).
A metodologia química utilizada para a determinação de mercúrio total descrita por Bastos et al., (1998) foi
realizada em triplicata com coeficiente de variação abaixo de 10%.
A Metodologia de Extração de oxi-hidróxidos de Al, Fe e Mn (CDB) aplicada às amostras de sedimento superficial
foi realizada em triplicata com coeficiente de variação abaixo de 15% (Lucotte & D’Anglejan, 1985).
A digestão em sedimentos para a determinação de Al, Fe e Mn totais foi realizada a partir de 0,5g de amostra de
sedimento, baseada na metodologia descrita por Krause et al., 1995.
Foi utilizado o método de Spearman (não paramétrico) para p<0,05 com auxílio do programa Statistica for Windows,
Starsoft Inc. (1993), a fim de se verificar as correlações entre as variáveis de relevância.
N

Brasil

42° W 41° W

Bacia Inferior
Santo Antônio N RM1 do rio Paraíba do Sul
de Pádua Ri o
Rio Mu 21°30’ S
Pom ria é
ba
Cambuci
RP1 F8 F9 S1 RM2
RP2 F4 F6 F10 F16
RP3 F5 F14
F7 RD3 F11 S2 RM3 F27
São F15 F17 F25
F1 F2 F3 RD2 F12 F13 F18 RM4 F24
Itaocara Fidélis F23
s RD1 F19 F21 F26
Rio Cambiasca F20 F22 S4
oi s Ver

Ri oD S3 área
Campos dos ampliada
Goytacazes abaixo.

Lagoa Feia 22° S

co
nt i
A tlâ
o
ean
Oc
41°05’ W 39°50’ W

Oceano Atlântico
Estuário do rio
Paraíba do Sul ES6 _ 21 ° 34’S
ES5
ES7 ES4
ES3
N
ES8 ES2

EP5
ES1
EP2
EP4 EP3
S5 S6 EP1

Atafona

EP6
São João
_
da Barra 21º 40’S

Figura 1: Mapa de localização dos pontos de amostragem de sedimento.

RESULTADOS e DISCUSSÃO
As concentrações médias de mercúrio total obtidas para os agrupamentos estudados no rio Paraíba do Sul foram:
estuário secundário (102±23,5 ng.g-1) > áreas inundáveis (95,5±38,2ng.g-1)> estuário principal (54,9±102 ng.g-1)
>porção fluvial - RPS (49,9±72,4ng.g-1). Entre os tributários foram obtidas as seguintes médias: rio Muriaé
(36,9±55,2ng.g-1) > rio Pomba (31,1±19,7ng.g-1) > rio Dois Rios (21,5±26,5ng.g-1) (Figura 2).
140

120

100

Hg (ng.g-1)
80

60

40

20

0
P o rção rio P o mba rio Dois rio M uriaé Estuário Estuário Á reas
Fluvial RP S (n=3) Rios (n=3) (n=4) P rincipal Secundário Inundáveis
(n=27) (n=6) (n=8) (n=6)

Figura 2: Concentração média de mercúrio e desvio padrão.

As concentrações médias de Al total e Alcdb obtidas para os grupamentos estudados no rio Paraíba do Sul
foram: áreas inundáveis (5,48±3,36% / 1,28±0,38%) > estuário secundário (4,08±2,43% /1,01±0,43%) > porção fluvial
- RPS (4,39±2,48%/ 0,773±0,43%) > estuário principal (2,85±1,00% / 0,612±0,51%). Para os tributários observou-se a
seguinte distribuição: rio Muriaé (3,87±1,80%/ 0,696±0,38%) >rio Pomba (3,56±0,47%/ 0,563±0,31%) > rio Dois Rios
(3,53±0,76%/ 0,390±0,15%) (Figura 3).
As concentrações médias de Fetotal, Fecdb obtidas para os grupamentos estudados foram estuário secundário
(4,48±1,01% / 2,10±1,19%) > áreas inundáveis (4,34±1,29% / 2,69±1,87%), > estuário principal (2,56±2,36%
/1,44±2,10%) > porção fluvial - RPS (2,50±1,31%/ 1,21±1,22%) (Figura 1). Para os tributários verificou-se a seguinte
distribuição: rio Muriaé (2,20±1,23% / 1,15±1,05%) > rio Pomba (2,18±0,49% / 0,566±0,54%) > rio Dois Rios
(1,02±0,58% / 0,53±0,23%) (Figura 3).
As concentrações médias de Mntotal, Mncdb obtidas para os grupamentos estudados foram áreas inundáveis
(519±171µg.g-1 / 287±131µg.g-1) > estuário secundário (421±130µg.g-1 / 249±133µg.g-1) > porção fluvial - RPS
(351±168µg.g-1 / 202±105µg.g-1) > estuário principal (312±287µg.g-1 / 169±131 µg.g-1) (Figura 3). Para os tributários
verificou-se a seguinte distribuição: rio Muriaé (358±211µg.g-1 / 242±174µg.g-1) > rio Pomba (322±142µg.g-1 /
160±124µg.g-1) > rio Dois Rios (211±112µg.g-1 /146±93,1µg.g-1) (Figura 3).
As percentagens médias de Alcdb, Fecdb e Mncdb em relação aos seus conteúdos totais obtidos para os
grupamentos estudados foram respectivamente (Figura 3): estuário secundário (24,8%;46,8%;71,0%), áreas inundáveis
(23,3%; 62,2%; 66,5%), porção fluvial - RPS (17,6%; 48,3%; 69,2%) e estuário principal (21,4%; 56,4%; 65,0%). Para
os tributários, verificou-se a seguinte distribuição: rio Muriaé (17,9%; 52,3%; 81,1%) > rio Pomba (15,8%; 61,1%;
59,3%) > rio Dois Rios (11,0%; 51,7%; 82,9%). A percentagem média de Alcdb, Fecdb e Mncdb para todas as estações
de sedimento em relação aos seus conteúdos totais foram 20,0%, 51,4%, 68,6%. No presente estudo os sedimentos
superficiais se apresentaram geralmente enriquecidos com oxi-hidróxidos de Al, Fe e Mn como é possível observar os
percentuais dos metais cdb comparados aos metais totais (Figura 3). Esses percentuais se assemelham àqueles
observados por Hylander et al (2000) em amostras de sedimento de nove lagos fluviais do Pantanal, cujos percentuais
médios de Alcdb, Fecdb e Mncdb, foram respectivamente, 15%, 50% e 80% dos seus contidos totais para essa região.
Embora questões relativas ao grau de seletividade na extração de Al, Fe e Mn na forma de oxi-hidróxidos
(CDB) sejam discutidas quando relacionadas à interferência desse meio reacional a presença de matéria orgânica, o
conteúdo de carbono orgânico nas amostras em questão não ultrapassou a 2,54%, o que favorece a predominância dos
processos de adsorção na matriz óxidos-hidróxidos. O percentual obtido neste trabalho equivale a ordem de grandeza da
maioria dos solos e sedimentos de ambientes tropicais como aqueles observados por Hylander et al.(2000) e Roulet et
al. (2000), com percentuais de 5,0% e 4,0%, respectivamente.
O metal que apresentou maior percentagem de óxidos foi o Mn seguido do Fe e Al. Os óxidos de Mn são
compostos fortemente influenciados pelo potencial redox, facultando a essas espécies químicas um alto grau de
mobilidade em condições anóxicas, uma vez que os íons deslocados a um novo equilíbrio, podem ser lixiviados à
camadas inferiores do sedimento ou solubilizados na coluna d’água. Entretanto, quando retomadas as condições
oxigenadas este volta a forma particulada gerando um precipitado de elevada área superficial (Hylander et al., 2000). Os
óxidos de Fe apresentam um comportamento semelhante sendo que são menos sensíveis as condições anóxicas.
10 100%
8
75%
Altotal Alcdb
6
Al (%)

(%)
Alcdb 50% Alresidual
4
2 25%

0 0%
Porção rio Pomba rio Dois Rios rio Muriaé Estuário Estuário Áreas Porção Fluvial rio Pomba rio Dois Rios rio Muriaé Estuário Estuário Áreas
Fluvial RPS (n=3) (n=3) (n=4) Principal Secundário Inundáveis RPS (n=27) (n=3) (n=3) (n=4) Principal Secundário Inundáveis
(n=27) (n=6) (n=8) (n=6) (n=6) (n=8) (n=6)
Estações Estações

6 100%

75%
4 Fetotal Fecdb
Fe (%)

Fecdb Feresidual

(%)
50%
2
25%

0 0%
Porção rio Pomba rio Dois Rios rio Muriaé Estuário Estuário Áreas Porção rio Pomba rio Dois Rios rio Muriaé Estuário Estuário Áreas
Fluvial RPS (n=3) (n=3) (n=4) Principal Secundário Inundáveis Fluvial RPS (n=3) (n=3) (n=4) Principal Secundário Inundáveis
(n=27) (n=6) (n=8) (n=6) (n=27) (n=6) (n=8) (n=6)
Estações Estações

800 100%

600 80% Mncdb


Mn (µg.g-1)

Mntotal
60% Mnresidual
400 Mncdb

(%)
40%
200
20%
0
Porção rio Pomba rio Dois Rios rio Muriaé Estuário Estuário Áreas 0%
Fluvial RPS (n=3) (n=3) (n=4) Principal Secundário Inundáveis Porção Fluvial rio Pomba rio Dois Rios rio Muriaé Estuário Estuário Áreas
(n=27) (n=6) (n=8) (n=6) RPS (n=27) (n=3) (n=3) (n=4) Principal Secundário Inundáveis
Estações Estações (n=6) (n=8) (n=6)

Figura 3: Concentração média e desvio padrão de Altotal, Alcdb, Fetotal, Fecdb, Mntotal e Mncdb.

Em adição, observou-se correlações positivas significativas entre Hg e Alcdb (r=0,7539 n=57, p<0,05), Fetotal
(r=0,8260, n=57, p<0,05), Fecdb (r=0,6047, n=57, p<0,05), Mntotal (r=0,6736, n=57, p<0,05), Mncdb (r=0,5898, n=57,
p<0,05). Esse padrão foi observado em sedimentos de outros estudos, os quais verificaram também correlações
positivas significativas entre Hg e Alcdb, Fecdb e Mncdb, indicando que a relação entre a composição deste
compartimento quanto ao conteúdo de Al, Fe, Mn e a concentração de Hg passa a ser um fator limitante para
acumulação e transporte desse elemento ( Hylander et al., 2000; Roulet et. al., 1998).

CONCLUSÃO
Os sedimentos superficiais se apresentaram geralmente enriquecidos em oxi-hidróxidos de Al, Fe e Mn como
foi possível observar em relação aos seus conteúdos totais, respectivamente 20,0%, 51,4%, 68,6%. Sendo assim, os oxi-
hidróxidos de Al, Fe e Mn nesse ambiente se distinguem como substratos geoquímicos relevantes na acumulação e
transporte de Hg, o que foi reforçado pelas correlações positivas e significativas entre Hg e esses metais principalmente
na forma de oxi-hidróxidos.

REFERÊNCIAS
- Bastos W.R., Malm O., Pfeiffer W.R. & Clearly D. (1998). Establishment and analytical quality control of laboratories for Hg determination in biological and
geological samples in the Amazon, Brazil. Ciência e Cultura. 50(4): 255-260.
- Hylander, L. D.; Meili, M.; Oliveira, L. J.; Silva, E. D. E.; Guimarães, J. R. D.; Araujo, D. M.; Neves, R. P.; Stachiw, R.; Barros, A. J. P. & Silva, G. D.
(2000). Relationship of mercury with aluminum, iron and manganese oxy-hydroxides in sediments from the Alto Pantanal, Brazil. The Science of the Total
Environment, 260 (1-3):97-107.
- Krause, P.; Erbslöh, B.; Niedergesäb, R.; Pepelnik, R. & Prange, A. (1995). Comparative Study of Diferent Digestion Procedules using Supplementary Analytical
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- Lechler, P. J.; Miller, J. R.; Hsu, L. C. & Desilets, M. O. (1997). Mercury mobility at the Carson River superfund site , west-central Nevada, USA:
interpretation of mercury speciation data in mill tailings, soils, and sediments. Journal of geochemical exploration, 58: 259-267.
- Lucotte, M. & d’Anglejan, B. (1985). A comparison of several methods for the determination of iron hydroxides and associated orthophosphates in estuarine
particulate matter. Chemical Geology, 48: 257-264.
- Rodrigues Filho, S. (1995). Metais Pesados nas sub-bacias hidrográficas de Poconé e Alta Floresta. Série Tecnologia Ambiental 10. CETEM/CNPq, Rio de Janeiro,
90p.
- Roulet, M.; Lucotte, M.; Saint-Aubin, A.; Tran, S.; Rheault, I.; Farella, N.; Silva, E. J.; Dezencourt, J.; Passos, C. J.S.; Soares, G. S.; Guimarães, J. R.D.;
Mergler, D.; Amorin, M. (1998). The geochemistry of mercury in central Amazonian soils developed on the Alter-do-chão formation of the lower Tapajos river
Valley, Pará state, Brazil. Science Total Environment, 223:1-24.
- Roulet, M.; Lucotte, M.; Canuel, R.; Farella, N.; Courcelles, M.; Guimarães, J. R. D.; Mergler, D. & Amorin, M. (2000). Increase in mercury contamination
recorded in lacustrine sediments following deflorestation in the central Amazon. Chemical Geology, 165: 243-266.

AGRADECIMENTOS:
Os autores agradecem ao CNPq e a FAPERJ pelo suporte financeiro e ao Laboratório de Ciências Ambientais pela utilização de sua estrutura
logística e analítica necessária para o desenvolvimento deste estudo. O presente trabalho faz parte do Instituto do Milênio Estuários: Transferência de materiais
na interface continente – oceano (CNPq Proc. 420050/2005-1) e da Cooperação Brasil – Alemanha POLCAMAR; O impacto de poluentes da monocultura da
cana-de-açúcar em estuários e águas costeiras do NE-E do Brasil: Transporte, Destino e Estratégias de Gerenciamento Sustentável (CNPq/BMBF, Proc.
590002/2005-8).

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