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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO


ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA
REGISTRADO(A) SOB N°

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO N°


673.029.5/4-00, da Comarca da CAPITAL, sendo apelantes e reciprocamente
apelados SABESP - COMPANHIA DE SANEAMENTO BÁSICO DO ESTADO DE
SÃO PAULO e JOAQUIM MARTINS GOMES E SUA MULHER.

ACORDAM, em Décima Terceira Câmara de Direito Público do


E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por votação unânime, dar parcial
provimento ao recurso dos autores, desprovido o recurso da ré, nos termos do voto do
Relator.

Presidiu o julgamento, com voto, o Desembargador FERRAZ


DE ARRUDA e dele participou o Desembargador IVAN SARTOR1.

São Paulo, 11 de fevereiro de 2009.

A THOMAZ

Relator
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VOTO N°: 7.037


APELAÇÃO N°: 673.029.5/4-00
COMARCA: CAPITAL
APELANTES E RECIPROCAMENTE APELADOS: SABESP - COMPANHIA DE
SANEAMENTO BÁSICO DO ESTADO DE SÃO PAULO e JOAQUIM MARTINS
GOMES E SUA: MULHER

Responsabilidade civil - Indenização por danos morais e


materiais - Queda de menor em bueiro sem tampa de proteção —
Morte por afogamento - Responsabilidade atribuída à
concessionária de serviço público, por omissão - Prova nesse
sentido - Inexistência de excludentes de responsabilidade -
Pensão por morte da vítima em prol dos genitores - Dano
patrimonial indireto - Cabimento - Recurso da ré desprovido.

Responsabilidade civil - Danos materiais - Compra de jazigo


particular para remoção dos restos mortais da vítima -
Ausência de causa de pedir - Recurso dos autores desprovido.

Responsabilidade civil - Danos morais - Critério para fixação


da indenização - Majoração - Reconhecimento - Recurso dos
autores provido.

Sucumbência - Honorários de advogado - Condenação em


verbas vincendas - Fixação também sobre doze delas —
Cabimento - Recurso da ré desprovido.

Ao relatório da r. sentença, aqui adotado, acrescento ter sido


julgada parcialmente procedente ação de indenização por danos morais e materiais
proposta em decorrência de queda e morte do filho dos autores em bueiro destampado.

Inconformada, apela a ré requerendo a total improcedência do


julgado. Adesivamente, apelam os autores. Requerem a majoração/-<ta~Nverba
indenizatória fixada a título de danos morais, bem como condenação da/rç/íio
pagamento de jazigo particular para transferência dos restos mortais de(seu

APELAÇÃO N° 673.029.5/4-00 - CAPITAL - VOTO 7.037


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Recursos bem processados e respondidos (fls. 377/405 e


407/418). Anota-se o reexame necessário.

É o relatório.

Ação proposta pelos genitores de Daniel de Andrada Gomes dos


Santos, menor de 14 anos, precipitado e "sugado" por bueiro sem tampa de proteção,
em 24.07.04, quando empinava "pipa" com 02 coleguinhas, desaparecido por 6 dias e
localizado, morto, junto à grade grossa do tanque receptor de esgoto da estação de
tratamento de água, a poucas quadras do local.

Inquérito policial devidamente instaurado (fls. 39/150), arquivado


por ausência de elementos indiciados (fls. 148), acidente noticiado nos jornais da
Capital (fls. 153/154).

Consoante ensina Yussef Said Cahali, na conservação e execução


de obras públicas está ínsita a obrigação da entidade administrativa no sentido de
adotar todas as providências necessárias à proteção da integridade física da
população. Se da inobservância desse dever elementar do poder Público resultam
acidentes pessoais, como a queda de transeunte em buracos existentes em via pública
(...), daí resulta a responsabilidade civil do Estado pela respectiva indenização .

Ficou provado, em especial pelo termo de declarações visto a fls.


56, que a ré não dispõe de sistema de fiscalização dos tampões dos bueiros instalados e que
as devidas reposições são efetuadas somente quando noticiada a respectiva suhíráçato ou
constatada a ausência, por ocasião de reparos outros em operações de rotina: Demonstra,
ainda, que o local do sinistro concentra uma grande quantidade de bueiros, uni a cetoa

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lOOm (fls. 283), sendo de mais de 10 metros a profundidade daquele em que sucumbiu a
vítima e que a ré tinha ciência inequívoca da grande incidência de furtos de tampas naquela
região (fls. 342).

Ausente no caso qualquer excludente de responsabilidade buscada


pela ré, consistente em: ocorrência de força maior (furto do tampão), e "culpa" inculcada à
vítima, pela assunção do "risco" de brincar com seus amiguinhos em área baldia, de
precipitar-se e afogar-se em bueiro extremamente profundo e sem tampa de proteção.

Convenhamos em que a brincadeira dos meninos (empinar pipa),


além de ingênua, não era das mais perigosas e praticada no local tanto por crianças
como por adultos (fls. 89). E o menor não contava com a violência que o levou desta
vida, pois estava em folguedo ainda característico da pré-adolescência.

Ademais, o fato de o terreno onde ocorrido o acidente tratar-se de


local afastado não furta à ré o dever de vistoriar os bueiros lá existentes, mormente porque
situado próximo da estação de tratamento, bem como de outra empresa (fls. 280 e 283) e,
desta forma, passagem de transeuntes.

O certo é que ficou demonstrada a responsabilidade da ré em


negligenciar na manutenção de malsinado bueiro e deixar de cumprir dever que lhe é
impositivo e inerente.

E a responsabilidade da ré, em casos tais, conforme já consignou o


Supremo Tribunal Federal, é subjetiva: tratando-se de ato omissivo do Poder Búbtico, a
responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa/numa de sue
três vertentes: negligência, imperícia ou imprudência, não sendo necessárioindiyidfmlizá-

1
Responsabilidade civil do Estado - 2a ed - São Paulo Malheiros Editores. 1995, p 449 á'

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Ia, dado que pode ser atribuída ao serviço público deforma genérica, a faute du service'
dos franceses (RE n° 179.147, rei. Min. Carlos VelosoJ. 12.12.97).

Restou mostrada a incúria da SABESP na manutenção dos


bueiros e também não pode buscar exculpatória em haver milhares de bueiros a serem
fiscalizados, vistoriados e/ou conservados, porque, ainda que na região onde se deu o
evento sejam 11.358 poços de visita, 2.796 poços de inspeção, 1.808 caixas de
passagem e 1.558 terminais de limpeza, é de sua responsabilidade verificar cada um dos
tampões.

Mesmo que sejam 456.064 tampões em toda a Diretoria


Metropolitana, não cuidar de um deles, unzinho apenas que seja, resultará em
responsabilidade se advém acidente, como se deu no caso em análise.

Impossível, pois, afastar o decreto de responsabilidade proferido


no I. Juízo de origem, em que o D. Magistrado se houve em percuciente e minudente
análise para concluir como concluiu, inclusive para afastar alegação de força maior por
furto do tampão.

Merece transcrição: a ré ostenta o dever de resguardar e manter


a segurança dos bens dispostos para a prestação do serviço, evitando que acidentes se
produzam e sejam causados danos . . . Este dever não foi cumprido quando deixado
descoberto o poço em que o falecido filho dos autores caiu, sem o necessário tampão,
impondo-se o reconhecimento da previsibilidade da subtração de tais/equipamentos
(tampões), dada a freqüência com que ocorriam ou ocorrem, (o que/reára a
possibilidade de enquadramento de um eventual e não confirmado^furto/cpmo força
maior e excludente de responsabilidade (fls. 324). //^

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Isso resolvido, tem-se que o pedido dos autores veio em duas


dimensões: pensão mensal e indenização para compra de jazigo particular, a reparar
danos materiais, e indenização por dano moral.

Resolvo agora sobre "dano moral", fixada a indenização em 200


salários mínimos a cada autor, fixação contra a qual recorrem ambas as partes: a
SABESP, para afastamento; os autores, para majoração.

Nessa aferição não se perquire só por reflexos patrimoniais ou


materiais, porque dano moral não é só danos morais, pois, em verdade, existem "dois
danos morais": um rompendo sentimentos, outro quebrando favores ou benefícios
econômicos.

Assim há de ser considerado porque, enquanto as lesões materiais


são passíveis de verificação quantitativa, as lesões morais não o são por haver ofensa
apenas a direitos da personalidade, sabendo-se que esses direitos hão de recair sobre
bens da personalidade e, em síntese, esses bens seriam insuscetíveis de aferição em
valor pecuniário.

Para a dor sentida pelos genitores, é o dano moral no sentido


estrito, pois à evidência haverá gravíssimas seqüelas pela perda abrupta, repentina e
insubstituível de seu filho.

Na expressão de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, a matéria


ganhou foros de constitucionalidade com a qual "elimina-se o materialismg^e^ãgeíado
de só se considerar objeto do direito das obrigações o dano patrimonh
uma sanção para melhor tutelar setores importantes do direito privado/ onde a jaátupezá
patrimonial não se manifesta, como os direitos da personalidade, direit

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agora as coisas se simplificam, pois a razão da reparação não está no patrimônio, mas na
dignidade ofendida, ou na honra afrontada" (cf. RT 662/08).

Indagar-se-ia se tais bens são suscetíveis de aferição em valor


pecuniário. Afinal, quanto custa a dor? É simples a resposta para o leigo: até a
Constituição determina indenização por dano moral, mas isso é simples quando a lesão
moral tem repercussão patrimonial, que também se dá no caso presente.

O nosso Direito ainda não sistematizou o dano moral a que se


refere aquela lesão imaterial. No entanto, vem a jurisprudência mitigando aqueles
entendimentos, malgrado a enorme angústia que assoma no espírito do julgador ao
pretender fixar em pecúnia a dor alheia: que dor há de terem sentido os pais do menor
ao ter perdido seu filho?

Como mensurar em pecúnia tão insólito acontecido?

Há mesmo dano moral, ainda que não se o mensure em moeda,


fixação que, no entanto, não tem previsão legal, nem é tarifada, nem regrada pela
jurisprudência, mesmo porque, ficaria a critério do julgador.

Então, para o dano moral, dentro do acima fundamentado,


entendo que deva ser majorado de 200 para 250 salários mínimos para cada autor, para
ressarcir o pretium doloris pela insubstituível perda sofrida pelos mesmos.

Observo ser de meu entendimento a possibilidade de se ir além


desse teto, mas não se o supera porque foi esse o valor máximo requerido pelos autores
(fls. 405). Dir-se-á que poderia apenas ser estimativa, mesmo porque o valor^fara

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situações como esta pode ser sugerido, não requerido, mas isso, deveras, é para valores
aquém do sugerido, circunstância permitida, não além, situação defesa para não se
julgar ultra petita.

O dano patrimonial indireto é devido em virtude do amparo que o


filho daria aos seus genitores, ainda que na data do seu falecimento não exercesse
trabalho remunerado. Neste sentido, aliás, o enunciado 491 das súmulas do E. Supremo
Tribunal Federal.

O juízo singular fixou o pagamento de pensão mensal de 01 salário


mínimo, desde a data do sinistro até a data em que o menor alcançaria 30 anos, feita a
redução pela metade até que o mesmo completasse 25 anos, situação que, ante o pedido
feito pelos autores com aquele termo ad quem, não merece reparo algum.

No que pertine à pretendida indenização por dano material,


referente à aquisição de terreno para traslado dos restos mortais do filho dos autores de
cemitério público a particular, respeitado o sentimento que envolve o tema, nada se expôs
na petição inicial como fundamento jurídico para esse pedido, referido apenas em
brevíssima passagem nas razões recursais, razão pela qual descabe indenização a esse
título.

Evitando-se disputas futuras, observo que o valor quanto ao dano


moral será pago em parcela única, pelo valor do salário mínimo da época do evento,
atualizado desde então pela tabela prática elaborada de acordo com a jurisprudência
dominante do E. Tribunal de Justiça, como, aliás, constou na r. sentença.

Da mesma forma, o valor fixado para o dano mal


data do evento e até a data do pagamento será pago em parcela única,

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valor do salário mínimo da época do evento, atualizado desde então pela tabela prática
elaborada de acordo com a jurisprudência dominante do E. Tribunal de Justiça,
prosseguindo-se a seguir na forma determinada na r. sentença (constituição de capital)
ou, ainda, incluídos os autores na folha de pagamento da SABESP.

À míngua de recurso dos autores, fica mantida a citação como


termo inicial para contagem de juros moratórios, esclarecido apenas que serão contados
à razão de 0,5% ao mês desde a data do evento até o dia 11 de janeiro de 2.003, e, a
partir daí, à razão de 1% ao mês.

Por outra, não vejo motivo para alterar a fixação da sucumbência


da ré quanto à verba honorária, bem determinada na origem, pois de diferenciada
qualidade o trabalho do patrono dela, a exigir também eficiente trabalho pela advogada
dos autores, aliás também de boa qualidade profissional. Por haver verbas vincendas,
nada obsta se dê fixação sobre doze delas, como é de reiterado entendimento pretoriano.

Pelo exposto, dou parcial provimento ao recurso dos autores,


desprovido o recurso da ré.

BORELLLTHOMAZ

Jcélator

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