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SAIR DA GRANDE NOITE ENSAIO SOBRE A AFRICA DESCOLONIZADA Saba Mbauian A descolonizagao africana nao tera sido apenas um aco a superficie, o sinal acidente tumultuoso, um e: de um futuro a subtrair-se? No presente ensaio critico Achille Mbembe demonstra que ~ para la da destrui¢4o que muito afectaram o continer as independéncias - novas sociedades emergem, con cretizando a sua sintese a partir da reconsti distribuigao das diferengas entre si e os outros ¢ circulagao dos homens e das culturas. Ess crioulo, cuja trama intrincada e invariavel oscila inces santemente entre uma forma e outra, constitui a base de uma modernidade que o autor qualifica de «af politana Obviamente que é necessdrio desencriptar essas mutagdes africanas, confrontando-as também com as evolugdes das sociedades pés-coloniais europeias - designadamente a francesa, que descolonizou sem s¢ auto-d escolonizar - para acabar definitivamente com a raga, a fronteira e a violéncia que continuam arraiga das nos imaginarios de ambas as margens do Mediter raneo. Eis a condi¢ao para que o passado comum se torne, finalmente, num passado partilhado: Escrito num tom que tem tanto de moderado quanto de incandescente e muitas vezes de poético, o presen ncial do pensamente te ensaio constitu um texto e: pés-colonial em lingua francesa Copyright © 2013, La Découvert ‘Titulo Original: Sortir de a grande nut. Essa sur Afrique décolonisée © desta eaicao Edigbes Mulemba da Faculdade de Ciéncias Sociais da Universidade Agostinho Neto main Ensaio sobre a Africa descolonizada G RAN D E N Oo I ah E Coordenador da Colecsa: Victor Kajibanga ENSAIO SOBRE A AFRICA DESCOLONIZADA Tradugdo: Narrativa Tragada Revislo do Texto: Siva Neto Design e PaginagSo: Mércia Pires Se Achille Mbembe ISBN: 978-989-8655-31-8 Depésito Legal: 373106/14 Abril de 2014 {A presente publicagto é uma coedigio das Edigbes Pedago e das Ediges Mulemba ‘Ga Faculdade de Ciencias Socials da Universidade Agostinho Neto, Luanda, Angola. [Nenhuma parte desta publicaeio pode ser transmitida ou reproduzida por qualquer melo ou forma sem a autortzagao previa dos editores. Todos os direltos desta ediga0 reservados por EDIGOES MULEMBA Faculdade de Céncias Socials da Universidade Agostino Neto Rusa Ho Chi Minh, 56 (Caixa Postal 1649 LUANDA ANGOLA emulemba@esvan.a0 ‘emulembafesuan@yahoo.com br faclsouan@fes.uan.a0 faclsouand@yahoo.combr EDIGOES PEDAGO, LDA. Rua do Colégio, 8 3530-186 Mangualde PORTUGAL ‘Rua Bento de Jesus Caraga, 12 Serra da Amoreirs 2620-379 Ramada PORTUGAL eral@edicoespedagopt ttonwedicoespedago pt Coleccao Reler Africa Nota de Apresentacdo Uma das lacunas do mercado editorial dos paises de lingua oficial portuguesa é a auséncia, em lingua portuguesa, de obras de referéncia de autores africanos e africanistas, que fizeram catedra no dominio dos chamados “estudos africanos” nas academias dos paises angléfo- nos e francéfonos. A Colecgao Reler Africa pretende colmatar essa lacuna. Trata-se de uma colec¢ao especializada em tematicas africanas no dominio das iéncias Sociais e Humanas. Ao inaugurar esta colecco, as Edigbes Mulemba da Faculdade de Ciéncias Sociais da Universidade Agostinho Neto (Luanda ~ Angola) e as Edigdes Pedago (Mangualde - Portugal) pretendem criar um espago de debate, alteridade e reflexao critica sobre o continente africano. A-colecsao publicaré obras, textos e artigos compilados de reconheci- dos autores africanos e africanistas, que contribuam para a compreen- sdo e a reinterpretagao do continente africano. Além de apresentar uma visdo endégena (de dentro) do continente, acolecso esta aberta comunidade cientifica internacional que tem 0 continente africano como objecto da sua pesquisa. Publicar e divulgar conhecimentos e saberes sobre Africa e provenien- tes de Africa é, assim, um desafio que a colec¢io abraca, de contribuir para a construgao de uma nova epistemologia e uma nova hermenéu- tica dos estudos africanos no espaco lus6fono, livre de esterestipos e de um olhar folclérico ¢ exético. Ao abracar esse desafio, a coleccao pretende ser uma galeria de conhecimentos e saberes de Africa e sobre Africa, que interpele os leitores e investigadores especializados areler Africa para compreendé-la e reinterpreta-la. Luanda, 19 de Agosto de 2012. Victor Kajibanga (Coordenador da Coleco Reler Africa) Ao amigo Paul Gilroy, precursor do imagindrio. Eem meméria de dots pensadores do futuro ilimitado, Frantz Fanon e Jean-Marc Ela. «Aqueles que assentam cada vez mais longe do lugar onde nasce- ram, aqueles que guiam 0 seu barco para outras margens, sabem cada vez melhor o curso das coisas ilegiveis; e subindo os rios até a sua nascente, entre as verdes aparéncias, sao invadidos subitamente por esse brilho austero onde toda a lingua perde as suas armas.» Saint-John Perse, Neiges, lV, in Exil indice Prétogo Introdusto Oma séeulo Retomar sentido primitive dadescolonizagio Para onde vamos ne? emoeratizagio interaconalcago Novas mobiiagbes 1 to, Trajectérta de uma vida Fragmenta de mena ‘Areteigio raga ‘Aforga do simulate ‘Aastamento Nacrls dessa A partir do crinio de um ‘Abertura do mundo e ascensto em humanida ‘Domundo enquanto cena histrica ali ea Ubi: duae thas Ragae deseolonizag do saber Nascimento de um pensamento mundo A dup estrturade ncapacidade ede ignaranca m. Sociedade francesa: proximidade rem reiprocidade ‘O dectinio de uma nagaeeritalizads Ligadarotmponeado da raga Para.uma parina de singularidaese uma tes do reencont Suspenstoedicardancia dos tempos Conwulstes de expresses plurals (Querelasbizaninar Desejo de provinilzagao m0 Colonitimo e doonsaspstumas da meméria ¥ Atscasa.cara sem chaves Angas enovas carograllas O longing. longa distancia Informatizacao da economia dragio do pico DMltartamo e lmpem radian ‘Greutagao dos mundos: a experiencia africana Recomposiiessoisprofundas Later seals enovsexios de vida ‘Aropoitanismo pilogo {revista com Achille Mbembe Colontalismo e doengas péstumas da meméria v. Africa: a casa sem chaves Antigas e novas cartografias O longinquo e a longa distancia Informalizagao da economia e difracgao do politico Militarismo e lumpem-radicalismo vi Circulacae dos mundos: a experiéncia africana Recomposigdes sociais profundas Lutas sexuais e novos estilos de vida Afropolitanismo Passar a outra coisa Epilogo Entrevista com Achille Mbembe 131 141.163, 142 146 154 160 165.190 165 172 178 184 191.194 195.200 Prdlogo Ha meio século, a maior parte da humanidade vivia sob 0 jugo colonial, uma forma particularmente primitiva da supremacia racial. A sua libertagdo constitui um momento-chave na histéria da nossa moderni- dade. 0 facto de esse acontecimento nao ter deixado a sua marca no espirito filoséfico do nosso tempo, nao é, em si, um enigma. Nem to- dos os crimes produzem necessariamente coisas sagradas. De entre varios crimes da histéria, apenas remanesceu desonra e profanacao, a esplendida esterilidade de uma existéncia atrofiada, em suma, a im- possibilidade de «existir em comunidade» e de voltar a percorrer os caminhos da humanidade. Poder-se-é afirmar que a colonizacao foi precisamente o espectaculo por exceléncia da comunidade impossivel = uma convulsao tetdnica e simultaneamente um sopro vo? O presen- te ensaio s6 aborda indirectamente essa questo, pelo que a histéria integral e detalhada ainda esta por relatar. 0 seu objecto central éa vaga de descolonizagses africanas do século XX, Nao se trata de recontar a histéria, nem de fazer sociologia - e ainda menos de estabelecer tipologia. Esse trabalho ja foi feito e, salvo alguns detalhes, pouco ha a acrescentar: Tratar-se-d ainda menos de fazer 0 balango das independéncias. A descolonizacao é um acontecimento cujo significado politico essencial residiu na vontade activa de comunidade ~ como outros falavam antigamente de vontade de poder. Essa vontade de comunidade era o outro nome daquilo que se poderia designar por vontade de viver. Visava a realizacao de uma obra partilhada: suster-se asi prépria e constituir uma heranga. Nessa época de desilusées, mar- cada pelo cinismo e pela frivolidade onde tudo tem o mesmo valor, tais, palavras s6 poderiam ser alvo de zombaria. Todavia, na época, muitos estavam dispostos a arriscar a sua vida pela afirmagao de tais ideais que nao constitufam pretextos para se esquivarem ao presente ou a aco. Pelo contrario, como uma seta, serviam para apontar para o fu- turo e impor, pela praxis, uma nova redistribuigao da linguagem e uma 1. Ler a sintese de Prasenjit Duara (dir), Decolonization. Perspectives Now and Then, Routledge, Londres, 2004. nova ldgica do sentido e da vida. Numa tentativa de se erigir sobre os escombros da descolonizacao, a sua comunidade nao era entendida nem como um destino nem como uma necessidade. Pensava-se que desmembrando a relacao colonial, o nome perdido voltaria a assomar a superficie. A relacao entre aquilo que tinha sido, aquilo que acabava de acontecer e aquilo que estaria por vir, inverter-se-ia, tornando pos- sivel a manifestacao de um poder préprio de génese, uma capacidade propria de articulagao entre uma diferenga e uma forca positiva. Avontade de comunidade era reforgada pela vontade de saber e pelo desejo de singularidade e originalidade. Em larga medida, 0 discur- so anticolonial abracara o postulado da modernidade e os ideais de progresso, mesmo onde esbocava uma critica, independentemente de ser explicita (0 caso de Gandhi) ou nao. Essa critica era animada pela busca de um futuro que nao estava escrito de antemao; que associ- aria tradicdes recebidas ou herdadas, interpretacdo, experimentacao e criacao dio novo, sendo essencial partir desse mundo em dire¢ao a outros mundos possiveis. No cerne da analise jazia a ideia segundo a qual a modernidade ocidental fora imperfeita, incompleta e inacabada. A pretensao ocidental de epilogar a linguagem e as formas segundo as quais 0 acontecimento humano podia surgir, ou ainda de monopol zar a propria ideia de futuro, nao era mais do que uma ficsao. 0 novo mundo pés-colonial nao estava condenado a imitar e reproduzir aquilo que tinha sido feito noutro lugar.’ Dado que a hist6ria se produz sempre de modo singular, a politica do futuro - seth a qual nao haveria descolonizagao plena ~ exigiria que fossem inventadas novas imagens do pensamento e isso sé seria possivel se as mesmas se sujeitassem a uma longa aprendizagem das marcas e modalidades da sua inter- sec¢ao com a experiéncia, o tempo préprio dos lugares da vida.? ‘Amiscigenasao das realidades que prevalece hoje em dia invalidara tais proposicdes e desprové-las-4 da sua densidade histérica, ou até da sua actualidade? A descolonizagao - contanto que um conceito tao aberto possa efectivamente constituir uma marca - nao tera pas- sado de um fantasma sem densidade? Em dltima andlise, nao tera sido apenas um acidente tumultuoso, um estilhago a superficie, uma pequena fenda externa, o sinal de um futuro a subtrair-se? Sera a du- alidade colonizaga0/descolonizagao dotada de um tinico sentido? En- quanto fenémenos hist6ricos, uma nao se reflectird na outra, uma nao implicara a outra, como duas faces de um mesmo espelho? Estas so algumas das questdes que o presente ensaio procura analisar. Segundo uma das suas teses, a descoloniza¢ao inaugurou a era da bifurcacao 2. Dilip P. Gaonicar (dic) Alternative Modernities, Duke University Press, Durham, 2001. 23. Fablen Ebouss! Boulaga, La Crise du Muntu, Présence afriaine, Paris, 1977 s4 Aetna Sr du Grand ite Esl sare tn denote para infindaveis futuros que eram, por definicdo, contingentes. As trajectérias seguidas pelas nagdes recém-libertadas foram, em parte, consequéncia das lutas internas nas sociedades consideradas.* Essas lutas foram cinzeladas segundo modelos sociais antigos e estruturas econémicas herdadas da descolonizagao, em técnicas e praticas de governagao dos novos regimes pés-coloniais. Na maior parte dos ca- Sos, conseguiram implementar uma forma de dominagao que alguns qualificam de «dominacao sem hegemonia*». 0 ensaio é encetado com um registo deliberadamente narrativo e autobiografico (capitulo 1). Aqui se relata como comecou o momento pés-colonial propriamente dito, para muitos, com uma experiéncia de descentralizacaio. Em vez de agir como uma marca onusta que fora 0 ex-colonizado a pensar para e por si prdprio, e em vez de ser 0 palco de uma génese de sentido renovada, a descolonizagao ~ sobretudo nos pontos onde foi concedida ~ afigurou-se um encontro forcado consigo prépria: nao resultando, de todo, de um desejo profundo de liberdade, algo que 0 sujeito se permite e que se torna a origem necessdria da moral e da politica, mas uma exterioridade, uma enxertia aparente- mente desprovida de qualquer capacidade de metamorfose. De segu da, propde-se um percurso duplo. Os capitulos 3 e 4 tratam daquilo que se designa devidamente de «ocupante sem lugar», tal como acon- tece actualmente em Franca. Enquanto forma e figura, acto e relacao a descolonizacao foi, em muitos aspectos, uma co-producao de colonos e colonizados. Em conjunto, embora em diferentes posicdes, forjaram um passado. Mas dispor de um passado em comum nao significa neces- sariamente partilha-lo, Estudam-se os paradoxos da «pés-descolonizacao», numa antiga poténcia colonial que descolonizou sem se auto-descolo- nizar (capitulo 3). As disjungdes e ramificagbes dessa realizaco séo alvo de atengao no presente, especialmente por conta de uma aparente incapacidade para narrar uma historia comum partindo de um pas- sado comum (capitulo 4). Os capitulos 2 ¢ 5 versam sobre 0 que se considera o paradoxo cen- tral da descolonizacao: desdobramento estéril e reiteragdo seca, por um lado, e proliferagao indefinida, por outro (termos tomados de emprés- timo a Gilles Deleuze‘). Porque considerando uma certa experiéncia africana, um dos processos envolvidos no rescaldo da descolonizacio tera sido a destruigao, tanto vagarosa quanto caética, da forma Estado e das instituiges herdadas da colonizagao. A histéria dessa destruigao ainda nao foi inteiramente assimilada na sua singularidade. Agora, ‘Jean-Francois Bayar, LEtat en Afrique, Fayard, Paris, 2006 (198 5. Ranajit Guha, Dominance without Hegemony, Harvard University Press, Cambridge, 1998 e Par tha Chatterje, The Nation and ts Fragments, Princeton Unlversity Press, Princeton, 1993. 6 Gilles Deleuze, Logique du sen, Minuit Pais, 1969, p. 4 navegando mais ou menos livres, as novas nacées independentes - sendo, na verdade, enxertias heterogéneas de fragmentos aparente- mente incompativeis e conglomerados de sociedades de longa duragao = retomaram 0 seu curso, assumindo todos os riscos. Essa imbricacao = sucesso de dramas, rupturas inesperadas, declinios anunciados, sobre um fundo de uma astenia formidavel da vontade - prossegue, pelo que a mudanca ganha contornos de uma repeti¢ao, quanto mais longe a forma relampeja sem consequéncias, mais ainda a aparéncia se dissolve e mergulha no desconhecido e no imprevisto - a revolugao, impossivel No entanto, a vontade de vida persiste. Um enorme trabalho de re- construgao esta em curso, a qualquer prego, no continente africano. Os seus custos humanos sio elevados, chegando mesmo a afectar a estrutura do pensamento. Paralelamente, a crise pés-colonial, opera-se uma reconversao do espirito. A destruigao e a reconstrugao estao tio intimamente ligadas que, isolando-se uma da outra, se tornam pro- cessos incompreensiveis. A par do mundo das ruinas e daquilo que se designou de «casa sem chaves» (capitulo 5), esboga-se um continente africano que desenvolve a sua sintese sobre 0 modo da disjun¢ao € da redistribuigao das diferengas. 0 futuro dessa Africa-em-movimento assentara na forca dos seus paradoxos e da sua matéria indécil (capi- tulo 6). £ uma Africa cuja organizagao social e estrutura espacial esto doravante descentradas; que ruma simultaneamente para o sentido duplo do passado e do futuro; cujos processos dspirituais sio uma associagao de secularizacao da consciéncia, imanéncia radical (preo- cupagao com este mundo e com 0 momento presente) e de imersao no divino sem mediagao aparente, cujas linguas e sons passam a ser profundamente crioulos; que atribui uma importancia primordial a experimentagao; na qual germinam imagens e praticas de existéncia surpreendentemente pés-modernas. Essa Africa-gleba fara nascer algo de fecundo, um latifiindio de tra- balho da matéria e das coisas, capaz de suscitar um universo infinito, extenso e heterogéneo, o universo das pluralidades ¢ do lato. Esse novo-mundo-africano, cuja trama, complexa e mébil, oscila incessante- mente de uma forma para outra e afasta todas as Ifnguas e sonoridades dado que j4 nao se prende a qualquer lingua, nem na sua forma mais Pura; esse corpo em movimento, que nunca esta no devido lugar, cujo centro se desloca por toda a parte; este corpo que se move na grande maquina do mundo recebeu um nome - afropolitanismo ~ a Africa do Sul como laboratério privilegiado (capitulo 6). Joanesburgo, 4 de Agosto de 2010 0 presente ensaio é fruto de longas conversas com Francoise Verges. Retoma, por vezes, verbatim, reflexdes desenvolvidas no decurso da dltima década, abrangendo simultaneamente Africa, Franca e os Estados Unidos sob a forma de artigos publicados em revistas (Le Débat, Esprit, Cahiers d'études africaines, Le Monde diplomatique). apontamentos de aulas, seminarios e oficinas, ou contributos na imprensa africana e outros meios de comunicagao internacionais. Gostaria de manifestar 0 meu reconhecimento aqueles que suscita- ram, incentivaram, fomentaram ou acolheram essas reflexes: Pierre Nora, Olivier Mongin, Jean-Louis Schlegel, Michel Agier, Didier Fas- sin, Georges Nivat, Pascal Blanchard, Nicolas Bancel, Annalisa Oboe, Bogumil Jewsiewicki, Thomas Blom Hansen, Arjun Appadurai, Dilip Gaonkar, Jean Comaroff, John Comaroff, Peter Geschiere, David Theo Goldberg, Laurent Dubois, Célestin Monga, Yara El-Ghadban, Anne- Cécile Robert, Alain Mabanckou e lan Baucom, A obra foi escrita durante a minha longa estadia no Witwatersrand Institute for Social and Economic Research (WISER), em Joanesbur- g0, onde pude contar com o apoio dos meus colegas Deborah Posel, John Hyslop, Pamila Gupta, Irma Duplessis e Sarah Nuttall. Benefi- ciei também das criticas, no mbito do Johannesburg Workshop in Theory and Criticism (JWTC), dinamizadas por Kelly Gillespie, Julia Hornberger, Leigh-Ann Naidoo, Eric Worby, Tawana Kupe e Sue van Zyl. Francois Géze, Béatrice Didiot, Pascale Iitis e Johanna Bourgault, das Editions La Découverte, acompanharam brilhantemente 0 pro- cesso de preparacao do livro e nao hesitaram em partilhar as suas intuigdes Introdugao O meio século © colonialismo esteve longe de ser um fo de Ariadne. Uma esttua colossal perante a qual, emerosas ou fascinadas, as multidies se Vinham prostrar, © colenialismo paliava, na realidade, um imenso ais, Como uma carapaca de metal eravejada de esplindidas jéis, também rogava o Animal ea imundicie'. Braselro em foge lento dis: persando por toda a parte os seus ands de fur, procurava frmar-2e ‘Simultaneamente como rito e acontecimento; como palavra, gesto © sabedoria, conto ¢ mito, hmicidio e acidente.E, em parte, gragae A ‘sa fantistica capacidade de proliferagso e de metamorfose que faz ‘stremecer 0 presente daqueles que eseravizou, Infltrando-se até os ‘seus sonhos,preenchendo'os seus pesadelos mais medonhos, antes de thes arrebatarlamentos arezes" Por sua ver, acolonizagio no passou de uma tecnologia ou de um simples dlapositivo, nlo passou de am” biguidades. Fol também urn complex, uma trama de certezas, umas ‘mais lus6rias do que outras: a forga do falso. Fo cortamente urn com plexo némada,assumindo também, em multos aspectos, um earscter {xo im6vel Habituada a vencer sem ter razSo,exgia a0 colonizades ‘que mudassem as suas razdes de vivere, como se nao bastasse, que ‘mudassem também de razio sores em mutagio perpétua" fo ssi ue a Coisa ¢ a sua representasao suscltaram a resistacla daqueles ‘ue viviam sob o seu jugo, provocando simultaneamenteinsubrnissao, ‘edo e seducio e semeando esparsamentealgumasinsurgencias, ‘A presente obra dedica-se precisamente a essa descolonizaslo, lenquanto experigncia de emergéncia ¢ insurrelgto. Tata-se de uma Interrogasio sobre a comunidade descolonizada, Nas condigBes da ge Sn pn as a 20 ‘EAS en howe mt em 158 ea te $C nr cig he ay of rita aye ey ee ier or fein Rif te fo yn ae ed ‘Satatomise Rane tne am 1/18 2 época, a insurreigdo consistiy, em grande parte, mama redistribulgdo fds linguagens, nao sendo apenas um c4s0 no qual fol necessério ‘ecorrer is armas, Presos como se estiveszem sob 0 fogo de Paraclito, 2 diversos nivel, os colonizados, davam por sa falar varias Vinguas, fm vee de uma nica, Ness sentido, a descoloalzardo represents, historia da nossa modernidade, um grande momento de separagao © biturcago das inguagens. De agora em dlante, oh um orador nem Imediador Gnicos. Nao ha umm mestre sem contramestre. Nao hé univo lade. Cada um pode exprimit-se a sua prépria lingua eos destina- trios dessas palavras podem recebé-las na sua. Depots de desatados fos nds restart apenas uma Imensa linha, Para aqueles que se liber taram, descolonizar nunca sgnificou reproduzi, num momento dife- ‘ente, as imagens da Colsa ou dos seus substitutos. O desenlace pro- Curava sempre fechar o partntesie de um mundo composto por das Categorias de homens: por um lado, 0s sujetos que agem, por outro, ‘objector sobre ot quals se Intervém,Visava uma metamorfoseradi- ‘al da relacto. Os antiges coloaizados crariam entao 0 seu proprio ‘Tempo, constraindo o tempo do mundo. No terrigo das suas tradigbes ‘dos seus imagindrios, «arreigados a0 seu longo passado, poderiam, fo futuro, reproduri-se na sua propria historia que, por sa vez. era 2 ilustrayao manifesta da atria de toda 8 humanidade A partir de ‘nto, reconhecer-se-ia 9 Acontecimento como se tudo recomerasse. (poder da criago opor-se-ia.a0 jogo da repetigao imutve es forgas ‘que, no tempo da servidio,tentaram esgotar Ou encerrar a continu ‘ade, ou seje aquilo que Frantz Fanon refria, numa linguagem pro- ‘metiana, como a salda da wprande noite anterior & vide, enquanto ‘Aimé Césaire evocava o dessjo «de um sol mais brthante ede estrelas ‘mais purasy, Retomar o sentido primitivo da descolonizacao Sie da grande noite anterior & vida requetia uma iniiativa conse ‘ente da eprovinciallzagto da Europa». Segundo Fanon, era necessirio ‘oltar as costas a esea Europa que endo cessa de falar do homem, Imassacrando-o por toda a parte onde o encontram, em todas as iquinas das suas ruas, em todos os cantos do mundon.Relativamente essa Europa que nunes delxou de falar do homer, o autor acrescen- tava, esabemos hoje com que sofrimentos a humanidade pagou cada uma das vitérias da sua conseiéncla’s. Fanon nko propunha apenas Aue no se eseguisse essa Europa: propunha slargila» porque a sua tama tinha chegado o fim, Afirmava que tinha chegado 0 momento de passar a eoutra colsan Dafa necessidade de retomar a equesto do homemm, De que forma? Marchand, «todo o tempo, de noite ede da, ra companhia do homer, de todos os homens. Era isso que fazia da ‘comunidad descolonizada uma comunidade em movimento, uma co ‘mumidado de miitantes, uma enorme caravana universal. Para outros, ssa vasa companhia universal nao poderiaconcretizarse atraves de lam afastamento da Europa, mas sim dedicando Ihe um olhar stento Compassvo, restaurando suplemento de humanidade que tinha per ‘ide ‘Além da compilasao dos detalhes histricos, & necessirio que se saiba retomar as acepcBes prmitivas do aconteclmento que residem na prépria matéria da experiéncia colonial, nalingua, no verbo, noses- fritos, nos cinticos nos acts ena conscncla dos seus protaponistas, ‘na histria das insttuigdes de que se dotaram, tal como na meméria ‘que forjaram destes acontecimentos™. Enecessirio compreender que {2 Sublevagio (nomeadamente, armada) organieada para por termo 3 ascendéncia colonial e let da raga que a sustentava jamais teria sido possvel sem a produto consciente de um poder estranho por parte {9s insurgentes~ sublime iusto ou poder onica? ~ de uma poténcla vigorosa e incendiria, de uma estrutura de afectos construida com ‘aleulism e célera, fee oportunism, desejos e exaltasao, messianis, ‘emesmo de loucura,e sem uma tradupdo desse fogo em linguagem ‘em priis:a pranis da ecloso, do nascimento, da emergéncia O hori ‘zontetraduzia-se pela inversio das antgos vinculs de sujeicioe pela ‘ceupasiio de um nove lugar no tempo ea estrutura do mundo. Eca30 ‘0 longo dessa escalada até aos confine se impusesse un cruzamento com a morte, estara fora de questio morrer como uin rato ou outro fnimal doméstico, preso numa armadilha na capoeira, nas cavalaigas, ‘o estibulo, sob o martele ou, simplesmente, 4 queima-roupa'' Para multos agentes da época,tratva'se definiuvamente de um combate maniqueista®. Interpretagao da vida e preparagao para a morte, 2 lita pela descolonizagio ganhava muitas vezes contornos {de uma procriacao poétca. Para os herbis da luta ~ como relembra a canglo popular ~ exigla 0 seu proprio despojamento, uma incrivel Capacidade de ascese e, em alguns casos, ofrémito da emibriaguez. A lonizagio tinka agrithoado uma parte importante do mundo com tama imensa rede de dependéncia esupremacia. Em resposta, 0 con bate para aniqulléla ascumis uma esrala planetéria. Movimento de repotencializayio, fo imaginado por alguns como uma celebrasao da [Ubertagao universal, uma ascensio do homem ao mais ato grau das suas faculdades simbélleas, a comesar pelo proprio corpo, meneando ‘seus membros e a sua razao a0 ritma dos canticas da danga ~ £180 fstridentee superabundincia de vida. Assim se conferia ao combate “nticolonialistaa sua dimensao stmultaneamenteoniricaeestetica, ‘Cinguenta anos depois, quo vestigios, marcas e resquicios subsistem, dessa experiéncia de sublevacio, da palsio que a inflamou, dessa ten tativa de passagem do estado de colsa 20 estado de sujelto, da von- {ade de retomar a squestio do homems? Haverd, realmente, algo a ‘comemorar ou, pelo contrario, 6 necestario recomecar? Recomesar (qué, porqué, como e em que condigBes? Em que linguas,culturas f= palavras novas no eaos nebulso do presente? Se, al come relterara Frantz Fabon, a comunidade descolonizada se define pela sua relag3o com futuro, a experiencia de uma nova forma de vida e uma nova ‘elagdo com a humanidade® 0 que redefinirsentio o contesdo orig ‘nal para 6 qual deve ser criada uma nova forma? Se tivermos de em: Dreender novamente a extraordindria Viagem para um naundo novo, ‘Qual serdo saber que a concretizara? Em suma, como dar vida a uma ‘ora ext? Ou, visto trata-re de uma matérla aparentemente inert ‘ede um sujelto que se tornow pesado, sera necessario desintegra 1a ‘Simplesmente? E decorrido meio século, em vez de uma verdadeira reapropriar30 ‘do 1 mesmo eno gar da instAncia fundadora, oque se vé? Um bloc ‘aparentemente desprovide de vida que tudo representa, excepto a forma de um corpo viv e feliz que desvanece sob uma camada dupla ders ede fetches, Aiguns objectos cintlam no meio de um rio que ‘verte 0 Seu curso. no fundo de tudo, esto Jazidasilegives anda por ‘explorar Porque ests Atica rasgada e esventrada? Porqué essa plen- ‘ude esmagadora e esse ruldo que se antepde incessantemente ao su jelto que parece mergulhi-lo num estado inominavel” Eesse furor que tenvove a calma apareate das coisas, que s6escapa & sua genealogia fouda para se abater vetiginosamente no vazio? Quando se aleangard coisa wabalhaula? Entio, para onde varmos? Reposigio da autoridade aqui, multipartidarismo administrativo cold racos progressos passveis de ser revertida all, im pouco por toda a parte niveis extremamenteelevados de violencia sociale mes ‘mo situapbes de entumecimento de conflto latente ou de guerra aera, ‘Sobre um unde de uma economia de extracg¥o.que -etn linha directa ‘com a légica mercantilsta colonial - continua a susctar a predaca ‘assim se apresentao panorama. Na verdade, 6 um turblhao destruldor, Imponderado ou brusco, no meio de tantos desastres - a0 qual acres. ‘cem apoquentapdes intel, a lmprovisagdo eréniea, aindisciplina, a ‘spersd0, 0 desperdicio e um peso de indignidade, desprezo © hi milhago ainda mais persistentes do que na 6poca colonial. Na maioria los casos, os aicanos no dispiem sequer da possibilidade de eleger| livremente os seus dirigentes, Multos paises continuam A merct de ‘strapas, cujo nico objective consiste em finear-se a0 poder para 0 ‘resto da sua vida, Logo, a maioria das eleigdes sao vicladas. Prescinde- “se dos procedimentos mals elementares da concorréneia, mas nao do control das principals alavancas da burocracta da economia, sobre- tudo, do exireito, da polciae das miliias. Dado que quae no existe a possbllidade de derrubar os governos pelas urnas, 3 possivel ‘combater o principio da permanéncia indefinida no poder através hhomieido, da revolta ou da sublevario armada. Com a exstencla ‘manipulacdes eleitoralse sucessdes de pais para fihos vive-se, de fc: 1, sob chetaras dstargadas, Para onde vamos nés? Cinco pesadas tendéncias circunscrevem futuro, toldando 0 hor zonte imediato com um véu de tempestade. A primeira é suséncia de um pensamento democratico que serviria de base s uma verd 4oiraalternativa 20 modelo predadar em vigor, ura pouco por toda a parte. segunda éo retrocesso de qualquer perspectiva de revolugio Social radical no continente. A terceira 6 a Seniidade crescente dos poderes negros.Salvaguardando as devidas proporgbes, essa situaga0 fevoca os desenvolvimentos que prevaleciam no século XIX. quando, incapazes de usar a pressao externa em seu benefico, a maloria das ‘comunidades polticas se autodestrulu em guerras de sucessio inter- ‘minives.Aquarta 60 entumecimento de franjas inteiras da sociedade 0 irreprimivel deseo, de centenas de milhdes de pessoas, de viver em qualquer outro lugar do mundo que ndo o seu ~vontade generalizada de fuga, abandono e deseryao; rendncia da vida sedentaria aim: possibilidade da existéncia de uma residéncia ou local de descanso. ‘Acstasdindmicas estruturais, unta-se outra a institucionallzasso das Puiticas de extorsdo da predapio, convulsbes abruptas, insurreigOes Taterminivets que, a dado momento, se transformam facilmente na fgucrra de pilhagem. Esse tipo de lumpen-radicalismo ~ na verdade, ‘falencia sem projecto politico alternativo ~ ndo € envergado apenas por acadetes soiais, de entre os quais as ecriangas-sokdado» ou 05 [issempregadoss dos balrros de ata constituem simbolos tigicos. Esse tipo de populismo sangrento também ¢ mobilizado, quando ne: cessirl, plas forgas sociat, que, tendo colonizado o aparelho de Es {do,o converteram no istrumento de enriquecimento de uma classe ‘us simplesmente, num recurso privado, ovainda numa fone de agar iparcamentos de todos os glneros, Correndo @ risco de utilizar 0 Es: tado para destruir o Estado, a economia e as institukdes, essa classe ‘std dloposta a tudo para conservar 0 poder, pelo que, aos seus ols 5 politica nao passa de um modo de conduair a guerra civil ova ta fxnicae racial por outros meios ‘Mas @ no plano cultural edo imaginério que as transformardes em curso estto mais acesae Arica detxou de serum espacolimitado,cuja Tocalzagao se pode dent, ou que ocultaria no seu tntimo um segredo ‘ou umm enigma, ou que se possa circunscrever. O continente continua {serum higar porque, para muitos, ainda é um local de passagem ou de teansto frequente. & um lugar que se desenvolve em torno de ura tmodelo némada de transi,lo, de errincia ou silo, A sedentarizagao Conde tornar-se a excepto, Os Estados, onde existe, so ns mals 8 Ions justapostos que se teitam contornar;esealase locals de pas- ‘ager, ou aja, uma cultura da Kinerdncia ~ sobretudo para aqueles {uecestio a caminho de outras paragens. Contudo, quantos obstcu- Tos ealstem agora para ulerapassar, num mundo cercado de tapames © Coraado de muraihas. Para millioes de pessoas como essa, lobalizag30 into representa o tempo iflnito da crelacto, 6 o tempo das cidades fortificadas, campos ¢ arames farpados, ceeas © enclaves, fontelras {que se interpoemn« que, cada ver mas, servem de obsticulo ou pedra fumolar-a morte desenhada sobre a poeira ou as ondas; onde jaz 0 Yvarlo 0 corpo-objecto largado, Agora, Africa encontra-se maioritart~ “tmente povoada por potenciais transeuntes que ~confrontados com a pilhagem,indmeras formas de gandneia, corrupg3o e doenga,pirataria hnultas formas de viola ~ esto dispostos a deixar a sua terra na tolrna esperanga de se einventarem e de erlarem ralzes noutro lugar ‘Aigima cosa est a brotar borbulhando, violentamente. da roda que Consttu a desagregacio das oryas vvas do continente, da fuga forea- ‘da face A terrivlalternativa fica allem plena seca e correr o risco de Se transformer em simples carne humana ou abalar para outro lugar, partir correr todos 0s riscos. Essas observagbes dsperas nao signiicam que, em Africa. nfo existe rnenbuin aspiragao 388 lberdade e 20 bem-estar& difell a ease de sjo encontrar uma linguagem, prileas efectivas e, sobretudo, uma tradugio em novasinstitugoes e uma nova cultura politics, na qual Ita pelo poder } no é um Jogo de soma zero. Para que a éemocracia se enrafne em Africa, deve ser apoiada por lorgas socials eulturals ‘fgantzadas; institugoes e reds resultantes da genialidade, da eria- tividade e,sobretudo, da lutas dlaras das proprias pessoas e das suas propras tradicoes de solidariedade. Mas sso nio & suficente. Tam- bbém é preciso uma Idela da qual Africa seria. a metafora viva. Por isso, rearticulando, por exemple, a politica eo poder a volta da critica das formas de morte ou. mals precisamente, do imperativo de alimentar as ereservas de vidas, pader-se-ia abrir caminho para urn novo ypensamento da democracia, num continente onde poder de matar [Permanece mais ou menos limitade, e onde a pobreza, a docnca © 05 pperigos de todos os tipos tornam a existincia incerta e preciria, No undo, tal pensamento deveria ser uma coa)ugarao de utopia © prag: rmatismo. Por necessidade, deveria ser um pensamento do que esta para ur da emergincla eda insureigio. Mas esc insureigao deveria fe muitoalém da heranga das lutas anticolonialistas e ant-imperiallstas ‘jos limites s80 agora evidentes, no Ambito da mundializagzae ate. {endo a0 que se passou desde as independéncias. Entretanto, tr factores deisivos atrasam uma democratizag3o do continente. Em primelr lugar uma certa economia politica Em seu ‘da um cert Imaginrio do poder, da cultura eda vida. E, por fim. es- ‘ruturas socials eno trago proeminente éa conservacio da sua forma aparente e das suas antigas mascaras, transformando-as profunda incessantemente, Porum lado, a brutalidade das constrigdes econdm: ‘cas que os pafses africanos viveram no dltimo quarto do sé. XX € ‘que prossegulu sob a égide do neoliberalismo ~contribulu para fabr: ar uma multiddo de egente sem partes, cua apariglo na cena pblica ‘Se eectua cada ver mals soba forma de tumulko ov, plor. de matanes fem ataques nendfobos ou lutas éinleas, sobretudo, no seguimento de ‘legdes fraudulentas, no ambito de protests contra o custo de vida, ‘ou ainda no contexto das guerras para aambarcamento dos recursos escassos. Na maioria desclasificados dos bairos de lata, destituldos de escolarizagio, privados de qualquer hipétese de casar ou fundar ‘uma familia, s30 pessoas que, objectivamente, nada tm a perder e {que além disso, do ponto de vista estrutural estio mais ou menos 20 AAbandono condicdo da qual na matoria das vezes s6 podem escapar Tecorrendo & migrasso,8 criminalidade ea um sem numero de legal- dudes. uma dasse de «supérfuoso perante os quaiso stado (onde existe), ‘© 0 proprio mercado, nio sabem coma actuar, pessoas que nfo po: ‘dem ser vendidas como escravas, como sucedeu. nos primérdios do ‘apitlisme modern, nem submetidas a trabalhos forgados, como na {oes colonial e durante © apartheid, ou depositadas em insttuicdes peniteneirias, semelhanca dos Estados Unidos. Do ponto devistado apitalismo, tal como funciona nessas regies do mundo, representa ‘ame humana subjugada 3 lel do desperdicio, da violéncia e da doen ‘a, entregues a0 evangelismo norte-americano, ds crvzadasilimiess {3 todos os tipos de fendmenos de feitigara eclarividencia, Por outro lado, a brutalidade das constrigbes econémicas também desproveu o projects democritico de todo 0 conteddo, redusindo-o a uma simples formalidade - um artificlo sem sentido « um ritual privado de efics ‘a simbolica, Acrescendo ainda a tudo Isso, come se Sugeriaanterior- mente, ineapacidade de abandonar o ciclo de extracgio e predagio ‘Que, segundo a histOra, antecede a colonizagso.Essesfactores, anal ‘Sados no seu todo, influenciam significativamente os contornes do ‘combate politica em multos palses pds-colonials. ‘A esses dados fundamentals junta-se 0 acontecimento que ter sido «a grande difraceio social, que surge no inicio da década de 1900. Essa difaceio da sociedade susetou, um pouco por toda a parte, uma ta- Formalizagao das relagdes socials e econdmicas, uma fragmentacio sem precedentes em matéria de regras e normas, ¢ um processo de Aesinsttucionalizaeio que nfo poupou nem o proprio Estado. Provo ‘cou igualmente um grande movimento de deserg30 por parte de mu tor agentes sociais, abrindo caminho anovas formas de lta social ~ na base, uma lta sem pledade pela sobrevivencia centrada no acesso aos recursos essenclals: no topo, a corrida& privatizagao, Actualmente, 0 blrro de lata tornou-se o ponto nevrdlgico dessas novas formas de ssecessbes» sem revolugio,altercapées aparentemente anénimas, de {ipo molecular e celular e que combinam elementos da uta de classes, {da luta de ragas,dalutaétnica, de milenarismosreligiosos ¢ das lutas de feitigaria. ‘Quanto ao resto, a faqueza das oposigses ¢ conhecida. Poder © opotigao operam em funsie de um breve periodo, marcado pelo im- proviso, acordos pontuats e Informals, compromissos e comprome- timentas dversos, imperativos de conquista imediata do poder ou a rnecessidade de o conservar a todo o custo. A allangas S20 constante- siente urdidas e desfeltas. Mas, acima de tudo, Africa continua a ser ‘uma regio do mundo onde o poder, de qualquer tipo, sob a chaneela do sétrapa, se reveste automaticamente de imunidade. Com efeitos ‘coisas #30 simples. 0 poderio uma elem si mesma. Em multos cases, ‘essa lel 6a da extrace30 ¢ do agambarcamento e, eventualmente, do ‘homicidi Uma estrutura pesada, estagadora e nodosa, a sua fangs ‘consiste em estabelecer um lago finebre entre a vida e 0 medo. Ao {omar 4 morte pela vida ¢ a9 manter ambos os termos unidos nama Felagio de troca, to infernal que & quase permanente, pode assim Fenovar discricionarlamente, os ciclos predatérios com que cada wm ‘entera, cada we mais profundamente 3 Africana regio dionislaca a ‘Que Bataille chamava a «despesay, Democratizagao e internacionalizagao A descolonizagio de ATrica nto foi meramente uma questio af ‘cana. Tanto antes, quanto durante a Guerra Fria, fol uma questo in- ternacional. Muitas poténcias externas 56 a aceltaram a contragosto, ‘Algumas opuseram uma recusa, por vezes militant, 20 imperativo ‘de uma descolonizapao a par da democratizagSo ou, como aconteced na Africa Austral, um grau significativo de desracializagao. No seu dominio, a Franca das décadas de 1950 e 1960 recorreu, sempre que hnecessiro, eorrupsao e ao hornicidio". Ainda hoje ¢ reconhecida, ‘com ou sem razdo, pelo seu apoio mais tenar, retoreidoe indefectvel ‘is strapias mals corruptas do continent eprecisamente aos regimes ‘que voltaram as costas a causa africana. Existem duas azdes para ta: por um lado as condigbes historias segundo ax quals se eectuaramn a Aescolonizagaoe o regime das capitagdes que cimentaram os acordos desiguais ade cooperagio e de defesay, celebrados na década de 1960; por outro, volatldade revolucionaria,aimpoténcia ea desarganiza ‘0 das forgas socials internas. Os acordos secretos ~ nos uals detsr- Tinadas cliusulas versavam sobre o dire de propriedade da terra, do subsolo e do espago aéreo das antignscol6nias ~ no inham por objective destzerolago colonial mas contratvalizsloesubcontrata-o ‘205 procuradores indigenas: Longe de serem meros brinquodas nat ‘mos de um prestiigitador os dltimos dispunham de uma relativa a tonomia da qual souberam tirar partido. ponto de trem constituido, tum século mals tarde, uma verdadelra selasses com tentéculos agora ‘wansnacionais Talver 0s Estados Unidos nBo se oponham activamente & democra: ttzapdo de Alrica. O cinismo, a hipocrisia ea instramentalizagao #40 largamente suficientes ~ a0 passo que, pondo de parte moralism, ‘evangelismo e ant-intelectuallsmo, mulas nstulgoes privadas mer fanas oferecem um apolo multiforme & consolidasso das socledades Fear et Cr ee detain Cay, Pt 196 civisafricanas. Um facto crucial do primo século seré a presenga {dz China ~ poténcia sem Idela ~ em Aftica Se no for considerada lum contrapeso serd, 29 menos, um expediente na troca desigual, to ‘aracterfstica das relagBes que o cantinente aficano mantém com as poténcias ocidentais © as instituigbes financeiras internacionals. Por ‘enquanto, a relayo com a China ndo foge ae modelo da economia de ‘extraceie - modelo que somado a predagao, consttul a base materi- A das tiranias nogras- Por consepuinte, nao & de esperar que a China ‘enta 3 constituif uma grande ajuda nos combates a travar em nome {da democracia. A influéncia de outra poténcla em ascensao, a India { por or, irriséria ndo obstante a presenga na Africa Oriental e Aus: tral de uma diaspora solldamente estabelecida. Quanto Africa do Sul festa nto pode, por sis, promover a democracia em Africa pois 0 ‘iepde de meins,vontade ou eratvidade. Além disso, primetramente terd de consolidar a sua democracia antes de pensar em promové-la no estrangeir. Face 8 ausincla de forsas socials internas eapazes de impor. se ne cessirio pela forea, uma transformacio radical das relagbes socials © ‘econdmicas,énecessirioimaginar outras vias para um possivelrenas- ‘imento, Sera longas e sinuosas. Todavia, as linnas de pressa0 roul- tiplicamse, ainda que se faam acommpankar de formas perversas de es y" Maito em breve, sera necessario abandonar essa [ternative erversafugir ou perecer. Dever-se-achegar a uma espe ‘ie de «New Dealy continental egociado colectivamente pelos diversos Estados africana: e pelas poténcias internacionals ~ um «New Deal» ‘em prol da democracia e do progresso econdémico que Vila a com pletare encerrar definivamente © capitulo da descolonizagao. Mais {de um século apés a famosa Conferéncia de Berm, que inaugurou a partitha de Africa, esse «New Deals seria complerentado por um pré- Ino eonémico para a reconstrugio do continents. Mas seta também ddotado de uma vertentejuridicae penal, de mecanismos de sano, e até de excusio, cuja implementasao seria forgosamente multilateral ‘que poderta tr buscar a sua inspiragao as tanoformagoes recentes {do direto internacional. Isso implicaria que, no caso dos regimes cul- ppados de crimes contra os seus povos, esses pudessem ser depostos [egitimamente pela forga e que os autores desses crimes fossem per _seguldos pela jastiga penal internacional. A propria nogao de «crimes ‘contra a Humanidade> deveria ser objecto de uma interpreta alar- {pada que inclufsse no 6 0s massacres as vilagBes graves dos direitos hhumanos, mas também os actos graves de corrupgao e ithagem dos recursos naturals de um pas. £ Sbvio que agentes privados, locals ou {nternacionais poderiam igualmente rer visados por tas disposigbes. E nesve nivel de profundidade histarica e estratogica que importa ‘agora considerar 2 questio da descolonizagso, da democratizagao © {do progresso econsmico em Africa. N3o ha dvds de que a democrs tdzagio de Attica & essencialmente uma questio africana que pass ‘evdentemente, pela constituigso de forgas socias capazes de a fazer hascer. apolar e defender. Mas éigualmente um assunto internacional Novas mobilizagées No meio século que se segue, uma parte da fungi dos intelectuais, dos individuos do mundo da cultura ¢ da sociedade civil africana con “sti justamente-em, por um lado, contribuir para a onstituicao ‘dessas forgas partindo da base e, por outro, em Internacionalizar a squestio de Africas, em linha com os esforgos dos ultimes anos para partihara segurangaeodireito internacional e que assistiram 40 apa Fecimento de instinclas Juridicas supranacionals Sendo igualmente fnecessirlo superar a concepslo tradicional da sociedade civil herd td directamente da historia as democracias capitalists. Por um lado, & precio contemplar factor objective da muluipieidade social ~ mul- Uuplicidade das Identidades, dependéncias, autoridades e normas ~ & ‘ partir dal, tmaginar novas formas de luta, mobiizagao lideranga. Por outro lado, a necessidade da criasdo de uma mais-aliaincelectal ‘nunca tinha sido tao premente Essa malsvalla deve ser reinvestida hhum projecto de transfermasao radical do continente. A sua eriagio ‘nie serd.uma inilativa exclusiva do Estado, seri a nova missao dasso- Cledades civisafricanas Para concretissla,seranecensdro abandonar ‘ldgiea do humanitarismo a todo o custo ~ ou seja, da urgenciae das nnecessidades imediatas que, a ao momento, colonizou o debate em torne de Arica. Enquanto nao tiver sido abolidaalpica da extracg30.e da prodagdo que raceriza 4 economia politica das matéras-primas ‘em Africa ~ ¢, com ela, os modos exstentes de exploragao das rique- {238 do subsoloafriano ~ poucos progressos se registarao. tipo de ‘apltalismo que increments essa logic alia maravilbosamente met- antlismo, agitagdes polfticas. humanitarismo e miltarismo. As suas premissas eram perceptiveis na época colonial, com o regime das Sociedades concessionirlas. Ora tudo aguilo de que necessita para funcionar € de enclaves fortficados, cumplicidades frequentemente ‘riminosas, no seo das soctedades locals, do minim possivel de Es- ‘ado eda indiferenca internacional [A descolonizagio sem a democracia 6 uma forma de reapropriagio de si mesmo, fcticia e muito lastimével. Mas, se or Alricanos alma, ‘a democracta, entio compete-Ihes imaginar os seus contornos © as- sumir responsabilidades: Ninguém 0 fars em seu lugar Também no ‘a conseguirio obter a crédito Terao de recorrer a novas redes de soli- dariedade internacional, a uma grande coligagio moral superior aos Estados que retina todos aqueles que acreditam que, sem sua parcels ‘Airicana,além de 0 nosso mundo ser ainda mats pobre em esprit ‘e humanidade, a sua seguranca encontrar-se-3, mais do que nunca, iravemente hipotecada, SAIR DA GRANDE NOITE ENSAIO SOBRE A AFRICA DESCOLONIZADA. Achille Mbembe i A partir do cranio de um morto. Trajectérias de uma vida s+] deve pensar-se a noite do mundo como um destino, que acon ‘aquém do pessimism e do optimismo. Talvex se aproxime ‘agora a nolte do mundo da sua meia-note. Talvez aera do mundo se or completo um tempo indigente. Por outro lado, pode ser que io, sempre ainda nfo, apesar da necessidade inco- rome, apesar da caréncia incestante de descanto e de pz, apesar da fusdo crescente.» Assim dlscorre Heidegger num texto inctulado "te, ao longo do qual analisae desenvolve a elegia de ‘Vino, procurendo especialmente dar uma resposta A sequinte questo: «E para qué poetas em tempo indigente?» Uma ver ‘que'o stempo indigenter se afiura longo, Heidegger considera que ‘mesmo o horror, «tomado como causa possivel de wma viragem, no & apar de nada enquanto nso se proporcionar ima viragem nos tor fais». Ora. prossegue 0 flésofo, nessa viragem s6 se dard quando os ‘mortals eneontrarem a sua propria essGneian.E conclul er pocts fem tempo indigente significa: cantar, tendo em atenglo o tempo dos ‘Seuses foragidos, partir da eesséncia indigente da era, nfo obstante ‘facto de equanto mals a nolte do mundo se aproxima da sua mela noite tanto mals hegeménico ¢ 0 dominio da in de tal modo {que subtral a sua easénclan, eos seus tras sed ‘Mas também nie se pode obscurecer o individu celebrando a bele 2a do mal eas mitologias que procuram justamente areyimentar es Dirito, tl como fez e proprio Heidegger na sua referéacia ao projecto hati Também é necessério resist & cumplicidade t saber para onde se encaminha o nosso canto, «4 no edestino da noite de mundo, Fragmento de memoria Juno. Nase! afortunadamente num dia de Julho, 0 més se aprox ‘mava do fim, numa regio africana 3 qual fol atribuldo, tardlarvente, 0 ‘nome de «camardes», em homenagem A admiragao que se apoderou dos naveyadares portugueses do século XV quando, 20 subirem 0 110 znas cercanias de Douala, se depararam com a presenca de uma mult plieldade de crusticeos e baptizaram local de «Rio dos Camarses™ Gresci a sombra dessa regito desprovida de nome préprio pois, em certo sentido, o nome que ostenta &fruto do espanto de ue outro ~ tratar-sede um equivoco de ordem lexical? Nacereadura de uma das varias lorestas do sul, passei muito tempo & sombra de uma aldela ‘Cujo nome no tem nome - multe tempo sombra das uss historias ¢ da Sua gente da qual ainda preserve a memoria, assim como de quer {aleceu durante a minha adolescEncia ou pereceu posteriormente na ‘minha auséncia, dada a minha partida.Ainda sel os seus nomese con tg ver os seus rostos. Anda ougo rufar dos tambores anunciando | passagem deste ou daquele deste mundo para o outro. Tata-se da plavra certa, spascagent pois era essa que a minha mie utllzava para evtar pronunciaraterivel Oura, a «mortem. Tudo isso vivencel nessa aldein Recordo-me também dos lutos e das exéqulas, das histérias que se ‘contavam nessasocasides: sobre este ou aquele cua sombra num dia {eslambrance fol avstada nos campos onde essa mestna pessoa cos: tumavatrabalhar. E sobre o menecma de outro que se engtew das en: tranhas da terra para prosseguir com os passeios, cortar a madeira ferair o vinho de palma, visttar a sua casa calda a note, refazendo Sssim o caminho sempre inconcluso que, desde tempos imemoriais, suposto culminar na morte e vice-versa, numa espeéce de epifania ‘migea que encandeava por completo o meu esprtio de medo ede extase Distingo os tmulos sob o anteparo das habltagdes, ou na belra da es trada bem como nesse cemitérioabandonado, no coragio da aldeia, ‘mesmo diante da concesso do chef entre as drvores e uma ou duas palmetras denuncando 0 fardo do tempo, junto dos coquelros e da ‘pela, © onde, um dia, 0 Caterpillar que levava a cabo az obras dere ‘construcdo da estrada acabou por abrir uma sepultura, desordenando ‘amas veh ossadas,dispersando-as e arrastando-as pela ala, quais objectos perddos,atirados& frente dos noss0s olhos, como farrapos. ‘Também exstiam rituals, designadamente as vigillas que se proton szavam por nove noltes e, por vezes, mal, pols era costume proteger ts cadéveres acabados de enterrar contra sakeadores e vendedores dle ossadas humanas. Eram noltesassustadoras ~ garanto ~sobretado {quando os ces comesavam a ladrar, ou uma chuva torrencia ou um ‘exerci de formigas selvagens se abatlam sobre. aldea, importuns {00 sono das gallnhas, brigando os carneiros. as cabras eos cabeitos 8 cabriolar cada vex mals alto, rasgando 4 escursdao com relampagos terrificantes, « fazendo.a memériarecuar Tonge no tempo ate avs dias anteriores a cvilzagdo, Lembro-me da escola da missio catlica,stuada entre a igrela © © ‘ispensirio, n3o muito distante do cemiteria por tras das mangueiras ‘0 rente da bananeira, no qual repousavam corpos num numero que ‘sempre desconheci, sob as pedras tumulares que se assemelhavam 3 ‘uma infinidade de timutos mais ou menos reclineos, mas na rea dade dispersos no espago sobre a encosta de uma espécie de colina jinto & qual coria um pequen rogate. Por vezes,assomada a tarde ‘enquanto se consumava a noite, vagarosa e estrelada, imaginava es ‘ss sepulturas que via em pleno dia durante um jogo de fatebol dos ‘hunos.Sllenclosamente, interrogava-me como poderia alguna vez arquitectar um discurso sobre essas sepulturas, com o seu talhe to Fessequido sob a foe do sol, to visivel por conta da sua cor ocre, fessas Sepulturas de tal forma envoltas na‘sua sombracilindrica que ‘me impregnavam de melancolla, tristeza e pledade, como se, ji nessa “altura, o pasado estivesse perdi, o infnito do céu tlhido,e oftm do ‘mundo desprelta ‘Ainda hoje, depois de tantas outras marcas, nao tego explicagdes 50 bre o como eo porqué do presente texto vertiginos,refiro-me aquilo {que nos atinge a todos e que se designa de morte, coma tudo se tornow to indissoctavel desses dias de transumincia, nas paragens da minha sdolescéncia, e da meméria errante que conservel. Sempre me eludia ‘motivo pelo qual escuridao da noite- mascara opaca e,no entanto, ‘tio penetravel - me imbula, todas as veres, de um medo indescritvel ‘com a sua legizo de pirilampos sobre os quais se dizis repetidamente ‘Que, em cada um, germinava um fantasia, com o3 seus cantios lig ‘bres de mochos entretidos, conforme nos contavam, a devorar a carne ‘dos outros, esses cinticor de sabor enferrujad,salgados das corrup ‘es da feltiaria, essa espécie delapidagto, de exaurimento perverso ‘ desmesurado, que resistia aos destrogos do dia e as eras da mundo, ‘como. crinio das cavernas. Dezembro, Todas a8 noites, © nevociro abatia-se sobre 0 mato e, chegada a aurora, banhava os veredas, quals navies rebentades, en turralados na ribanceira Era o prenincio do Natal outra sequéneia do ‘alendirio cristo, dado que, para muita gente dessa aldela as endas Sibilantes do cristianismo se haviam transformade, pelo menos a par. lurda década de 1930, ness labirinto de todos o= possiveis gragas a0

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