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Magda Soares “Nao existe um curriculo no Brasil” WE Eowrevisa concedida a Sar Mouréo Monti Maria Zia Vessani Machado" + Dowiam em edict poe feore ade. fcande de" Eduagio de Unie Feder de Mines Gor (a8) URMG) e perqlndrs do Cento de Albsteapin, Le suru Bsren (CEALE) ds EMG. Dautors em edule, fe som abjne de RETUENG © ‘ppd do CEALEIUFMG. ea |e fessoraemérita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Magda ares tem um cirriculo extenso, construfdo em anos de dedicagio ao ensino-aprendi- $Bigem da lingua poreugues,&formario de alfabetiadores © & educagio em gerl. "Na verdade, comecei na universidade ainda crianca, porque meu pai era professor na deen de Fisica, ¢ eu, frequentemente, ia com ele para o laboratério”, conta. Antes mesmo de se formar em letras, ela jé dava aulas de portugués. Em 1965, participou da equipe que elaborou 0 projeto pedagdgico do Colégio Universitario da UEMG, uma expetigncia inovadora no ensino médio, Pouco tempo depois, em 1967, foi convidada a participar da criagfo da Faculdade de Educagio que, até entio, era 0 Departamento de Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Citncias e Lettas da UFMG. Anos mais tarde, estruturou 0 Programa de Pés-Graduagio em Educagio. E, no Ano Incernacional da Alfabetizagio, em 1990, junto com uma equipe de professores, dew infcio a0 Centro de Alfabetizacio, Leiturn e Escrita (Ceale), da UFMG, que nasceu com 1 compromisso de assaciar pesquisa ¢ extensao (www.ceale.fae.ufimg, br). “Durante cerea de 40 anos, minha vida foi de absoluca entrega 8 UFMG. E com ‘muita alegria’, diz. Magda nesta entrevista & Presenga Pedagégica. > 18+ n.1U7 +seou. 2012 + PRESENGA PEDAGOGICA + 5 [Nas iiltimas décadas, houve avangos nos estudos so- bre a aprendizagem da leitura ¢ da escrita, Esses estu- dos vém de diferentes campos do conhecimento. Para ‘oct, hd algum campo em destaque? ‘Acho que néo hé um campo nem tema em desta- aque. Atéa metade da década de 1980, a alfaberizagio foi objeto da pedagogia, com o interesse voltado, sobretudo, para a definigfo do método para alfubetizar, Toda a bi- bliografia da época, tanto nacional quanto incernacivustl, cestava em busca do melhor método para ensinar as crian- gas a lex, A partir da metade dos anos 1980, quando @ psicologia cognitiva e as cidncias lingufsticas se voltaram pata a aprendizagem da leiture © da escrita como objeto de pesquise, a preocupagio passou a sex, por um lado, os fundamentos para definir a mellix forma de a erianga aprender, por outro, as caracteristicas do objeto da apren- dizagem, a lingua escrits. O foco ndo era mais “como se ensina”, mas “como se aprende", e como se aprende este objeto, a escrita. Como esses campos ce articulam para a campreensio do processo de alfabetizacéo? Na psicologia cognitiva, hevia (e hi) duas ver- tentes voltadas para a aprendizagem inicial da escrita: a psicogénese, que se interessa pelo processo de conceitu- alizagio da escrita pela crianga, com base nas teorias de Piaget: ea psicalogia cognitiva, que pesquisa os processos cognitivos da crianga para aprender a lingua escrita. Foi nos anos 1980 que a psicogtnese chegou 20 Brasil, com as pesquisas e propostas de Emilia Ferreiro. Foi uma con- tribuigdo mito significativa, porque, com base na reoria psicogenéxica de Piaget, Emilia Ferreiro dateou o proces- so pelo qual a crianga compreende a lingua escrita como uum sistema de representagia e se apropria do princ{pio alfabético. Por outro lado, a psicalogia cognitiva vai além dessa compreensio ¢ apropriagio. A teoria psicogenética de Emilia Fer no di conta de todo o proceso de G* PRESENGA PEDAGOGICA + v18+1.107*sex/out. 2012 alfubetizagio. Em seu livro Psicogénese da lingua escrita, ‘em pafceria com Ana Teberosky, ela deixa claro que sua pesquisa val aré o pune em que a esianga e@ apropria do principio alfabético, compreendendo que a escrita é um sistema de representagio dos sons da lingua. Daf para a frente, a crianga precisa aprender as correspondén- clas entre 2 cadeia sonora da fala € os grafemas que a representa, Essa etapa da aprendizagem inicial da Lingua eseriea no é objeto de pesqiisa de Emilia Ber reiro, mas da psicologia cognitiva, que investiga como a crianga aprende as relagBes entre 0 sistema fonolégi- co ¢ 0 sistema ortogtifico. Por outro lado, temos ainda a contribuigéo das cidncias lingufsticas, que investigam a natureza do ob- jeto da alfabesiancén, a lingua escrita, cas especificida- des da aprendizagem desse objeto. Entio, em termos de campos, 0 procesto de alfubetizagio e de aprendi- zagem da lingua escrica (e no s6 inicial, mas também das séries mais avangadas) é um problema lingulstico. £ também, até determinado ponto do desenvalvimen- co da crianga, um problema da psicogenética, e da psi- cologia cognitiva. [As pesqitisas atuais sio suficientes? Tém nos ajudado a repensar 0 ensino? ‘A citncia nunca é suficiente, Ela estd sempre avangando e, quanto mais avanga, mais se aperfeigoa, se amplia e, as vezes, até nega 0 que vinha sendo fei- to. Assim, em termos da transposigio de pesquisas e teorias para a prética, hé sempre uma defasagem. De tum lado, estéo os cientistas que se pteocupam em in- vestigar o processo de alfabetizagio e que, em geral, no tém pressa. De outro, esto os professores que se preocupam em orientar esse processo no cotidiano da sala de aula, e eles tém pressa. Emilia Ferteiro sempre se afirmou como pesqui- sadora, no como proponente de um método de alfabe- tizagao. E verdade que ela exerceu entre nés um papel pedagégico, porque in- fluenciou muito formagio dos professores ¢ mesmo ‘a pritica da alfabetizagio. Mas, de um modo geral, as pesquisas nas dreas das ci- ancias linguisticas e da psi- cologia cognitiva ndo ttm chegado ao ensino, porque ‘0s pesquisadores esto pre~ cocupados em investigar 0 pprocesso cognitive € 0 ab- jero dele, © raramente se vvoltam para as implicagées {que os resultados das pes- quisas tém para 0 ensino. As vewes, na literature da psicologia cognitiva e das bncing Finguletin -sc, no thimo pardgrafo do artigo, algo assim: “esses resultados trazem implica- ‘¢Ges eucacionais...”. E fica por al. Quem tem de fazer a ponte entre a pesquisa ¢ a pritica pedagégica somos nds, que estamos formando professores, Uma transposi- fo direta no é posstvel, porque hd varios fatores que interferem no processo de ensino e de aprendizagem: as condigGes dos professores, das criangas, as caracteristicas das escolas etc. Mas a transposigio, embora néo seja facil, precisa ser ta. Como podemos levaras criangas a apren- der a ler ¢ a escrever com base em prinelpios ¢ funda- mentos cientificos? A resposta é: conhecendo 0 processo , naturalmente, levando em conta todos of farores que ele incerferem. Em termos da transposigho de pesquisas e teorias para a pratica, hd sempre uma defasagem. De um lado, estao os cientistas que se preocupam em investigar 0 processo de alfabetizagao e que, em geral, néio tém pressa, De outro, estdo os professores que se preocupam em orientar esse processo no cotidiano da sala de aula, e eles tém pressa. Ee | Magda Soares Entio, teria que haver um campo cientifico que investigasse isso que esta mos chamando de “fazer a ponte”? Seria a diddtica da alfabetizagio? Poderia ser uma pedagogia da alfabetiza- 8 ou outro nome que se queira dar. Os psicdlogos cognitivos que pesquisam aaprendizagem da leitura € da escrita desenvolvem sua investigagéo com alunos, quase sempre no contex- to das escolas, mas com a postura € os abjetivas de pesquisadores, ¢ em geral fora da situagio real em que ocorre a alfabesizacio. Pesquisas sobre “a ponte” se- slam — ou slo investigagoes sobre o que ocorre nas salas de aula em que se alfabesi- 2a, sobre a relagio que essas ocorténcias tm, ou nfo, com resultados de pesquisas psicolégicas ou lingulsticas, em ‘que medida faores do contexto escolar e Familia interferer no processo etc. Econsidero que & necessiio formar alfabe- tzadores que conhegam as pesquisas sobre o processo, niio para que sejam pesquisadores em sala de aula, mas para que sejam professores reflexivos, que dominam os fundamentos cientfices, para compreender 0 processo de alfabetizaco da criangae intervie nele de forma adequads, Tenho cerca resis- téncia ao termo didtica por causa da carga que essa palavra. cartega:a de definir méeodos, agbes, Penso que nif sio pres- crigBes que vio formar alfabetizadores. » If n.107 swt/out.2012 + PRESENGA PEDAGOGICA * 7 Come, entio, deveria ser a formagio de alfabeti- zadores? © que val formar alfaberizadores e professores de leicura e escrta em geral é 0 conhecimento do objeto da aprendizagem, a lingua escrita, edos processos pelos quais, ctiangas ¢ jovens aprendem esse objeto, ou seja, os pro- cessos cognitivos envolvidos na apiendizagem da escrita E preciso compreender o que estd acontecendo quando aparecem difculdades de aprendizagem, e assim ser capaa de refleti sobre 0 que fazer. Hi quem chame isso de di- PREDENGA PEUAGUGICA + ¥.18+2.107 Jou 2012 tica representa os sons da lingua, ¢ nfo as coisas a que a lingua se refere, ela precisa focar a atencéo no som das pulivras, dissuciandu-y de seu cuntedidy semancico. S6 assim ela vai aprender que a escrita ¢ a representa glo de sons da I{ngua em grafemas. Esse foco no som das palavras € que se Far, ou se deve fazer, sobretudo na eduicasio infantil, quando se desenvolvem brinca- deiras com rimas, aliteragbes, divisio de palavras em sflabae, Um exerplo de que ae criangas tim dificul- dade de focalizar 0 som das palavras, dissociando-o daquilo a que as palavras se referem, & 0 que acontece Fao! Raraae Gurnare/acarve Ears SEED com frequéncia quando se pede & crianga uma pala~ ‘yra que comece igual & mac (ma). Por mais que se insista no som da sflaba inicial, ela responde “laran- Ela focaliza o significado, néo ja, banana, abacs 0 significance. No processo de alfabetizagio, hi um salto qualitative quando 2 crianga toma-se capaz de focalizar o som das pala- vras. Eo que se denomi- na desenvolvimento da conscigncia fonolégice. Mas esse & apenas © paso inicial. A crianga precisa aprender a relacio- nar os sons das palavras a8 sinais que represen tam estes sons. E precisa aprender a ler © 2 escre- ver palavras. Ha funda mentos cientlicos sobre fs processos cognitivos ¢ lingulsticos envolvides na leicura ¢ na eserita de pa- lavras, Tendo aprendido a ler © escrever palavras, a crianga deve aprender a ler e escrever conjuntos de palavras, ou seja, frases, textos, com fluéncia, decodi- ficando ¢ compreendendo ao mesmo tempo. E, entfo, vem a faceta da compreensio, que ¢ um processo com- plexo. E preciso conhecer estudos e pesquisas sobre os processos cognitivos « lingufsticos de comprecnsio, traduzidos em estratégias que devem ser ensinadas is ctiancas para que dominem habilidades de compreen- sio ¢ de produgio de textos, os quais devem estar inse- ridos num determinado contexto, numa determinada siruaglo, textos de diferentes géneros, em diferentes suportes, Descobri que 6 complexo mas possivel articular teorias psicolégicas e linguisticas com praticas de ensino em contextos escolares, e também que & necessario relativizar as teorias pela vivéncia das praticas. Magda Soares Sabemos que voc? esté desenvolvendo um trabalho ‘em Lagoa Santa, munic{pio da Regiio Metropolitana de Belo Horizonte, MG, Cuute-nos sobre isso. Durante muitos anos, « minha preocupagio esteve ais voltada para o ensino do pornugués nas sézis finais do ensino fundamental, principalmente nas escolas pti- blicas. Nos anos de 1980 © 1990, comecei a me pre- cocupar com ot sities ini- ciais, porque concluf que o cnsino da lingua nas séries finais enfrentava problemas que vinhem da aprendiza- gem defciente da lingua nas. séries iniciais. Passci, entio, a focalizar minhas leituras, pesqui- sas, ofientagbes de disser- tages © teses no processo de aprendizagem inicial da Itngua escrita. Quando me aposen- tei, no final dos anos 1990, tinka dois projeros em mente. O primeito foi re- visar a liceratura nacional e internacional sobre o processo de alfabetinacio, organizs- la, atualizd-la, para compreender bem o campo, conside- rando a produgio tanto na érea da psicologia quanto na rea das ciéncias linguisticas. O objetivo era produzic um texto que ajudasse na formagio de alfabetizadores, o que estou fazendo agora, O segundo projeto foi voltar para a escola puiblica (comecet minha vida profissional nela) e observar como a alfabetizagio ocorre na realidade coti- diana das salas de aula, ¢ envolver-me numa experiéncia de formacio de professores, tentando colocar em prética que a literatura académica e clentfica diz, mas diz de Sl VB» 107» sexdout 2012 PRESENGA PEDAGOGICA + 9 Jonge e em tese, sobte 0 processo de aprendizagem da lingua. Venho me dedicando a esses dois projetos. ‘Assim, durante cinco anos, trabalhei como vo- luntdria numa creche comunitfria no Aglomerado da Serta, em Belo Horizonte, que atende criangas de 0 a 5 anos. Foi uma experiéncia muito rica colaborar com as professoras no processo de introduzir as criangas no mundo da escrita, observar como elas se interessavam por essc mundy, cumy se descnvolviam nos passos iniciais da aprendizagem da escrita. Aprendi al como é grande a responsabilidade da educagZo infancil em relagio ao processo de alfabetizagio, sobretude quan- do se trata de criangas das eamadas populares. Depois fui desenvolver um trabalho yolun- trio na rede municipal de Lagoa Sanea. li estou ha dessa experiénci mais de seis anos realizande um projeto de formacio das professoras da educagio infantil e das séries iniciais do ensino fundamental de toda a rede, nna drea da aprendizagem inicial da lingua escrita. Esta- mos tentando, com 0 apoio e colaboragio do prefeito, ia de educagio e de sua equipe pedagégica. fazer a transposigio das ceorias para as priticas e das préticas para as teorias. Muito do que eu tenho apren- dido dessa experiéncia diz respeito & possibilidade de formar professoras de uma rede inteira e atuar na qua- lidade de ensino de todas as escolas da rede. Por que voce diz.que esse projeto tem sido uma desco- bberta para vocé? Descoberta de qué? ‘A grande descoberta que fiz é como é complexo mas possivel articular teorias psicolégicas ¢ lingulsticas ‘com priticas de ensino em contextos escolares, e também como é necessirio relativizar as ceorias pela vivéncia das priticas. Hid também uma descoberta sobre o que real- mente ocorte quando as professotas se aprapriam de fun- damentos do processo de alfabetizagio e letramerito, de teorias sobre aprendizagem da Ifngua escrita, de conhe- RESENGA PEDAGOGICA +18 +107 + seelou 2012 cimentos sobre a natureza da lingua escrita. Elas sio ca pazes de transferir fundamentos, teorias, conhecimencos paral pricica de sala de aula, nacuralmente adaptando os as cdndigdes reais da prética, 0 que tem resultado num. evidente e, as vezes, acé surpreendente avango na apren- dizagem das cxlangas, Descobri que ¢ possivel uma for- magio por meio de um contato permanente com codas as piofessoras de uma mesma rede, nfo uma formacio pontual, para um nimero limitade de professoras. As professoras de Lagoa Santa trazem as questées, 08 pro- bblemas que surgem na sala de aula e rentamos entender 0 aque esti acontecendo, Nés discutimos, elas leem textos. £ muito interessante! Com frequéncia, elas exclamam: “Aly entéo é issol". E como se ocorresse ume sequéacia de epifanias para elas, e para mim também. E isso tem rendido muitos bons resultados. Nesses seis anos, ¢ gratificante 0 progresso da rece de ensino de Lagoa Santa. Fico surpreendida quando vejo os resultados. Nés nos pautamos por ava- liagbes diagndsticas no infcio e fim de cada semestre. Esse instrumento que as professoras preparam é apli- cado para todas as turmas de cada ano. E, assim, con- seguimos a avaliago de cada turma, de cada escola € da rede como um todo, Além disso, nos pautamos pe- las avalingdes externas, que nas dao um pardmerro. O progresso atestado por essas avaliagSes, tanto internas quanto externas, é evidence. E.como é trabalhar com uma rede de ensino inteica? Um dos objetivos do trabalho em Lagoa Santa é ctiar em todos os professores ¢ em todas as escolas um compromisso com a rede, nfo apenas com sua turma ou com sue escola, Usamos visias estratégias para reforgar znas professoras € nas escolas a postura de pertencimento 4 rede municipal. Todas as atividades sio feitas de forma coletiva. Todas as escolas, todas as salas cle aula sto envol- vides: Com frequéncia, fazemos reuniées com professoras de um decerminado ano da rede. Por exemplo, todas as professoras do 3° ano se redinem pata inceragir e discutir sobre comy eatdu us 3° anos da sede. E facemoc reuniSes das professoras do 1° ano com as do “infantil 2” para discutir & transigéo da edueagio infantil para 0 cnsine fundamental, Promovemos exposigdes da rede, em que todos participam ¢ podem ver 0 que as escolas fizeram. Eu fico intencionalmente um pouco a distancia da prepa~ aco das exposig6es; planejamos como vai ser, qual serd a temitica. Depois, tude fice por conta das pro- fessoras, Elas tém muita autonomial E sempre fico ma- ravilhada com os resultados, com a qualidade © per~ tinéncia dos trabalhas desenvolvidos por elas com as criangas. o objetivo ¢ os prinelpios que fundamentam: cada uma das atividades desenvolvidas. Nao ¢ 56 fa~ zer coisas “bonicinhas", nfo, Séo coisas fundamenta- das em prineipios de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos. Séo duas exposigdes por ano, com focos Fr Magda Soares diferentes: uma focaliza as professoras ¢ sua atuagio; ‘a outra, os alunos e suas produgées com a orientagio das aaa Esse projeto de Lagoa Santa é de formagio de profes- sores, de cohstrugao de curriculo para a rede, uma po- litica educacional ou tudo isso? Como voce o define? ( projero¢ isso tudo. Nao se pode separar forma- fo de professor de aprendizagem do aluno, de curriculo, de polftice educacional. Uma politica de formagéo ecluca- cional na rede se traduz na formagio de professores, que, por sua vez, se eraduz na aprendizagem dos alunos e exige a construgio de um curtfeulo. ‘Uma das primeizas coisas feitas em Lagoa Santa foi a construgéo de um currfculo para a rede, mas curriculo mesino: com metas a serem atingidas em cada ano, em cada um dos componentes do processo de aprendizagem da Ingua escrita. Esse curriculo foi construido junto com as professoras, nfo foi feito de cima para baixo. Em relagio ao curriculo, ‘como voce vé a situagio do Brasil? Temos avaliagGes ex ternasnacionais, como 0 Sistema de Avaliaggo da Edu- cago Basica (Sueb), Prova Brasil, Provinha Brasil etc. Ora, instrumentos de avalia- ‘¢f0 86 podem ser feitos com base mum currfculo, Mas afo existe um currfculo no Brasil! Os Parimetros Curviculares ‘Nacionais (PONS) © ouuvs documentos que se propéem 1 ser orientagées curciculares so mais uma conversa com > 18+ 107 -si/on 2012 + PREGENGA PEDACOCICA + 44 0 professores, no uma definigéo clara das habilidades a desenvolver 20 longo de cada etapa do ensino. Hi pro- ‘vas externas para avaliar 0 que foi desenvulvido, mis us professores nfo sabem previamente 0 que se espera que seja desenvolvido! £ uma coisa absolutamente contradi- tria neste Pals, Nao temos um currfculo.que defina, por exemplo, “no fim do primeiro ano, a crianga deve ser ex paz de...", ou “ao fim da educagio infantil, a crianga deve ser capse de..”. Mas tomes avaliagBes externas que ve- rificam do que a crianga é capaz em cada etapa... Por causa da presso que resultados de avaliagées externas execrem sohre 28 escolas, 0 que estd definin- do 0 curriculo no Brasil sio clas, o que ¢ absolutamen- te inadequado pedagogi- camente, Os professores passam a ensinar sé aquilo que as avaliagSes externas medem, que é apenas uma pequena ¢ parcial amos- tra daquilo que as evian- «as precisam desenvolver e aprender. Entéo, 0 ensino acaba ficando apenas nos limites da avaliacfo, © que significa: equilo que se pode reduzir a resultados quan tativos, reducdo que é uma imposigfo em avaliagdes que sto aplicadas a mithares de pessoas. Por exemplo: aescrita © a produgdo de textos nfo extio inclufdas, pelo menos ‘ainda, nas avalingbes externas, pela dificuldade de corre- so objetiva ¢ de expresso dos resultados em miimeros. ‘Mas um curriculo nfo pode deixar de incluir a diea da producio textual, Esse ¢ apenas um dos muitos exemplos 412+ PRESENGA PEDAGUGICA +18 + 9.107 +sec/out. 2012. Temos avaliagées externas nacionais, como o Saeb, Prova Brasil, Provinha Brasil etc. Ora, instrumentos de avaliagéo 56 podem ser feitos com base num curriculo. Mas nao existe um curriculo no Brasil. Isso 6 absolutamonte contraditériol de que no se pode deixar a definigio de curticulos a car go de instrumentos de avaliagéo, quando 0 correro ¢ © weuetsdaiu € que currfeulos definam os objetivos a serem avalindos em processos de avaliagBes externas As escolas | O que é preciso fazer para que se desenvolva em ou- tras redes de ensino um projeto como esse de Lagoa Santa? | Primeiso, ¢ precieo teravontade politica dein- vestir na qualidade da rede como um todo. E nfo faz iferenga se a rede de ensi- no é pequena ou grande. Se for grande, & 84 uma ques- tio de descentralizar. Por exemplo: em Belo Hori- ‘zonte, a rede de ensino estd dividida em nove Regionais, de Ensino; no Rio de Janei- 10, em 10 Coordenagées de Educagio. Entio, € s6 rea- lizar 0 projeto simultane- amente em nove, dex gru- pos, com niimero reduzido de escolas em cada grupo, ‘No Brasil, o mais frequente nna formagio de professo- res com vistas & melhoria da qualidade de ensino é 0 trabalho em escalas isoladas ou com grupos pequenos de professores provenientes de diferentes escoles, mesmo de diferentes redes,e isso iio significa muita coisa para o Pals como um todo. Se cada rede municipal conseguisse trabalhar como rede, a, sim, haveria progresso, No Brasil, se fala muito que “o mais importante a educagéo”, que, “se a gente ngo investir na educasdo, nada vai para frente”, Sé que nfo se faz nada de concreto para isso, Fica-se s6 no discurso. Por exemplo: 0 proble- maceritico no nosso pale é a formagio de professnres para © ensino bdsico. Qual ¢ a maior dificuldade, pelo me- nos no que sc refere & aprendizagem da lingua escrita? que niio hd uma formagio adequada de professoves ness rea, para a educagio infantil eo ensino fundamencal, E preciso urgentemente reformular, atualizar os cursos de formacia de professores para essas etapas. ‘A continuidade num projeto de formagio é funda- mental, nio & ‘Acho que uma luta permanente na educagio é manter a continuidade de projeros. Os professores ter- ‘minam seu curso de graduagio e vio para a sala de aula, ‘ACvem a rotina de sempre, ea tendéncia é continuar no mis cOmoda, porque 0 tempo ¢ pouco ¢ € preciso dar conta das tarefas, Para que, entfo, mudar? Mudangas, quando ocorrem, so pontuais e passageiras, E preciso tum esforgo permanente para mantero projeto sempre em andamento, em aperfeicoamento, em atualizagio. Outro fator importante é a sistematicidade, que, na rea da aprendizagem da lingua escrita, nao tem exist: do, A alfabecizacéo € desenvolvida neste Pals por meio de atividades tem relagio umas com as outras, que se suce- dem de acordo com a convenitacia da professore: porque os alunos gostaram muito, porque outra deu uma ideia aque dew certo com os alunos dela etc. Mas 0 que foi feito antes da atividade e © que serd feito depois dela? Como a atividade se relaciona com o processo de aprendizagem, na etapa em que o aluno esta? A sistematicidade e a con- tinuidade sfo fundamentzis. ‘Vamos falar da relagio da literatura com a formagio de professores. Acho que no ¢ necessério falar da importintia de que professores, sobretudo professores formadores de Magda Soares leitores, écjam, eles mesmos, Icitores. Nem sempre sfo, 6 que rota importane ineluit, na formagio, contedos e estratégias que tomnem os professores bons leitores de literacura, como também de outros géneros. Especificamente na formagio de professores para 2 ‘educagio infantile as séries iniciais do ensino Fundamen- tal, ¢ indjspensével o conhecimento da literatuza infantil ¢ juvenil, Houve no Brasil, recentemente, um aumento muito grande na produgfo da literatura infantil, ¢ tam- bém da juvenil. Acé mesmo livros para criangas de 0 a 3 anos, que hé pouco tempo nfo tinhamos, hoje jé co- megamos ater. Hé muita coisa boa na liveratura infantil brasileira, e varios fatores podem explicar isso. Um de- les ¢ 0 incentivo da Fundagio do Livro Infantil e Juvenil (ENLID, que seleciona e premia autores ¢ ilustradores, € assim incentiva e qualifica a produgéo. © Programa Na~ cional Biblioteca da Escola (PNBE), do MEC, ¢ outro fator importante: seleciona e envia para todas as escolas publicas acervos de livros literérios. Lamentivel & que frequentemente esses acervos permanecem encaixotados nos cantos das escolas. Muivos professores nem sabem 0 que é PNBE, como mostra uma pesquisa recente feita nas Unidades Municipais de Educagio Infantil (UMEIs), em Belo Horizonte. ‘Alén dessus iniciativas para o acesso a livros nas cscolas, é fundamental envolver os professores, princi- palmente os da educagio infantil e das séres iniciais, no encantuamente pela Litcratuca infandil ¢ juvenl porque é nessas etapas que se forma o leitor, ¢af que se pode incu- tir 0 “vicio” pos 0 da leitura que se prolonga pela vida inteira ~ se 0 professor nio tem esse “vicio”, nfo consegue transmitilo, E nao se trata s6 do papel do professor, € preciso criar, na escola, um clima literério, festejando a chegada de accrvos ¢ até de cade livro na biblioteca ou na sala de aula, ter belas, confortaveis e atraentes bibliotecas, aconchegantes cantinhos de leitura nas salas de aula, en- tre outras agées. e189 107 erin 2017 + PRESENGA PEDAGOGICA +13

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