Você está na página 1de 9
POLVILHO AZEDO: ASPECTOS FISICOS, QUIMICOS E MICROBIOLOGICOS' ELIANA PINHEIRO DE CARVALHO, VANDERLE! PEREZ CANHOS?, VILELA EVODIO RIBEIRO* e HELTON PINHEIRO DE CARVALHO® RESUMO - O trabalho foi conduzido no Dep. de Cigncia dos Alimentos (DCA) da Universidade Federal de Lavras, com 0 objetivo de estudar as condigdes de processamento do polvilho azedo produ- Zido na regio de Macaia , MG. Os valores de pH e acidez encontrados nas amostras retiradas do tanque de sedimentagdo mostraram que ali j4 ocorre fermentagdo da fécula. As contagens totais dos microrganismos aerébios anaerébios nao foram alteradas durante a fermentagao da fécula, o que demonstra que ocorre uma mudanga no tipo de microbiota, em decorréncia do decréscimo do pH. Foram selecionadas $90 culturas, das quais 23 (3,9%) perderam a viabilidade de crescimento, sendo portanto identificados 567 isolados, dos quais, 18 (3,1%) eram bactérias gram-negativas; 13 (2,2%), leveduras; 46 (7,8%), bactérias dos géneros Bacillus e Corynebacterium; 14 (2,4%), Staphylococcus € Micrococcus, possivelmente como contaminantes do processo, e 476 (80,6%), como bactérias écido- laticas, com a predomindncia deste iltimo grupo. A identificagao dos isolados foi feita mediante ma- trizes de similaridade colocadas em um programa de computago. A Agua utilizada no processo tam- bém foi analisada, ¢ observou-se que 0 mimero de aerdbios mes6filos foi de 1,1 x 10°/ml; 9,5 x 10°/100 ml, de coliformes totais, e 2,5 x 10°/100 ml de coliformes fecais. Termos para indexagao: acidez, tanque de sedimentagdo, fermentagdo, fécula, microbiota, Manihot esculenta. “POLVILHO AZEDO”: PHYSICAL-CHEMICAL AND MICROBIOLOGICAL ASPECTS ABSTRACT - This work was carried out at the DCA-ESAL, in Lavras, MG, Brazil, to study the processing conditions of the “polvilho azedo” (sour cassava starch) produced in the region of Macaia, MG. The pH and acidity values found in the samples taken directly from the sedimentation vat, showed that the fermentation already occurs there. The total counts of both acrobic and anaerobic micro- organisms were not altered during fermentation of the cassava starch, showing that a shift of the bacterial microflora occurs due to a decrease in pH. Five hundred and ninety cultures were selected, of which 23 (3.9%) were lost ; consequently five hundred and sixty seven isolates were identified, of which 18 (3.1%) were gram-negative bacteria, 13 (2.2%) yeast; 46 (7.8%) bacteria of the genera Bacillus and Corynebacterium; 14 (2.4%) Staphylococcus and Micrococcus possible as a contaminant of the process, and 476 (80.6%) were identified as acid lactic bacteria, showing predominance of the later group. The identification of the isolates was done by the use of probability matrices, and acom- puter program, The water utilized in the process was also analyzed; the number of aerobic mesophylls in the water was 1.1 x 10%/ml; 9.5 x 107/100 ml of total coliforms, and 2.5 x 10°/100 ml of fecal coliforms. Index terms: acidity, sedimentation vat, fermentation, sour cassava starch, Manihot esculenta, microflora. } Aceito para publicagto em 13 de dezembro de 1995. INTRODUCAO Exiraido da Tese de Doutorado apresentada pelo primeiro au Se nena, A mandioca (Manihot esculenta Crantz) € planta > Bidloga, Dr, Prof. Adjunto IV do DCA/Universidade Fede- 9: gr , ral de Lavras, Caixa Postal 37, CEP 37200-000 Lavras, MG, "iBindria da América do > PhD, “Eng, Agr, Dr,, Prof. Titular do DCA/Universidade Federal de Lavras também cultivada no sul do continente asiatico e no sul do continente africano, constituindo-se em um dos mais impor- tantes cultivos dos trépicos (Figueroa, 1991). A Prof. Titular da FEA/UNICAMP, Campinas, SP. 5 Eng. Agr., Bolsista CNPq DCA/Universidade Federal de | Maior parte da produgao destina-se ao consumo hu- Lavras mano, sendo utilizada para consumo direto ou de esq. agropec. bras, Brasilia, v31, n.2, p.129-137, fev. 1996 130 mesa, ou processada na forma de farinha, polvilho, fécula, ete, Na América Latina, a extragao da fécula de man- dioca é uma atividade predominantemente artesanal es vezes caseira, variando consideravelmente quan- to a tecnologia de processamento. ‘A maior parte da mandioca consumida na Africa é fermentada, Gari é um alimento granular parcial- mente gelatinizado, produzido de raiz de mandioca, e consumido no Oeste da Africa (Okafor, 1977). Lafun, uma farinha feita de mandioca fermentada, desidratada, € consumido em regides da Nigéria Ocidental (Ketiku et al.,1978; Ogunsua & Adedeji, 1979). Foo-foo consumido na Nigéria Oriental, onde é também conhecido como “akpu”, ¢ no Zaire, onde € conhecido como “chikwuangue”, segundo Jones (1959) citado por Okafor etal. (1984). No Brasil, onde mais de 80% da mandioca é proces- sada como farinha, produzem-se 300.000 toneladas de fécula e 20.000 toneladas de polvilho azedo, pro- duto similar ao “almidén agrio”colombiano. ‘A fécula da mandioca, denominada popularmente de “polvilho doce”, é a matéria-prima da produgéo de polvilho azedo (Cereda & Giaj-Levra, 1987). O polvilho é classificado pela legislagao brasileira, atra- vés das normas técnicas especiais para alimentos bebidas, em doce e azedo. Essa classificagao é ba- seada no teor de acidez que, para o produto fermen- tado, deve ser, no maximo de 5 ml de NaOH/100 g (Brasil,1978), Nakamura & Park (1975) estudaram algumas propriedades fisico-quimicas da fécula fermentada. Encontraram que a fermentagao, além de conferir sabor e odor caracteristicos, causa alteragbes em suas propriedades fisico-quimicas. A fécula fermentada €mais solivel, apresenta maior absorgdo de Agua, € a pasta formada € menos viscosa que a fécula doce. Certas caracteristicas, como sabor, textura e ex- pansio dos produtos panificados, nao so obtidas quando se usa fécula natural nao fermentada (Cardenas & Buckle, 1980). Segundo Cereda (1987), a fermentagao aumenta, © valor nutritivo do amido, ao aumentar a porcenta- gem de proteina, que ¢ muito importante, pois a mandioca é deficiente em proteinas. Nwankwo et al. (1989) encontraram um grande niimero de espécies microbianas capazes de degra- esa. agropec. bras, Brasilia, v.31, m2, p 129-137, fev. 1996 E. P. DE CARVALHO et al. dar a fécula contida nos tubérculos de quatro vari- edades de mandioca. Isolaram os microrganismos: Bacillus subtilis, Pseudomonas alcaligenes, Lactobacillus plantarum, Corynebacterium manihot, Leuconostoc mesenterdides ¢ Pseudomonas aeruginosa, que apresentaram atividade amilolitica, bom crescimento a 42°C € em pH 5,0 ¢ 6,0. Cereda & Lima (1981) estabeleceram técnica de fermentagao de laboratério que permitiu acompa- har o processo mediante determinagdes de pH, aci- dez titulével, agicares, acidos organicos, além da enumeragao, isolamento ¢ identificagao da microflora ocorrente. E dificil explicar uma fermen- tagdo to exuberante a partir de um meio de cultivo to pobre. No processo de purificagao da fécula, perdem-se os soliveis de constituigdo da raiz que contém os compostos nitrogenados e vitaminas. O substrato fica restrito a uma suspensdo de amido granular em Agua; entretanto, Cereda (1973) identi- ficou uma abundante microflora no material em fer- mentagaio. Esses agentes podem ter origem na pré- pria matéria-prima, nos tanques que ndo so lava- dos apés a descarga, ou no préprio meio ambiente. Ensaios de laboratério, realizados em condigdes es- téreis (Cereda, 1981), comprovaram que o polvilho doce seco contém microrganismos suficientes para que sejam usados como inéculo. A fécula doce co- mercial apresentou, em média, 23 x 103 aerdbios; 7,5 x 10° anaerdbios e 4,1 x 10° esporos de aerébios meséfilos/100 g de matéria seca. A fermentacao natural ¢ feita por uma flora mis- ta, que produz um aumento na acidez titulavel du- rante o processo. A acidez total, expressa como & do latico, alcanga valores de 0,40 - 0,53 g/%. O aci- do Latico constitui 60% da acidez total. Cardenas & Buckle (1980) encontraram 66-82% de Acido latico do total do Acido produzido, o que confirma o papel da bactéria écido-lética no processo. O restante dos 4cidos eram Acido acético e uma mistura de acético e butirico. Oppresente trabalho teve por objetivo verificar as condigdes de processamento do polvilho azedo pro- duzido na regio de Macaia, MG. MATERIAL E METODOS A extragio e fermentagao da fécula de mandioca foi cefetuada conforme esquema apresentado na Fig. 1, em uma POLVILHO AZEDO: ASPECTOS FISICOS, QUIMICOS E MICROBIOLOGICOS 131 TANQUE DE | SEDIMENTAGKO 6,0m X 6,0m X 1,0m azuano | RIBEIRAO = SafDA DE AGUA FIG. 1, Fluxograma da producio de polvilho azedo na regifio de Macaia, MG. agroindustria localizada na regido de Macaia, MG. O tan- que de sedimentagao da fécula era elevado e revestido de azulejo, enquanto que os tanques de fermentago eram elevados e revestidos de cimento. As coletas das amostras foram feitas em intervalos de tempo no regulares, de acordo com a conveniéncia do rocesso e orientago do produtor (condigdes climaticas, chegada de matéria-prima, etc.), ou seja, dias em que po- deriam ocorrer mudangas significativas no proceso. O ‘tempo de fermentagaio foi de trinta e sete dias. ‘Todas as amostras foram coletadas em frasco estéril e transferidas a0 laboratério, acondicionadas em isopor com gelo picado. Nos tanques de sedimentagao e de fermenta- 40 as amostras eram retiradas com auxilio de pas, que ceram utilizadas pelo produtor na remogdo da fécula, em diferentes pontos do tanque, até uma profundidade de 20 cm da superficie, sendo depois misturadas, para cons- titufrem uma Gnica amostra. Em todos os dias de coleta foi medida a temperatura dos tanques de fermentagio, com termémetro que era in- troduzido na fécula A mesma profundidade da coleta das amostras. A temperatura ambiente foi medida pela Esta- ‘¢80 Climatol6gica Principal da ESAL, que se encontra proximo a regito da indastria ‘A amostra de Agua utilizada no proceso, proveniente de um ribeirdo, foi também coletada em condigdes esté- reis para posterior anslise. As andlises efetuadas nas amostras de fécula de man- dioca estdo esquematizadas na Fig. 2 A anilise de acidez e pH seguiu a técnica citada pela Association of Official Agricultural Chemists (1990). A. anilise microbiolégica seguiu o esquema apresentado na 3, segundo Speck (1978), ¢ 0 meio MRSA (Man, Rogosa & Sharpe Agar) utilizado no experimento foi o modificado por Nakamura & Crowell (1979). O plaqueamento foi feito em superficie, conforme citado por Ducrocq (1990), utitizando-se 0,1 ml das diluigdes sobre © Agar, ¢ espalhando-se com alga de Drigalsk. As placas foram preparadas em duplicata. Apés a inoculagao, as pla cas foram incubadas a 30°C por 48 horas em condigdes de aerobiose ¢ anaerobiose. Apds este perfodo de incuba: fo, foram feitas as contagens para se determinar o nime- esq. agropec. bras., Brasilia, v.31, .2, p.129-137, fev. 1996 132 E. P, DE CARVALHO et al. | TANQUE DE SEDIMERTACAO z |__TANQUE DE FERMENTACAO | 7 a ~ANALISES pH ACIDEZ MICROBIOLOGICAS, FIG. 2. Esquema das andlises efetuadas nas amostras de diferentes etapas da produgio de polvilho azedo. | DILUIGOES: ! | maqueawenro ene] (AEROBIC) | ISOLAMENTO DAS COLONIAS FIG. 3. Esquema da andlise microbiolégica de amostras de diferentes etapas da produsdo de polvilho azedo. (PCA = Plate Count Agar; MRSA = Man Rogosa Shape Agar). Pesq.agropec. bras, Bras 31,2, p.129-137, fev. 1996 POLVILHO AZEDO: ASPECTOS FiSICOS, QUIMICOS E MICROBIOLOGICOS ro total de microrganismos nas diferentes condigdes de cultivo. Para incubagdo em anaerobiose, foi utilizada jar- ra de Gaspak, com envelope gerador de hidrogénio diéxido de carbono, com palédio como catalisador (Difeo..., 1984). As colOnias utilizadas para identificagao foram isola- das sempre da placa de maior dilvigao. Eram retiradas to- das as coldnias existentes na placa, e, quando o nimero de colénias era grande, as placas eram divididas em qua- tro campos ¢ tomadas todas as coldnias de um mesmo campo (Gallo, 1990). As coldnias eram inoculadas em caldos de composicao idéntica as de origem do isolado, € ‘a incubagdo também era feita nas mesmas condigdes utili- zadas no isolamento. ‘A partir do cultivo dos microrganismos em caldo, fo- ram feitas as coloragdes de Gram, onde se estudaram a morfologia ¢ arranjo das eélulas. O isolado foi primeir mente caracterizado seguindo 0 esquema da Fig. 4. Utili- zando-se os resultados preliminares, como: Gram, Motilidade, Catalase, e presenga de gs a partir de glicose, ‘05 microrganismos foram entio separados em grupos, € partir dai estabeleceram-se as provas bioquimicas que se- iam utilizadas na identificagao de cada isolado. ‘Algumas provas bioquimicas, tais como: crescimento a diferentes temperaturas, pH, concentragdes de NaCl, reagdes em Litmus Milk, metabolismos oxidativo/ fermentativo € hidrélise de esculina, foram utilizadas na

Você também pode gostar