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Pesquisar - O que é?" Pedro Demo 1. Desmitificando 0 conceito O proceso de pesquisa esta quase sempre cercado de ritos especiais, cujo acesso ¢ reservado a poucos iluminados. Fazem parte desses ritos especiais certa trajetoria académica, dominio de sofisticagdes técnicas, sobretudo de manejo estatistico e informatico, mas principalmente o destaque privilegiado no espago académico: enquanto alguns somente pesquisam, a maioria da aulas, atende alunos, administra Para tanto, estuda-se metodologia, em particular técnicas de pesquisa, que ensinam como gerar, manusear e consumir dados, em contato com a realidade, A seguir, absorvem-se sofisticagSes técnicas, a exemplo do pesquisador americano, perito em projegdes, indices e taxas. Por fim, isso permite associar-se a pequeno grupo acima da média, que, além de perfazer a nata académica, também tende a exclusivizar acesso a recursos. Surgem "patotas" autodefensivas, para evitar aulas e alunos, dispor do maior tempo possivel para investigar, cultivar destaque profissional, garantir acesso a financiamento, E preciso reconhecer que a formagio sofisticada do pesquisador nfo é mal em si. Ao contririo, faz parte da cena, sempre. Em meio a ciéncias sociais muito teorizantes, fazem bem cexigéncias especificas de tratamento empirico da realidade, tomando-se como aceitivel aquilo que tem comprovagao factual. E comum, por exemplo, entre educadores a ignoréncia em termos de manuseio de dados e finangas, imaginando-se que a "dialética compensa facilmente tais lacunas. Ledo engano. Uma coisa nao substitui a outra. Certamente, esse pesquisador "americano", além de muitas vezes decair na banalizagio imitativa colonialista, propende a disseminar uma visdo curta de proceso cientifico, atrelado a0 empirismo e ao positivismo, fazendo sucumbir apuros téenicos a ingenuidades ou a dubiedades politicas. Esta critica foi fartamente realizada pela pesquisa participante Facilmente acontece que investimentos em pesquisa desse teor néo conseguem ir alem de acumular alguns perfis estatisticos, irrelevantes no contexto histérico, o que tem contribuido para dissociar sempre mais o processo de saber do processo de mudar. O que mais se sabe como coibir mudangas (Brandao, 1982 e 1984, Demo, 1984), Todavia, libertar a pesquisa do exclusivismo sofisticado nfo pode leva-la ao exclusivismo oposto da banalizago cotidiana magica A desmitificaggo mais fundamental, porém, esta na critica a separago artificial entre ensino € pesquisa. Tomada como marca definitiva da nossa realidade educativa e cientifica, muitos estdio_dispostos a aceitar universidades que apenas ensinam, como € 0 caso tipico de instituigdes noturnas, nas quals os alunos comparecem somente para aprender € passar, € os professores, quase todos biscateiros de tempo parcial, somente dao aula, E comum o professor que apenas ensina, em especial o de I" e 2° graus: estuda uma vez na vida, amealha certo lote de conhecimentos e, a seguir, transmite aos alunos, dentro da didatica reprodutiva ¢ cada dia mais desatualizada, Entretanto, essa imagem é parte constitutiva predominante, mesmo avassaladora, da universidade: a grande maioria dos professores s6 ensina, seja porque nao domina sofisticagdes técnicas da pesquisa, mas sobretudo porque admite a cisio como algo” dado. Fez "opgiio” pelo ensino, e passa a vida contando aos alunos 0 que aprendeu de outrem, imitando e reproduzindo subsidiariamente Este texto 6 0 primoiro capitulo do livro de DEMO, Pedro. Pesquisa: principio cientifico e educative. S40 Paulo: Cortez Editora, 2001 No oposto esti a soberba do pesquisador exclusivo, que ja considera ensino como atividade _ eae nah oa ee stearic parila inst aitpeiteoria:e spraticassoanesausador descobre, pensa, sistematiza, conhece. Cabe a outra figura, sobretudo a "decisores" assumir a intervengGo na realidade, Saber desliga-se de mudar, o que pode acarretar para a atividade de pesquisa estizmas muito preocupantes, tais como (Demo, jul. 1987): a) cultivo do distanciamento istil, e mesmo recaida na neutralidade farsante, comodista elitista b) contradiedo flagrante entre discurso critic, por vezes radical, € 0 desvinculamento da pratica, replicando conservadorismo gritante, ©) fungdo de "bobo da corte", reduzindo © conhecimento, sobretudo o critico, na pritica a estratégias de controle e desmobilizagao social; 4) apropriagéo do saber, que passa sobretudo a manobra de acesso ao poder, afastando-se da fungio de transmissao socializada, e) favorecimento da alienagao académica no sentido de atividades tao especulativas, que munca se sabe bem para que servem na pratica, principalmente no cotidiano das pessoas ¢ da sociedade. De si, as cigncias sociais tratam da praxis historiea, do seu presente, passado © futuro Teorizar sobre ela é fundamental, mas seria pratica inaudita permanecer apenas na teoria Pesquisar somente para saber jé seria proposta alienante, porque desencarna a pesquisa da sua face inserida na realidade histérica, reduzindo-a ao esforgo de sistematizagio de idéias e de especulagéo dedutiva, Saber esta marcadamente ligado a interesses sociais, definidos aqui como contraposigdes dialéticas. Até mesmo acumular saber para cultivar a ignorancia é possivel e ndo raro sintomatico. Muitos diriam que na televisio se faz isso com incrivel competéncia: usam-se técnicas de comunicagio para cultivar o analfabetismo politico. Como ator social, o pesquisador é fendmeno politico, que, na pesquisa, 0 traduz sobretudo pelos interesses que mobilizam os conirontos e pelos interesses aos quais serve. Donde segue: pesquisa é sempre também fendmeno politico, por mais que seja dotada de sofisticagao técnica e se mascare de neutra, Nao se reduz a fendmeno politico, mas nunca o desfaz de todo. Por isso vale dizer: sabemos mais o que interessa. O que explica, em parte, por que conhecemos muito mais como nao mudar, ja que a produgao de conhecimentos esta nas dos_privilegiados. O desconforto pode ser gritante, quando se descobre, por exemplo, qué @ Seainibateoaliactie pobreza cresceu muito, mas nada tem a ver com a sua debelagao. E dificil, talvez. impossivel, estabelecer uma correlagio positiva entre o conhecimento da pobreza € 0 seu enfrentamento pritico, embora nao fosse impréprio constatar o inverso (Habermas, 1982), Assim. jwisa ha de significar também 0 reconhecimento da sua insercdo, natural na pratica, para além de todas ossiveis virtudes teoricas, em particular da sua ‘Tonextio necessaria com a socializago do conhecimento. Quem ensina carece pesquisar; quem pesquisa carece ensinar. Professor que apenas ensina jamais 0 foi Pesquisador que so pesquisa ¢ cltista explorador, privilegiado e acomodado. “Prova-visivel da dicotomia artificial esté no conceit ‘de extensfo, inventado_precisament Porque a universidade tende a fugir da realidade concreta circundante. Embora extensao possa~ conter propriedades sustentaveis em si mesmas, de modo gerat~significa o arremedo empobrecido de vida académica alienada, Esta invenc&o americana corresponde sobretudo 20 miituo desconhiecimento entre quem pesquisa e quem ensina, Na Europa, dificilmente aparece a fungiio de extensao, pela razio simples de que a atividade primeira da universidade é pesquisar, em sentido produtivo e construtivo, decidindo-se ai a origem basica do conceito de professor. Professor & quem, tendo conquistado espago académico proprio através da produgao, tem condigdes e bagagem para transmitir via ensino. Nao se atribui_a fungao de professor a alguém que no € basicamente pesquisador. Em vista disso, o termo professor € reservado para nivel especifico de amadurecimento académico, geralmente o catedratico, o titular, que jé teria demonstrado capacidade de criagdo cientifica propria. Outras figuras fazem parte da cena: docentes, assistentes, leitores, monitores etc., mas que nfo se dizem professores. No campo do 1° ¢ 2° graus nfo ha obviamente "professores", mas “instrutores" (Lehrer, na Alemanha: teacher, na Inglaterra), "mestres" (maitre, na Franga) ete A postura curopéia tem o defeito de elitizar em excesso a pesquisa, se partirmos de que deve fecundar todos os niveis do saber, mas tem de correto 2 recusa de desvincular ensino de pesquisa. Por outra, pela via da pesquisa ndo se garante sem mais a presenea da pritica social adequada, 0 que recoloca a viabilidade da extensio. Todavia, ¢ possivel elaborar uma proposta de pesquisa que dispense a muleta da extensao, se for apenas muleta. Quando a Pratica Se Tedoz a “estagio", extensio € necessiria. Se, porém, pritica fosse curricular, ja é extensio, Dito isso, cabe explicitar que © nosso posicionamento compreende a pesquisa nao s6 como busca de conhecimento, mas igualmente como atiude politica, sem reducionismo e embaralhamento, num todo s6 dialético. Ai cabe a sofisticagao técnica, como cabe o seu cultivo especificamente académico, desde que no desvinculado do ensino e da pratica. Mas deve caber ainda a sua cotidianizagdo, no espaco politico de instrumento de acesso ao poder, 2 niveis criticos da consciéncia social, a dominio tecnolégico diante do dado social e natural, a cultura propria, Em termos cotidianos, pesquisa nao ¢ ato isolado, intermitente, especial, mas atitude processual de investigagio diante do desconhecido e dos limites que a natureza e a sociedade nos impdem. Faz parte de toda pratica, para nao ser ativista e fandtica. Faz parte do processo de informagio, como instrumento essencial para a emancipagao. Nao s6 para rer, sobretudo para ser, é mister saber. © comhecimento gerado na academia € diferente do conhecimento comum, mas seria incompativel soberba nao reconhecer neste também "saber". O analfabeto "niio sabe" frente a critérios do culto, mas em seu universo gera niveis préprios do saber, que por vezes nao precisam ser menos criticos. Sem recair jamais no elogio da ignorancia — até porque seria coisa de esperto - cabe reconhecer que conhecimento é proceso diério, como a propria educag4o, que nao comega nem acaba. Diante da nossa ignorancia ¢ dos nossos limites, ha sempre o que conhecer, sobretudo conhecer faz parte do coneeito de vida criativa. Para criar, em especial para se emancipar, é mister informag’o competente. Pesquisa € processo que deve aparecer em todo trajeto educative, como principio educativo que € na base de qualquer proposta emancipatéria. Se educar € sobretudo motivar a criatividade do proprio educando, para que surja o novo mestre, jamais o discipulo, a atitude de pesquisa é parte intrinseca. Pesquisar toma ai contornos muito proprios e desafiadores, a comecar pelo reconhecimento de que o melhor saber ¢ aquele que sabe superar-se. O caminho emancipatério nao pode vir de fora, imposto ou doado, mas sera conquista de dentro, construgao propria, para o que € mister langar mio de todos os instrumentos de apoio: professor, material didatico, equipamentos fisicos, informago. Mas, no fundo, ou é conquista, ou € domesticagiio, Desmitificar a pesquisa ha de significar, entio, a superagéio de condi¢des atais da reprodugdo do discipulo, comandadas por um professor que nunca ultrapassou a condigao de aluno. O novo mestre nao é apenas o magnata da ciéneia, 0 génio incomparavel, o metodélogo virtuoso, mas todo cidaddo que souber manejar a sua emancipagio, para no Permanecer na condigao de objeto das pressdes alheias. Algo cotidiano, pois, como deve ser cotidiana a emancipagio, o projeto proprio de ser sujeito na historia. Nada é mais degradante na academia do que a cunhagem do discipulo, domesticado para ouvir, copiar, fazer provas sobretudo "colar". Marca o discipulo a atitude de objeto, incapaz ou incapacitado de ter ideias € projetos préprios. Mais degradante ainda é 0 professor que nunca foi além da posigéo de discipulo, porque nao sabe elaborar ciéncia com as préprias mdos, Como caricatura parasitaria que é, reproduz isso no aluno. Por outra, criar nfo 6 retirar do nada, Embora seja sempre preferivel a criagio claramente inspirada e inovadora, na expectativa cotidiana nao € possivel fazer regra do extraordinario Precisamos reconhecer, no realismo do dia~a-dia que marca e limita pessoas e sociedades, que criar ja € 0 processo de digestio prépria, pelo menos a impressio de colorido pessoal em algo retirado de outrem. Mesmo porque, de modo geral, assim comega a criagao: pela copia Tetocada, Com 0 tempo, emergem condigdes mais profundas de inovagiio, que no caem do céu por descuido, mas séo construidas na histéria de vida, em proceso de infindavel conquista Vale, entio, rever 0 conceito de aprendizagem, relacionado ao de ensinar, sempre restritos os dois a posigdes receptivo-domesticadoras. Educagio aparece decaida na condigéo de instrugio, informagao, reprodugdo, quando deveria aparecer como ambiéncia de instrumentagao criativa, em contexto emaneipatério. O que conta ai é aprender a criar. Um dos instrumentos essenciais da criagdo é a pesquisa. Nisto esta 0 scu valor também educativo, para além da descoberta cientifica 2. Horizontes miiltiplos da pesquisa Compreendida como capacidade de elaboragiio propria, a pesquisa condensa-se numa multiplicidade de horizontes no contexto cientifico (Demo, [985by. E comum prend&Ia 4 sua “Construgio empirica. O pesquisador aparece exclusivizado na condigio de manipulador competente de dados factuais, nas ciéncias sociais. "Levantamento empirico” é seu conteido mais tipico, geralmente nico. Por outra, no se pode desconhecer que essa dirego foi muito ‘Tmpulsionada, recebendo atualmente forte instrumentagéo por parte da. informatica computacional. A_acumulagio da pesquisa também passa_quase exclusivamente pela montagem de conhecimento empirico validado. “Todavia, a pesquisa empirica ¢ apenas um horizonte dela, que, se exclusivizado, ja denota desvirtuamento tipico do conceito de pesquisa. O primeiro reconhecimento é que, nao se pode fazer levantamento empirico sem 9 concurso dos outros horizontes, aqui_subsimidos em “eoria, método € pratica. O segundo sera ressaltar a importancia dessa matua fecundagao, seja “Pars Tao—ficarmos apenas na permuta de extremos, seja para no enclausurarmos a criatividade em vias tinicas contraditorias, seja para recuperarmos propriedades das ciéncias sociais que jamais deveriamos reduzir a parametros das ciéncias naturais, por mais que haja evidente espago comum, Mesmo quando colocamos 0 desafio correto de que a pesquisa é descoberta da realidade, trata-se de um conceito estreito de realidade, se a restringirmos a sua manifestagio empirica A tendéncia de reduzir a sua expresso empirica ¢ facilmente compreensivel, porque é a mais manipulavel diante da expectativa metodologica dominante. E tanto mais tratavel cientificamente, aquilo que é mensuravel, experimentavel, observavel Para muitos pode parecer estranho rejeitar que seja real apenas o que se "vé". Esta colocagao tem grande significado, pois denota, desde logo, que nao seria "realista" prender a realidade a ‘um tinico pardmetro de pesquisa. Se soubéssemos com evidéncia inconteste que é realidade, nao seria mais necessaria a ciéncia Neste senfido, ciéncia vive do desafio imorredouro de descobrir novo, ao mesmo tempo se descobre e se esconde Possivelmente esta marca é comum também a realidade natural, mas é sobretudo caracteristica da realidade social. "O que se_vé"_ de modo geral, nfo é, nem de longe, a parte principal e, na consequéneia, o que esta nos dados mi é manifestagio secundaria, easional, superficial ~ Tomando exemplo proximo, o fenémeno do poder s6 pode ser captado de modo realista, se de Partida no acreditarmos em sua manifestagao externa, que sempre usa para se mascarar. Poder realmente importante, efetivo, é aquele que sabe esconder-se._precisamente para mandar sem ser percébido. Por vezes usamos o conceito de “informal”, para denotar aquele poder que age por tras dos bastidores, exatamente para determinar com mais forga. Nao se conhece adequadamente o fenémeno do poder, se ficarmos na aparéncia empitica, até porque ‘uma das faces mais tipicas da ideologia € dissimular, mascarar, esconder (Foucault, 1979). ‘Sobretudo, faz parte do "empirsmors dem a demissio tedrica, segundo a qual se reduz.o que é mais importante a0 que € mais empirico, sacrificando-aTeatidade a0 método de captacao. Se Isto ‘or-correto, x pesquier Gloss outro desafa, Gestaser 5 aparencie-vistvel~ ok oeravok i desfazer a aparencta-vistvelobservavel, para surpreender a realidade por Ws disso. O_ptsquisador nie omens € quem abe seurular a 5, Mias sobretudo quem munca desiste de questionar a realidade, sabendo qué ‘qualquer conhecimento € apenas recorte. ~ ASSO MMT que podenoe Teer & que ha horizontes néo-empiricos, que fazem parte da realidade. E fundamental que a ciéncia os capte, principalmente ¢ essencial que néio reduza a realidade ao tamanho do que Gonsegue captar. Esta critica, entre oulras, motivou o surgimento de metodologias alternativas, ditas por vezes “qualitafivas, que. sem dicotomizar quantidade ¢ qualidade, pretendem tazer a cena da_ Pesquisse—a_preocupagao—comreatidade—inesgotavel-no—mensuravel” Parte do” processo “emancipalorio € tipicamente qualitativo, no sentide da qualidade polifica, feita de utopias esperangas, ideologias e compromissos, influéncias e artes, participacio e democracia. Nao cabe mensurar. Nem por isso menos importante. De partida, ¢ mister ressaltar que ao lado da preocupagao empirica deve haver preocupacdo tedrica. "Pésquisa Tobnea™” pods ‘parccer also esttanbo~ mes, olhande Gomis sole indispensivel, como formulagio de quadros explicativos de_referéncia, burilamento conceftual, dominio dé alternativas explicativas na historia da ciéncia, capacidade te eriagao”~ discursiva ¢ analitica—Antiferenga do “Teoricismo”, que faz teoria pela teoria € vive da mera “Especulagao, TeoriaPz parte inevitével de qualquer projeto de captacao da realidade, a comegar pelo desafio de definir 0 que seja "real" a ae “De tear ont 35 qundies Tolnces de efirtncia, © real pode variar, inclusive apresentar-se contraditério, Para comegar, todo dado empirico nao fala por si, mas pela "boca" de uma teoriag Se fosse evidente em si, produziria a mesma analise sempre. Na pratica, sucede or ‘© oposto: dependendo do quadro teorico de referéncia, 0 mesmo dado passa a “evidenciar" conclusdes muito diversas, 0 que leva a aceitar que nos dados do IBGE, por exemplo, nio esta "0" Brasil, mas o Brasil do IBGE, assim como nos dados do Dieese esta 0 Brasil do ponto de vista dos trabalhadores. Algo semethante se deve dizer de indices ¢ taxas, que supdem definigao tebrica prévia do que se vai captar € medir. Uma taxa de inflago nao acusa "a" inflagao como tal, mas aquela inflagdo que a respectiva taxa foi teoricamente predeterminada a medir. Esta questo parece clara quando se tenta decidir que componentes fazem parte da inflagao, que itens do consumo deveriam entrar na coleta de pregos, que peso atribuir no cémputo global a cada item. Por mais que as taxas possam assemelhar-se, porque as técnicas de coleta so mais ou menos as mesmas e por mais que as concepedes de realidade possam aproximar-se entre si, ha sempre lastro proprio de definigo e sobretudo de interpretagio analitica. Assim, uma taxa no "evidencia”, apenas indica relevancias possivei dentro do recorte feito no real A realidade que se quer captar é a mesma para todos, mas para captar é preciso concepeio tedrica dela, que pode ser diferente em todos, dependendo do qué se define por ciéncia, por “nétodo: ou do porto de partida-e ao ponto de vista, ou da Weologia subjacente. ou de— Gircunstdncias sociais condicionantes ou condicionadas por interesses histGricos dominantes, Se numa teoria nunca esta inclusa a realidade toda, mas fao-somente a maneira de a concebér, muito. menos seria pensivel encerrar em manifestagdes empiricas. A importéncia da hermenéutica esta precisamente no reconhecimento de que a interpretagio ¢ inevitavel. A realidade como tal nfo depende da interpretagio para existir: existe com ou sem intérprete. Mas a realidade conhecida & inevitavelmente aquela interpretada. Caso contririo, seria ininteligivel a disputa tedrica entre quadros interpretativos diferentes € mesmo contraditirios, 0 dado muito mais resultado tedrico, do que achado, pois, para "achar", ¢ mister_antes "decidir" o que achar e como achar (Kuhn, 1975) = A hermenéutica € warle de descobrir a entrelinha para além das linhas, o contexto para além do texto, a significagao para além da palavra. Coneretamente, enfrenta os desafios do mistério da comunicagao humana, que nunca ¢ s6 0 que aparenta: como descobrir que o comunicador, ao dizer sim, queria dizer ndo, ao sair da cena, queria sobretudo estar presente e ao calar-se, queria precisamente fazer-se notado. Ai esté a importancia da teoria, que ¢ a retaguarda criativa do intérprete inspirado. Dominio tedrico significa a construgio, via pesquisa, da capacidade de relacionar alternativas explicativas, de conhecer seus vazios e virtudes, sua historia, sua consisténcia, sua potencialidade, de cultivar a polémica dialogal construtiva, de especular chances possiveis de caminhos outros ainda nao devassados. O "bom tedrico”, assim, no é aquele que se perde nos meandros sinuosos da elucubragao infindavel, ao longe sempre incompreensivel_ porque nada tem a comunicar de pratico e aproveitivel, mas aquele que insiste na estringéncia conceitual, sabe perseguir andlises e interpretagdes, conhece caminhos diferentes de tentativa explicativa, guarda vivo senso critico dos vazios de toda e qualquer teoria, retorna a teoria no contexto de qualquer pratica, toma a explicagio como desafio sempre a ser recomegado, aceita todo ponto de chegada como inevitavel préximo ponto de partida. O bom tedrico é sobretudo aquele que_ sabe bem perguntar, colocando a teoria no devido lugar. instrumentagao criativa diante de Fealidad Sanare Tas Quer dispoe-de bow Teor thamré Jo dado sabe inerpretar. ou pelo “TheTOs SADE propor pistas de interpretacao possivel Faz parte, assim, da pesquisa tebrica: a) conhecer a fundo quadros de referéncia altemnativos, classicos ¢ moderngs, ou 0s tebricos relevantes; *p) atualizaf-se na polémica te6rica, sem modismos, para abastecer-se e desinstalar-se; ©) Glaborar preciso conceitual, atribuindo significado estrito aos termos basicos de cada teoria, d) accitar o desafio criativo de prepor a realidade 4 fixagdo teérica, para que a pritica nio se reduza a "pritica teorica", ¢ para que a teoria se mantenha em seu devido lugar, como instrumentagao interpretativa e condigao de eriatividade; ©) investir na conscigcia critica, que se alimenta de alternativas explicativas, do vaivem entre teoria e pratica, dos limites de cada teorra A seguir, é importante ressaltar a preacupagéio metodolégica, "Pesquisa metodolégica" pode parecer algo ainda mais estranho, recom eepesttiva de que método se aprende, nfo se cria. Sobretudo em estatistica, a atitude tipica é a de estar diante de "pacote" que temos de engolir. Primeiro, & constatago comum que todo cientista criativo e produtivo marcou sua presenga no mundo cientifico no s6 pela teoria © por vezes pela pratica, mas também sempre pela discussto metodologica. Preocupa-se com método, porque € sinal de competencta, no Minimo, discutir 0 como fazer (Habermas 1981 e 1989). Teoria coroca # TSCASSAO SObTe conce| ie realidade Méiods coloca a discuss sobre concepgdes de ciéncia. Método ¢ instrumento. de bom nivel. Marx, Escola de Frankfurt, Lévi-Strauss, Popper, todos sem excegao deixaram produgdes essenciais no campo do método, pois ¢ impossivel eriar anélises inspiradas sem ‘caminho, procedimento, e por i880 nunca vem antes da concepeao de realidade, Para se colocar como captar, mister ter-se idéia do que captar Ainda, também é constatagdo comum que metodologia cientifica é uma das matérias mais estratégicas na formagio académica, sobretudo na diregao da motivagao 4 pesquisa. Todo projeto sério de pesquisa contém em algum momento discussie do método, pelo menos no sentido barato de fases a serem seguidas, possiveis resultados colimados, autores que se pretende ler, interpretar, rebater, superar. A despreocupasio metodolagica coincide com baixo nivel académico, pois passa ao largo da discussao sobre modos de explicar, substituindo-a por -ERpectativas ingémuas de evidéneige proves Nada Tavarece mals @ surattemto do Sera Terceiro, é preciso lembrar que a distingdo entre ciéncia e outros saberes esta no método, sobretudo. Enquanto estes sio taxados de senso comum, postura acritica, credulidade etc., Por vezes sem razo, ciéncia ¢ assumida como conhecimento metédico, cuidadoso, testado, e se possivel verdadeiro, Assim, 6 a metodologia que coloca mais propriamente a pretensio ciemtifica ¢ seu dominio define na pratica quem é ou nao cientista ‘NEE HEnTUG, posse metodologca € um dos herizonesstgicas da pesquisa como tal, que no se restringe a "decorar" estatistiea com seus testes aridos, mas alcanga a capacidade de discutir criativamente caminhos alternativos para a ciéncia e mesmo de crid-los. Um exemplo recente é a pesquisa participante, que, além de recolocar a questo da teoria da Pritica, apresenta invectiva forte na linha de refazer caminhos cientificos, 0 que indica pesquisa em sentido estrito (Saul, 1988; Triviios,1987; Thiiollent,1986). Sio essenciais polémicas metodologicas como a disputa entre positivismo e dialética ou em tomo da Proposta de ciéncia social com base na comunidade comunicativa ideal (Habermas, 1989, ‘Tempo Bri Siebeneichler,1989; Demo, 1989). iguns topicos da pesquisa metodol6gica poderiam a) discussie critica das metodologias em_uso. dialéticas, positivismos, estruturalismos, empirismos, sistemismos; ec Sgr. ae B) propostas “de metodologias_altemativas: pesquisa hermenéutica; ©) capacidade de aferir de_uma teoria a concepedo cientifica subjacente, garimpando nas linhas e nas entrelifihas a postura metodoldgica, “d) capacidade “de detectar_o findo ideolégico das produgdes cientificas, ja que séo condicionadas também socialmenté, do que se pode inferir a concepgao de ciéncia e de metodo, €) formagaio critica e emancipatéria de espago cientifico proprio; f) discussao do lugar da ciéncia na sociedade, que, como técnica, tem sido tatica de luero € opressao (Luedke & André, 1986; Haguette, 1987; Demo, 1987). O mais interessante é 0 questionamento criativo, constante e processual da propria ciéncia: seu lugar na sociedade, o que pode e ndo pode explicar, suas ideologias e mitos, ciéneia como mito moderno, para da insatisfagao retirar energia alternativa. A ciéncia mais criativa é aquela que se questiona, quando adquire ares de sabedoria, Embora todos busquem a mesma verdade, 0 que cada qual encontra é uma concepgao possivel, com decorrente método de captagio. Ai, a coisa mais verdadeira seri que a verdade ndo esta toda em ninguém, Na Pesquisa metodologica a ciéncia demonstra sobretudo que nao morreu (Abbagnano, 1989) articipante, avaliagdo_qualitativa, Por fim, outro horizonte da pesquisa ¢ a prética, por mais que as ciéncias sociais, contraditoriamente, possam estranhar tal postura. Por caminhos surpreendentes, as ciéncias sociais - que tratam a praxis social historica - tornaram-se ou produto tipicamente tedrico, ou copia teorica Advém disso repercussdes dristicas, que vio desde o deserédito crescente das cigncias sociais, cada vez mais vistas como impotentes frente aos problemas que apenas estudam, até a0 cumulo de inventar "especialidades" sem qualquer demonstragio pratica. E_ possivel tomar-se "doutor em Educagio" sem nunca ter amealhado experiéncia concreta. Basta ler alguma coisa, confrontar o que se leu, discutir em teoria a teoria, propor possivel nova sintese te6rica Reproduz-se formidavel indigestdo tedrica, de estilo imitativo, quase sempre na diregao de filiagdes tacanhas a determinadas posturas, no que a falta de elaborag3o propria em termos tedricos ¢ metodolégicos se combina com a falta de confronto pratico. E ironia: estuda-se na solidao da teoria a pratica social coletiva, reintroduzindo um tipo diferente de "neutralidade", tendo em vista a distancia artificial cultivada Por essa porta artificial entra o fantasma da dicotomia entre saber ¢ mudar, cuja correlagao tende a ser inversa. De um lado, sabe-se muito mais do que se consegue mudar. De outro, no gue se sabe, predominam estratégias de como nao mudar. E temos o resultado sarcastico” as. ‘cigncias sociais_sio sobretudo estratégia de controle e desmobilizagao cial, Quanto mais se pintam de critica radical, mais apenas "latem”, porque o sentido real é falar de mudanga, para nao mudar. s “Todavia, nao vale sacralizar a pritica. Teoria ¢ pratica detém a mesma relevancia cientifica ¢ ostium no fondo um todo 0. Um ato subst a outre © cada, qual tom Sit ogi prépria. Nos extremos, 08 vicios do teoricismo ¢ do ativismo causam os mesmos males, Nao se pode realizar_pritica criativa sem retorno constante a teoria, bem como nio se pode fecundar a teoria sem confronto com a pratica. “ATnTEI para com a prifca € compreensiel, sobretudo pelo temer do conffono, que condiciona mudangas na teoria. Na pratica, a teoria é outra, e vice-versa. Se a discus critica € cuidado providencial contra a petrificagao das teorias, 0 confronto com a pratica ainda & mais, porque é a pratica que escancara a pequenez de toda construgao teérica. Por isso, 0 que ‘mais fomenta instabilidade teorica e obriga a buscar alternativas € 0 confronto pratico. A pesquisa participante € talvez a proposta mais ostensiva de valorizacio da pratica como ‘Tonte de conhecimento, apesar de suas banalizacées tipicas. Propugna a eliminagao da Separagdo entre sujeito e objeto, tentando estabelecer relagao dialogal de influéncia matua, teorica e pratica. Conhecimento adquire a dimensao de autoconhecimento, aparecendo logo a importancia da formagio da consciéncia critica como passo primeiro de toda proposta emancipatoria, Todo conhecimento advindo da pratica necessita de elaboragéo tedrica, mas nao € menos verdadeira a postura contraria. E isto permitiria superar a dicotomia sarcastica entre saber & mudar. A ideologia recebe tratamento mais adequado, porque, sendo parte integrante do processo cientifico em ciéncias sociais, 0 desafio sera como controlar, néo como suprimir. A melhor estratégia de controle sera sempre enfrentar abertamente algo que de antemao nio se tenta camuflar. Ideologia aberta nao faz mal, porque entra em cena como discutivel. Neste sentido, pode ser fator criativo e fecundante. A pesquisa pratica - que nunca pode ser bem-feita sem teoria, método e empiria - é modo salutar de produgaio de conhecimento, que possui ainda a vantagem de puxar para o cotidiano aciéncia. Pode resvalar facilmente para 0 senso comum, mas pode adquirir tonalidades muito criativas da sabedoria ¢ do bom senso. Pesquisa pratica nao significa apenas a nogio de aplicabilidade conereta, porque seria irénica uma teoria nio-aplicavel, mas sobretudo a pratica como parte integrante do processo cientifieo como tal. Consequéncia disso sera que pratica deve ser estritamente curricular, nao fazendo sentido a nogio truncada de estagio Pesquisa pratica quer dizer "olhos abertos” para a realidade, tomando-a como mestra de nossas concepgdes. Quem é inteligente sempre aprende, porque esta em atitude de pesquisa Naturalmente muda de posico, no dinamismo natural de uma realidade variavel ¢ surpreendente. Ao contrario da tendéncia tedrica tipica que “ensa pesquisa pratica busca o movimento contrario: colocar realidade na teoria, obrigando a teoria 4'3e adequar ¢ nisto a se rever, mudar e mesmo se superar. Assim chegamos a reconhecer que “© critério. mais pertinente, criativo, formal e politicamente, da cientificidade é a discutibilidade: somente 0 que é discutivel, na teoria € na pratica, pode ser aceito como cientifico. Apanha-se ciéncia, ao mesmo tempo, como expressio formal logica, e como pratica historica na sociedade (Demo, 1988b e 1989; Habermas, 1989), Nao ha ciéncia sem Pesquisa; sobretudo, nao ha criatividade cientifica sem pesquisa. Nao hé emancipagao historica criativa sem pesquisa, compreendida como dialogo critico com a realidade no seu dia-a-dia e como raiz politica da constituigdo de espago proprio, com projeto proprio de vida (Ladriére, 1978) 3. A pesquisa como descoberta e criagito Em metodologia cientifica, descobrir e oriar no sio a mesma coisa. Quando se fala de escobrir, tem-se em mente postura proxima das ciéncias naturais, de estilo nomotetico, que as esforgo formal de tratamento da realidade, para descobrir leis da sua ‘Strutura ¢ funcionamento. O cientista nada cria, apenas detecta relagdes. A lei da gravidade, Por exemplo, é descoberta formidavel, mas néo significa intervengo na realidade ou criago de relagdes novas, Na descoberta criou-se conhecimento novo, nao realidade nova, embora a partir dai se possa inventar usos novos do conhecimento. O positivismo e o estruturalismo demarcam tal postura ¢, sombra das ciéncias naturais, entendem cigncia como descoberta das relagdes necessarias ¢ dadas na realidade (Popper, 1959, Lévi-Strauss, 1967 e 1976). Num exemplo aplicavel a historia, a concepgo de dialética estrutural-objetiva busca delinear nela leis "férreas" do seu desenvolvimento, pelo que a passagem do capitalismo para 0 socialismo se dé inexoravelmente, pela propria lei da sua dindmica interna. Nao sio condigdes subjetivas que empurram a historia e fazem a revolugio, mas condigdes objetivas, ja vistas como tipicas determinagdes. Ao cair uma pedra, nio é imaginavel que, de repente, "decidisse" nao seguir a lei da gravidade No texto Coniribuicdio Para a Critica da Economia Politica, considerado apenas nele mesmo, Marx desdobra esse tipo de concepeo dialética, que Lévi-Strauss supde como estruturalista a seu modo (Marx, 1973; Demo, 1989). Parte-se do ponto de vista de que a ciéncia tem como proposta, no quadro da neutralidade metodologica, descobrir estruturas dadas da realidade, que so formas nio-historicas por definigdo. Mesmo a consciéncia, que pareceria ligada a produgio de conteiidos subjetivos, é algo estritamente objetivo para o estruturalismo, porque no inconsciente esta a sua estrutura formal invariante, que aparece sobretudo sob o signo da logica. E l6gico, estritamente, aquilo que ¢ formal-invariante. Marx de certa forma alimentava, em momentos, a expectativa de fazer da historia uma cigncia exata, No texto citado atribui significagao palida, muito secundaria, a fatores subjetivos. A revolugio do modo de produgao se da objetiva e necessariamente, como resultado inexoravel do desenvolvimento das forgas produtivas, Tomando em conta outros textos, € possivel equilibrar tal concepgdo, sobretudo diante da importancia da "luta de classes", do papel do partido, da experiéncia historica da Comuna de Paris, Como se fora gramitica dada, esta nio cria linguagem; apenas constata as relagdes necessirias dos seus termos. Descobrir a ‘gramatica de uma lingua ¢ algo sumamente criativo na linha do conhecimento sistematizado, no na linha da intervengao_histérica na realidade (Moles, 1971; Bunge, 1974) Por jwando se fala de proposta diversa de ciéncia, desde os extremos hegelianos e similares que exageram o lugar das condigdes subjetivas, até 0 equilibrio da dialética hist6rico-estrutural. Nunca se cria_do_nada, porque a_histéria_tem sempre jentes ¢ lientes, mas na fase nova pode predominar o novo, ao que se di o nome de revoluedio. Qualquer dinamica criativa nao cria ao léu, porque a realidade historic & pelo menos regularmente condicionada, ainda que nao-determinada. O préprio fato simples de que ciéneia se dir al, no ao individual - de individuo non est scientia - jé denota que, ‘existe conceit de revolugao, € porque nesse fendmeno ha estruturas que se Tepetem, ao lado da_criagio historica. Caso contrario, seria algo irrepetivel e por isso reffatario 4 captagio cientifica = A histéria vem concebida como, de um lado, condicionada por estruturas dadas, naturais ¢ sociais, que jamais podem ser ignoradas, e, de outro lado, condicionada pela possivel intervengao humana, que no precisa submeter-se passivamente as circunstincias dadas ou encontradas, Assim como nao se pode inventar revolugo a0 proprio talante, pode-se apressi-la, precipita-la, retardé-la, de acordo com as condigdes de intervengio. Na revolugao russa de 1917, talvez se pudesse aventar que se conseguiu precipitar a passagem historica, tendo em vista que as condigées objetivas — a passagem do capitalismo avangado, desenvolvido, para 0 socialismo - no estavam maduras ainda. As circunstancias encontradas, contudo, foram favoraveis a intervengao de Lénin ¢ do seu grupo, que acabaram impondo a cisao historica mais pela via da manobra politica do que pelo amadurecimento objetivo do modo de produgao. Este fato néo deixou de ter conseqiiéncias até hoje, porque o surgimento apressado do socialismo queimou etapas, que a histéria posterior reclamou sempre, a saber, a necessiria acumulagao de capital ¢ a presenga da grande produgo como bases da superagao da desigualdade. Para o socialismo € desafio improprio ter que acumular capital, pois deveria ter ocorrido no modo anterior de produgao e, na pritica, nunca se resolveu a contento (Bahro, 1980; Gilly, 1985). Sem aprofundar a disputa entre dialéticas “objetivantes" ¢ "subjetivantes", esta claro que indicam concepgSes diferentes do caminho cientifico, mas no fundo ressaltam a mesma importancia da pesquisa. Tanto em uma como em outta, pesquisar é condigaio essencial do descobrir € do criar. Isto, entretanto, € verdade com respeito a realidade como tal. Com respeito & produgio cientifica, a disputa continua, caricaturada nos pélos antagénicos do positivismo e da dialética (Adorno/Horkheimer, 1986; Albert, 1977; Demo, 1989). A concepgio_ formalista de cigncia_distingue e separa sujeito do objeto ¢ investe em - metodologia objetiva instrumentacdo de cerceamento da subjetividade, Diante do “Gb|eG, cabe'Zosujeto proceder 4 andliser 1eGOpono-e oar Paes om stile ds obsorrador externo. No fundo, trata-se de constatar estruturas dadas, com suas relagdes. formais invariantes, sobre as quais € possivel exarar leis. A pesquisa analitica descobre e, nisso, cria conhecimento novo. Mas nada deveria colocar no objeto, que adviesse do sujeito como intervengao politica. Este modelo ¢ copiado das ciéncia naturais, nas quais a ideologia poderia aparecer apenas no sujeito, no no objeto. Este ¢ dado e cabe a ciéncia desvendar a estrut via analise (Demo, 1985a e 1988a). ‘Toma-se fatal a distingao entre ciéncia pura € aplicada, entre teoria e pritica, por questo de método. Problema do cientista € somente saber, estudar, analisar, nfo intervir, mudar, “questionar” 0 apelo a neutralidade cientifica € a fuga util, para nao ter que enfientar a questo “ideolégica Nao se supera essa questo; apenas se ignora. O que no deixa de ser a pior maneira de controlar. Ideologia indesejivel sempre é aquela que se dissimula para influenciar 10 ainda mais, ndo aquela que aparece claramente na cena, porque nisto ja respeita a condigao primeira do controle possivel ¢ passa a integrar-se no repto da discutibilidade (Albert, 1977) No outro lado, a concep¢ao historico-estrutural de ciéncia coloca 0 objeto construido como produto € processo ciemtifico tipico, admitindo que ciéncia é também criagao. E importante discutir nesse quadro 0 relacionamento entre sujcito ¢ objeto em ciéncias socials, a comegar cigncias naturais e que permite o distanciamento tipico do analista observador. De um lado, temos de assumir que as_ciéncias sociais nfo so apenas questio de conhecimento, mas _igualmente questao__historico-social. Elas mesmas _refletem condicionamento social e sio no findo também “problema social". A nogao de objeto construido adverte para este fato: ciéncia nao é algo acima ou 4 margem da sociedade, mas componente-da-propria-seciedaide ém que se fiz, O cientista no é ente desencarnado, mesmo quando se traveste de neutro, mas animal politico sempre. A ciéncia tem sempre a marca do seu construtor, que nela nao s6 retrata a realidade, mas igualmente a molda do seu ponto de vista. De outro lado, aponta-se para a caracteristica de uma realidade historica dinamica complexa, que jamais cabe na cabeca do cientista integralmente. A ciéncia recorta a realidade, porque. no alcangando dominar 0 todo, avanga por meio da estratégia aproximativa das relevancias discerniveis. Em termos priticos, vé-se na realidade o que se imagina relevante, o que “determina ato construtivo, pelo menos no sentido de que ndo se interpreta sem inteMir, Na ciéncia deve estar a realidade, que € seu objetivo de capiagdo, mas esta sempre tambem a maneira propria do cientista de ver a realidade. E isso permite compreender os confrontos naturais de posturas contrarias, que constroem de modo diversificado a mesma realidade. E impossivel compreender a teoria weberiana fora do contexto da pratica ideolégica historica de Weber, ¢ isto permite dizer que a teoria weberiana é uma construgao de Weber. termo construgdo pode ser exagerado, quando indica que o cientista passa a “inventar" a realidade, sobrepondo a ela a rigidez te6rica ou o interesse ideologico. Este fendmeno nao é raro ¢ faz. parte do negécio hermenéutico. Porque a realidade nunca € evidente, interpretar 6 preciso. Porque a comunicago nunca ¢ Univoca, interpretar € inevitivel. JA diz 0 povo “"Quem conta um conto, aumenta um ponto”. Ou na expressio italiana do “tradutor, traidor”, porque é impossivel apenas traduzir; em toda tradugdo ha também interpretagao. saudeaauatin pede obatraro,qiiio a periar isiamectl Pate Tie chr Elo “Posse ses gH proce sty oh ve se eis \gOes novas si dado e estabelece conhecimento novo. Ea pesquisa que, na criaga0, questionando a situago Vigente, sugefe, pede, forga o surgimento de alternativas_ ‘Pesquisa se define aqui sobretudo pela capacidade de questionamento, que nao admite resultados definitivos, estabelecendo a provisoriedade metédica como fonte principal da renova¢ao cientifica. Ha por certo nogées de ciéncia definitiva, mas que sempre se aproximam mais do dogma - que apenas mascara a incerteza fundamental da realidade historica - do que de produtos finais. Mesmo no positivismo moderno, digamos em Popper e Albert, mas igualmente em Lévi-Strauss, o método nunca € colocado como inventor de produtos finais, até porque seria "mera invengao”. A "falsificabilidade” popperiana rejeita evidéncias ultimas, vivendo, pelo menos no método, a certeza das explicagdes imperfeitas, pois em toda explieagio hé pressupostos inexplicados. No estruturalismo, embora manipulando formas invariantes da realidade no contexto formal tipico das ciéncias naturais, sua captagio aproximativa, premida pelo modelo cada vez mais simples, mas nunca final e unico. A vantagem de posturas dialéticas esta precisamente em colocar 0 questionamento nfo apenas no méiodo, mas igualmente na propria realidade, até porque a ideologia no aparece s6 no ijeito, mas aa Fealidade como tal, por ser hist6rica e priica, No somente 0 método & 4 dialético, sobretudo a realidade ¢ dialética na substincia. Por isso nela mesma se elabora 0 contratio, que leva a superagao histérica Dara descobrit e eriar ¢ preciso primeiro questionar, Esta relaglo é ti forte, que ai reside 0 “perigo” para a ordem vigente. O cientista é figura fundamental para o dominio da realidade, sobretudo em termos tecnologicos, mas é essencial que nao seja critico, em termos politicos Cientista itl é aquele, ao mesmo tempo temo, competente em termos formais, mas alienado Politicamente, A insisténcia sobre neutralidade cientifica tem essa diregdo ideolégica, porque instrumenta a postura distanciada, aparentemente relevante para a anilise, mas principalmente cémoda em termos politicos. Para tanto encerra-se a ciéncia na descoberta, reservando a criatividade apenas para o nivel do conhecimento. A seguir separa-se teoria da pritica, fazendo do cientista mero instrumento tecnolégico. Com isto a ideologia, sob a capa da neutralidade metédica, j4 penetrou todo 0 recinto da cigncia ¢ serve ideologia dominante, o que faz da ciéncia tendencialmente produto conservador ou pelo menos itil a ideologia conservadora, na figura do idiota especializado: competente formalmente, tapado politicamente. Na histéria, porém, a légica que mais interessa nfo é a logica da descoberta’, como dizia Popper, mas a ldgica da criago, da alternativa, da transformagio, da esperanga infinita. O questionamento ndo pode ser apenas ato isolado e esporadico, mas atitude processual que corresponde ao desafio que toda sociedade coloca sobre a ciéncia. A sociedade vé no cientista € na universidade nao somente proceres ¢ lugares da descoberta de relagdes dadas ¢ necessérias, mas principalmente a geragio incansével ¢ sempre renovada da criatividade historica. Por mais que a universidade tenha fraudado sistematicamente a esperanga social, a sociedade continua esperando isso dela (Borda, 1985; Silva & Souza, 1984; Bachelard, 1986), Pesquisa deve 10 processo social que perpassa toda vida académica ¢ penetra na Hedblatdo, ‘ielewor etdtralnio= Senco eee ome fe universidade, se a Compreendermos como descoberta e eriagio, Somente para ensinar, nfo se faz: necessiria essa instituigdo e jamais deveria atribuir esse nome a entidades que apenas oferecem aulas. Ainda que esse tipo de oferta possa existir em seu devido lugar, no pode ser misturada com aquela instituigao que busca a sua principal razéo de ser na pesquisa. Na ciéncia, o primeiro principio € pesquisa 4. A pesquisa como diéilogo Uma definigio pertinente de pesquisa poderia ser: didlogo imeligente com a realidade, tomando-o como processo e atitude, e como integrante do cotidiano, De um lado, é mister desmitificar 0 conceito de didlogo: a) n&o € algo sempre solene, coisa de cinema e teatro, ou algo ritual e especial como ¢ a necessidade de comunicagao entre professor e aluno: b) nao € expresso dos consensos, da inteleccio facil e mecanica; é sempre também confronto, se for comunicagao entre atores com idéias proprias e posigdes contrarias: ¢) nao se restringe a conversa, discurso, mas é sobretudo comunicagdo, com todos os seus riscos e desafios; nao é apenas o fenémeno de individuos que se encontram e defrontam, mas a complexa comunicago de uma sociedade sempre desigual De outro lado, € mister fazer a aproximagéio devida entre pesquisar e dialogar. De certa maneira, se em ciéncias sociais nao cabe propriamente a nogdo ¢ a posi¢ao de objeto, o relacionaihento sera de dois sujeitos, entre os quais cabe 0 didlogo como forma mais madura 12 Ao mesmo tempo, questionar inclui com de vista ¢ receber Criticamente 0 ponto de vista do outro. Didlogo é fala coniréria, entre atores que se encontram ¢ se defrontam. Somente pessoas emancipadas podem de verdade dialogar, porque tém com que contribuir. Somente quem é criativo tem 0 que propor e contrapor. Um ser social emancipado nunca entra no dialogo para somente escutar e seguir, mas para demarcar espago proprio, a partir do qual compreende 0 do outro e com ele se compée ou se defronta. O fendmeno do _didlogo_toca_no complexo problema da _comunicagao—social,_cuja Tompreensio adequada dificilmente escaparia do contexto hermenéutico.Primeiro, se comunicagao fosse obvia, nao haveria necessidade de interpretagao e 0 didlogo seria apenas reprodugo, como faz um altofalante. Segundo, a ambiéncia comunicativa é de tal modo dialética, que no fundo tem a caracteristica do mistério. Nunca temos certeza suficiente, se comunicamos bem e se fomos hem compreendidos, Mas, ao lado disso fa om Ira caracteristica do ardil, porque é sempre mais facil ‘confundir,-desenterlder, enganar. O sorriso irénico comunica, através do sorriso, 0 contrério © humor negro comunica a tragédia como diversio. Ha siléncios ensurdecedores, auséncias gritantes, desaparecimentos estratégicos. Enquanto, de um lado, a comunicagio garante que é possivel conviver, de outro abriga nela mesma a condigao do desencontro. A comunicagao pode, a0 mesmo tempo, gerar e abafar a critica, favorecer e suprimir 0 questionamento, motivar e des encontro. _— pea ‘odavia, essa marca histérico-estrutural da comunicagao nao ¢ diferente da realidade social, que também possui a caracteristica do mistério e do ardil. Porquanto, nio é somente algo estruturalmente dado, mas em parte feito, construido, conquistado. Onde entra o fator politico, entra o ardil e, na sua complexidade extrema, esgueira o misterioso, de algo que somente pode ser preciso na imprecisio. Uma realidade dessa tessitura nfo pode ser de todo dominada, muito menos vilipendiada como mero objeto de manipulagao. Diante dela cabe outra atitude: precisamente de pesquisa, no respeito entre sujeitos que se defrontam, no desafio mutuo nunca totalmente devassavel, na relevancia do cuidado em termos de procedimento relacional, na possibilidade de colaboragao ¢ desencontro. Fundamental € essa compreensio, porque, de partida supera a pesquisa como simples descoberta, que termina na anilise tedrica. Como diilogo, € necessaria comunicagio © a socializagao do saber faz parte integrante da sua produgdo, sem falar na ligagdo estrutural histérica entre teoria e pritica. Se comunicagao fosse mero discurso, no passaria de permuta de signos em contexto apenas formal. Entretanto, para além disso, comunicagao é no amago fendmeno politico, de atores polarizados, competentes se emancipados. Pesquisar, assim, é sempre também dialogar, no sentido especifico de produzir conhecimento do outro para si, e de si para 0 outro, dentro de contexto comunicativo nunca de todo devassavel e que sempre pode it a pique. Pesquisa passa a ser, ao mesmo tempo, método de comunicaglo, pois ¢ mister consinir de "modo convehiente @ comunicagio cabivel © adequada, e contetido da comunicagdo, se for produtiva. Quem pesquisa tem o que comunicar. Quem nao pesquisa apenas reproduz ou apenas escuta. Quem pesquisa t-capaz de produzir Tstrumentase provettrentos de comunicagSo. Quem nfo pesiiea asiste 3 comunicao Wes ——K Sen ualdade social o ardil principal da sociedade, é também o maior desafio da comunicagao. De um lado, somente seres sociais desiguais se comunicam propriamente,— Porque criam a necessdria polarizagao dialogal dialética. Seres iguais socialmente nao criam relages novas, porque so de si contiguos ¢ apenas permutantes. De outro, nada perturba, destrdi, compromete tanto a comunicagao como a desigualdade, pois somente seres iguais se icar criticamente o proprio_ponto 13 comunicariam sem ruido. Ai est&o o ardil e o mistério: comunicag&o sem ruido ja nao tem o que comunicar e nao faz parte da historia concreta; comunicacao desigual tem, ao mesmo tempo, toda chance de criar e destruir. Esta ¢ a historia intranquila na sua estrutura e que sempre clama por transformagao, sem chegar ao porto seguro. Pesquisa assume contornos existenciais, porque encerra o desafio historico-estrutural de compreender e enfrentar a desigualdade social, num processo que nunca termina. Pesquisa coincide com a vontade de viver, de sobreviver, de mudar, de transformar, de recomecar. Pesquisar é demonstrar que no se perdeu o senso pela alternativa, que a esperanga é sempre aslo quaqualoucrflscaso, que € sempre posse oliciar Notes pesraaa'raees ae maneira primeira de o ator politico se colocar, se langar, seja no tatear cuidadoso em ambiente desconhecido ou hostil, seja no medir as proprias forgas diante de forgas contrarias, seja na instrumentacdo estratégica da ocupagao de espago. Com isso chegamos a um ponto fundamental desta discussao, que é a visio da pesquisa no contexto dos interesses sociais. confronto historico-estrutural de interesses é que perfaz o ambiente tipico da comunicagao e do dialogo. Estes tornam-se necessérios e inevitaveis, n20 por harmonia funcional, mas por sobrevivéncia, Sem um minimo de convivéncia, nio ha sociedade praticavel, ou pelo menos suportavel, Essa drasticidade dialética - que é imutil descrever como drama, pois é simples dialética do conflito - recoloca com forga especifica a importancia da pesquisa, no sentido preciso do conhecimento estratégico para a defesa adequada dos interesses. A inseguranga social diante de interesses periclitantes recomenda saber, conhecer, informar-se, tanto para néio perder posig&es, quanto para conquistar outras. Muitas vezes destaca-se essa questio sob o angulo da curiosidade, que estaria na base do espirito cientifico pesquisador. Ha algum conteudo nisso, pelo menos como possivel motivagio e embasa a diivida metédica e mesmo estratégias didaticas de instigacio da vontade de saber. Por curiosidade, muita gente 1é muito, mete-se em discussdes sempre que pode, aprecia desvendar todos os detalhes, mantém-se bem-informada. Entretanto, o mavel mais estrutural ¢ historico da pesquisa ¢ sua raiz politica, no contexto do dialogo interesseiro. Ai a propria negagao do dialogo é forma de comunicagao, via confronto. Talvez 0 exemplo mais a mio, embora incémodo, sejam os sistemas de informagao do tipo CIA, SNI, KGB. A informagdo garante poder. Para se chegar a ele, é mister pesquisar. Este exemplo é incémodo, mas nao deixa de escancarar o ardil da comunicagio, quando a pesquisa, a servigo do poder, pode informar para desinformar, inventar "dados" para denegrir, conhecer para matar Outro exemplo ¢ a pesquisa tecnolégica, que adquiriu hoje o primeiro lugar como estratégia ‘de acumulagao de capital, superando ja a fonte da mais-valia. O capitalismo perverso busca ainda o lucro através da depauperagao do trabalhador. O capitalismo avangado, sem sair do contexto da mais-valia, descobriu que a maneira mais efetiva de fazer o capital crescer a criago de conhecimento novo via tecnologia. Investem-se, entZo, fortunas na pesquisa tecno- logica, que, com certeza, esta menos a servigo do conhecimento cientifico, do que a servigo dos interesses dominantes. E’neste sentido preciso que a ciéncia é também fendmeno social, io apenas epistemologico, pois sua formagdo © progresso so marcados por interesses _Talvez éstranhe colocar essa crueza historica no contexto da pesquisa como didlogo. Mas, em nome da comunicagao dialética, nao vale mascarar a desigualdade social, reproduzindo do didlogo uma concepeao funcionalista. Nao faz sentido imaginar a pesquisa sempre como boa intengao, fraternidade exuberante, porque ¢ lenda. Ao ressaltarmos a raiz politica da pesquisa, nao decorre somente a sua chance historica de comunicacio construtiva, mas igualmente potencialidade de manipulagao social 14 Quer dizer, no podemos transformar pesquisa em ardil. Por coeréncia, valorizar a pesquisa é em primeiro lugar questiona-la. Nao é assim que pode tudo, ou nada. De partida nao cabe afirmar que o conhecimento em si ja ¢ transformador, porque a geracao da consciéncia critica nao ¢ automatica mas conquista politica tipica. O conhecimento pode dirigir-se a transformagio, como pode ser estratégia para nio transformar. Pesquisa nfo ¢ s6 a da paz, mais insistentemente € a da guerra. Ai cabe o questionarnento, contra o ardil Bm seguida, cabe afirmar que, como principio cientifico a pesquisa instrumenta qualquer interesse politico, principalmente quando se pinta de neutra. Colocar pesquisa com diélogo transformador e processo politico de conquista, de construgo, de criaglio, que depende da qualidade politica dos pesquisadores, no contexto da respectiva sociedade Dito isso, podemos valorizar a vontade pesquisa com dilogo, na esperanga social de que, através dela, se possa_ motivar o surgimento de alternativas sociais mais aceitaveis. Ai aparecem sobretudo dois componentes fundamentais da discussio: a) pesquisa como principio cientifico ¢ educative faz par integrante de todo proceso emancipatério, no qual se constréi 0 sujeito historico auto-suficiente, critico e autocritico, participante, capaz de reagir contra a situagao de objeto e de nao cultivar os outros como objeto; b) pesquisa como didlogo € processo cotidiano, integrante do ritmo da vida, produto e motivo de interesses sociais em confronto, base da aprendizagem que nfo se restrinja a mera Teprodugao, na acepgao mais simples, pode significar conhecer, saber, informar-se para sobreviver, para enfrentar a vida de modo consciente E possivel alargar ainda mais a desmitificagao do conceito estereotipado de pesquisa, tendo em vista que aparece naturalmente - porque necessariamente - na formacdo torica do sujeito social competente. Essa competéncia deve ser formal (dominio cientifico-tecnolégico) ¢ politica (construgao da cidadania), onde dialogar eritica e produtivamente com a sociedade e com a realidade ¢ @ propria demonstragao da competéncia e da cidadania, Assim como "boa educago" nao é monopolio de quem estudou muito, a capacidade de questionar criativamente a realidade nao é marca exclusiva de cientistas (Carraher, 1983; Carraher et al., 1988) De certa maneira, pesquisa se confunde com a filosofia, em seu sentido original: apre¢o pela sabedoria, tanto em sua modéstia que sabe antes de mais nada que pouco sabe, como em sua exuberincia que a tudo questiona, inclusive a si mesma (Abbagnano, 1989). Também no indio que busca resposta a inquictagdes que © perturbam e faz 0 mito, ou no caboclo que tenta explicar seus éxitos e fracassos e faz o saber popular, ha lastro possivel de pesquisa, quer na atitude de questionamento e divida, quer na adequagao entre teoria e pritica, quer na busca de inventividade diante dos desafios, quer no desdobramento de passos dedutivos e indutivos. Sem fetichizar mitos e saberes populares, parece claro que no trajeto de formacao das identidades culturais, a par de processos reprodutivos insistentes, ha também momentos de criatividade originados da aprendizagem via pesquisa. Nesse sentido, 0 que faz da aprendizagem algo criativo € a pesquisa, porque a submete a0 teste, & duvida, ao desafio, desfazendo tendéncia meramente reprodutiva, Aprender, além de necessério sobretudo como expediente de acumulago de informago, tem seu lado digno de atitude constrativa e produtiva, sempre que expressar descoberta e criago de conhecimento, pelo menos a digestio pessoal do que se transmite. Ensinar ¢ aprender se dignificam na pesquisa, que reduz e/ou elimina a marca imitativa. Uma coisa ¢ aprender pela imitagdo, outra pela pesquisa, Pesquisar no ¢ somente produzir -conhecimento, ¢ sobretudo aprender em sentido eriativo, E’possivel aprender escutando aulas, Tomando nota, mas aprende-se de verdade quando sé parte para a elaboragao propria, motivando o surgimento do pesquisador, que aprende construindo (Franchi, 1988). 15 E isso nao redunda apenas em competéncia técnica e cientifica; funda também um passo essencial no proceso emancipatério. Dialogar com a realidade talvez seja a definigao mais apropriada de pesquisa, porque a apanha como principio cientifico e educative. Quem sabe dialogar com a realidade de modo critica e criativo faz da pesquisa condigao de vida, progresso ¢ cidadania. Nao faz. sentido dizer que o pesquisador surge na pos-graduacio, quando, pela primeira vez na vida, dialoga com a realidade e escreve trabalho cientifico, Se a nossa proposta for correta ou pelo menos aceitavel, a pesquisa comeca na inflincia e esté em toda a vida social. Educagao criativa comega na e vive da pesquisa, desde o primeiro dia de vida da crianga 16

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