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EDITORIAL
Revista Cultural Esta página seria atravessada de um lado ao outro por uma
tarja preta, em sinal de luto pelos dois grandes escritores falecidos
Novitas durante o mês de junho: o português José Saramago e o mexicano
Ano I Número VI
Julho de 2010
Carlos Monsivais. Cheguei mesmo a fazer a arte, letras garrafais
em branco contra o fundo negro e as datas de nascimento e morte.
“Ah, não é de mau gosto nada, acredito que todos entenderão como
sinal de respeito, etc e tal” — pensava eu enquanto acertava os
finalmentes. Aí, nesse ponto, empaquei. Como colocar o símbolo de
morte na data de Saramago? Por convenção, todos usamos uma cruz
(U). Mas como fazer isso com alguém que era declaradamente anti-
católico?
Esta é uma publicação da Editora Novitas em Assim, preferi alterar este texto, explicando a tarja negra ali
periodicidade bimestral, distribuída em forma acima, na diagonal. O respeito por ambos é o mesmo, a homenagem
eletrônica e gratuita. permanece e tenho certeza que esta foi mais uma peça pregada por
Todos os textos, imagens ou qualquer
Saramago... Se Mosivais não gostou, que cobre do português, estejam
outra forma de manifestação aqui publicados
foram devidamente solicitados a seus autores, que
onde estiverem.
autorizaram sua utilização por meio de mensagem Chegamos à edição de número seis. Por conta de um
eletrônica. contratempo que tivemos durante o ano que passou, o aniversário de
Imagens não creditadas a outros são um ano que seria nesta edição, será comemorado em agosto, mês de
de autoria de David Nobrega, excluindo-se aquelas lançamento da Revista no ano de 2009. Para podermos comemorar
que sejam relativas aos autores de artigos e de
( e sim, temos motivos suficientes para uma festinha), faremos uma
alguma maneira ligada aos entrevistados (imagens
pessoais ou de suas obras).
Revista especial para o mês que vem, com as melhores matérias já
publicadas. Será um número extra, permanecendo a bimestralidade
a partir de setembro.
Esta Revista que você tem “nas mãos” está absolutamente
prenhe de ideias e vivências: de Xico Sá a Silvio Alvarez, de Abilio
Manoel a Eduardo Braga, passando por contistas, articulistas,
poetas... Enfim, se o seu interesse é cultura, temos aqui material para
lhe abastecer por um tempinho e, quem sabe, lhe presentear com
aquele estalo pré projeto, que o fará arregaçar as mangas e pôr-se ao
trabalho de criar, parindo novos frutos, para nosso bem.
@David_Nobrega
Isento de registro ISBN, conforme instrução
da Biblioteca Nacional.
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Concurso
vontade?
Novitas
entrega dos textos, mas gosto mais de escrever à noite,
principalmente na madrugada de São Paulo.
de Contos
movida a vinho, cachaça, cerveja ou whisky. Entre nós,
que sabemos dos benefícios da “marvada”, que é bom
de beber quando se escreve?
e Crônicas
provocar o estalo de temas, personagens, frases de efeito.
Na hora de escrever, se for em excesso, provoca um baita
engano: você se acha gênio, aí quando acorda no dia
seguinte, de ressaca, vai ver que o que escreveu não vale
um tostão furado, vai ver que é podre de ruim. Claro que
uma cervejinha de leve ou umas taças de vinho em nada
prejudicam a literatura.
Resultado Final
breve?
“
Xico: Leiam, leiam, leiam!!! Só se aprende assim.
Para maiores informações, acesse nosso
website:
Leia mais do Xico Sá em seu Blog
O Carapuceiro www.editoranovitas.com.br
Revista Cultural Nº 6 — Julho de 2010 — 5
Foi no berço da civilização que destruiu o Pavilhão em 1934 orgulho para o Sport Club Rio Grande.
gaúcha, em meio a portugueses, não destruiu o sonho. Pelo contrário, Na condição de ter se mantido
espanhóis, alemães e italianos, que foi um impulso para a melhoria atuante ao longo dos últimos 110
o esporte mais popular do Brasil deu das condições físicas do clube. No anos, o Sport Club Rio Grande é
seus primeiros chutes. mesmo local, um novo Pavilhão, o clube de futebol mais antigo do
O alemão Johannes Christian agora de material, passou a abrigar Brasil. Surgido no final do século XIX,
Moritz Minnemann trouxe em sua foi fundado em 19 de julho de 1900,
bagagem a idéia de difundir na cidade tendo papel decisivo para sua criação
a modalidade esportiva sensação na o alemão Johannes Christian Moritz
Europa: o futebol. Minnemann.
Junto à euforia da novidade, toda O Sport Club Rio Grande teve papel
uma estrutura foi montada, a fim de histórico de divulgar o futebol no
popularizar o esporte. Rio Grande do Sul, difundindo
A partir de infindáveis e contribuindo através de suas
reuniões, foi-se aos poucos definindo apresentações públicas, a nova arte
as cores do clube (uma homenagem esportiva que era o futebol. Uma
ao Rio Grande do Sul,estado que apresentação em Porto Alegre levou
acolhia tantos estrangeiros), a ao surgimento do Grêmio de Football
captação de recursos, os jogos de Portoalegrense no ano de 1903.
Johannes Christian Moritz Minnemann
exibição, entre outras decisões Fundação
práticas. os torcedores, que desde o início Através de uma nota redigida
Em 1911, erguia-se o apoiavam e lotavam o Estádio para em alemão que os moradores de Rio
primeiro Pavilhão, no Estádio das assistir as exibições do Tricolor rio- Grande, pelo menos os da colônia
Oliveiras, palco dos belos jogos e de grandino. germânica, souberam da existência
vitórias significativas. O Dentre as conquistas daquele esporte novo, em que 22
Estádio foi construído significativas, cabe ressaltar a Taça homens tentavam chutar uma bola
com a colaboração Centenário da Independência, de couro. Assinada pelo alemão
dos sócios e com conquistada em 1922, a conquista Johannes Minnemann, o convite
o apoio de toda do Campeonato Gaúcho de 1936 e anunciava que haveria um jogo de
a sociedade rio- dos vice-campeonatos estaduais em futebol às 9h30min do dia 14 de julho
grandina. O fogo 1941 e 1951, todos esses motivos de de 1900, no campo do Clube de Tiro
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Alemão. Havia ainda um aviso, após Grande venceu o segundo pelo da própria cidade. No trem, levaram
a partida, seria discutida a criação de placar de 2 a 1. Nesse jogo, osbolas, uniformes e até as traves e
um clube em Rio Grande. atletas do Rio Grande utilizaram
redes, usadas em uma partida de
pela primeira vez caneleiras e exibição.
Primeiro jogo oficial colocaram redes nas traves. Foi no berço da civilização gaúcha,
em meio a portugueses, espanhóis,
O primeiro jogo oficial do Regras do primeiro jogo alemães e italianos, que o esporte
Sport Club Rio Grande aconteceu no mais popular do Brasil deu seus
mesmo ano de sua fundação. No dia O tempo de algumas partidas primeiros chutes.
7 de outubro de 1900, as equipes B era de 110 minutos. Pênalti era
e A do clube se enfrentaram em um considerado uma covardia e só era Nesse mais de um século, o clube
campo atrás do Cemitério enfrentou todas as
Católico, em Rio Grande. mazelas e glórias que se
Não há registro do placar enfrenta numa caminhada
da partida, mas o convite longa. Criou ídolos, mudou
que listava titulares e conceitos, foi e é parte da
reservas de cada time vida de várias gerações
encontra-se nos arquivos de pessoas. O resgate
do Memorial do clube. e a manutenção dessa
Em outro domingo, 4 de memória fazem parte do
novembro de 1900, houve trabalho do Memorial.
o segundo jogo do ano. De Nossa preocupação é
lembrança dessa partida, manter vivo o espírito
ficou um documento da daqueles pioneiros que
Intendência Municipal, O time do Sport Club Rio Grande, em 1900 acreditaram num sonho e
autorizando a realização de um marcado quando algum jogador se dedicaram na construção de uma
torneio no terreno. colocava a mão na bola. Se um time realidade que viria a tomar conta do
estava vencendo, cobrava o pênalti país: o futebol.
Primeiro amistoso internacional para fora. Era proibido reclamar das
marcações do juiz. Atualidade
O primeiro amistoso
Internacional de um time Primeiro jogo fora de casa Desde 2007 que o presidente
brasileiro, apesar de não ser Alexandre Duarte Lindenmeyer
reconhecido pela CBF, foi entre o Foi em um clima de festa desenvolve um trabalho de resgate de
Sport Club Rio Grande e o time que o futebol gaúcho deu os passos identidade do torcedor rio-grandino,
da canhoneira inglesa Nymph. iniciais para fora de Rio Grande. Em 4 que paralelamente também contribui
Foram disputados dois jogos, de outubro de 1901, os jogadores do para resgatar a história do futebol no
sendo que o primeiro acabou clube mais antigo do Brasil viajaram município.
empatado em 2 a 2, e o Rio a Pelotas para o primeiro jogo longe
Informações e histórias sobre o Rio Grande podem ser conhecidas no site www.sportclubriogrande.com.br .
Há um programa dos Detetives da História, no History Channel, que trata sobre o assunto. Vídeo não disponível.
apenas o necessário
Abilio: Realmente eu gosto muito de EN: Há sempre uma pergunta que gostamos de
inventar, criar, diversificar minhas atividades, fazer a nossos entrevistados e acredito que seja pertinente:
sempre ligado ao que sei fazer, ou seja, A MPB mudou, tornando-se underground e elitista ou
compor, escrever, roteirizar. É natural que o gosto popular foi desviado para o consumo fácil e de
tenha inúmeras músicas espalhadas pelas qualidade duvidosa?
gavetas — e que acabo por esquecê-las
completamente — mas, fazendo uma boa Abilio: Acho que o rótulo de “MPB” não é mais
triagem, teria material razoável para lançar talvez uns 4 adequado e nem deveria ser mesmo. A musica poderia ter
CDs, com o nível que exijo para chegar a um outro rótulo hoje mas com as características que fariam
um público, que seria semelhante ao que com que a MPB se tornasse uma referência para os novos
me acompanhou e que lembra meu estilo talentos e rumos que a música popular deveria ter. Ela não
de compor, onde prezo, além da melodia, é elitista por não representa elite nenhuma, ou seja, não
a letra, os versos, como importantes existem talentos na praça... Existem bandas em lugar de
instrumentos de comunicação, hoje em dia grupos musicais, existem teclados em lugar de orquestras,
um tanto desprezada, eu diria. há genéricos e não ícones, tudo tende a ser descartável.
O mundo está assim. A globalização tornou a identidade
EN: Suas atividades como cantor e um cartão de plástico. Quanto à qualidade... Bem, o que
compositor lhe renderam sucesso e esperar?
transformaram-no em ícone de nossa MPB.
Hoje, o bastidor lhe proporciona maior EN: Antes, os Festivais eram uma forma de
liberdade em criar? conhecermos novos talentos e muitos deles estão por aí
até hoje, e mesmo havendo exceções, muitos sobrevivem
Abilio: Tenho toda a liberdade de criar. de shows eventuais pois não há mais grandes gravadoras
Agora mais do que nunca, porque nem tenho a quem dar que invistam em suas carreiras. Não crê que a internet
satisfações, pelo que já disse anteriormente. Mas também possa ser usada como resgate desses grandes nomes,
tive toda a liberdade enquanto estive nas popularizando-os novamente?
quatro das maiores gravadoras da época,
Odeon (EMI), RCA, Som Livre e Continental. Abilio: Realmente dos festivais é que foram extraídos
Sempre cuidei de toda a produção dos meus os grandes nomes que ainda podem ser reverenciados com
discos, desde a escolha de arranjadores, algum orgulho por tudo que a música brasileira representa
músicos e até mesmo da arte final das capas internacionalmente até os dias de hoje. O que se ouve no
dos discos. Isso nunca foi problema pra mim, felizmente. O rádio e TV, de uma forma geral no Brasil, é uma canção
problema hoje é não ter a quem mostrar as m[usicas ou as desqualificada e sem qualquer chance de sobreviver a
ideias que venho desenvolvendo. alguns dias. A internet possibilita o sucesso
de um dia apenas, os tais ‘5 minutos de
EN: Você tem uma gravadora e uma fama’; todo mundo pode ser sucesso, se
editora, além de inúmeras outras atividades, tomarmos o sucesso por algo tão efêmero
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assim. Por outro lado, a internet também resgatou muita
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gente que andava morta ou se pensou que estavam. Isso é o
Críticar á
melhor que ela nos pode trazer. Ou seja, mostrar para todo
e
mundo que um dia existimos e até mesmo eternizar muitos
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dos nomes que andavam esquecidos. Afinal não podemos
L
esquecer que podemos ser representantes do chamado
movimento ‘cult’ para muitos jovens mais atentos. por Andrea Barros*
EN: Grandes arranjos, letras afiadas, vozes Loveland: A Casa dos Quatro Jardins
afinadas, um estilo de vida. Vivenciar aquilo deve ter sido
maravilhosamente louco... Autor(a) - Iara de Avellar
Categoria - Romance
Abilio: Os grandes arranjadores: José Briamonte, ISBN - 978-85-62442-06-3
Luiz Arruda Paes, Gaya, Erlon Chaves. Número de páginas - 200
Grandes arranjos: Disparada (Quarteto Novo),
Universo do teu corpo (Gaya), Ponteio (Edu Lobo) Um romance bem escrito sempre faz a
Letras: Bandolins (Osvaldo Montenegro), Modinha diferença. No caso de Loveland, essa premissa é
(Chico e Vinícius), Roda-Viva (Chico), Se (Djavan)
verdadeira. Dividido em três partes, o livro constrói
Vozes: Emilio Santiago, Marisa Monte, Maysa,
Márcia
a história de Caroli, uma jovem professora que tem
Estilo de vida: a bossa-nova... Rio de Janeiro, anos como novo emprego ensinar um menino de sete anos.
60 Ao chegar na casa ela se depara com uma família
desestruturada, um pai amargurado pela morte da
EN: Um recado final aos que estão iniciando em esposa e dois filhos perdidos sem o amparo materno.
suas carreiras? A descrição das personagens e das cenas são
muito bem elaboradas. A autora consegue levar o
Abilio: Um recado que deixaria.... seria dizer que o leitor ao interior do Rio Grande do Sul e mostrar a
novo pode ser algo que foi esquecido. Que tal? Outra coisa: ele como as coisas realmente são em uma pequena
todos somos um pouco de onde nascemos... e muito do que comunidade do estado. Contudo, o principal ponto
vivemos.
da obra é a transformação que, inclusive, leva o
nome das três partes que dividem a história. É claro
que muito não pode e não deve ser dito, mas com
Pena Verde delicadeza, Iara leva ao imaginário do leitor as mais
Odeon, 1970
diversas imagens.
Pus Um Cravo na Lapela, Pode-se dizer que os personagens são mutantes,
Sou Escravo, Eu Sou Dos Olhos Dela pois se modificam no transcorrer da narrativa. Aliás,
Pena Verde no Chapéu... a narrativa é excelente e consegue prender o leitor.
Me Deu Sorte, Ela Caiu do Céu. É possível terminar a leitura em menos de um dia.
Porém, quando iniciá-la é preciso ter em mente que
Tenho Agora Quem Me Quer
haverá muitas mudanças, não apenas na história, mas
Dou o Meu Cravo Pra Quem Quiser
no todo. É justamente aqui que está a beleza desse
Mas Pena Verde Eu Não Abro Mão
Pois Desconfio do Seu Coração. romance.
Não Adianta Fugir do Feitiço, (*)Andrea Lucia Barros é formada em jornalismo e direito,
No Fundo Você é Toda Sorriso com especialização em crítica literária.
Agora Sim Não Há Mais Problema
Tenho Você e Sei Que Vale a Pena... Adquira já o seu exemplar.
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Studio America
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Altercação
Letícia L Coelho
A arrogância vende
Quando as pessoas querem tapas...
São muitas, eu vejo,
De quatro esperando a garfada.
Vida engraçada...
Sentidos invertidos
Ele vende humildade
Como se fizesse caridade,
E tu compras...
Como se estivesse adquirindo algo de valor,
Catalisa...CatalisaDor.
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Quem sabe...
Alessandro de Paula
dirija sem temor para outro lugar que queria ter visitado
a direção oposta lhe convida e pode ser muito atraente
há tanta gente nova que aguarda ansiosa um novo você
Ali, na esquina
Álisson da Hora
Volte
Anderson Mattozinhos
Incógnito Anelo
Bruno Bossolan
Site Oficial
Flickr
Ou escreva diretamente,
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silvioalvarez@uol.com.br
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Por mais que ele puxasse as bainhas à memória não Não sou de aceites nem mesmo de acordos. Nem
encontrava a costura onde se perdera da paixão. Fosse por sei mesmo onde este tal equilíbrio adormece. Vivo pelas
míngua de alimento, fosse por ausência de palavra, o certo
é que, escudado na sabedoria paterna que bastas vezes lhe etapas que a vida propôs e eu, inteligentemente, não quis.
zurzira, com firmeza, ser a poesia um bálsamo para a alma, Foi imposição, podem crer, dela sobre este, meu sobre o
mas fraco aconchego para o estômago, a deixara morrer ‘não’ concordar.
em lume brando acabando por lhe fazer o funeral ao longo Sim, eu lutei porque a vida não tem este direito
de uma vida de trabalho árduo e de apetites saciados em todo. Só porque me deu o sopro acha que pode reter
relações sem corda ou baraço de tamanho suficiente para minhas vontades e impor este equilíbrio tosco? Não, eu
o compromisso. Ganhara o estômago numa luta desigual juro, não tem mesmo! Nem que tenha pedido-a numa
com o dicionário dos afectos… noite de embriaguez juvenil.
Ela, por sua vez, adormecida numa quietude morna Eu que procure procurar. Eu que chore por chorar.
e constante, sem sobressaltos, habituada ao quotidiano Eu que regurgite estas ordens. Somente assim dou a
novelesco iniciado, bem cedo, à porta de casa e a terminar
já com o sol entretido a desenhar geometria na sombra dos entender quem sou. O ser que originalmente equilibra-se
muros de reboco mal acabado, doce, sensível, embrulhada nas suas próprias vitórias, injúrias e quedas. Eis o meu, e só
numa aparente fragilidade, de olhar a um tempo sereno e meu, ponto.
forte, buscava uma melodia afinada no seio da paixão que, Olho de peixe
ao invés de pernoitar, residisse em permanência naquela
assoalhada vaga no coração. Eloy Nunes
Magnânimo e omnipresente, talvez por distracção
ou experiência, o destino dera-lhes uma prenda.
Aquele copo de bolinhas amarelas me lembrou
Tropeçaram um no outro numa química em efeverscência
e sem manual de instruções. Os corpos, nus, moldados a catapora que nunca tive e o sarampo que sarou até
numa forma única, consumiam-se num movimento na memória. Recipiente duvidoso, de plástico fajuto e
lânguido e lento , através dos cabelos dela escorregando arranhado, porém, de conteúdo inigualável. Sede alguma
teimosamente por entre os dedos dele que, de olhos se aplaca sem ela. Água esbanja, apropria, penetra o mais
bem abertos, se deliciara com o gemido rouco e profundo seco, o mais árido; molha. À agua, avidamente sorvida, até
com que ela lhe acariciara os lábios . A lua a estender- a minha própria imagem refletida se foi. Que estranho,
se pelo céu com uma dormência dolente e preguiçosa sedento, bebi a mim mesmo. Frágil, débil a cena de olhos
e o relógio a encher-se de horas e eles, de mãos dadas, trêmulos, fixados em água fluida, fluídica, fluidificante...
experimentando num último estertor de prazer, um sorriso Olhos que se olharam de volta. Espelho algum, duro e
amplo e afogueado a iluminar a face de ambos.
seco, nunca me oferecera a mim assim tão próximo, tão
Ele, cogitando de olhos no tecto, percebera que
não precisava mais de puxar as baínhas à memória. Ela, íntimo. Da água, úmida, em fim e começo, surjo; torno. Um
estranhando-lhe o silêncio, não resistiu à pergunta: singelo conceber que foi engolido, à seco, à água; água que
— E tu? Em que pensas? regurgito em suór, urina, choro, vômito. Exagero de água,
Dominado ainda por uma réstea de calor, fez uma exagero em água, sempre. O transbordante é o suportável.
pausa, inspirou fundo e, de sorriso nos lábios, perguntou- Afogo-me, não morro. Viro peixe e, nela, vivo.
lhe por sua vez: Ausência Salgada
— E tu? Sabes o que é amar?
Ela, sem ponta de espanto, sorriu, recordou as
palavras doces da mãe que, com uma paciência ilimitada Du
lhe saciava a curiosidade desconcertante da idade dos
porquês, aninhou-se-lhe no peito, atirando-lhe num Uma parte tua ficou comigo e me acorda toda
sussurro: madrugada.Olho no espelho procurando onde terás
— Amar? Amar…É gostar de ti com muita força… permanecido. Estás sutil, no círculo castanho dos meus
* Originalmente escrito em português de Portugal olhos.
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Mas não apenas lá. uma vítima ou um inimigo. Mesmo com o fedor nauseante
Tiro minhas roupas e te procuro. Onde estás? e onipresente, qualquer corpo quente, pulsante, seria
Minhas mãos deslizam seguindo o teu rastro percebido por mim em segundos.
impresso no meu corpo. Mesmo tendo sido criado dentro dos padrões
Estás sob minha pele, secreto, oculto, íntimo. normais da fina educação de minha classe social, estes
Caminho na trilha onde ficaram tuas pegadas meus sentidos altamente desenvolvidos fazem a diferença
e quase percebo os ecos da tua voz e os murmúrios do de minha personalidade, alterando a todo instante meus
tempo em que gravaste no meu ser os teus sinais. Abaixo rumos pela vida.
da pele, onde os outros não vêem, perto o bastante para Meus pais, ao me expulsarem de sua casa ainda um
tirar meu sono e me guiar na busca. garoto, imaginaram talvez que eu encontrasse a morte nas
Avanço em minhas próprias planícies, atravesso ruas, livrando assim a sociedade do empecilho que eles
meus quilômetros seguindo tua pista, e então estás aqui. mesmos haviam gerado.
Te alcanço e toco o que, sendo parte tua, mora em mim. O primeiro corpo que tomei como alimento foi
Cansada e suada, finalmente entendo: a parte que deplorável. Um bêbado imundo, com todos os gostos
ficou comigo foi tua ausência. de todos os vícios humanos, me fez sentir uma variação
E tua ausência salgada vaza pelos meus olhos... enlouquecida de sabores. Sabores que odiei e que me
Doce Obsessão fizeram pensar que talvez esse não fosse o alimento
necessário para minha vida.
Luisa Aranha Noites após, zonzo de fome e necessidade, uma
prostituta jovem e recém-saída de seu apartamento da
A ideia de querer e não ter assombrava sua zona do meretrício, tão criança que me parecia sentir
alma. Como uma criança mimada, passava dias e noites ainda o cheiro do leite de sua mãe, fora a melhor refeição
imaginando que artimanhas poderia fazer para conquistar que já houvera conseguido. Tenra, com um sangue doce e
aquele coração. Nem gostava tanto assim. Sabia que não suave como se fosse vinho das melhores safras. Me servi
era amor de verdade. Um flerte talvez. Um desejo quem de seu sangue aos goles. Banquete ensandecido de carne
sabe. Uma doce obsessão. De tão obcecada não percebia crua e quente.
que outras coisas aconteciam na sua vida. Aquela conquista Fiz muitas vítimas desde então. Brancos ou negros,
era um capricho. Um mimo para sua auto estima e nada mulheres ou crianças, católicos ou judeus. Experimentei de
tinha a ver com sentimentos. Talvez só com o sentimento todos e por cada um deles tenho uma preferência distinta.
de posse. Como se o que cada um comesse por hábito, afetasse o
Possuir ele. Poder pensar que tinha conseguido. sabor de suas carnes.
Sentir o sabor da conquista. O cheiro da vitória e depois Mas hoje não busco ser um gourmet. Quero apenas
relaxar. Sim. Aquele tinha virado seu único objetivo na vida carne em forma de fast-food. Tenho fome e quando fico
e não havia um minuto se quer que ela não pensasse nisso. neste estado não ouso escolher.
A crueldade de seus devaneios era tamanha. Pensava na Perdido em meus pensamentos, quase perco a
conquista e no golpe final depois dela: o grande pé na chance de uma vítima. Ela andava apressada, coberta por
bunda que daria nele. um sobretudo que lhe escondia totalmente o corpo. A
Não era uma mulher fria e calculista. Era impulsiva. chuva que começara naquele instante, cobria meu corpo
Agia pelo prazer. Ele era calculista e por causa disso pensava nu com uma gelada camada de vapores.
em como magoá-lo tanto como em como conquista-lo. Ataquei-a pelas costas, buscando quebrar seu
Queria devolver o veneno que ele mesmo tinha colocado pescoço. Desequilibrada mas ainda consciente ela gritou,
em sua corrente sanguínea. O amor não correspondido. um grito mudo que ficou guardado em sua garganta que
Os olhares não retribuídos. Os beijos imaginados e não iria estraçalhar. Em seus lábios vi claramente se formar um
trocados. O desejo não saciado. nome que não ouvia há muito tempo. O meu nome.
Não pensava em mais nada. Não queria mais Sim, eu a reconheci e ela me reconheceu. Minha
nada. Só aquele coração. E ia vivendo assim. Imaginando, mãe humana estava ali, esperando por mim como um
desejando, querendo e procurando formas de conseguir. prato de velhas recordações.
Poder dizer que era seu. Sabia que não iria se vingar. Apenas Sem esperar mais, mordi e rasguei seu corpo até
sentir, amar e ser feliz. Até o dia em que encontrasse uma o momento em que ouvi a última batida de seu fraco
nova obsessão. coração. Ela não deveria ter usado meu antigo nome, pois
hoje me chamo Lobo.
Lobo(*) Me alimento de pobres humanos desaviasados
que insistem em passar em meu caminho. Mas posso me
David Nobrega chamar Misericórdia, mamãe, e assim livro inúteis como a
senhora dessa vida inútil.
Comi tudo mamãe. Não sobrou nada. Só não
Por mais habituados ao escuro que estejam meus consegui comer seus olhos, que insitem em me fitar,
olhos, este beco imundo me oprime em sua total ausência mudos.
de luz. *Do livro “Uns & Outros” - 2009
Estou aqui escondido, aguardando por quem sabe
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a esperança de uma libertação das máculas do presente. morte de um estado presente, posto em questão, e
Somente o mergulho na memória, atualizada no corpo o nascimento de um estado conseqüente sugerido.
e o contato com o fluxo caótico possibilitaria regenerar Enfim, a presença de uma catarse na própria estrutura
a existência, salvando o homem da presença maciça da obra, entendida como acontecimento, possibilita
do clichê e do automatismo motor e psíquico. Essa uma purificação emocional no fruidor desse trabalho.
reatualização mítica do passado, do ato cosmogônico Assim, Catarse, corpo, ritual e cerimônia se unem
é a característica comum de muitos artistas dessa na criação de uma obra crítica e transformadora
tendência. Seus trabalhos pertencem a diferentes que ilumina a consciência e desvela a realidade da
correntes da arte atual, mas todos apontam para condição humana, purificando-a por meio de uma nova
uma nova atitude corporal diante da temporalidade, consciência crítica, alteradora dos comportamentos e
implicando o surgimento de um homo novus. Se as valores.
atitudes referentes à temporalidade são semelhantes,
a elaboração de seus vocabulários e os aspectos da
realidade, que eles manipulam, diferem sensivelmente. Referências:
A cerimônia, por outro lado, manifesta-se igualmente
no trabalho de vários desses artistas, visando, pelo Sites:
caráter solene que comporta, a produzir uma afecção Gina Pane no Facebook & Hermann Nitsch
de natureza perceptiva e corporal. O corpo é o
mediador que regula e acentua o valor dos dispositivos, Livros:
para tornar a intenção da experiência desses rituais Aristóteles:: Poética.
mais perceptíveis. Pela cerimônia, a função dos Tradução Eudoro de Souza. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
símbolos, objetos, gestos e atividades corporais, nos Braga, Eduardo C.:: “A mímese e o outro lado da tela do computador”.
faz pressentir mais ainda a intenção subversiva dos In: Revista Art&, número 4, Outubro de 2005.
artistas, em relação à ordem estabelecida e aos clichês, Else, Gerald F.:: Aristotle’s Poetics: The Argument.
os quais não pertencem à ordem do ritual. Sendo Cambridge, MA: Harvard University Press, 1968.
anti-establishment crítico, esses trabalhos assumem
o papel iniciático de preparar as consciências para a
Edurado C. Braga possui graduação em Educação Artística, graduação em Filosofia, mestrado em Filosofia
pela Universidade de São Paulo. Doutorado em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Professor do Centro
Universitário SENAC. É natural da Vila Madalena, São Paulo, Brazil
E:mail: duar.braga@gmail.com
O Esquecimento Proposital
por Letícia Losekann Coelho*
Vi esses dias uma deletam da sua mente toda contas, andar sempre nos
ex-usuária de maconha a merda que fizeram, como trilhos é para poucos e admiro
criticar um fumante de se atualizassem uma página uma pessoa incrível assim.
tabaco de forma xiita. Na com texto novo no blog, Incrível no sentido fantástico e
hora pensei em elucidar a fazendo parecer tão simples fodástico da palavra!
pessoa, dizendo: “Oi, você como deletar uma poesia Vejo muito pouco um
tem um passado, lembra?”, ridícula do bloco de notas do alguém qualquer fazer uma
mas fiquei fria -- gelada computador. autocritica com sucesso. Na
para falar a verdade. Cada É aquela lógica, maioria dos casos a autocritica
um mostra para o mundo o que faz do “vizinho” estar vira uma mania que todos em
que é oportuno; o que nos redondamente enganado. volta devem suportar. Logo,
desabona, escondemos. O “vizinho” é um estúpido o tabaco do cidadão ao lado
Sabe, essa coisa de que tira o lixo um dia antes vai sempre incomodar um ex-
estar quase nos trinta me do lixeiro passar. O “vizinho” fumante de maconha. Ele vai
pega às vezes. Vejo várias também está errado por reclamar, discursar seguindo
pessoas de 30 e poucos ou brigar com a esposa aos a máxima política, onde
muitos, “garganteando” berros e me fazer roubar a gritando primeiro as merdas
exemplos furados e sim, briga e escrever um conto. O dos outros faz com que as
esquecendo de seu próprio “vizinho” é burro por gastar nossas pareçam menores.
passado. Claro, o importante dinheiro comprando pinga no “Uma coisa é uma
é se perdoar -- foda - se bar da esquina .O “vizinho” coisa e outra coisa é outra
a opinião alheia --, afinal também é um sem coração coisa?” Não, isso vai depender
de contas os erros surgem que some e não dá notícias. O da nossa disposição em
justamente para que possa seu “vizinho” é tão errado que olhar para dentro e fazer
existir o arrependimento, um o desafio a se colocar como a autocritica funcionar ou
aprendizado. O normal é fugir exemplo de vida e de conduta. continuar condenando o
do que nos prejudica e mudar. Esses que criticam tanto tabaco do
Sim, mudar para melhor! seus “vizinhos” deveriam “vizinho”,
Agora o que incomoda são mostrar ao mundo sua fugaz esse sim um
os que se colocam como diferença, sua história de horror!
exemplo e simplesmente sucesso pessoal. Afinal de
@EuHoje Ela saiu sem se despedir. Não. Pior. Ela saiu sem se
despir.
@EuHoje Ter certeza não deixa de ser uma forma de dissimular inseguranças.
Ele: Se pedes que eu seja um outro, diverso do que sou, é porque não me amas.
Ela: Se pensa que não te amo é porque não sabe quem sou.
Ela: Meus olhares mais secretos não mais pertencem a mim, são teus desde o primeiro momento
que te vi.
Ela: É sua, toda sua, como meus dedos, que a despeito do medo, desejam te tocar.
Ela: Não temo, peço, decifre meus códigos, leia o calor da minha pele.
“
em emoções e sentimentos. É pintar um quadro em letras e palavras...
que traduz cores ou um verso colorido que brinca entre as
tintas de Renoir ou Tarsila do Amaral. Ou seja, a criatividade “Escrever, para mim, é rasgar plenamente o avesso
artística está em deixar a arte livre, e essa liberdade carrega da vida. Depois a gente pode até costurá-lo. E, mesmo que o
“
em si traços culturais daquele que versa ou pinta. sangue se esvaia, ainda podemos encontrar a cura!”
“
(Rita Schultz – Corpo Cindido)
“A arte não se negocia, é autêntica e tem estilo
próprio, mas sempre temos um referencial de alguém na “Poesia, é uma arte em palavras / Bem regadas de
estrada da vida. Nessa vida, aprendi que quase nada se emoção / No meu peito jamais serão caladas / São essência
cria; se copia, porém cada um tem o seu estilo pessoal e de alma e coração!”
intransferível.” (Cesar Gonçalves – Gritos da Alma)
(Sandra Cajado – Coluna: Arte Sem Rodeios)
Deixe escorrer os versos em forma de arte e vamos
Nessa edição iremos expor um pouco dessa brincar de sonhos, fantasiando sorrisos e expandido culturas
diversidade artística trazendo a cultura versada de alguns em suas mais variadas formas. Pois assim enriquecemos
poetas e artistas do portal SC Arte e Cultura. É a tal mistura e transformamos nosso mundo, nosso eu com essa arte
cultural que brinca em artes quando várias culturas se sensacional, apaixonante, encantadora, que é a união
encontram e tentam falar do mesmo assunto, porém com cultural. Apaixonante também é a nossa intergaláctica
“
olhares diferentes. Rádio Sandra Cajado Arte e Cultura que sempre apresenta
programas da série Curtindo o Som sobre o comando do DJ
“Rir, chorar. Arte, o que é arte para você? A arte Mynno, trazendo a arte do sorriso e da diversão, pois a arte
desperta inúmeros sentimentos, ah – a arte! Pra mim a arte está para divertir e celebrar mundos.
é respiração! É ar, é desejo, é segredo, é medo vencido, é Enfim, aqui, ali, acolá, não importa onde, todos nós
brilho. Brilho? Quem brilha mais? Quem são os artistas? apreciamos arte seja ela como for. É cultural conhecer novos
Aonde é o palco? Quem tira as máscaras e tem coragem de mundos e apreciar novas canções, pois quando passamos a
se mostrar de alma nua, não se importando se vão gostar? olhar em outras direções descobrimos que as pessoas vivem
Quem sobe lá no palco da vida e sem medida resolve amar?” e pensam diferentes, porém a arte nos une. Cada cultura,
(Si Meneguinni – Coluna: Pelo Olhar Profundo da Vida) sua voz, cada arte traz um pouco de nós!
Até a próxima!
São essas culturas ai que se chocam, porém se
mesclam tornando-as homogêneas e logo assim externando
a brasilidade autêntica no sangue e na veia, na veia poética
“
desses artistas e daqueles que leem.