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2 Ls Henrique Marques CANCOES QUE NASCEM DA ALMA Com muitos anos de estrada, o misico Tico da Costa segue compondo e cantando a beleza da vida como ele a percebe, a partir do seu cotidiano dialogo com Deus carreira, do compositor e miisico Francisco das Cha- gas Costa, 0 Tico da Costa, jé acumula dados mais do que respeitaveis: em quase 40 anos de trabalho profissional, ele produziu 14 CDs (todos de sua autoria), além Cie St 9 de ter realizado turnés por varios paises da Europa, Africa e América. Sua miisica recebeu elogios de jor- nais como o “The New York Times”. Nos Estados Unidos especificamen- te, além de realizar concertos no Town Hall, Sinfony Space ¢ Knitting Factory, participou de festivais como © New Port, Folk Festival, New York Jazz Festival, On Stage World Trade Center, Sin Fronteras Festival (Madi- son, Chicago), s6 para citar algun: (O que encanta nesse criativo m sico, filho da pequena e pobre Areia Branca, no Rio Grande do Norte, nao €s6 seu curriculo, mas sobretudo, a maneira como nascem suas misi- as = sdo tantas que nem ele mesmo sabe precisar quantas. “Geralmente, as canes partem de uma experién- cia real e verdadeira da alma, do que estou vivendo: uma experiéncia lin- da, um momento de indignagao, de alegria’, conta o proprio Tico. E, contudo, do didlogo cotidiano com Deus que provém sua incessante inspiracao. “N6s estamos. sempre na corda bamba dos humores, mas a constante de nossa vida interior € le”, afirma Esse didlogo, permeado por uma s6lida formagao em Miisica e em Le- tras, faz com que Tico da Costa en- contre nos pensamentos, nas pala- vras ditas (ou ainda por dizer), uma melodia constante. "Se voce segue © jogo da fala, jé encontra todas as ‘nuances, as aliteragoes, as inflexdes, as tOnicas..”, diz a0 referir-se as ca- racteristicas estéticas ¢ harménicas que uma boa miisica exige. Para ele, © talento que Deus deu aos artistas € de tao-somente perceber essas c sas endo deixé-las passar em branco. Tico tem constatado o sucesso dessa formula na repercussdo junto ao pti- blico. As pessoas ~ adeptas de uma experiéncia religiosa ou nao ~ ser tem-se tocadas por esses “tesouros” da alma, apresentados pelo carter nucélico dos ritmos nordestinos”, pela “picardia do chorinho” ou pela “sofisticagao da bossa”, Ocomeco Embora proprio Tico reconheca que essa historia de herdaro talento musical da familia pareca senso co- mum, ele afirma que foi justamente {sso que aconteceu no seu caso. De fato, trata-se de uma familia de mu sicos autodidatas “extraordinarios”, define. Do pai, carteiro de profissao € seresteiro por paixao = “ele ado- rava tocar tangos", o que fazia de forma rudimentar, tendo um pali- to como palheta -, Tico da Costa adquiriu 0 gosto pelo violao. O pai nao seguiu carreira (nem podia, por- que a mae vendeu o violao eacabou Tieoda Gosia: “Goralmonta as ‘cangdes param de uma experiéncie ‘eal verdadare da ama ‘Ao ade: 0 cantor com @ su fata com as “noitadas” do mari- do), mas 0 entdo adolescen- te Tico partiu para Natal, onde foi morar com a avé estudar musica num con- servatorio da cidade. An- tes, tinha aprendido violio “brasileiro” basico, “mas ja com arpejos, meio solando, porém, sem técnica’, Ali, conheceu © Movi- mento dos Focolares. Da telago com os membros desse movimento, Tico 30 36 obteve a oportu- nidade de se desenvolver como profissional de mi sica como surgiram as ba- ses dessa relacdo pessoal com Deus que, apesar das crises espirituais — que o fizeram afastar-se da Igreja e dos Focolares durante um bom tem- fo =, o acompanham desde entao. “Desde a minha tenra infiincia, ele, Deus, sempre esteve presente na minha vida como uma imagem per- manente", conta. “Foi essa imagem, dele que me salvou de todos os per- calgos e me fez entender a impor- tancia dos Focolares”. Imagem cuja origem ele identi- fica-com alguns versos de“uma de suas cangOes: “Tudo é lindo na vida quando tem amor, tudo é belo e tem cor. A beleza do mundo que esté es- condida, eu nem sei se est perdida. Mas todo dia, eu vejo colorido, meu mundo guamecido, meu mundo de amor. Meus pensamentos ndo cons- troem maldade, constroem uma cidade de paz e esplendor”, “Essa cidade ja existe!”, alguém Ihe disse referindo-se a experiéncia da espi- ritualidade da unidade vivida pela comunidade dos Focolares ao redor do mundo. Desse periodo inicial de sua cat- reira, muita gente pelo Brasil e pelo ‘mundo lembra de cangoes compos- tas por Tico ainda hoje bastante cantadas, especialmente pelos mem- bbros dos Focolares: “A tabua”, “Na dor te encontrei”, “Acampamento”, “Pedras do Caminho’, "Os cup! ‘mentos” e a lista segue longa, Um Perfodo de muitas aventuras, que foram dos varios quilémetros roda- dos na Kombi, Nordeste afora com (0s meninos do Conjunto Gen = do setor juvenil dos Focolares ~ a gra- vvacao dos seus primeiros compactos pela Editora Citta Nuova, na Italia, uum dos quais a convite direto da propria Chiara Lubich, fundadora do Movimento. Entre essas aventu- tas, Tico gosta de contar que, numa nica noite, em Recife (PE), compos 21 cangdes, uma para cada quadro de um artista plastico italiano, cujos recursos da mostra foram revertidos Para aquisicgo de um terreno do Centro dos Focolares dessa regizo. Mais tarde, 0 sucesso do recital-ex- posicdo se repetiu na Itlia. 2 dst #3 AD Musica “para os outros” No diario de sua vida, Tico s6 es- creve miisicas. Diz, inclusive, que € mais facil compor uma nova cancio do que aprender as dos outros. Por isso, sempre teve dificuldade em res- ponder com honestidade a respeito de suas influéncias musicais. Para ele, “a misica raramente vem de fora, mas quase sempre de dentro”. Tico admite, no entanto, que sempre foi admirador de Chico Buarque, Gil- berto Gil, Geraldo Vandré, Roberto Carlos, mésicos que marcaram sua juventude. Ele reconhece também que, voltado para si, corre o risco de “perder as referéncias do tempo, da estética”. Ainda assim, insiste que para fazer boa miisica, nao € pre- ciso muito: “Basta perceber 0 arre- dor”. Isso também ocorre quando se apresenta: € da relagao direta com 0 iiblico, ali no palco, que elege o re- pertério de cada apresentacao. Essa postura coloca-o, de cétto modo, a margem da chamada “in- dstria da mésica” que ve o artista como seu “produto”. Nesse sentido, Tico € contundente na critica que faz 8 mésica puramente comercial Para ele, essa existe porque o mésico “vende a sua alma”, “£ uma prosti- ‘tuigdo: voce esté mentindo para as pessoas; € querer enganar o Espirito Santo”, afirma, Tico admite que {4 caiu nessa tentagao, especialmente Porque ~ como qualquer cidado ~ precisa “pagar as contas”. Porém, disse que tem encontrado a reali- zagao verdadeira em fazer mésica “para os outros” e que ela seja capaz de ajudar as. pessoas a encontrar, para além da dor, “a beleza da vida ue esté escondida’” . Para conhecer mais a obra de Tico da Costa, basta acessaro site wwwwamyspace.com/ticodacosta Acton Sin #3 Leen EE nl O jazz com cara de Artiste: José James Album: The Dreamer, 2008 Gravaciora: Brownswood Records jeitéo € de rapper. Boné preto jogado para o lado, camisa & calca larga, olhar de quem esta ‘encarando” muitos gestos com a ‘mo quando canta, para realcar as incrivets variagdes vocais. A apresentacdo estética 50 ‘engana e acaba por deixar 0 pro- duto ainda mais cool. A sensagao de que um moleque do subse bio de Nova York, vestido como tal, 6 0 novo Chet Baker da parada 6 revigorante. © trompetista Wynton Marsalis perceberia que esta diante de um grande jazzista, com uma voz extraordinia, © nome dole 6 José James, des- coberta e trazido a0 mundo pelo DJ @ radialista Gilles Peterson, um cara que Vive para sustentar 0 conceito de re- novacdo. Nesse caso, ele acertou em helo e fez questao de lancar o primeiro disco do rapaz, “The Dreamer’ pelo seu proprio selo, 0 Brownswood Records. Muito se fala do nu jazz como a sal- vaedo do género, pelo elo criativo que se estabeleceu com os produtores & Ds. José James nao tom essa pegada letrOnica,”mesmo que esteja cercado por gente que atua nesse segmento. principal conceito em "The Drea- mer’? que anda cada vez mais ern desu- 50, 6 a exploragao maxima da dinamica. sso mesmo. Esquega os shows ou CDs ‘que te deixam surdo e cansado. James «sua banda so impecaveis na variac3o de intensidades em que s40 interpreta- das as cancdes. Voce tem desde mo- mentos mais singelos, de canto sussur- rado, até periodos de grandiloatiéncia @ longos espagos para improvisacéo. Basicamente acompanhado de um ‘tio (baixo, bateria © piano), 0 cantor desfila sua voz ‘grave por temas que pode- riam ser classificados como coo! jazz. Mas hé evolugdes que se aproximam da ‘estruture fragmentada da eletrOnica ou mesmo do groove do funk @ até do jeito cadenciado de se cantar rap. Em "Desire? por exemplo ~ faixa ‘que encerra o album =, ele parte de uma balada para uma secao instrumen- tal vigorosa, demonstrando que o jazz mais ‘cléssico, tal como 0 imaginamos, fencontra ressonancia na maneira como 5 instrumentistas revezam emocéo, ‘@enica e improviso. A faixa de abertura, “Love' até parece vir com a programa (0 de um DJ de drum and bass, mes- mo com tudo sendo executado “orga: ricamente’A origem hip hop esta néo s6.no “visual maneiro" de James, mas também notavelmente em “Park Bench People’ uma das melhores do album. ‘Acreditar que 0 futuro do jazz esta nas maos de José James, & desconside- rar o que sua obra propde. “The Dreamer td af para relembrar como é bon ouvir rmiisica “baixinho’ sem perder 0 swing @.a sofisticacdo caracteristicos do jazz Tudo isso, @ claro, sem esquecer que a ‘voz desse menino ¢ jéia rare, so aque- las que surgem a cada 20 anos,

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