Você está na página 1de 244

ISSN 1679-6748

Visualidades
Revista do Programa de Mestrado em Cultura Visual

Vol. 4, n.1 e 2: Jan-Dez/2006


UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

Reitor
Edward Madureira Brasil

Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação


Divina das Dores de Paula Cardoso

Diretor da Faculdade de Ar tes Visuais


Luís Edegar de Oliveira Costa

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Cultura Visual


Alice Fátima Martins

Editora
Rosana Horio Monteiro

Conselho Editorial
Irene Tourinho
José César Clímaco
Raimundo Martins
Paulo Menezes

Conselho Científico
Ana Claudia Mei de Oliveira (PUC-SP, Brasil) / Belidson Dias (UnB) / Fernando Hernández (Universidad
de Barcelona) / Flavio Gonçalves (UFRGS, Brasil) / Françoise Le Gris (UQAM, Canadá) / Juan Carlos
Meana (Universidade de Vigo) / Kerry Freedman (Northern Illinois University, EUA) / Margarita Schultz
(Universidade Nacional do Chile, Chile) / Maria Luísa Távora (UFRJ, Brasil) / Mauro Guilherme Pinheiro
Koury (UFPB, Brasil).

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (GPT/BC/UFG)


V834 Visualidades: Revista do Programa de Mestrado em Cultura
Visual / Faculdade de Artes Visuais / UFG. – V. 4, n.1 e 2
(2006). – Goiânia-GO: UFG, FAV, 2006.
V. :il.
Semestral
Descrição baseada em V. 4, n.1 e 2
ISSN: 1679-6748
1. Artes Visuais – Periódicos I. Universidade Federal de Goiás.
Faculdade de Artes Visuais II.
Título.
CDU: 7(05)
Tiragem: 300 exemplares Data de circulação: dezembro/2007

Créditos
Capa: Obra de Alexandre Órion
Projeto gráfico
Marcus H. Freitas
Edição de ar te
Márcio Rocha
Revisão
Deborah Borges
Editoração
Carla de Abreu

FACULDADE DE ARTES VISUAIS / UFG


Secretaria de Pós-Graduação I Revista Visualidades
Campus II - Samambaia - Bairro Itatiaia I Caixa Postal 131 – 74001970 – Goiânia-GO.
Telefone: (62) 3521-1440
e-mail: revistavisualidades@gmail.com
www.fav.ufg.br/culturavisual/
Sumário

DOSSIÊ CULTURA VISUAL


Sobre textos e contextos da cultura visual 5

Elementos para una génesis de un campo de estudio de las 13


prácticas culturales de la mirada y la representación
Fernando Hernández
Porque e como falamos da cultura visual? 65
Raimundo Martins
Perturbar la historia del arte desde el lugar de la 81
espectadora: las aportaciones de Pollock y Bal a
los estudios visuales
Laura Trafí
Acoitamentos: os locais da sexualidade e gênero na 101
arte/educação contemporânea
Belidson Dias

A visual culture pedagogy: A case study in negotiation 133


Paul Duncum

RESENHA
Uma visita à Bienal Naïfs [entre culturas] 151
Rejane Galvão Coutinho

ENSAIO VISUAL 159


Alexandre Orion

ARTIGOS

DJ Oliveira, a gravura e a complexidade da ação criadora 169


Edna de Jesus Goya

A cidade dos desejos de Carmen Portinho e de Lúcio Costa 201


Eline Maria Moura Pereira Caixeta

ENTREVISTA
Rodrigo Gutiérrez Viñuales 223
por Miguel Luiz Ambrizzi

Normas para publicação 241


Sobre textos e contextos da cultura visual

Raimundo
MARTINS
editor convidado

Embora tenhamos consciência da base histórica e política


que organiza e delimita as áreas de conhecimento e suas res-
pectivas disciplinas, parece que não nos damos conta de que
as diferenciações que fazemos entre sistemas de significação
se mostram, com o passar do tempo, provisórias e passagei-
ras. Revelamos grande interesse e até mesmo facilidade para
descobrir e identificar agendas de significado estabelecidas no
passado, mas, com freqüência, essa lucidez se oculta quando
trasladada para cenas do presente. A clarividência que inventa
e esquadrinha o passado transforma-se em miopia que, inten-
sificada, encobre implicações e cria resistências às pautas de
significado do mundo atual.
Assim, o presente, ou seja, o momento contemporâneo, é
sempre conflituoso, visto como muito mais conflituoso que o
passado. De alguma maneira, esse conflito manifesta algo so-
bre nossa formação profissional, preferências ou intransigên-
cias conceituais, sobre predileções teóricas e afetivas que con-
figuram nossas relações com o ‘outro’, com o ‘mundo’ mas,
principalmente, nossa disposição e temperamento para o diá-
logo com idéias e práticas de qualquer tempo. Como tempo
vívido, o presente é impulso de tramas, idéias, conceitos, diver-
gências, atitudes, experiências, relações, ideologias e imagens
que transbordam e nos invadem de modo quase incontrolável.
É força de produção, pulsão de vida que nos intimida e assom-
bra pelo modo como arma relações com o futuro insinuando
uma certa displicência ou até mesmo algum tipo de negligência
com o passado.

5
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Mas é impossível não pensar ou dizer do passado. Não te-


mos como eliminá-lo porque cada um de nós carrega um pouco
dele e convive com modalidades e versões de passado que nos
confrontam e nos afligem. Passado histórico, material, concei-
tual, individual, coletivo, crítico e visual são reconstruções abs-
tratas, parcelas e fatias de tempo que em condições subjetivas
e até mesmo objetivas, fazem parte de nós e, portanto, tam-
bém fazem parte do presente.
Nossas preferências estéticas contemporâneas estão funda-
mentadas em identificações epistemológicas e políticas do pas-
sado que, por vezes, ignoramos ou nos negamos a aceitar. Argu-
mentos de inovação tecnológica, cultural e moral nos encorajam
a consentir rupturas que descrevem a descontinuidade entre ge-
rações como um fenômeno da aceleração do tempo, sem con-
tudo podermos negar a crise da autoridade do passado sobre o
presente como uma ironia do tempo em que estamos vivendo.
Instituições acadêmicas com freqüência encaram o presente
ou, dizendo melhor, a cultura contemporânea, como algo im-
previsível, incompreensível, porém, irresistível. O conjunto de
idéias e perspectivas que caracterizam a cultura contemporâ-
nea (pós-modernidade, pós-estruturalismo, estudos culturais,
estudos feministas, epistemologias de ponto de vista, teoria
queer, etc.) parece constituir uma ameaça a práticas, conceitos
e, sobretudo valores do passado. É como se novas perspecti-
vas, abordagens, campos de investigação e saberes emergentes
ainda não regulados pelo ofício e pelo método, insurgissem na
cena contemporânea intimidando o tempo que a precedeu.
Hoje, a realidade é inseparável das imagens e da ficção por-
que vivemos em um mundo interpretado, um mundo que muda
e se transforma exigindo a realização de múltiplas re-descrições
e interpretações. Essa re-configuração ideológica, conceitual,
política e imagética do passado e do presente coincide com
uma renovação temática e metodológica que a cultura visual
se propõe a realizar na atualidade. São transformações produ-
zidas de maneira crescente, iniciativas que incorporam desloca-
mentos de noções rígidas sobre espaço, local e temporalidades
para modos flexíveis de analisar arte e imagem. Esses modos
contemplam múltiplas maneiras de ver, bem como novas abor-

6
dagens epistemológicas de interpretar. Em decorrência dessas
mudanças e transformações, o foco das investigações se des-
loca daquilo que enaltece ou julgamos necessário às pessoas,
para as coisas, situações e experiências que os indivíduos estão
vivendo. Esses novos modos de olhar buscam dar sentido ao
fragmento, ao emergente, ao mutável, ajudando-nos a compre-
ender o mundo em que vivemos e suas relações com visualida-
de e poder.
Assim, a cultura visual se constitui como reflexão e críti-
ca de uma “condição” contemporânea que é incerta, instável
e contraditória, porque nós, seres humanos, vivemos e convi-
vemos em um mundo interpretado, um universo simbólico em
que as coisas que fazemos e dizemos se inscrevem num discur-
so temporal e provisório. A cultura visual questiona e discute
a necessidade de rever e ambientar o conceito de valor num
mundo onde experiências do cotidiano sugerem novos modos
de perceber, sentir e pensar. Essas novas formas de perceber,
sentir e pensar subvertem conceitos e trazem implicações epis-
temológicas e políticas para as práticas visuais e para o modo
como elas são tratadas nas instituições acadêmicas.
Neste número especial da Revista Visualidades apresenta-
mos um conjunto de artigos que rastreiam e articulam a cultura
visual como campo de estudo que se propõe nas bordas de
posições teóricas e práticas metodológicas e experienciais que
nos ajudam a interpretar as visualidades do presente e do pas-
sado no contexto de um mapa de relações que inclui a realida-
de dos sujeitos, a realidade social e outros tipos de realidade.
Esse mapa de relações – informação, história, conhecimento e
visualidade – se constrói a partir de diferentes disciplinas que
interagem a partir dos questionamentos pós-estruturalistas.
Esses questionamentos aprofundam discussões sobre a no-
ção de cultura, de sujeito e de visualidade, respectivamente sob
a perspectiva dos Estudos Culturais e dos Estudos Feministas
buscando estabelecer um olhar diferente sobre o fenômeno
social denominado arte, contextualizando-o e expandindo seus
significados. A ênfase da cultura visual é na “compreensão críti-
ca” da visualidade, ou seja, na retomada de relatos e narrativas
existentes onde o ‘sujeito’ – não apenas como receptor, mas

7
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

também como intérprete – passa a ter espaço para construir


novos relatos e colocar seu próprio olhar através de narrativas
que não são apenas verbais, mas, também, visuais ou inter mi-
diáticas. A compreensão crítica nos ajuda a aprender a ques-
tionar as representações consideradas canônicas ou, dizendo
de outra maneira, aquelas que fazem parte de um repertório
oficial e são preservadas por um modo de interpretação reco-
nhecido e legitimado institucionalmente.
No artigo inicial deste dossiê, Fernando Hernández situa
a conjuntura intelectual, as contingências e motivações que
possibilitaram a emergência dos estudos da cultura visual. Des-
creve os antecedentes e o contexto no qual influências e po-
sicionamentos sinalizaram possibilidades e perspectivas para
um programa de estudo e pesquisa que sugere a necessidade
de renovar e dar à história da arte uma dimensão cultural que
transforma o ver em visualidade. Ao percorrer as diferentes e
intrincadas trilhas que abrem caminho para a cultura visual,
Hernández nos permite visualizar momentos e aspectos desse
percurso e sua gênese. Através de revisão cuidadosa, nos con-
duz por teorias, autores e conceitos delineando a importância
das viradas ‘linguística’, ‘cultural’ e ‘interpretativa’, assinalando
suas influências e contribuições.
A travessia da história da arte para a cultura visual é lenta
e gradual. Se desenrola por caminhos sinuosos, íngremes e por
vezes escorregadios, marcados por dissensões e divergências
teóricas, conflitos institucionais e profissionais, novas publica-
ções, discussões editoriais, ensaios fotográficos e críticas... mui-
tas críticas. Nessa travessia Hernández alinhava pacientemente
aspectos da história cultural da arte com a referência dos es-
tudos culturais, tece relações entre estudos culturais, cultura
visual e pós-estruturalismo destacando problemas, ruídos e re-
sistências dos discursos hegemônicos em torno das representa-
ções visuais. Entrelaça princípios e conceitos que fundamentam
a cultura visual como campo de estudo arrematando com um
toque claro a importância do significado em relação à noção de
cultura. Conclui o artigo traçando vínculos entre pós-estrutu-
ralismo e cultura visual e relacionando algumas considerações
metodológicas.

8
No artigo seguinte, rastreio, de forma sintética, influências
históricas que marcaram a ascensão e o estabelecimento do
sistema das belas artes na modernidade – arte x artesanato,
história da arte x história do design, arte erudita x arte popular
– mapeando as origens do discurso formalista, re-visitando as
tentativas e esforços para aproximar a arte do cotidiano e pon-
do em evidência o etos das instituições acadêmicas na contem-
poraneidade – disputas silenciosas, estratégias e resistências à
cultura visual. Ao discutir as relações sincréticas entre arte e
imagem, caracterizo a cultura visual, seus projetos e propósitos
como campo de conhecimento emergente que busca compre-
ender o papel da arte/imagem na vida da cultura. Ao delinear
o papel que arte e imagem desempenham na cultura e nas ins-
tituições educacionais, distinguo a concepção inclusiva da cul-
tura visual ressaltando a importância da interpretação crítica e
a forma como ela se insere na educação da cultura visual.
Ao traçar o percurso das contribuições de Griselda Pollock e
Mieke Bal para a construção de uma história e teoria crítica da
arte, Laura Trafí expõe a necessidade e discute a importância
de interpretações contemporâneas das obras de arte como uma
maneira de manter uma constante re-significação do campo vi-
sual através de práticas dialógicas entre leitura e escrita, visão
e revisão. Criando trânsitos entre textos, conceitualizações e in-
terpretações das historiadoras ou, melhor, das críticas culturais,
Trafí articula sua discussão a partir do “lugar da espectadora”
desestabilizando modos de “ver” e de “ler” institucionalizados
pela história da arte.
Ao mesmo tempo e a partir de temporalidades contempo-
râneas, a autora se permite introduzir um olhar crítico, uma
interpretação performativa que dialoga com corporeidades, in-
terage com experiências subjetivas e amplia as perspectivas de
análise em relação aos artefatos e sujeitos da cultura visual. As-
sim, Trafí reconstitui vínculos entre arte, história, subjetividade,
interpretação e desejo promovendo deslocamentos conceituais
e, deliberadamente, expondo as incoerências e limitações de
um discurso institucional sobre arte embasado num historicis-
mo acrítico e linear.
Uma visão panorâmica das relações históricas entre arte/

9
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

educação e a educação da cultura visual nos aproxima das


idéias e posicionamentos políticos e epistemológicos de Be-
lidson Dias. Após esclarecimentos detalhados sobre o uso de
‘certas’ nomenclaturas, ele conceitua a cultura visual como um
campo emergente, transdisciplinar e transmetodológico que es-
tuda a construção social da experiência visual. Ao explicitar a
importância das experiências diárias do visual e chamar aten-
ção para o deslocamento das “Belas Artes, ou cultura de elite,
para a visualização do cotidiano”, Dias revela e define o etos da
cultura visual.
Através de reflexão minuciosa, o autor visita fundamentos,
princípios e problemas da cultura visual fazendo uma análise de
idéias, autores e atores que contribuiram para instituir a edu-
cação da cultura visual. Fundamentado numa revisão histórica,
Dias examina questões formais e práticas curriculares, mapeia
características e visualiza possibilidades, mas sobretudo, expõe
e discute, de maneira crítica, encontros e desencontros entre
‘arte/educação’ e ‘educação da cultura visual’.
Dias explicita questões de sexualidade e gênero como cons-
truções sociais e, portanto, cambiáveis. Sob a perspectiva da te-
oria queer, expõe de maneira arguta preceitos de ‘moralidade’
– em geral orientados por discursos médicos e religiosos – que,
de forma anacrônica, são usados no sistema educacional formal
como crivo para definir o que é aceitável em termos de arte e
arte/educação. Constata que, de forma sutil e silenciosa tais
conceitos e preconceitos alijam das práticas curriculares não
apenas representações visuais do cotidiano, mas principalmen-
te, a possibilidade construtiva de debates e discussões sobre
sexo, gênero, identidade de gênero e sexual. Em seu artigo,
acoitamentos são estratégias, modos ambíguos de manifestar,
mas ao mesmo tempo de proteger esses temas e discussões
das sanções e censuras institucionais. Dias conclui provocando
e instigando os arte/educadores a refletir sobre essas questões
e estimulando-os a construir experiências curriculares na cultura
visual, mas, sobretudo, a buscar e desenvolver uma compreen-
são crítica da arte e da arte/educação.
Paul Duncum descreve de modo muito didático um estudo
de caso da sua prática pedagógica com estagiários, estudantes

10
do segundo ano de licenciatura. Embora capazes e bastante
motivados, os estudantes chegam impregnados por visões mo-
dernistas, suas concepções formais e essencialistas. Para Dun-
cum, a primeira tarefa é puxá-los pelo avesso, colocá-los em
contato com idéias contemporâneas, sugerir alternativas para
aproximá-los do pós-modernismo.
Através da leitura de artigos sobre pós-modernismo con-
comitante com debates e leituras sobre filmes/imagens - Dis-
ney, reality shows, publicidade, campanhas políticas e violência
– Duncum mostra aos estudantes uma ampla gama de imagens
que abrange arte erudita e arte popular. Numa atmosfera de li-
berdade ele expõe claramente seus pontos de vista, mas ouve e
respeita o ponto de vista dos alunos. Vídeos e filmes educacio-
nais sobre estereótipos de raça, gênero e sobre problemas de
comercialização que focam o controle da mídia sobre os indiví-
duos, também são apresentados gerando discussões acaloradas
e reflexões individuais e coletivas. Reações hostis, posições de
intransigência e resistência são manifestadas pelos estudantes
de maneira diversificada, conforme podemos acompanhar pe-
los comentários do autor. Utilizando uma metodologia visual,
Duncum cria condições para que os alunos possam refletir so-
bre as relações de poder que se estabelecem e são articuladas
por meio das imagens estimulando uma compreensão crítica
das práticas de visualidade.
Os textos dos autores convidados para este dossiê refletem
uma visão plural, revelam diversidade de experiências e abrem
possibilidades para abordar temas a partir da perspectiva da
cultura visual. Explicitam a importância das representações vi-
suais como artefatos instigadores de diálogo e de construção
de sentido criando relações subjetivas e vínculos afetivos com
idéias, objetos e valores da cultura contemporânea. Além de
destacarem o interesse dos indivíduos pelas tecnologias visuais
e o modo como as transformações culturais têm alterado as
práticas sociais do ver e do pensar no mundo atual, os textos
deste dossiê nos advertem sobre a necessidade de questionar
e expandir conceitos e limites das artes visuais gerando condi-
ções favoráveis a uma prática transdisciplinar que reconheça a
relevância da interpretação e da compreensão crítica.

11
Os Estudos da Cultura Visual (ECV) constituem um
campo teórico e metodológico que responde a um
debate iniciado nos anos 70 e que reclama uma
aproximação das práticas da visão, dos meios e das
representações visuais a partir de uma perspectiva
cultural. Este debate não responde a problemática
de uma única disciplina, mas a uma conjuntura inte- resumo
lectual na qual, pela influência das propostas pós-es-
truturalistas, se revisa a epistemologia e metodologia
de várias disciplinas dando lugar a um novo campo
de conhecimento, híbrido, polimorfo e a-disciplinar.
Palavras-chave: cultura visual, pós-estruturalismo, his-
tória cultural da arte.
Elementos para una génesis de un campo de
estudio de las prácticas culturales de la mirada
y la representación

Fernando
HERNÁNDEZ

Los Estudios de Cultura Visual (ECV) constituyen un


campo teórico y metodológico que responde a un de-
bate iniciado en los años 70 que reclama acercarse a las
prácticas de la visión, los medios y las representaciones
visuales desde una perspectiva cultural. Esto debate no
responde a la problemática de una sólo disciplina, sino
resumen a un coyuntura intelectual en la cual, por la influencia
de los planteamientos postestructuralistas, se revisa la
epistemología y metodología de varias disciplinas, dan-
do lugar a un nuevo campo de conocimiento, híbrido,
polimorfo y a-disciplinar.
Palabras clave: cultura visual, post-estructuralismo, his-
toria cultural del arte.
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

La coyuntura intelectual de la que parten los Estudios


de Cultura Visual
Mirzoeff, en su página Web presenta una síntesis, en la
línea mantenida en sus publicaciones sobre este campo (MIR-
ZOEFF, 1998, 2003[1999]), de lo que para él significa la cultura
visual. Sin entrar ahora en el contenido de su posicionamiento
con el que ya he dialogado en otros trabajos (HERNÁNDEZ, en
prensa a, b), me interesa destacar una frase con la que abre su
presentación:
A lo largo de una década, los críticos han utilizado el término
de cultura visual para referirse a un amplio espectro de medios
visuales más allá de los utilizados bajo los parámetros de las dis-
ciplinas académicas (p.ej. estudios de cine, historia del arte). Más
recientemente, debido a los cambios en los medios visuales con-
temporáneos, la cultura visual ha comenzado a ser considerada
como una perspectiva interdisciplinaria que permite aproximarse
a la revalorización sin precedentes de la historia de los medios
visuales modernos y postmodernos, bajo el impacto de los medios
digitales y electrónicos.

He rescatado esta frase porque su autor, uno de los divul-


gadores más activos en los ECV, nos indica que este campo
de conocimientos no puede considerarse como un fenómeno
que aparece de la noche a la mañana. Por el contrario, tiene
una trayectoria que, quizá por la novedad rizomática de sus
problemáticas y la tradicional necesidad de distancia temporal,
comienza a ser ahora reconstruida en algunas publicaciones
(ELKINS, 2003; DIKOVITSKAYA, 2005). De aquí que las fuentes
de las que se nutre esta perspectiva vengan de lejos, como se
puede apreciar en la selección de autores de los dos ‘readings’
más divulgados en este campo.
Así en la recopilación de Mirzoeff (1998), en el bloque de-
dicado a la ‘genealogía de la cultura visual’, se recogen los si-
guientes textos: ‘Óptica’ de Descartes; ‘Regímenes escópicos
de la modernidad’ de Martin Jay; ‘La retórica de la imagen’ de
Roland Barthes; ‘Modernidad y los espacios de la feminidad’
de Griselda Pollock; ‘El Museo de Arte Moderno’ de Carol Dun-
cum; ‘Sobre la recolección de arte y cultura’ de James Clifford y
‘Una amnesia topográfica’ de Paul Virilio.

14 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

Por su parte, en la selección que realizan Evans y Hall (1999),


en el bloque denominado ‘Culturas de lo visual’, se recogen los
siguientes textos: ‘La actitud natural’ de Norman Bryson; ‘La
retórica de la imagen’ de Roland Barthes; ‘Arte, sentido común
y fotografía’ de Victor Burgin; ‘El mito hoy’ de Roland Barthes;
‘Panopticismo’ de Michael Foucault; ‘La obra de arte en la épo-
ca de la reproductividad técnica’ de Walter Benjamin; ‘La ima-
gen-mundo’ de Susan Sontag; ‘La separación perfeccionada’ de
Guy Debord y ‘The bottom line on plane one: squaring up to
The Face’ de Dick Hebdige. Trabajos todos ellos que nos permi-
ten esbozar un itinerario intelectual que ponga de manifiesto la
tesis de este artículo: la no adscripción disciplinar de los Estu-
dios de Cultura Visual.
Aunque recurrir a los referentes permite detectar líneas y
conexiones, mi propuesta para construir esta génesis –no me
atrevo todavía a desarrollar un proyecto genealógico, aunque
su punto de partida queda aquí esbozado-, es ir más allá de
los autores puntuales o de las generalizaciones que señalan el
reciente interés por lo visual (vinculado por ejemplo a los nue-
vos ‘aparatos y tecnologías’ de la visión) y por el proyecto de
visualización de la modernidad (BREA, 2005). Una génesis que
para su reconstrucción demanda recorrer diferentes e intrinca-
dos caminos.
Mitchell (2000a, p. 1-2), uno de los mentores de este cam-
po de estudios, nos señala la importancia de cuestionar los lími-
tes disciplinares:
La revolución acontecida en este campo vasto e indeterminado
conocido como ‘teoría literaria’, las nuevas aproximaciones filo-
sóficas a la representación y la relación de ésta última con el len-
guaje y los nuevos avances en la historia del arte han establecido
los cimientos que nos permiten considerar a las realidades visua-
les (incluidos los hábitos cotidianos de percepción visual) como
estructuras culturales que, como tales, son interpretables y legi-
bles y, también, como mínimo del mismo interés para los estu-
diantes de la cultura que el que tienen los archivos tradicionales
de producción textual y verbal. Desde un punto de vista práctico,
ya no nos sorprende saber de sociólogos o de antropólogos que
escriben sobre museos o sobre obras de arte, o encontrarse con
profesores de literatura que durante sus clases pasan películas o

15
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

diapositivas, o a historiadores del arte que imparten clases de lin-


güística, retórica y antropología y que llevan a sus estudiantes a
centros comerciales y a museos de arte. En resumen, la división de
las disciplinas humanísticas en campos ‘verbales’ y ‘visuales’, con
lo visual en clara minoría, ha perdido vigor, al igual que la distinci-
ón entre arte con mayúscula y cultura de masas.

Además, las referencias que hace Mitchell a la teoría litera-


ria, al giro lingüístico, la historia del arte y el giro cultural, son
mojones que indican un camino a seguir a la hora de fijar los
ámbitos que permitan esbozar la génesis institucional y acadé-
mica del interés por la cultura visual. Sin olvidar que esta irrup-
ción múltiple de lo visual en el campo de las Ciencias Sociales
reclama un trabajo de investigación que va más allá de las fina-
lidades de este texto. Sin embargo, voy a señalar algunas líneas
que pueden explicar el marco intelectual de los antecedentes
desde los que surge (si puede hablarse en estos términos cau-
sales), y que pueden servir de base para ulteriores investigacio-
nes. Y para disipar apropiaciones académicas interesadas por
parte de los miembros de una sola disciplina.

Elementos para una génesis


A estas alturas de la investigación en la historia y la sociolo-
gía de las disciplinas, sabemos que los nuevos campos no son
obra de un autor ni que se pueden localizar en un momento
histórico. La autoría de un giro en el conocimiento, como nos
enseñó Khun, siempre tiene antecedentes y contexto, es el re-
sultado de múltiples esfuerzos y requiere un tiempo notable
para que su aceptación se normalice.
En el caso de la cultura visual puede ser significativo seña-
lar a quien se supone que utilizó primero esta denominación.
Pero sin olvidar que otros autores ya trabajaban en esta di-
rección, y que la Modernidad está sembrada de aportaciones
como las antes citadas que pueden considerarse antecedentes
de lo que hoy es un giro cultural en el estudio de las represen-
taciones, miradas, tecnologías y artefactos visuales. Por tanto,
si me refiero a un origen es porque me interesa después seña-
lar su contexto.

16 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

A quien Evans y Hall (1999, p. 5) atribuyen por primera vez


la denominación de ‘cultura visual’ como objeto de investigaci-
ón fue a Svetlana Alpers quien, en 1972, fue también pionera
en utilizar el término ‘nueva historia del arte’. Esta constatación
es relevante por más que Alpers no se haya sentido particular-
mente vinculada a escuela alguna, tal y como comentaba hace
algunos años en una entrevista:
Sospecho de los programas y las denominaciones como ‘la nueva
historia del arte’. Me resisto al título. Hago mi trabajo y no soy
consciente de que lo que estoy haciendo sea parte de la nueva
historia del arte. Estudio arte. Algo que es difícil de hacer. Simple-
mente trato de hacerlo de la mejor manera que puedo (RUSSELL,
1988, p. 16).

En relación al sentido que da al término ‘cultura visual’, éste


aparece en 1983 en la introducción de su libro ‘El arte de des-
cribir. El arte holandés en el siglo XVII’, donde nos dice:
En Holanda la cultura visual era central en la vida de la sociedad.
Se podría decir que el ojo fue tanto un medio básico de auto-re-
presentación y de experiencia visual como un modo de auto-cons-
ciencia. Si el teatro fue el campo en el que la Inglaterra de Isabel
se representó a si y ante si misma de manera más completa, las
imágenes juegan ese papel para los holandeses. La diferencia en-
tre las formas revela mucho sobre la diferencia entre las dos so-
ciedades. En Holanda, si miramos más allá de lo que normalmen-
te es considerado que como arte, encontramos que las imágenes
proliferan por todas partes. Están impresas en libros, tejidas en las
telas de las tapicerías o en las en los manteles de lino, pintados en
los azulejos, y por su puesto, cubren las paredes. Y todo es repre-
sentado, desde los insectos a las flores de los nativos brasileños
a tamaño natural a los arreglos domésticos de los habitantes de
Ámsterdam. Los mapas impresos en Holanda describen el mundo
y a la misma Europa (ALPERS, 1986 [1983]: xxv).

Posición sobre la que vuelve en 1996, en su respuesta al


cuestionario sobre la cultura visual en la revista October donde
nos dice:
Cuando, hace algunos años, escribí que no estaba estudiando la
historia de la pintura holandesa, sino la cultura visual holandesa,
intentaba algo concreto. Focalizar en las nociones sobre la visión

17
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

(el mecanismo del ojo), en los instrumentos para hacer la imagen


(el microscopio, la cámara oscura) y en las habilidades visuales
(hacer un mapa y experimentarlo) como recursos culturales rela-
cionados con la práctica de pintar” (ALPERS, 1996, p. 26).

Tal y como ella manifiesta, y nos recuerdan Evans y Hall


(1999:5), la orientación específica que da a Alpers a la noción
de ‘cultura visual’ parte de la naturaleza de su tema de inves-
tigación, que estaba relacionado con una cultura en la cual las
estrategias visuales eran constitutivas de las maneras de mirar y
representar un mundo cambiante. Cuestión a la que se refiere
en la introducción del libro mencionado:
¿Cómo podemos entonces mirar el arte holandés? Mi respuesta
ha sido verlo en sus circunstancias. Algo que se ha convertido en
una estrategia familiar en el estudio de la literatura y del arte. Por
apelar a las circunstancias quiero decir no sólo ver el arte como
una manifestación social sino también ganar acceso a las imáge-
nes a través de la consideración de su lugar, papel y presencia en
la cultura (ALBERTS, 1986, p. xxiv).

Posición que de nuevo nos lleva a su respuesta al cuestio-


nario de October: la holandesa era “una cultura en la cual las
imágenes, en cuanto diferentes de los textos, eran centrales a
la representación (en el sentido de formulación de conocimien-
to) o el mundo” (ALPERS, 1996, p. 26).
Es indudable que lo que se proponía Alpers no era ni acuñar
un nuevo término ni redefinir la historia social del arte. Bus-
caba, en la línea abierta por Baxandall (con quien colabora-
ba) con ‘Giotto y los oradores’ (BAXANDALL, 1996 [1971]) y
continuada al año siguiente con ‘Pintura y vida cotidiana en
el Renacimiento’(BAXANDALL, 1978 [1972]), el estudio de los
modos de percepción, de un cierto sector de la población, por
su influencia en el desarrollo de la forma de su época (…) (Sin
embargo) su investigación de los modos de percepción no nos
lleva (…)
simplemente a una ‘historia de la percepción’ que sustituya a la
historia del arte; pero establece unas categorías de interpretación
histórica a partir de unas formas de ver que se basan en formas
mentales, de su función práctica –como objetos- y comunicativa,
como elementos básicos para la intelección, no sólo de la génesis

18 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

de las obras sino también de la comprensión, respuesta y disfrute


de ellas en el pasado y, a través de ellas, en el presente (MARÍAS,
1996, p. 151).

Lo que está planteando Alpers como cultura visual era una


respuesta al programa de investigación, a la necesidad de reno-
var el método en la historia del arte, que en 1983 se refleja en
el lamento de Bryson cuando declara:
Poca cosa podrá cambiar mientras no se haga un replanteamiento
radical de los métodos utilizados por la historia del arte (…) Hoy
día cada vez hay menos historiadores de arte que se aventuren
fuera de su especialidad para hacerse las preguntas fundamen-
tales: ¿qué es un cuadro?, ¿cuál es su relación con la percepci-
ón?, ¿con el poder?, ¿con la tradición?” (BRYSON, 1991 [1983],
p. 14).

Una vez formulada esta necesidad, y después de reconocer


la aportación perceptualista de Gombrich y de la teoría del sig-
no de Saussure, Bryson se desmarca de ambos y señala un pro-
grama de investigación histórica que tiene relación con la línea
en la que Alpers define su propuesta de cultura visual:
En la explicación perceptualista del arte, el espectador es tan in-
mutable como la anatomía de la visión, y mi argumento es que la
insistencia en la psicología de la percepción, por parte de Gom-
brich y de otros, ha tenido por efecto la deshistorización de la
relación entre el espectador y la pintura: la historia es el término
que ha quedado suprimido (de aquí la imposibilidad, en las actua-
les condiciones, de una historia del arte verdaderamente histórica)
(BRYSON, 1991[1983], p. 15).

Es entonces al contexto y al paisaje visual del espectador,


su mirada (que al incorporar la dimensión cultural transforma
el ver en visualidad como señala Foster (1988)) y a los artefac-
tos de la visión a lo que se está refiriendo Alpers cuando ha-
bla de ‘cultura visual’. Es el contexto de la mirada, en la línea
señalada por Bryson, y que con anterioridad había planteado
Baxandall, sobre el que Alpers plantea la necesidad de inda-
gar sobre las maneras de mirar, el paisaje visual y el papel que
en todo ello juegan los aparatos de la visión que amplían y
fijan la mirada. Esta propuesta, como veremos a continuación,

19
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

se inscribe en un debate más amplio en tiene lugar en Gran


Bretaña en torno al contenido y los métodos de la historia del
arte, así como al contexto de recepción, del que tanto el ar-
tista como los espectadores forman parte. Este debate no es
una cuestión ‘de’ la historia del arte, sino que afecta a proble-
máticas que van más allá de una disciplina, como veremos en
los siguientes apartados.
Una vez señalada esta primera instancia desde la que se
localiza alguna de las problemáticas iniciales de la cultura visu-
al, lo que pretendo a continuación no es otra cosa que situar
y ampliar algunos de sus referentes, de manera que permitan
dibujar el mapa de relaciones entre saberes que, desde mi pun-
to de vista, sirven de fuentes a los ECV. Para este recorrido he
tomado tres ejes conductores que son citados en diferentes pu-
blicaciones en términos de ‘giros’ que adoptan los estudios en
Ciencias Sociales desde finales de la década de los 70: el giro
interpretativo (HEYWOOD y SANDWELL, 1999), el giro cultural
(FREEDMAN, 2000; DUNCUM, 2001) y el giro lingüístico (HALL,
1997). Y que se asocian a la ‘nueva’ historia del arte, los Estu-
dios culturales y al Postestructuralismo.
Estas ‘giros’ no han sido elegidos de manera casual, sino
que son señaladas por autores como Mitchell (2000b) o Mir-
zoeff (2003 [1999]). Mitchell (2000b) define la Cultura Visual
como “el estudio de la estructura social de la experiencia visu-
al”, que se produce por la emergencia de una serie de discipli-
nas como la Nueva Historia del Arte, los Estudios literarios y
de los medios de comunicación, los Estudios culturales, todo
los cuales giran en torno a lo que Mitchell denomina como un
‘cambio gráfico’, frente a lo que se pregunta:
“¿Qué es la cultura visual esta nueva interdisciplina híbrida que
relaciona la historia del arte con la literatura, la filosofía, los es-
tudios sobre cine y de cultura de masas la sociología y la antro-
pología?”.

En los ECV la idea de cultura, según Mitchell, proviene de


los Estudios culturales y la idea de lo ‘visual’ de los Estudios de
cine y de la Historia del arte. De esta manera la visión no es
sólo un acto de percepción, sino una forma de expresión cul-
tural y de comunicación humana, no reducible a ser explicada

20 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

en los mismos términos del leguaje hablado y escrito. Lo visual


actúa como un espacio de interacción social y de definición de
subjetividades en términos de clase, género, sexo, etnia,… Por
eso, la cultura visual abarca un amplio espectro de experiencias
visuales (desde las imágenes cotidianas a los objetos que vincu-
lamos al placer o el horror estético).
Por su parte, Mirzoeff (2003 [1999]p. 12-13) considera que
la cultura visual como una integración entre la Historia del arte
y los Estudios de cine con una perspectiva intelectual caracte-
rística de los Estudios culturales. Esta combinación ha llevado a
considerar que los Estudios de Cultura Visual eran, simplemen-
te, la entrada de los Estudios Culturales en la Historia del Arte.
Lo que a todas luces, como ahora veremos, resulta una simplifi-
cación interesada.

De cómo la historia del arte llega a la cultura visual


Al estudiar las influencias que plantean el giro hacia ECV,
uno de los referentes que nos encontramos es el de una nueva
aproximación a la historia del arte. Especialmente la que emer-
ge en Gran Bretaña a partir de finales de los años sesenta y
que ha sido denominada como ‘Nueva Historia del Arte’. El
punto de partida de este movimiento, lo sitúan Ress y Borzello
(1986: 3 ss.) en 1973, año en el que Timothy J. Clark publica
dos estudios sobre la pintura del siglo XIX en Francia que tu-
vieron un notable impacto entre los jóvenes historiadores del
arte británicos. Me refiero a ‘The Absolute Bourgeois, artists
and politics in France 1848-51’ (CLARK, 1973) y ‘The image of
the people, Gustave Coubert and the 1848 Revolution’ (CLA-
RK, 1981 [1973]). En estas publicaciones, siguiendo una pers-
pectiva marxista, Clark ponía en evidencia la relación entre las
artes y la lucha de clases. Aunque la intención de mi propuesta
está alejada de buscar explicaciones unicausales a los fenóme-
nos sociales, no habría que perder de vista que T.J. Clark fue
uno de los miembros de la Sección Británica de la Internacional
Situacionista, de la que fue expulsado en diciembre de 1967
con los otros dos miembros de la sección, Christopher Gray y
Donald Nicholson-Smith.

21
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Parece entonces relevante recordar que el libro “La socie-


dad del espectáculo, de Guy Debord (1999 [1967]) fue publica-
do en ese mismo año y tuvo una clara influencia en el proyec-
to de historia social de Clark, como se manifiesta en su libro
The Painting of Modern Life: Paris in the Art of Manet and
His Followers (1985). Por otra parte, no hay que olvidar que
la obra de Debord, es considerada como un antecedente del
interés que cobrará la imagen y lo visual en una sociedad del
espectáculo, de la representación, en la medida en “que todo
lo que estaba vivo se ha transformado en una representación”.
Las imágenes, tal y como las considera Debord, han llegado
a ser tan comunes que no sólo se funden con la realidad sino
que comienzan a ser realidad. Las imágenes en la actualidad
se refieren con frecuencia más que cualquier cosa previamente
pensada a lo real. Debord considera que en las fases anteriores
del capitalismo, se produjo un giro del ser a tener, mientras que
ahora, en la sociedad del espectáculo el giro pasa del tener a
aparecer (DUNCUM, 2001, p. 2).
Esta revisión del papel de la imagen en la sociedad contem-
poránea lo extiende Clark a épocas pretéritas, tal y como apun-
ta en su Narrative of Career, en la que describe su trayectoria:
Desde el principio de mi carrera como estudiante estaba decidido
a licenciarme en historia del arte, y en particular en encontrar un
camino que pusiera en contacto la historia de la pintura con otras
historias social, económica y política (la cursiva es mía). En 1964
me matriculé para el doctorado en el Courtauld Institute of Art
de la Universidad de Londres, y en 1966-67 estuve en París como
investigador del Centre Nationale de la Recherche Scientifique.

La influencia del pensamiento francés y de los aconteci-


mientos sociales que se fraguaron durante la estancia de Clark
en París, van a estar presentes en su propuesta para una nueva
metodología de la historia del arte. De aquí que, en 1974, un
año después de publicar las dos investigaciones mencionadas,
Clark hace una llamada desde The Times Literary Suplement,
publicación en la que ejercía como crítico, para llevar a cabo
una historia del arte que tuviera en cuenta las realidades so-
ciales del mundo en el que se producía el arte. En este sentido
reclamaba

22 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

un trabajo de teoría y práctica. Necesitamos hechos – sobre el pa-


trocinio, el comercio del arte, el papel del artista, la estructura de
la producción artística – pero necesitamos conocer qué preguntas
platearnos sobre lo material. Necesitamos importar una nueva se-
rie de conceptos, y llevarlos al método de trabajo (rf. por BIRD,
1986, p. 34).

La propuesta de Clark era llevar a cabo una historia social


del arte reestructurada a partir tres ejes, que conectaban con
otras tantas referencias teóricas francesas: (a) las recientes
aportaciones desde de la teoría marxista, de manera especial
desde las críticas post-Althusserianas a la subjetividad, (b) la
atención al significado, considerándolo tanto como producción
como proceso y definido desde de la Semiótica y (c) el interés
en las determinaciones materiales e ideológicas sobre la pro-
ducción y la recepción artística.
Esta llamada se concretó en 1975 en el terreno académi-
co, en la Universidad de Leeds, donde dio comienzo un master
en Historia Social del Arte, bajo la inspiración del propio Clark
que era profesor de esa universidad. Esta tendencia se extendió
sobre todo por los nuevos institutos politécnicos del Reino Uni-
do donde, tal y como reconocen Evans y Hall (1999, p. 6), “el
estudio cultural de la imagen ha formado parte de las pioneras
licenciaturas de fotografía e historia del arte desde finales de
los años 70”.
Este proceso institucional se vio acompañado en 1979 por
la aparición de la revista Block como foro para los nuevos histo-
riadores en el campo del arte y del diseño. Los artículos que se
publicaron, comentan Ress y Borzello, “hacen referencia más a
lo que está pasando en Nanterre que en la National Gallery”.
La revista rompe moldes y publica ensayos fotográficos, colla-
ges y artículos escritos por artistas. En la editorial de presenta-
ción se señala la intención de “dirigirse a los problemas relacio-
nados con la dimensión social, económica e ideológica de las
artes en las sociedades pasadas y presentes” (BIRD, 1986, p.
32-33). Una finalidad que se mantiene constante durante los
seis años en los que se publica la revista. Para Bird (1986: 35)
Block no pretendía simplemente redefinir el estatus de la obra
de arte y del sujeto artístico, sino criticar los marcos de trabajo

23
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

epistemológicos del discurso de la historia del arte y desafiar su


autoridad y estatus institucional
Una vez abierto el frente institucional y el de la visibilidad
que se refleja en Block, no parece extraño que en 1980 The
Association of Art Historians abriera su congreso y su revista
Art History a contribuciones sobre metodología, feminismo e
historia social. Al mismo tiempo que la nueva historia del arte
va a comenzar a tener presencia en los módulos y créditos de la
Open University.
Con el reconocimiento y la proyección institucional, en 1982
Block organiza en su sede del Middlesex Polytechnic un congre-
so bajo el interrogante ¿La Nueva Historia del Arte? siendo la
primera vez que, en opinión de Ress y Borzello, se emplea en
público tal denominación, al tiempo que constituye el reflejo de
un cierto escepticismo sobre el propio nombre de la propuesta.
Lo que los nuevos historiadores del arte cuestionaban esta-
ba relacionado con el estatus del arte, y la idea comúnmente
aceptada de que arte quiere decir pinturas y esculturas orde-
nadas por estilos. Se preguntan cómo estos objetos y no otros
han sido denominados «arte» y por qué sólo ellos han sido
estudiados. Se preguntan a qué propósito sirven las personas
que realizan esa tarea y quienes los miran en los libros, en las
casas y los museos y galerías. El sujeto del arte es puesto bajo
revisión y se preguntan por qué los pobres, los paisajes o las
mujeres aparecen como lo hacen en la «representación» que el
arte hace de ellos. El papel político y económico del arte en la
sociedad contemporánea se dirige en particular, a lo que con
frecuencia aparece camuflando las vinculaciones entre la aca-
demia y el mercado, y la utilización que del arte hacen los Esta-
dos y las empresas que están ansiosos por limpiar su imagen.
En este proceso se comienza a cuestionar la historia del arte
tradicional y palabras como experto, cualidad, estilo y genios se
convierten en tabú. Tales términos dicen Ress y Borzello (1986,
p. 4-5), sirven para oscurecer todo un mundo de concepciones
sobre lo que es arte. Las palabras que están presentes en los
escritos de los nuevos historiadores del arte son ideología, pa-
triarcado, clase, metodología y otros términos que tienen su
origen en las Ciencias Sociales. Detrás de ellos hay una nueva

24 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

manera de ver el arte, íntimamente vinculada a la sociedad que


la produce y consume y alejada de ese algo misterioso que su-
cede como resultado del genio del artista.
¿Qué estaba aconteciendo para que se planteara este cues-
tionamiento de la historia del arte? Es importante recordar que
en Gran Bretaña, en los ambientes universitarios tenían lugar
debates en otras disciplinas, como la Lengua inglesa, donde la
teoría dejó de ser una cuestión periférica para convertirse en lo
esencial de la discusión. Estos debates llevaron a prestar atenci-
ón a nuevas referencias teóricas, desde
la teoría lingüística de Althusser, Barthes y Derrida, a los modelos
antropológicos e históricos establecidos por Michael Foucault, las
teorías sociológicas de profesores como Jane Wolff y las teorías
psicoanalíticas dentro de la zona cultural por parte de Lacan y
otros escritores post-freudianos (POINTON, 1986, p. 151).

Por otro lado, comienzan a hacerse un espacio en la uni-


versidad y en los politécnicos de reciente creación, otros cam-
pos de estudio como la Historia del diseño, los Estudios de
cine y en análisis de los medios de masas, que toman sus
fundamentos de referentes disciplinares diversos. Pero, sobre
todo había la necesidad, como indica Marcia Pointon (1986,
p. 152) de revisar el fundamento disciplinar de la historia del
arte que estaba
necesitada de una base teórica más rigurosa. Es precisamente la
ausencia de teoría, tanto en el sentido de ‘un esquema de ideas
que explique la práctica’ como en el de una hipótesis en oposición
a la práctica, lo que con frecuencia determina que el estatus de la
historia de arte como una disciplina haya sido puesto en cuestión.
El aspecto arqueológico y empírico de la disciplina con su fuerte
tradición en estudios de atribución, esto es, de connoisseurship,
es necesario, pero ha jugado un papel dominante y opresivo, y la
descripción y la impresión personal ha tomado con frecuencia el
papel de un análisis serio.

Esta necesidad de una teoría fuerte que no estuviera se-


parada del estudio histórico se vincula a un movimiento más
amplio, nos recuerdan Rees y Borzello, cuyos términos habían
sido formulados en 1968 por Perry Anderson, editor de New

25
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Left Review, en su ensayo ‘Components of the National Cul-


ture’ donde sostenía que la vida intelectual británica se había
desarrollado sin una teoría central de la sociedad como la que
había facilitado al resto de Europa el marxismo o la sociología
burguesa clásica. Los intelectuales británicos en la tradición po-
sitivista, con su miedo a cualquier idea teórica, rechazaron cual-
quier opción en favor de perspectivas fragmentadas, eclécticas
en sus disciplinas. Para redirigir ese vacío Anderson hacía una
llamada a favor de una nueva intelectualidad radical que hiciera
frente a la estrechez y conformismo de la cultura británica.
A este reto respondió a principios de los años 70 la revis-
ta de cine y medios de comunicación Screen. Esta publicación
tuvo un amplio impacto en la vanguardia intelectual al promo-
ver las entonces poco conocidas ideas de los formalistas rusos y
del círculo de Brecht-Benjamin, la introducción de la semióticas
de Saussure a Barthes, y discutir el post-psicoanálisis de Jaques
Lacan. Screen adoptó y adaptó el marxismo estructuralista de
Louis Althusser y su ‘riguroso’ lenguaje. Estas ideas extrañas
a la cultura británica se movieron dentro de ella a través de
disciplinas como los Estudios de cine y de media, hasta que los
cineastas de Screen mostraron su relevancia en la investigación
académica. Todo lo anterior hace posible, como apuntan Ress y
Borzello (1986, p. 5), que
la nueva historia del arte no fue una visión que tuvieron un grupo
de heroicos historiadores que pasaron su fe a sus seguidores. Es
un producto de la tolerancia de final de los años sesenta y de las
ideas que en el continente europeo habían cambiado la naturale-
za de las disciplinas académicas a lo largo de las dos últimas déca-
das junto a la expansión de la historia del arte como disciplina.

Una posición que lleva a Norman Bryson, uno de los en-


tonces jóvenes historiadores del arte, a reclamar “un replan-
teamiento radical de los métodos utilizados por la historia del
arte: los supuestos tácitos que guían la normal actividad del
historiador del arte. Aquí quizá se pueda hacer algo, y la acción
corre tanta prisa como retraso lleva” (BRYSON, 1991, p. 13). La
posición de Bryson y de otros nuevos historiadores del arte la
resume Marías (1996, p. 142) al señalar que

26 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

han insistido en los últimos años de forma combativa, en las po-


sibilidades de la unión de la Historia del Arte y la crítica del arte
basada en las aportaciones más recientes de la crítica literaria y
la semiótica de Roland Barthes. Han tachado a la historia del arte
institucional de leer documentos más que imágenes, de basarse
en el perceptualismo y una sociología que coloca en columnas
diferentes arte e ideología y omitir el tema de su formación so-
cial, más que partir del concepto de signo; la imagen como signo,
con sus denotaciones no naturales y con sus connotaciones que
confirmarían y sustanciarían la denotación de tal forma que ésta
parece alcanzar el nivel de verdad, incluiría el poder social y políti-
co, como signos socialmente construidos en el marco de códigos
de reconocimiento.

Marcia Pointon revisa las consecuencias de estas influencias


teóricas y metodológicas, en la medida en que los nuevos histo-
riadores van a tener como una de sus tareas fundamentales la
enseñanza en los politécnicos y universidades recién creadas.
En el tiempo pasado de la historia del arte, los profesores de la
universidad podrían esperar o tolerar un debate interdisciplinar.
Un debate que proporcionara datos por el estudio de un tema, es
decir, iconografía, y acuerdos para el estudio de las culturas no
occidentales o un proyecto concreto como los patronos en el siglo
XVIII. Los recursos de diapositivas de la biblioteca se han organi-
zado con esta base. Pero la ahistoricidad de los métodos actuales,
desde el estructuralismo al psicoanálisis han enviado a los profe-
sores y a los estudiantes en búsqueda de materiales visuales que
nunca con anterioridad se ha encontrado en las sesiones de dia-
positivas de la biblioteca, organizado artista por artistas o escuela
por escuela, siglo por siglo (POINTON, 1986, p.151-152).

El resultado de esta proceso de renovación de los funda-


mentos y las metodologías de la Historia del Arte lo refleja Mar-
cia Pointon (1994 [1980]: p. ix) en el prólogo de la tercera edi-
ción de su manual de Historia del Arte:
Block ya no existe como revista pero sobrevive, y con buena salud,
como una constelación de personas e ideas, vinculadas a institu-
ciones como la Tate Gallery en la organización de actos culturales
(…) La Historia del Arte está mejor establecida como disciplina
en Gran Bretaña que hace ocho o diez años. Los estudiantes en
la Europa continental se encuentran obligados a leer en inglés si

27
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

quieren estar al día con la bibliografía; la revista Art History de la


asociación de historiadores de arte ha incrementado su circulaci-
ón; el número de estudiantes en las instituciones se ha doblado.
Si, en la recesión del inicio de los años noventa el mercado del
arte decayó, esto fue algo que no pasó en el campo intelectual
de la historia del arte. El tipo y la variedad de compromisos en el
campo académico son impresionantes.

Todo ello nos lleva a compartir con Rogoff (1998, p. 20)


que desde la cultura visual,
la historia pasa a ser la de visualizador (viewer) o la del discurso
autorizado, más que la del objeto. Este giro plantea necesaria-
mente un cambio en el sujeto de discusión o de análisis, un giro
en el cual la necesidad de tener la discusión en primer lugar y por
tenerla bajo un modelo metodológico y en un tiempo particular
forma parte de esta discusión.

Esta conjunción entre conocimiento situado y análisis del


discurso autoreflexivo acompañado por una historia conscien-
te sobre el sujeto que ve (o sobre el tema visto), no parece
que sea una base para ese lamento pesimista, simplemente es
una oportunidad para un poco de auto-consciencia y un exa-
men riguroso de las políticas inherentes a la evaluación de cada
proyecto cultural.

La Historia Cultural del Arte y los ECV


¿En qué medida estos planteamientos para la historia del
arte están presentes en los ECV? Responder a esta pregun-
ta, como conclusión de este primer apartado no pretende ser
exhaustivo, como tampoco lo ha sido el recorrido realizado. En
todo caso, lo que se pretende es un esbozo de síntesis, que
tenga un valor recapitulativo y que abre caminos para seguir
investigando esta relación.
s Un carácter interdisciplinar en los fundamentos y las meto-
dologías que procede de la mirada hacia referencias teóricas
procedentes sobre todo del pensamiento francés (estructura-
lismo, semiología, teoría psiconalítica lacaniana, postestruc-
turalismo o desconstrucción) de los años sesenta y setenta, a

28 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

los que se unen otras perspectivas emergentes como la teoría


feminista, la historia social, los estudios de los medios, la teo-
ría post-colonial,…
s La extensión del objeto de estudio más allá de los objetos con-
siderados tradicionalmente como obras de Arte con mayúscu-
la. En este sentido, Marcia Pointon destaca esta ampliación
cuando nos recuerda que
Los que vivimos en las sociedades de estilo occidental, habitamos
en un mundo de comunicaciones visuales: televisión, películas, ví-
deos, anuncios, señales de tráfico en entornos urbanos y rurales
avisándonos y alertándonos, graffiti en edificios y vehículos, foto-
grafías en periódicos, pinturas en gallerías de arte, tiras de dibujos
y chistes, el empaquetado de los bienes de consumo. Ninguna
de estas formas está fuera de la historia; todas están determina-
das por cómo vivimos e interactuamos con nuestros entornos así
como con lo que aconteció en el pasado (la cursiva es mía). La
cultura visual expande un amplio espectro de experiencias desde
unos pantalones ajustados a un autorretrato de Rembrandt en la
National Gallery (POINTON, 1994 [1980], p. 1).

s En esta misma línea tanto la Historia del Arte como la pers-


pectiva de la cultura visual no se refiere sólo
a los artistas y sus obras, sino que también tiene (o debería te-
ner) responsabilidad de tratar de comprender cómo y por qué el
trabajo de algunos productores es discutido mientras que el de
otros no, y por qué los artistas y su trabajo significan, o producen
significados para la gente, de ciertas maneras, en ciertos periodos
y en ciertos lugares. La historia del arte se dirige no sólo a cómo
una obra de Leonardo se hizo y fue recibida en el tiempo que se
realizó, sino por qué pensamos en Leonardo como Arte y un anun-
cio en una revista como No Arte (POINTON, 1994[1980], p. 3).

s Tanto la Historia cultural del Arte como los ECV ponen en re-
lación diferentes tipos de imágenes y se plantean, por ejem-
plo, lo que un leonardo y un anuncio publicitario podrían
tener en común (por ejemplo, el uso de la figura femenina).
“Al considerar estos aspectos a lo largo de diferentes pe-
riodos históricos, se pueden encontrar referencias que pue-
dan contribuir a nuestro conocimiento histórico” (POINTON,
1994[1980], p. 3).

29
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Pero no se trata de que la Historia del arte amplíe su campo


de estudio. Para afrontar este proyecto cultural se necesitan re-
ferentes antropológicos y sociohistóricas que lo fundamenten.
Porque como señala Jonathan Crary (1996:33-34) el problema
histórico sobre la visión es diferente de una historia de los arte-
factos representacionales. Esto significa que la visión no puede
separarse de las cuestiones históricas sobre la construcción de
la subjetividad. Sobre todo dentro de la modernidad del siglo
XX. Lo que hoy constituye el dominio de lo visual es un efecto
de otro tipo de fuerzas y relaciones de poder, y no un hecho de
carácter perceptivo. Esto nos lleva a que la experiencia estética
ya no es posible reducirla a información, porque en la era de las
imágenes hay más información tras nosotros que lo ‘vemos’.
Todo lo cual nos conduce al siguiente eslabón de nuestro re-
corrido. A la revisión de las aportaciones que los Estudios Cultura-
les desde el Centro de Estudios de la Universidad de Birmingham
(CECB) tienen en el interés y los planteamientos de los ECV.

El referente de los Estudios Culturales


El CECB comenzó su andadura como parte del departa-
mento de Lengua inglesa de la Universidad de Birgmingham,
y su primer foco de interés fue llevar a cabo un proyecto de
recuperación de la cultura, como un modo de vida global de la
clase trabajadora, en lo que se llamó English Literature-based
Workers’ Educational Association initiatives. Se sitúan, como
señala Raymon Willians (1989), en los inicios del movimiento
de educación de las personas adultas y de la revalorización de
la cultura popular como parte de un proyecto de formación de
sectores de la clase obrera.
Pero el centro inició su trayectoria más conocida en 1968, a
partir de las iniciativas de su segundo director, Stuart Hall. Con
Hall, el centro empezó una etapa de publicaciones como la re-
vista bianual Working Papers in Cultural Studies y los Stencilled
occasional papers que mostraban las investigaciones y preocu-
paciones teóricas de los miembros del centro. Su objetivo pasó
a ser el desarrollo d un estudio crítico de las fuentes, dirección

30 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

y significado del cambio cultural en Gran Bretaña y otras socie-


dades industriales avanzadas, y las fuerzas que dan forma al
cambio.
Esto suponía alejarse del positivismo y afrontar la vinculaci-
ón de sus investigaciones con una teoría central de la sociedad,
vinculada a una “práctica crítica marxista” (HALL, 2000 [1992] :
12) relacionada con el debate abierto en Francia por Althusser,
en su revisión del marxismo y del papel del sujeto en relación
con la sociedad.
Pero en el CECB no se articula como una escuela monolítica
que sigue una tendencia unidireccional. Como señala el propio
Hall (2000 [1992]: 11)
“los Estudios culturales tienen discursos múltiples y caminos distin-
tos. Son un conjunto de creaciones; responden a diferentes coyun-
turas y momentos trascendentes del pasado. Incluían trabajos de
orientaciones muy diversas (…) a partir de una serie de metodolo-
gías y posiciones teóricas diferentes y en mutua controversia”.

Desde esta consideración de pluralidad podemos acercar-


nos a los Estudios culturales en cuanto campo de encuentro
de saberes, que desde diversas perspectivas teóricas y meto-
dológicas, nos permiten explorar las nuevas realidades sociales
en base a sus producciones culturales, desde una perspectiva
de reconstrucción de los propios referentes culturales. Recons-
trucción que no sólo es de carácter histórico, sino que se lleva
a cabo desde lo emergente, desde lo que está aconteciendo,
mediante la investigación que se apoya en el trabajo de campo
o el análisis de textos e imágenes. Poniendo el énfasis en su
función mediadora de identidades y relaciones y explorando las
formas de representación y de producción de nuevos saberes y
de formas de poder y control.
Estudios culturales tratan de exponer y reconciliar la división
del conocimiento que tiene lugar en las Ciencias Sociales, entre
las formas de conocimiento tácitos (el conocimiento intuitivo
basado en las culturales locales) y las formas de conocimiento
objetivos (también denominados universales). En esta reconci-
liación los Estudios culturales asumen que existe una identidad
y un interés común entre el conocedor y lo que se conoce, en-
tre el observador y lo que se está observando.

31
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Desde estas bases, los Estudios culturales desarrollan un


programa de investigación sobre las prácticas culturales emer-
gentes y su carácter mediador de identidades e ideología, des-
de una posición de compromiso con la evaluación moral de la
sociedad moderna y con una línea radical de acción política. Los
Estudios culturales no se constituyen como una escuela libre de
valores, sino que están comprometidos con la reconstrucción
social mediante la implicación crítica y política. De esta manera
tratan de comprender y cambiar las estructuras de dominación,
en particular de las sociedades industriales. Y lo hacen desde
una perspectiva política, teniendo en el horizonte la metáfora
del intelectual orgánico de Gramsci (1972) que sirve de referen-
te para posicionarse frente al objetivo del proyecto social de los
Estudios culturales. A partir de Gramsci, los debates, publicacio-
nes e investigaciones del CECB buscaban promover en la teoría
social un ‘desplazamiento’ desde el marxismo. Para ello, como
recuerda Stuart Hall, tomaron
muchísimo acerca de la naturaleza misma de la cultura, acerca
de la disciplina de lo coyuntural, acerca de la importancia de
la especificidad histórica, acerca de la enormemente productiva
metáfora de la hegemonía, acerca de la manera en que se pue-
de reflexionar sobre cuestiones de relaciones de clase solamen-
te por medio del concepto desplazado de conjunto y bloques
(HALL, 2000 [1992]: 16).

Este posicionamiento se lleva a cabo desde dos tendencias


fundamentales, que Hall (1980) denomina ‘culturalismo’ y ‘es-
tructuralismo’. El debate en ambos enfoques se centraba en el
estatus que se le otorgaba a la experiencia. Para Hall “mientras
en el ‘culturalismo’ la experiencia es el espacio, el terreno de
‘lo vivido’, en el que la conciencia y las condiciones de la expe-
riencia se interseccionan, el ‘estructuralismo’ insiste en que la
‘experiencia’ no puede, por definición, ser el terreno de nada,
en tanto que alguien sólo puede vivir y experimentar sus condi-
ciones en y a través de las categorías, clasificaciones y marcos
de la cultura. Estas categorías, sin embargo, no surgen en la
experiencia: sino que la experiencia es su ‘efecto’.
Los culturalistas habían definido las formas de conciencia
y cultura como realidades colectivos. Sin embargo, no se acer-

32 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

caron a la propuesta radical de que en la cultura y en el len-


guaje, las categorías de cultura en las que un sujeto piensa,
hablan al sujeto, y no el sujeto ‘habla de ellas’. Estas catego-
rías no son, por tanto, meramente colectivas, sino produccio-
nes individuales: para los estructuralistas se articulan como
estructuras ‘inconscientes’, contribuyendo a la configuración
de la ideología.
No hay que perder de vista que estos planteamientos de
Hall se formulan en torno a la ‘revolución conservadora’ del
thatcherismo en Gran Bretaña y del reaganismo en Estados
Unidos. Esto les lleva a interrogarse sobre la imposibilidad de
comprender estas sociedades a través del racionalismo, o de
una manera que no sea a través de la lógica de un sueño. Esto
significa que los procesos culturales deben interpretarse en tér-
minos de procesos psicosexuales (una lógica contradictoria de
seducción, violencia, agresión en la que el sujeto actúa según
situaciones contractuales regidas por el cálculo de intereses).
Con ello no se quiere decir que se trata de afirmar que los pro-
cesos políticos se rijan únicamente por procesos psicosexuales,
sino a través de procesos inconscientes. Al tiempo que se reco-
noce que de los procesos inconscientes no puede derivarse di-
rectamente una relación con los procesos culturales y políticos.
No pueden resumirse el uno en el otro. La ilusión racionalista
de este tipo de traducción finaliza con el reconocimiento del in-
consciente, que llega a los Estudios culturales por la vía del giro
lingüístico y de la aproximación lacaniana, sobre todo a partir
de la ‘teoría del espejo’ (LACAN, 1971[1996]).
Esta posición se vio reafirmada por el giro feminista que
tuvo lugar en la década de los ochenta, porque reorganizó el
campo de los Estudios culturales ampliándolo y propiciando
rupturas con posiciones anteriores. Hall (2000[1992]: 18-19)
señala las rupturas que aportó el giro feminista en los Estudios
Culturales. En primer lugar, abrió el debate “sobre lo personal
en tanto que político” lo que supuso “un cambio de objeto de
estudio de los estudios culturales”. En segundo lugar,
la expansión radical del concepto de poder, que hasta aquel mo-
mento había sido en buena parte desarrollada dentro del marco
de lo público (…) tuvo el efecto de que ya no pudimos volver a uti-

33
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

lizar el término poder de la misma manera. En tercer lugar, para la


comprensión del poder mismo pasaron a un primer plano aspec-
tos de género y sexualidad. En cuarto lugar, se abrieron muchas
de las cuestiones que creíamos que habíamos eliminado en torno
a la peligrosa área de lo subjetivo y el sujeto, y esta cuestiones se
situaron en el centro de los estudios culturales como práctica teó-
rica. En quinto lugar, se reabrió la frontera cerrada entre la teoría
social y la teoría del inconsciente (psicoanálisis).

Con estas rupturas los Estudios culturales se abren, como


nos recuerda Da Silva (1995) a las cuestiones que se derivan
de la conexión entre cultura, significado, identidad y poder. Lo
que hace que los ‘objetos’ que se estudian se consideren como
resultado de un proceso de construcción social. Esto lleva a exa-
minar su propio campo interdisciplinar en términos de prácti-
cas culturales y de las relaciones de poder que circulan y que
se reflejan en ellas. Su objetivo es hacer visibles las relaciones
de poder y revisar cómo estas relaciones influyen y conforman
prácticas culturales. También el en seno de los propios Estudios
culturales (Sardar y Van Loon, 1998).

El estudio de las prácticas culturales


Uno de los objetivos de los Estudios culturales es el análisis
de la cultura, entendida en la tradición de Raymond Williams
(1976), como forma global de vida o como experiencia de un
grupo social; como campo autónomo de la vida social, con una
dinámica propia, independiente de otras esferas que podrían
ser determinantes. Los Estudios culturales no son, por tanto,
simplemente el estudio de la cultura considerada como una en-
tidad discreta separada de sus contextos políticos y sociales. Su
objetivo es comprender la cultura en toda su complejidad y ana-
lizar el contexto social y político dentro del cual se manifiesta.
La cultura en los Estudios culturales realiza dos funciones: por
un lado es el objeto de estudio y por otro, es la localización de la
crítica social y política. Lo que significa que a la vez se proponen
una tarea cultural y pragmática. Esta doble localización también
aparece en la cultura visual que se constituye a la vez como lo
que se estudia y como las perspectivas que la estudian.

34 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

En los Estudios culturales la ‘cultura’ se considera tanto


como ‘forma de vida’, lo que supone prestar atención a las ide-
as, actitudes, lenguajes, prácticas, instituciones y estructuras
de poder, como ‘prácticas culturales’, es decir, formas, textos,
cánones, mercadotecnia producida en masa,…O como señala
Hall (1986: 26) “cultura significa el terreno real, sólido de las
prácticas, representaciones, lenguas y costumbres de cualquier
sociedad histórica específica, bien como las formas contradic-
torias del sentido común, que se enraízan en la vida popular y
ayudan a moldearla”.
El primer tema que se cuestiona en este acercamiento es la
distinción entre la cultura de elite y la cultura popular. Distinci-
ón que, desde mi punto de vista marcará la orientación hacia
los «márgenes» (expresión con reminiscencias de Derrida) de
buena parte de quienes realizan investigación dentro de los Es-
tudios culturales. Márgenes en los que se incluyen toda una
serie de manifestaciones que la cultura de elite (centrada en los
estudios de la literatura y los autores de los diferentes cánones,
o en una historia del arte basada en movimientos, nombres y
obras canónigas) había excluida de su interés y que se revelan
necesarias para comprender las representaciones y actuaciones
de los individuos en las sociedades contemporáneas.
Desde esta consideración de la cultura, los Estudios cultu-
rales formularon una amplia agenda sobre la cultura popular,
con la finalidad de examinar las prácticas culturales específicas
(historias, series de televisión, rock and roll), grupos sociales
(juventud, equipos de fútbol femenino), prácticas o periodos
de la cultura contemporánea, interesándose por las prácticas
emergentes de las sociedades urbanas como las subculturas ju-
veniles (punks, skaters) o el papel del fútbol en la cultura de la
clase obrera, la imagen de la mujer en los medios de comunica-
ción, las revistas femeninas,…
Uno de los primeros temas de interés fue acercarse a la
comprensión de las representaciones simbólicas que intervienen
en la vida de las personas y en las prácticas culturales. A cómo
estas representaciones se producen mediante mecanismos cul-
turales, aparatos institucionales y cómo son apropiadas y dise-
minadas a través de los discursos. En este planteamiento, tuvie-

35
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

ron un papel relevante las aportaciones del trabajo semiológico


de Roland Barthes (1970, 1981), sobre la función y la compren-
sión de la imagen, así como, en una primera fase, las aportacio-
nes del estructuralismo lingüístico de Saussure. Otra inclusión
importante fue la lectura estructuralista que de la constitución
del sujeto por el lenguaje realiza el psicoanálisis lacaniano. La
perspectiva lingüística tuvo mucha influencia en la construcción
de una teoría feminista del arte y de la imagen, centrada en el
estudio de la diferencia sexual a través de la interpretación del
placer visual en la producción de las imágenes. Todo lo cual
hace que uno de los objetos de investigación de los Estudios
culturales sean las prácticas culturales, en las que lo visual, la
visualidad y la representación juegan un papel importante.

La conexión entre los Estudios Culturales y la Cultura


Visual
Es indudable que una de las contribuciones de los Estudios
culturales ha sido poner en la agenda de investigación de las
Ciencias Sociales la pertinencia de las prácticas culturales, so-
bre todo las vinculadas a la cultura popular, en cuanto media-
doras de identidades y subjetividades de clase, género, sexo y
etnicidad. Una agenda que también tiene un papel relevante en
el campo de la Cultura Visual.
Sin embargo, hay otro aspecto que resulta pertinente des-
tacar, y es el papel que en los Estudios culturales británicos
tienen en el ‘giro lingüístico’. Lo que supone, en palabras de
Stuart Hall (2000, p. 21), “el descubrimiento de la discursivi-
dad, de la textualidad”.
Algo que “descentró y dislocó el camino trazado en el
CECB”, llevándole a lo que considera “un desvío necesario”.
Este giro tuvo lugar a partir del contacto de los miembros del
CECB con los análisis estructuralista, semiótico y postestructu-
ralista. Hall (2000, p. 21) señala esta relación en los siguientes
términos:
la importancia fundamental del lenguaje y de la metáfora lingü-
ística en todo estudio de la cultura; la expansión del concepto de

36 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

texto y de textualidad, al mismo tiempo como fuente de significa-


do y como lo que escapa al significado y lo pospone; el reconoci-
miento de la heterogeneidad, de la multiplicidad de los significa-
dos, de la lucha por cerrar arbitrariamente la infinita semiosis que
hay más allá del significado; el reconocimiento de la textualidad y
el poder cultural, de representación en sí mismo, como un ámbito
de poder y regulación; de lo simbólico como fuente de identidad.

Como se ha señalado más arriba, la influencia del mar-


xismo, lleva a reivindicar las manifestaciones culturales de las
clases populares (como el fútbol o las telenovelas) y, más tarde,
el postestructuralismo, conduce a temas hasta entonces margi-
nales como ‘la identidad’, ‘la representación’ y ‘la mediación’
que van a tener un gran eco, sobre todo en los departamentos
universitarios de Estados Unidos, donde son rápidamente insti-
tucionalizados y apropiados por los Estudios feministas, étnicos
o de los medios.
Los análisis que lleva a cabo el CECB, nos recuerda Burgin
(1996, p. 8), empiezan a tomar como referente las representa-
ciones que aparecen en grandes medios de masas. Por ejemplo,
Hall realiza un análisis de Picture Post, como una forma de ‘au-
tentificación’ de cómo los británicos debían reconocerse como
‘británicos’. El artículo de Hall contiene una crítica a la ‘trans-
parencia’ que está presenta en todos los ‘realismos’ tanto en
la Antropología cultural, como en el fotoperiodismo o el cine.
Desde este punto de vista, señala Burgin “el objeto no es una
‘gran obra’ de la literatura sino un producto de los mass media,
y al método analítico de la sociología se añade el de la semiolo-
gía”. De esta manera,
ya no es posible separar la cultura de masas, de la cultura popular
y del ‘gran arte’. En los niveles de producción y distribución, todos
los trabajadores culturales dependen en gran parte de las mismas
tecnologías e instituciones y todos los productos están igualmente
sujetos a la mercantilización (a pesar de que sus relaciones especí-
ficas con el mercado varíen). Al nivel de la recepción, los significa-
dos de todos los productos de la cultura contemporánea tienden
a estar cortados por el mismo patrón: tejidas desde la intertextua-
lidad corrientes de sentido interrelacionadas aunque institucional-
mente heterogéneas, surgen en diferentes momentos y lugares.
De la misma manera que ya no existen espacios de producción

37
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

cultural separados, no pueden existir islas de pureza contrahege-


mónica. A pesar de las afirmaciones de los populistas culturales o
de los culturalmente conservadores, no se debe celebrar ni conde-
nar la cultura visual de masas. Tampoco sirve para simplemente
expresar o reprimir las aspiraciones y los deseos populares, sino
que está complejamente implicada en su producción y articulación
(BURGIN , 1996, p. 20).

Durante los años 70 y 80, influenciados por la preocupaci-


ón por el lenguaje en el sentido apuntado por el postestructura-
lismo que veremos a continuación, la trayectoria de los Estudios
culturales ya no se preocupará tanto del realismo y la transpa-
rencia, sino de los modos de representación. La introducción de
los planteamientos de Roland Barthes será clave pare este giro
lingüístico de los Estudios dulturales. La lectura de ‘Elementos
de Semiología’ (1979) y de ‘Retórica de la Imagen’ (1981),
publicados ambos en Communications, y cuya versión inglesa
aparecerá en el primer número de Working Papers in Cultural
Studies, fue fundamental para el giro lingüístico al que más ar-
riba se refería Hall. En este contexto también la imagen recibe
una atención importante. Las imágenes son tanto una fuerza
material en y entre las sociedades como una fuerza política
y económica. La cultura visual contemporánea – el producto
combinado de ‘los medios’ y la variedad de las otras esferas de
la producción de la imagen – no pueden ser simplemente el ‘re-
flejo’ o ‘comunicación’ del mundo en el que vivimos: contribuye
a la construcción de este mundo. Los individuos y las naciones
actúan de acuerdo con creencias, valores y deseos que cada
vez están formados e informados, conjugados y refractados,…
a través de imágenes.
Esta perspectiva afectó directamente a los estudios en re-
lación al cine, especialmente a través de Christian Metz. Uno
de sus artículos, se publicó en el mismo número de Commu-
nications en el que aparece el trabajo de Barthes, ‘La Retórica
de la imagen’. Según Burgin (1996), los análisis de la imagen
en movimiento superaron los análisis de la fotografía, pues
su aportación teórica fue más amplia. Prueba de ello es la
publicación de la revista Screen, a la que me he referido an-
teriormente, que empezó a oponerse ampliamente a las ver-

38 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

siones ‘constructivistas’ del realismo, como las de Bertolt Bre-


tch, Walter Benjamin y los primeros cineastas soviéticos y a
las asunciones ‘naturalistas’ que entonces prevalecían en el
cine. Más adelante Screen incorporó la teoría psicoanalítica
para explorar cuestiones políticas y de representación. Pers-
pectivas que unían una mirada psicoanalítica con una mirada
feminista. Por ejemplo el ensayo de Laura Mulvey (1971) ‘Vi-
sual Pleasure and Narrative Cinema’ va a abrir la puerta a uno
de los temas cruciales en los estudios de medios y en la propia
cultura visual: las políticas del placer en relación con la ima-
gen por parte del sujeto que mira. Cuestión que se relaciona
con la persuasión, pero también con el placer que la imagen
(y quien la produce o crea) pretende y proporciona y que, al
mismo tiempo, posiciona al espectador.
Todo ello va a suponer una nueva ampliación teórica de los
Estudios culturales que corre paralela a la época a la New Left
Review, que en 1968 publica un ensayo de Lacan que versa so-
bre la ‘fase del espejo’. La conversión al psicoanálisis especial-
mente el desarrollado por Lacan, tenía la finalidad de propor-
cionar al Marxismo la visión que le faltaba sobre la producción
del sujeto en el lenguaje. Esto suponía asumir que de la mis-
ma manera que nosotros utilizamos el lenguaje para hablar, el
lenguaje nos ‘habla’. Las prácticas sociales están estructuradas
como lenguajes, y ‘crecer’ tiene lugar en un complejo de estruc-
turas que producen, tanto como son producto de, agentes en
el proceso político. Esta revista fue el reflejo de un movimiento
que, como nos recuerda Hall,
siempre vio al marxismo como un problema, un inconveniente,
un peligro, no una solución”, en la medida en que, después de
la invasión rusa de Hungría primero y de Praga después, la Nue-
va Izquierda británica vivía “el momento de desintegración de un
proyecto histórico y político completo”. En este sentido, lo que
importaba no era tanto la agenda del marxismo, sino “los grandes
desajustes, teórica y políticamente, los clamorosos silencios, las
grandes evasiones del marxismo; las cosas acerca de las que Marx
no habló o que pareció no entender, que fueron nuestro objeto
específico de estudio: cultura, ideología, lenguaje, lo simbólico
(HALL, 2000:13).

39
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

También la noción de ideología de Marx, nos recuerda Bur-


gin (1996, p. 11) fue desplazada por la de Althusser, que plan-
teaba que la ideología era “un sistema de representaciones”. La
ideología, “ya no se ve como una ‘falsa conciencia’ (un epife-
nómeno dependiente de la economía política), la ideología se
teoriza como una esfera de lucha política ‘relativamente autó-
noma’. “En verdad”, escribió Althuser –citado por Burgin–, “la
ideología tiene poco que ver con la ‘conciencia’.... Es profun-
damente inconsciente”. En el desarrollo de los Estudios cultu-
rales, la posición frente a la ideología va más allá del análisis
de Althusser. Stuart Hall (1996, p. 7) la sitúa en los siguientes
términos: “si la ideología es efectiva es porque opera a la vez
en los niveles rudimentarios de la identidad psíquica y sus me-
canismos y en el nivel de la formación y las prácticas discursivas
que constituyen el campo social”.

¿En qué medida los planteamientos de los Estudios


Culturales están presentes en los ECV?
Michael ha señalado que algunos consideran a los ECV
como la concreción a la hora del estudio de la imagen y la re-
presentación del proyecto de los Estudios culturales. Aunque
esta es una afirmación demasiado simplista –igual que lo es
decir que es un desplazamiento de la Historia del Arte hacia el
estudio de la cultura de las imágenes–, sí es cierto que tanto
el giro cultural como el lingüístico marcan algunas de las in-
vestigaciones que pueden articularse en torno a los ECV. Pero
no termina aquí la relación por lo que procede a hacer una
recapitulación que muestre otros temas de contacto e inter-
sección.
s El papel que se le otorga a la cultura, no sólo como contex-
to sino como señala Raymond Willians, como “forma global
de vida o como experiencia de un grupo social; como campo
autónomo de la vida social, con una dinámica propia, inde-
pendiente de otras esferas que podrían ser determinantes”.
En esta forma de vida las imágenes y las maneras de mirar y
los artefactos de la visión tienen un papel relevante.

40 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

s La atención que se le presta a lo emergente en la cultura


visual con la finalidad de comprender su función mediadora
de identidades, subjetividades y relaciones sociales. En este
análisis, que en la cultura visual es sobre todo semiótico y dis-
cursivo, la comprensión del papel de las representaciones en
la producción de nuevos saberes y formas de poder y control
constituye una referencia fundamental.
s El interés por las manifestaciones de la cultura popular, en
especial de las producciones de los medios de comunicación,
con la intención de explorar e interpretar sus significaciones
como por la función ideológica en los diferentes tipos de au-
diencias.
s El papel que se le otorga a la imagen como forma de re-
presentación que se analiza en términos de significado y de
constitución de signo, tanto en sí misma, como por parte de
los diferentes espectadores. En este sentido, la aportación del
análisis semiológico, pasado por los Estudios Culturales, lle-
ga al campo de la cultura visual, con un marco conceptual
elaborado, unas herramientas metodológicas a punto y unos
ejemplos que pueden servir como referencia.
s Todo ello sin olvidar, que una de las principales tareas de los
ECV es comprender cómo esas imágenes se relacionan. Y en
qué medida no son creadas desde un medio o un lugar, con
las estrictas divisiones que la academia suelen mantener. La
cultura visual dirige nuestra atención más allá de los esce-
narios visuales formales y estructurados, como el cine o el
museo y coloca la centralidad de la experiencia visual en la
vida diaria.
En el siguiente apartado voy a explorar el papel que el Pos-
tesctruturalismo, en sus diferentes vertientes, brinda a los Estu-
dios de Cultura Visual.

Un mapa sobre los ‘poststructuralismos’ y sus


conexiones con los ECV
No trato de realizar un recorrido extenso sobre la signifi-
cación, aportaciones e influencias de los autores situados bajo
el paraguas del Postestructuralismo, ni de su papel en el giro

41
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

lingüístico y cultural que opera en las Ciencias Sociales a par-


tir de finales de los años sesenta del pasado siglo. El lector
puede encontrar una amplia bibliografía al respecto en diferen-
tes páginas Web2. De estos autores, mi interés se centra en los
que han dedicado una parte de sus ensayos (“género ambiguo
donde la escritura disputa con el análisis” tal y como lo definió
Barthes, 1974:113) a lo visual y a la imagen, entre los que cabe
señalar, como sugieren Evans y Hall (1999:1) “el trabajo de Bar-
thes, Benjamin3, Lacan y Foucault con sus claras preocupacio-
nes visuales, por no mencionar a otros autores, constituye los
fundamentos canónigos sobre los que descansan buena parte
de los estudios culturales y de los medios”. Lo que pretendo es
presentar algunas referencias que ayuden a situar los rasgos de
esta corriente de pensamiento, sobre todo en su relación con el
lenguaje, la representación y la teoría cultural, dado que consti-
tuyen una fuente de la que se nutre los ECV.
De entrada, hay que señalar que la corriente de pensamien-
to postestructuralista no es unitaria ni se mueve en una sola di-
rección. Actúa, como señala Baross (1993: 158), en un espacio
de frontera en el que con frecuencia se encuentra con el ‘post-
modernismo’ (Baudrillard, Lyotard), la ‘postcrítica’ (Jameson) y
la ‘desconstrucción’ (Derrida). Esta idea no unitaria también la
señala Callinicos (1988:265) en un artículo donde lo define no
como un enclave o campo disciplinar, sino como la confluencia
de dos líneas distintas de pensamiento pero relacionadas entre
ellas. Una denominada ‘textualismo’ y la otra, del ‘conocimien-
to del poder’ o como la nombra Edward Said, del ‘postestruc-
turalismo mundano’ (CALLINICOS, 1988:265). También Hall
(1990: 6-7), establece una distintición entre lo que denomina
la perspectiva semiótica (Saussure) que “(...) se refiere a cómo
la representación, a cómo el lenguaje produce significado” y la
perspectiva discursiva (Foucault) que “(...) tiene que ver más
con los efectos y consecuencias de la representación” y que ha
tenido influencia “en cómo las ideas son puestas en práctica y
utilizadas para regular la conducta de los otros”.
El ‘textualismo’, escribe Callinicos (1988: 266-267), se re-
fiere esencialmente al trabajo de Jacques Derrida y sus segui-
dores, de manera especial en Estados Unidos. Perspectiva que

42 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

Rorty considera como heredera del idealismo clásico alemán,


con la salvedad de que
mientras el idealismo del siglo XIX quiso sustituir una clase de
ciencia (la Filosofía) por otra (las Ciencias naturales) como el cen-
tro de la cultura, el textualismo del siglo XX quiere poner la lite-
ratura en el centro y tratar a la ciencia y a la filosofía como, en el
mejor de los casos, géneros literarios (RORTY, 1982, p. 141).

Sin embargo, en la observación de Rorty, el Postestructu-


ralismo se mueve en una sola dirección y no considera el que
adopta como categoría principal ‘conocimiento del poder’ de
Michel Foucault. La diferencia entre la genealogía foucaultiana
y el textualismo se pone claramente de manifiesto en la noción
de Foucault (1980, p. 194) de ‘dispositif’ o aparato constitutivo
del cuerpo social. Este aparato social estaría conformado por
conjunto heterogéneo consistente en discursos, instituciones,
formas arquitectónicas, decisiones reguladoras, leyes, medidas
administrativas, afirmaciones científicas, proposiciones filosó-
ficas, morales y filantrópicas. Pues no hay que olvidar que el
proyecto de Foucault consiste en
trazar una historia de las diferentes maneras en que, en nuestra
cultura, los hombres han desarrollado un saber sobre sí mismos:
economía, biología, psiquiatría, medicina y penología. El punto
principal no consiste en aceptar este saber como un valor dado,
sino en analizar estas llamadas ciencias como ‘juegos de verdad’
específicos, relacionados con técnicas específicas que los hombres
utilizan para entenderse a sí mismos (FOUCAULT, 1990, p. 47-48).

Mientras que el textualismo niega la posibilidad de escapar


de lo discursivo, el rasgo característico de este postestructura-
lismo ‘mundano’ es su articulación, como señala Foucault, de
“lo dicho y lo no dicho”, de lo discursivo y lo no discursivo. Esta
versión del postestructuralismo no sólo se ha de considerar aso-
ciada a Foucault, sino también a Gilles Delenze, Felix Guattari,
Jacques Donzelot, entre otros autores. Pero no hay que perder
de vista que estas dos perspectivas mantienen una importan-
te relación. Como señala Callinicos (1988), ambas tendencias
ofrecen una serie de teorías (del texto), críticas (de las institu-
ciones), nuevos conceptos y formas de análisis (del poder y de

43
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

los textos) que considero están presentes en los ECV. De aquí


que no resulte extraño, que la mayoría de quienes investigan o
tratan de definir el campo de la cultura visual señalen puentes
con los autores como Derrida, Barthes, Lacan, Lyotard y Fou-
cault. Una de estas vinculaciones nos la brinda Mirzoeff (2003,
p. 6-7) cuando nos recuerda que
la cultura visual es nueva precisamente porque se focaliza en lo
visual como lugar donde los significados son creados y debatidos.
La cultura occidental ha privilegiado el mundo hablado como la
más alta forma de práctica intelectual y ha considerado las repre-
sentaciones visuales como ilustraciones de las ideas de segundo
nivel.

En este sentido, la emergencia de la cultura visual desarrolla


lo que Mitchell ha denominado “teoría de la imagen” (picture
theory), con la que se refiere al sentido, a la visión del mundo,
que adoptan algunos aspectos de la filosofía y la ciencia occi-
dental, que son más imagen (pictorial) que textual. De aceptar
cambio, constituye un desafío a la noción del mundo como un
texto escrito que ha dominado la discusión logocéntrica y al-
fabetizadora (KRESS, 2003). En la perspectiva de Mitchell, la
teoría de la visión proviene de
la realización que el visualizador (‘spectatorship’) (que se relacio-
na con mirar, ver, ojear, las prácticas de observación, vigilancia
y placer visual) puede tener tanto en profundizar un problema
como en varias formas de ‘leer’ (reading) (que se relaciona con
descifrar, decodificar, interpretar, etc.) y que la ‘experiencia visual’
o ‘la educación visual’ pueden no explicar completamente desde
el modelo de textualidad (MITCHELL, 1994, p. 16).

Aunque quienes trabajan en los medios visuales, señala Mir-


zoeff,
pueden encontrar estas consideraciones como paternalistas, ofre-
cen la medida de la extensión a la que han llegado los estudios
literarios, en la que el mundo-como-un-texto ha sido reemplazado
por el mundo-como-una-imagen (picture). Tales imágenes-mundo
(world pictures) pueden no ser puramente visuales, pero por el
mismo criterio, lo visual desbarata y desafía cualquier intento de
definir la cultura puramente en términos lingüísticos” (MIRZOEFF,
1999, p. 7).

44 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

De aquí que los conceptos conocidos como ‘significantes


diferenciados’ o ‘el inacabable juego del significado’ actúen
como elementos clave en el proceso de desconstrucción, que
es una modalidad de crítica y análisis postestructuralista. En
esta dirección, propuestas como las de Keith Moxey (1994)
han redefinido una teoría del signo en la que considera al ‘in-
terpretante’ de Peirce como nuevo ‘signo’ creado por el intér-
prete en el proceso de entendimiento de los signos, apoyán-
dose en la teoría de la estructura ‘dialógica’ de lenguaje de
Mijail Bajtín (1895-1975). Concretamente en su idea de que
son los individuos los que se intercambian unos signos que en-
trarán a formar parte de la ideología. Además de en la teoría
de la recepción (HOLUB, 1984), desde la perspectiva de Hans
Robert Jauss (1986; 1991), quien explica el acto de leer como
un proceso de una gran complejidad, de carácter intersubjeti-
vo, social hasta un cierto punto y, al mismo tiempo, individual.
Esto lleva a que la recepción de una obra (literaria, pero que
se hace extensivo a la cultura visual) en el marco que Jauss
y la escuela de Constanza han planteado, se configura como
la mediación entre el pasado y cada presente (del lector) y,
por lo tanto, ha de ser la auténtica materia de la historia de
la literatura (LYNCH, 1988). Ampliando, además, el concepto
de ideología (desde el pensamiento de Karl Mannheim), como
elemento de la vida de todos los grupos y no sólo de sus clases
sociales, que ni siquiera es compartida globalmente por todos
sus integrantes —una vez que ha ha incorporado nociones de
raza, género, sexo, etc.
Asimismo, la teoría de la mirada de Lacan (1971) (filtro, en
el campo de la visión, similar al del lenguaje de lo simbólico),
ha insistido en la relación entre representación y espectador.
En la que éste se ‘sitúa’ visual y psíquicamente en función de
la construcción de aquélla, como signo que a su vez negaría
una concepción perceptualista-ilusionista de la imagen. Incluso
frente a la teoría del la muerte del autor (Barthes) y del artista,
al preexistir a su intervención las convenciones del código, con
la consiguiente disolución del autor en su producto y la negati-
va a buscar las intenciones del artista en el acto interpretativo,
establece un puente con Foucault en el carácter histórico de la

45
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

subjetividad y en la necesidad de contar con ella en los contex-


tos históricamente pertinentes.

El papel del significado más allá de los límites del


estructuralismo
El Postestructuralismo tiene su base en la noción estructu-
ralista de que el mundo está configurado como un texto. De
aquí que cuando se habla de ‘textos’ de la cultura visual se esté
planteando en clave postestructuralista. Lo que lleva a aceptar
que el lenguaje es el lugar del significado y a considerar que el
proyecto estructuralista no va suficientemente lejos en su es-
tudio del lenguaje, es decir, que falla a la hora de analizar la
estructuralidad de la estructura. Además, de considerar que el
objetivo estructuralista de descubrir las reglas por las cuales los
significantes codifican la realidad resulta baladí dada la variada
naturaleza del lenguaje. Para ilustrar esta cuestión podemos ir
al significante ‘pintura’. Cuando se lee o se escucha la pala-
bra ‘pintura’ viene a la mente la imagen mental que cada cual
se forma. Que puede ser un cuadro, un lienzo, una tela, un
color, un retrato, un paisaje, un fresco e incluso vincularse al
maquillaje. Uno no piensa en una imagen esencial de ‘pintura’,
como algo que es común a todas las personas que reaccionan
al significante. Lo que nos lleva a concluir que los significantes
no definen de manera unívoca los significados y a plantearnos,
como nos recuerda Hall
que el significado no es directo ni transparente, y que no sobre-
vive intacto el paso a través de la representación. Es una práctica
resbaladiza, cambiante y mudable con el contexto, utilización y
circunstancias históricas. Por lo tanto, nunca acaba por estar defi-
nitivamente fijado. Se escapa siempre de encontrarse con la Ver-
dad Absoluta. Está siempre en negociación con las nuevas situa-
ciones. Es con frecuencia contestado, y algunas veces agriamente
cuestionado. Hay siempre diferentes circuitos de significado circu-
lando en cualquier cultura, superponiendo formaciones discursiva,
a partir de las cuales creamos significado o expresamos lo que
pensamos (HALL, 1997, p. 9-10).

46 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

Por otra parte, no tenemos una relación directa, racional o


instrumental con los significados. Estos movilizan sentimientos
y emociones poderosas, tanto de tipo positivo como negativo.
Sentimos su impulso contradictorio y su ambivalencia. A veces
ponen nuestra identidad en cuestión. Definen lo que es ‘nor-
mal’, quien pertenece a esa normalidad, y también quien es ex-
cluido. Están profundamente inscritos en relaciones de poder.
Sólo hay que pensar en qué medida nuestras vidas están mol-
deadas, dependen de los significados de hombre/mujer, blan-
co/negro, rico/pobre, homosexual/heterosexual, joven/viejo,
ciudadano/extranjero, y el papel que juegan en muchas circuns-
tancias. Los significados están, con frecuencia, organizados en
opuestos binarios. Sin embargo, estos binarios están de manera
constante siendo indeterminados, pues como representaciones
interactúan uno con otro, substituyéndose, desplazándose a
lo largo de una cadena sin fin. Nuestros intereses materiales
y nuestros cuerpos pueden ser llamados en consideración, y
pueden implicarse de manera diferente, dependiendo de como
el significado es dado y tomado, construido e interpretado en
diferentes situaciones. Pero de la misma manera están vincula-
dos nuestros miedos y fantasía, los sentimientos de deseo y de
repulsión, de ambivalencia y agresión. Cuanto más miremos en
ese proceso de representación, más complejo resulta describir
o explicar de manera adecuada.
Los conceptos, ideas y emociones que cobran cuerpo de
manera simbólica y que pueden ser transmitidos y significati-
vamente interpretados en lo que denominamos ‘prácticas de
representación’. El significado debe entrar al dominio de estas
prácticas, si ésta circula de manera efectiva en la cultura. Y no
puede ser considerado haber completado su ‘pasaje’ en torno
al circuito cultural antes de que haya sido ‘decodificado’ o sea
recibido de manera comprensiva en otro punto de la cadena.
Lenguaje, es entonces, la propiedad no del emisor ni del recep-
tor de los significados. Es el ‘espacio’ cultural compartido en el
cual la producción de significado a través del lenguaje – esto
es la representación – tiene lugar. El receptor de los mensajes
y los significados no es una pantalla pasiva en la cual el signifi-
cado original se proyecta de manera directa y transparente. La

47
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

‘toma del significado’ es tanto una práctica significativa como


‘la comunicación del significado’,
Ya Charles Sanders Peirce (1839-1914) había sostenido la
existencia en el signo de una relación triádica, frente a la diáti-
ca de Saussure de significante/significado en la que aparecen
unidos por una relación convencional de tipo social. Para Peir-
ce los términos de la relación son signo, objeto (referencial)
e interpretante, siendo este último el que estable la relación
entre los otros dos. Del intérprete se derivarían tres tipos de
signo, el símbolo ‘arbitrario’, el índice ‘causal’ y el icono en
el que se daría una relación de semejanza (MARÍAS, 1996, p.
137-138).
Es por ello que, el que habla y escucha o el que escribe o
lee es participante activo en un proceso en el cual, dado que
a menudo cambian de papeles, es siempre de doble dirección,
siempre interactivo. La representación funciona menos como
el modelo de transmisor de una sola dirección, y más como
el modelo de diálogo, dialógico. Lo que sostiene el diálogo
es la presencia de códigos culturales compartidos, los cuales
no pueden garantizar que los significados permanezcan siem-
pre estables. Debido a los intentos de fijar el significado es
exactamente porqué el poder interviene en el discurso. Pero
incluso cuando el poder está circulando por el significado y
el conocimiento, los códigos solo operan si comparten algo,
al menos para garantizar que hacen posible una ‘translación’
efectiva entre los hablantes. Deberíamos quizá pensar menos
en el significado en términos de ‘precisión’ y ‘verdad’ y más
en términos de intercambio efectivo, en un proceso de traduc-
ción, el cual facilite la comunicación intercultural, reconocien-
do siempre la persistencia de diferencia y poder entre los dife-
rentes ‘hablantes’ en el mismo circuito cultural (HALL, 1997,
p. 10-11).

¿Dónde se produce el significado?


Una vez establecidas estas clarificaciones, parece pertinen-
te, sobre todo para establecer puentes con los problemas que

48 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

aborda la perspectiva de los estudios de cultura plantearse,


como hace Stuart Hall (1997), dos preguntas ¿cómo el lengua-
je construye significados? y, sobre todo, ¿dónde se produce el
significado? A la primera de estas cuestiones Hall responde di-
ciendo que el lenguaje puede construye significados en base a
los intercambios de los sujetos que comparten comprensiones in-
tercambiables, porque opera como un sistema representacional.
En el lenguaje utilizamos signos y símbolos –que pueden ser tanto
sonidos, palabras escritas, imágenes electrónicas, notas musicales,
y objetos– para mostrar o representar a otras personas nuestros
conceptos ideas o sentimientos. El lenguaje es uno de los ‘medios’
mediante el cual nuestros pensamientos, ideas o sentimientos son
representados en un cultura. La representación por medio del len-
guaje es, por tanto, central en el proceso mediante el cual se pro-
duce el significado (HALL, 1997, p. 1).

Desde esta posición una perspectiva de investigación a de-


sarrollar podría consistir en explorar la producción y circulación
de significados a través de diferentes lenguajes, en relación con
diferentes ejemplos, en diferentes áreas de la vida social. De lo
que se trata con ello es de desarrollar nuestra comprensión so-
bre como la representación opera con diferentes medios, para
diferentes sujetos y en diferentes contextos y momentos.
A la segunda pregunta, ¿dónde se produce el significado?4
Hall responde que los significados se producen en diferentes
lugares y circulan a través de diferentes procesos y prácticas (el
circuito cultural).
El significado es lo que nos da un sentido de nuestra propia iden-
tidad, de quien somos a quién o qué pertenecemos. Lo que se
vincula a cómo la cultura se utiliza para marcar y mantener identi-
dad en y a diferencia de otros grupos. El significado se produce e
intercambia de manera constante en cada interacción personal y
social en la que tomamos parte. También se produce en diferentes
media; en particular en estos días, en los denominados medios de
masas, los medios de la comunicación global, mediante complejas
tecnologías, que hacen circular significados entre diferentes cultu-
ra a una escala y velocidad desconocidas en otros momentos de la
historia (HALL, 1997, p. 3).

El significado también se produce en cualquier momento en

49
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

el que nos expresamos, usamos, consumimos o nos apropiamos


de ‘objetos culturales’; cuando los incorporamos en los rituales
y prácticas de la vida diaria y de esta manera les damos valor o
significación. O cuando tejemos narrativas, historias y fantasías
en torno a ellas. Los significados también regulan y organizan
nuestra conducta y nuestras prácticas, en la medida en que
ayudan a fijar las reglas, normas y convenciones mediante las
cuales la vida social es ordenada y gobernada. Esto hace que
quienes quieren gobiernan y regular de la conducta y las ideas
de los otros tratan de estructurar y modelar los significados.
Sobre todo porque, la cuestión del significado está presente
en relación con todos los diferentes momentos o prácticas de
nuestro circuito cultural: en la construcción de la identidad, en
la señalización de la diferencia, en la producción y el consumo,
así como en la regulación de la conducta social. “En todas estas
circunstancias y lugares institucionales, uno de los media privi-
legiados a través del cual se produce y circula el significado es
el lenguaje” (HALL, 1997, p. 4).

La importancia del significado en relación a la noción


de cultura
Lo que se ha denominado el ‘giro cultural’ en las Ciencias
Humanas y Sociales, ha destacado la importancia del significa-
do para la definición de cultura. La cultura, nos recuerda Stuart
Hall (1997, p. 2) no sería tanto un conjunto de cosas como un
proceso, un conjunto de prácticas. En primer lugar, la cultura
tiene que ver con la producción y el intercambio de significados
entre los miembros de una sociedad o de un grupo. Decir que
dos personas pertenecen a la misma cultura es decir que inter-
pretan el mundo de manera similar y que pueden expresar sus
pensamientos y sentimientos sobre el mundo, de maneras que
pueden ser entendidas por el otro. Así una cultura depende
de cómo sus participantes interpreten significativamente lo que
está pasando en torno a ellos, y que dan sentido al mundo de
maneras similares. Esta definición de Hall es generosa y opti-
mista: circunscribe la noción de cultura a una posibilidad de en-

50 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

tendimiento mutuo y de compartir significados. La experiencia


nos muestra que individuos que pertenecen a un mismo ámbito
social no necesariamente comparten los mismos significados,
y no digamos nada si no pertenecen al mismo ámbito, grupo
de edad, género, etnia,... Lo cual no constituye una apelación
al ‘individualismo’ pero si a la convivencia de diferencias junto
a la utilización de ‘patrones’ (lo que los psicólogos denominan
representaciones sociales) más o menos compartidos.
La cuestión de ‘intercambiar significados’ puede hacer apa-
recer a la cultura como algo demasiado unitario y cognitivo,
sobre todo, porque en toda cultura hay siempre, como hemos
visto en los apartados anteriores, una gran diversidad de signi-
ficados sobre cualquier tema, y más de una manera de inter-
pretarlos o representarlos. Sobre todo porque la cultura tam-
bién tiene que ver tanto con sentimientos, vínculos y emocio-
nes como con conceptos o ideas. Stuart Hall (1997) ilustra esta
cuestión recordándonos que
la expresión de mi cara dice algo sobre quien soy (identidad)
y lo que estoy sintiendo (emociones) y a qué grupo siento que
pertenezco (vínculo), lo cual puede ser comprendido por otras
personas incluso si yo no intento comunicarme de forma delibe-
rada con ellas, si no les envío un ‘mensaje’ o si la otra persona
no pueda dar cuentas de lo que está comprendiendo de lo que
estoy ’diciendo’.

Lo que nos lleva a considerar que los significados culturales


no están solo en ‘la cabeza’, sino que organizan y regulan prác-
ticas sociales, influencian nuestra conducta y por tanto, tienen
efectos reales y prácticos (HALL, 1997, p. 2-3).
Pero lo que nos interesa para el campo de los ECV es el
énfasis que Hall otorga a las ‘prácticas culturales’ en la medida
en son los participantes en una cultura quienes dan significado
a la gente, los objetos y los hechos. Hay que recordar que las
cosas por sí mismas, raramente tiene un único, fijo y estable
significado. Una piedra por ejemplo, puede ser una piedra, una
marca en el camino, una pieza escultórica, depende de lo que
signifique, de lo que quiere decir, dentro de un ‘contexto de
uso’, dentro de lo que los filósofos (en especial Wiggestein)
han denominado ‘juegos de lenguaje’ (en este ejemplo, el len-

51
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

guaje de los límites, el lenguaje de la escultura). Es por el uso


que hacemos de las cosas, y lo que decimos, pensamos o sen-
timos sobre ellas –cómo las representamos- que les damos un
significado. En parte, nos recuerda Hall (1997)
damos a los objetos, las personas, los hechos significado por los
marcos de interpretación a los que los llevamos. En parte, damos
significado a las cosas por cómo las utilizamos o las integramos
en las prácticas cotidianas. En parte, les damos significados a las
cosas por cómo la ‘representamos’, mediante las palabras que
utilizamos sobre ellas, las historias que contamos sobre ellas, las
imágenes que producimos sobre ellas, las emociones que asocia-
mos con ellas, las maneras cómo las clasificamos y conceptualiza-
mos, los valores que colocamos en ellas. La cultura, está presente
en todas estas prácticas que no están programadas genéticamen-
te en nosotros, pero que tienen significado y valor para nosotros,
que necesitan ser significativamente interpretadas por otros, y
que dependen del significado para que operen efectivamente. La
cultura, en este sentido, permeabiliza a toda la sociedad. Es lo
que distingue el elemento humano en la vida social de lo que es
biológico. Su estudio subraya el papel social del dominio de lo
simbólico en el centro de la vida social (HALL, 1997, p. 3).

La noción de ‘representación’ como campo de


encuentro entre lengua y cultura
Stuart Hall en su preocupación por el papel del significado
en la construcción de las prácticas culturales y de la identidad,
llega a la noción de representación cuando se pregunta “¿Qué
relación tiene la representación con la cultura? ¿Cuál es la co-
nexión entre ellas?” (HALL, 1997, p. 1) y responde recordando
una definición de cultura que le ha acompañado en su transi-
tar por los estudios culturales: “cultura se refiere a compartir
significados”. Enunciado que le da pie para situar el papel del
lenguaje en la construcción de los significados y, por tanto, de
la cultura. Para Hall
el lenguaje el medio privilegiado en el cual ‘damos sentido’, y en
el cual el significado es producido e intercambiado. Los significa-
dos pueden ser sólo intercambiados a través de nuestro común
acceso al lenguaje. Por tanto, el lenguaje es esencial para el signi-

52 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

ficado y la cultura y es considerado como el depósito de valores y


significados culturales (HALL, 1997, p. 1).

Para Hall, la forma más tradicional es la que considera a la


cultura como “lo mejor que se ha pensado y dicho en una so-
ciedad’, cómo las grandes ideas han sido representadas en las
obras clásicas de la literatura, la pintura, la música y la filosofía.
Nos referimos en esta definición a la ‘alta cultura’ de una épo-
ca” (HALL, 1997, p. 2).
Dentro del mismo marco de referencia, pero desde una
aproximación más moderna, el uso de ‘cultura’ se refiere a las
manifestaciones de música popular, publicidad, arte, diseño, li-
teratura, u otras actividades de tiempo libre y entretenimiento,
que hacen la vida diaria de la mayoría de la ‘gente corriente’.
A esto se le llama ‘cultura de masas’ o ‘cultura popular’ de una
época. Alta cultura versus cultura popular fue, durante muchos
años, la manera de enmarcar el debate sobre la cultura, sobre
todo, como hemos visto, desde la Sociología y los Estudios cul-
turales.
Recientemente, y desde las ciencias sociales, la palabra ‘cultura’
se usa para referirse a cualquier cosa que hace referencia a la
‘forma vida’ (way of life) de una gente, comunidad, nación o
grupo social. Esta sería la definición que utilizan en la actualidad
los antropólogos, quienes emplean cada vez menos la noción de
cultura y más la de formas de vida. También la palabra se puede
usar para describir ‘el intercambio de valores’ de un grupo o
sociedad, lo que sería seguir también, nos recuerda Hall, la defi-
nición antropológico, sólo que con un énfasis sociológico (HALL,
1997, p. 2).

Este preámbulo de puntualizaciones lleva a Hall a prestar


especial atención a la relación entre significado, lenguaje y re-
presentación. Los miembros de una misma cultura han de inter-
cambiar conceptos, imágenes e ideas que les permiten pensar
y sentir sobre el mundo, y así interpretarlo de maneras simila-
res. Deben intercambiar similares ‘códigos culturales’. En este
sentido, pensar y sentir son sistemas de representación en los
cuales nuestros conceptos, imágenes y emociones representan
en nuestra vida mental cosas que están o pueden estar ‘fuera’
en el mundo. De manera similar, para comunicar estos significa-

53
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

dos a otras personas, los participantes de cualquier intercambio


significativo deben utilizar los mismos códigos lingüísticos, de-
ben hablar ‘la misma lengua’. Esto quiere decir que nuestros in-
terlocutores debe hablar suficientemente la misma lengua para
poder trasladar lo que ‘tú’ dices en lo que ‘yo’ comprendo y
viceversa. También deben interpretar imágenes visuales, repro-
ducir sonidos reconocidos como música, interpretar el lenguaje
corporal y las expresiones faciales de manera similar. Deben sa-
ber cómo traducir sus sentimientos e ideas en estos lenguajes.
Significado es diálogo, siempre entendido de manera parcial,
siempre como un intercambio desigual.
¿Por qué nos referimos a todos estas diferentes maneras
de producir y comunicar significados como lenguajes o que
operan como lenguajes? ¿Cómo operan las lenguas? La res-
puesta simple es que las lenguas operan por medio de repre-
sentación, en la medida en que las lenguas son ‘sistemas de
representación’. Podemos decir que todas estas prácticas de
significación operan como lenguajes, no porque sean escritas
o hablados (que no lo son) sino porque utilizan el mismo ele-
mento para representar lo que quieren decir, para expresar y
comunicar un pensamiento, concepto, idea o sentimiento. La
lengua hablada utiliza sonidos, la lengua escrita palabras, la
música notas y escalas, el lenguaje del cuerpo gestos, la in-
dustria de la modas ropa, el lenguaje del rostro maneras de
componerlo, la televisión usa puntos digitales o electrónicos
en la pantalla, los semáforos usan rojo, verde y ámbar para
‘decir algo’. Estos elementos (sonidos, palabras, notas, gestos,
expresiones, vestidos) son parte de nuestro mundo natural y
material. Pero su importancia como lenguaje no es lo que son
sino lo que hacen, su función. Construyen y transmiten signifi-
cado. Significan. No tienen un claro significado por sí mismos.
Son vehículos o media que llevan significado porque operan
como símbolos, que representan (simbolizan) los significados
que queremos comunicar. Para utilizar otra metáfora, funcio-
nan como signos. Los signos representan nuestros conceptos,
ideas y sentimientos de tal manera que permite a otros ‘leer’,
decodificar o interpretar su significado de una manera similar
a como lo hacemos nosotros.

54 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

La relevancia de las ‘formaciones discursivas’ y las


‘practicas de discurso’
Al inicio de este recorrido apuntaba dos perspectivas dentro
del Postesctructuralismo. La textual y la mundana. La que toma
como referente a Barthes y sobre todo Derrida y la que sigue
la senda Deleuze y, de manera especial, de Foucault. Como nos
recuerda Barsky (1993, p. 34) el trabajo reciente en análisis del
discurso realiza estudios en la estructura del discurso vincula-
dos a fenómenos institucionales sociales e institucionales, y tie-
ne una deuda especial con la obra de Foucault sobre el análisis
enunciativo, las unidades de discurso y la formación discursiva,
tal y como aparece en ‘La Arqueología del saber’ (1969) y ‘El
orden del discurso’ (1971) y en varias de sus obras en las que
explora la articulación del conocimiento y del poder en el dis-
curso como lo refleja en ‘Vigilar y Castigar’:
Hay que admitir más bien que el poder produce saber (y no sim-
plemente favoreciéndolo porque lo sirva o aplicándolo porque
sea útil); que poder y saber se implican directamente el uno al
otro; que no existe relación de poder sin constitución correlativa
de un campo de saber, ni de saber que no suponga y no consti-
tuya al mismo tiempo unas relaciones de poder (FOUCAULT, 1976
[1975], p. 34).

Hall (1997) llega a las posiciones discursivas, mediante su


análisis de la relación que a través de la cultura y el lenguaje
tiene lugar en la producción y circulación de sentido. Para Hall
La manera convencional nos dice que ‘las cosas’ existen en el
mundo material y natural, que sus características naturales o ma-
teriales son las que los determinan o constituyen; y que tienen un
claro significado fuera de como son representados. La represen-
tación es un proceso de importancia secundaria, que entra en el
campo sólo después que las cosas han sido completamente for-
madas y sus significados constituidos. Pero en el ‘giro cultural’ en
las ciencias humanas y sociales, el significado es producido, cons-
truido, más que simplemente “encontrado” (HALL, 1997, p. 5).

‘El lenguaje’ por tanto, facilita un modelo general sobre


como operan la cultura y la representación, de manera especial
en lo que se conoce como la perspectiva semiótica (la semiótica

55
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

considerada como la ciencia de los signos y su papel como vehí-


culos de significado en la cultura). En los últimos años, esta pre-
ocupación respecto al significado ha tomado un giro diferente,
centrándose no en cómo opera el lenguaje, sino en el papel del
discurso en la cultura. Desplazándose de la propuesta textual, a
la propuesta mundana del postestructuralismo. Para Hall
discursos son maneras de referirse a o de construir conocimiento
sobre un tema específico de la práctica: un conjunto de ideas,
imágenes o prácticas que facilitan maneras de hablar sobre for-
mas de conocimiento y conductas asociadas con un tema espe-
cífico, una actividad social o un espacio institucional en la so-
ciedad. Estas formaciones discursivas, definen lo que es y no es
apropiado en nuestra formulación de, en nuestras prácticas en
relación a, un tema concreto, o un espacio de actividad social,
y en que tipo de personas o ‘sujetos’ personifican esas caracte-
rísticas. ‘Discursivo’ ha pasado a ser el término general utilizado
para referirse a cualquier perspectiva en la que el significado, la
representación y la cultura son considerados como constitutivos
(HALL, 1997, p. 6).

A la hora del análisis de imágenes y las producciones de la


cultura visual no tratamos tanto de explorar sus significados,
sino interpretar el dispositivo que hace que opere como discur-
so, que se constituyan como prácticas discursivas, no sólo en
el sentido señalado por Hall, sino también como regulador de
prácticas y saberes. Esto es, en el sentido que da Foucault a la
noción de discurso.
Hay algunas semejanzas, pero también diferencias, en-
tre el enfoque semiótico y el discursivo. Una diferencia im-
portante es que la perspectiva semiótica tiene que ver con
el cómo de la representación, en cómo el lenguaje produce
significado, lo que ha sido denominado su ‘poética’. Mien-
tras que la perspectiva discursiva tiene que ver con los efectos
y consecuencias de la representación, su ‘política’. La pers-
pectiva discursiva presta atención no sólo a cómo el lenguaje
produce significado, sino como el conocimiento que produce
un particular discurso conecta con el poder, regula la conduc-
tas, fabrica o construye identidades y subjetividades, y define
las maneras cómo ciertas cosas son representadas, pensadas,
practicadas y estudiadas. El énfasis en la perspectiva discur-

56 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

siva está siempre en la especificidad histórica de una forma


particular o de un ‘régimen’ de representación: no sobre el
‘lenguaje’ como una cuestión general, sino con lenguajes o
significados específicos, y cómo se despliegan en un tiempo y
un lugar concreto.
La utilización del lenguaje y el discurso como modelos so-
bre cómo la cultura, el significado y la representación opera, y
el ‘giro discursivo’ que ha seguido en las ciencias humanas y
sociales, es uno de los cambios de dirección más significativos
en nuestro conocimiento de la sociedad que ha tenido lugar en
los últimos años.
El debate postestructuralista, con su presupuesto de la primacía
del discurso y de las prácticas lingüísticas, altera radicalmente las
concepciones de la cultura. La perspectiva postestructuralista am-
plía por un lado los abordajes sociológicos (como los de orientaci-
ón marxista o la teorización de Bourdieu, por ejemplo), centrados
en una visión de la cultura como campo de conflicto y de lucha,
pero por el otro lo modifica, al alejar el énfasis de una evaluación
epistemológica (verdadero/falso) basada en la posición estructural
del actor social, para los efectos de verdad inherentes a las prác-
ticas discursivas. Dentro de esa visión, la cultura es un campo de
lucha acerca de la construcción e imposición de significados sobre
el mundo social (DA SILVA, 1998, p. 64-65)

Este giro discursivo está presente, en buena medida, en los


ECV, en la medida en que la representación (visual) se puede
analizar sólo de manera apropiada en relación a las actuales
formas que el significado asume, en las prácticas concretas de
significar, ‘leer’ e interpretar; estas prácticas requieren analizar
los signos, símbolos, figuras, imágenes, narrativas, palabras y
sonidos las formas materiales- en las cuales circula el significa-
do simbólico.

Aportaciones de los planteamientos


postestructuralistas a los ECV
De este breve esbozo en torno al Postesctructuralismo se
deriva las siguientes consideraciones que son tenidas en cuenta
en el campo de la cultura visual, y en algunas de sus aplicacio-

57
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

nes metodológicas, como el análisis semiótico y el análisis del


discurso.
s%LSIGNIFICADODELLENGUAJENOESDADONIFIJO SINOCONSTRUIDO
por el sujeto que habla escribe o mira en contextos de inter-
cambio cultural.
s -´S QUE DECIR LA VERDAD LA FILOSOFÄA CONSTRUYE SIGNIFICADOS
mediante la supresión, la exclusión o la marginalización de
términos, por lo tanto, deberíamos desconstruir el texto y
cualquier interpretación es igualmente válida.
s%LPODEROPERAATRAV¿SDECOMPLEJASESTRUCTURASSOCIALESYSE
manifiesta en prácticas discursivas.
s#ONOCIMIENTOYVERDADSONIDEASQUEPUEDENCAMBIARDEMA-
nera radical según las posiciones de los sujetos y las circuns-
tancias históricas.
s,ATAREADEUNDESCONSTRUCCIONISTANOESENCONTRARLOQUEEL
texto significa de manera objetiva, sino mostrar las contra-
dicciones lingüísticas y exponer las relaciones de poder o las
agendas políticas que se encuentran ocultas.
Todo ello nos lleva a concluir diciendo que el Postestructuralis-
mo aporta a los ECV:
s 5N MARCO PARA EL AN´LISIS TEXTUAL ENTENDIDO EL TEXTO DESDE
una dimensión amplia), y discursivo, en relación a los con-
textos políticos y sociales en los que se produce y en los que
opera.
s,AREDEFINICIÍNDEUNATEORÄADELSIGNOENLAQUECONSIDERAEL
“interpretante” de Peirce como nuevo “signo” creado por el
intérprete en el proceso de entendimiento de los signos.
s,ARELACIÍNDIALÍGICAENTREELTEXTOYLOSLECTORES BASADAENLA
teoría de la ‘estructura dialógica’ de lenguaje de Mijail Bajtín
y en su propuesta de que son los individuos los que se inter-
cambian signos que entrarán a formar parte de la ideología.
s ,A teoría de la mirada de Lacan (como filtro en el campo
de la visión, similar al del lenguaje en el de lo simbólico), ha
insistido en la relación entre representación y espectador, en
la que éste se ‘sitúa’ visual y psíquicamente en función de la
construcción de aquélla, como signo que a su vez negaría
una concepción perceptualista-ilusionista de la imagen.
s&RENTEALATEORÄADELAMUERTEDELAUTOR"ARTHES YDELARTIS-

58 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

ta, al preexistir a su intervención las convenciones del código,


con la consiguiente disolución del autor en su producto y la
negación de la idea de intenciones artística en el acto inter-
pretativo, con Foucault insiste en el carácter histórico de la
subjetividad y en la necesidad de contar con ella en los con-
textos históricamente pertinentes.

Estos tres recorridos permiten situar el origen de los con-


ceptos, problemas y debates que se cruzan y nutren los ECV.
Son elementos para una génesis teórica y metodológica de un
campo de conocimientos que no se puede considerar como
‘propio’ de una disciplina, sino como cruce y reflejo de de un
desplazamiento hacia lo cultural a la hora de investigar las tec-
nologías de la visión, las prácticas de visualidad y la posición de
los visualizadores.

Notas

1- http://faculty.art.sunysb.edu/~nmirzoeff/.
2- http://educ.queensu.ca/~qbell/update/tint/postmodernism/postst.html.
3- Colocar a Benjamin en esta lista no deja de ser una generalización debido a su interés
por lo visual, pero no porque este autor pueda ser ubicado dentro de la tendencia pos-
tesctructuralista.
4- Mi pregunta, desde la educación, sería quién y cómo se produce y construye el signi-
ficado y cómo lo aprendemos.

59
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Referencias

ALPERS, S. (1987) [1983] El arte de describir. El arte holandés en el siglo XVII.


Madrid: Hermann Blume.
_________. (1996) Questionnaire on Visual Culture. October, 77, 26.
BARSKY, R. (1993) Discourse analysis. En I.R. Makarik (Ed.) Encyclopedia of
Contemporary Literacy Theory. (pp.35-36).Toronto: University of Toronto
Press.
BAXANDALL, M. (1978) [1972] Pintura y vida cotidiana en el Renacimiento.
Barcelona: Gustavo Gili.
_________. (1996) [1971] Giotto y los oradores. Madrid: Visor.
BIRD, J. (1986) On Newness, art and History. Reviewing Block 1979-1985. En L.
Ress & F. Borzenllo, (Eds.) The New Art History. Londres: Camden Press.
BREA, J. L. (Ed.) (2005) Estudios Visuales. La epistemología de la visualidad en
la era de la globalización. Madrid: Akal.
BRYSON, N. (1991) [1983] Visión y pintura. La lógica de la mirada. Madrid:
Alianza.
CLARK, T. J. (1973) The absolute bourgeois: artists and politics in France, 1848-
1851. Greenwich, Conn.: New York Graphic Society.
_________. (1981 [1973] ) Imagen del pueblo. Gustave Courbet y la Revolución
de 1848. Barcelona: Gustavo Gili.
FOUCAULT, M. (1976) [1975] Vigilar y castigar. México: Siglo XXI.
GRAMSCI, A. (1972) Los intelectuales y la organización de la cultura. Buenos
Aires: Nueva Visión.
CRARY, J. (1990) Techniques of the observer. Cambridge, Mass: MIT Press.
DA SILVA, T.T. (Org.) (1995) Alienígenas na sala de aula. Uma introduçâo aos
estudos culturais em educaçâo. Petrópolis, RJ: Vozes.
_________ (1998) Cultura y currículum como prácticas de significación. Revista
de Estudios del Currículum, 1, (1), 59-76.
DEBORD, G. (1999) [1967] La Sociedad del espectáculo. Valencia : Pre-textos.
DIKOVITSKAYA, M. (2005) Visual Culture. The Study of the Visual after the
Cultural Turn. Cambridge, MA: MIT Press.
DUNCUM, P. (2001) Visual Culture: Developments, Definitions, and Directions
for Art Education. Studies in Art Education, 42 (2), 101-102.
ELKINS, J. (2003) Visual Studies. A Skeptical Introduction. Nueva Cork y Londres:
Routledge.
EVANS, J. & HALL, S. (Eds.) (1999) Visual Culture: the reader. Londres: Sage.

60 Fernando Hernández
Elementos para una génesis de un campo de estudio de las prácticas culturales de la
mirada y la representación

FOSTER, H. (1988) Preface. En H. Foster (ed.) Vision and visuality. (p. ix-xiv)
New York: The New Press.
FREEDMAN, K. (2000) Social Perspectives on Art Education in the U.S.: Teaching
Visual Culture in a Democracy. Studies in Art Education, 41 (4), 314-329.
HALL, S. (1980) Cultural Studies at the Centre: Some problems and problematics.
En S. Hall, D. Hobson, A. Lowe y P. Willis (Comps.) Culture, Media, Language,
(p. 15-47) Londres: Hutchinson
_________. (Ed.) (1997) Representation: Cultural Representations and
Signifying Practices. Milton Kynes: Open University.
_________. (2000) [1992] Los estudios culturales y sus legados teóricos. Voces
y Culturas, 16, 9-27.
HERNÁNDEZ, F. (en prensa, a) Los Estudios de Cultura Visual: La construcción
permanente de un campo no disciplinar. Revista Internacional de Arte y Diseño
La Puerta. Universidad de La Plata. Argentina.
_________. (en prensa, b) ¿De qué hablamos cuando hablamos de
Cultura Visual? Construir una historia cultural de las miradas. Educação &
Realidade.
_________. (en prensa, c) Espigador@s de la cultura visual. Barcelona:
Octaedro.
HALL, Stuart (Ed.) (1997) Representation: Cultural Representations and
Signifying Practices. Milton Kynes: Open University.
HEYWOOD, Ian. & SANDWELL, Barry (Eds.). (1999) Interpreting Visual Culture.
Explorations in the hermeneutics of vision. Londres: Routledge.
KRESS, G. (2003) Literacy in the New Media Age. London: Routledge.
LACAN, J. (1971) [1996] El estadio del espejo como formador de la función del
yo tal y como se nos revela en la experiencia psicoanalítica. En Escritos1. (p.11-
20) México: Siglo XXI.
MARÍAS, F. (1996) Teoría del arte II. Madrid: Historia 16.
MIRZOEFF, Nicholas. (1998) What is visual culture? En N. Mirzoeff (ed.) Visual
Culture Reader. (p.3-13). Londres: Routledge.
_________. (2003) [1999] Introducción a la cultura visual. Barcelona: Paidós.
MITCHELL, W.J.T. (2000a) [1995] Interdisciplinariedad y cultura visual. Jornadas
Más allá de la educación artística. Cultura visual, política de reconocimiento y
educación. Barcelona: Fundación La Caixa:, 5 y 6 de noviembre. Traducción del
texto Interdisciplinarity and Visual Culture. Art Bulletin, 4, (77) (Diciembre).
_________. (2000b) [1995] ¿Qué es la cultura visual? Jornadas Más allá de
la educación artística. Cultura visual, política de reconocimiento y educación.
Barcelona: Fundación La Caixa, 5 y 6 de noviembre. Traducción del texto “What
Is Visual Culture?” En Irving Lavin (Ed.)Meaning in the Visual Arts: Essays in

61
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Honor of Erwin Panofsky’s 100th Birthday, (p. 207-217) Pricenton: Institute for
Advance Studies.
POINTON, M. (1986) History of Art and the Undergraduate Syllabus. Is It a
Disciplina and How Should We teach It? En A.L. Rees y F. Borzello (eds.) The
New Art History. Londres: Camden Press.
_________. (1994) [1980] History of Art. A students’ handbook. Londres:
Routledge.
REES, L. & BORZELLO, F. (Eds.) (1986) Introduction. En The New Art History.
Londres: Camden Press.
ROGOFF, I. (1998) Studying visual culture. En N. Mirzoeff (Ed.) The Visual
Culture Reader. Londres: Routledge.
RUSSELL, S. (1988) California Q&A: A Conversation with Svetlana Alpers.
California Monthly (Sept. 1988).
SARDAR, Z. y VAN LOON, B. (1997) Cultural Studies for Beginners. Cambridge:
Icon Books.
WILLIAMS, R. (1976) Keywords: A vocabulary of Culture and Society. Londres:
Croom Helm.
_________. (1989) The Future of Cultural Studies. The Politic of Modernity.
(pp.151-162).London: Verso.

FERNANDO HERNÁNDEZ
é Doutor em Psicologia e Professor Titular do Departamento de Desenho
da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona, Espanha. Co-
ordena o Programa de Doutorado em Artes Visuais e Educação e Mestra-
do em Estudos da Cultura Visual. No Brasil, publicou os seguintes livros:
Transgressão e mudança na educação, Organização do Currículo por Pro-
jetos de Trabalho (com Montserrat Ventura), Tecnologias para Transformar
a Educação (com Juana Sancho) e Catadores da Cultura Visual.

62 Fernando Hernández
Organized in three parts this paper describes, in the
first, historical and social circumstances which prece-
ded the emergence of visual culture emphasizing diver-
gences between the notions of fine arts and handcraft.
In the second it characterizes visual culture its projects
abstrac t
and purposes as a field of knowledge and pedagogic
practice. The last part focuses the importance of criti-
cal interpretation and how it constructs its way within
visual culture education.
Keywords: visual culture, pedagogic practice, critical
interpretation.
Porque e como falamos da cultura visual?

Raimundo
MARTINS

Organizado em três partes, este artigo descreve, na


primeira, circunstâncias históricas e sociais que prece-
deram a emergência da cultura visual destacando as di-
vergências entre as noções de belas artes e artesanato.
Na segunda, caracteriza a cultura visual e seus projetos
resumo
e propósito como campo de conhecimento e prática pe-
dagógica. Na última, foca a importância da interpreta-
ção crítica e a forma como ela se insere na educação da
cultura visual.
Palavras-chave: cultura visual, prática pedagógica, in-
terpretação crítica.
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Uma das mudanças fundamentais que afetou as práticas ar-


tísticas nas três últimas décadas foi a perda do estatuto ontoló-
gico da arte e, em decorrência, a dissolução das especificidades
e traços essenciais que a caracterizavam. Idéias como “autono-
mia”, “originalidade” e “autenticidade”, outrora conceitos que
distinguiam a obra de arte, foram gradativamente distancian-
do obra e fazer artístico dos processos e práticas do cotidiano.
A idéia de autonomia da ‘obra de arte autêntica’ (ADORNO,
1970), preceito que privilegia a análise do objeto de arte em
detrimento da experiência estética, contribuiu para o isolamen-
to da arte em relação ao mundo material e à práxis da vida
tendo como implicação uma esterilização do potencial da arte
como crítica social (SHUSTERMAN, 1998).
O que está em disputa nessa mudança e nessa discussão é a
distinção humanística entre história da arte e história do design
institucionalizada nos departamentos universitários dos países
de língua inglesa. Esta distinção continua, de certa maneira, co-
lada ao etos das instituições universitárias e, por extensão, de
associações profissionais e de pesquisadores. É uma disputa si-
lenciosa, parte de um jogo estratégico que, de quando em vez,
aflora em encontros de pesquisa, em reuniões de departamen-
to, mas, principalmente, em discussões sobre currículo. Ainda
persiste, embora de forma velada, a velha distinção kantiana
entre “belas artes”, ou “fine arts”, e artesanato, distinção que
se estabeleceu nas instituições do sistema moderno das belas
artes e que ainda se faz contemporânea através de uma duali-
dade igualmente excludente, “arte erudita” e “arte popular”.

Perambulando por caminhos que levam à cultura


visual
O sistema moderno das belas artes se estabeleceu na pri-
meira metade do século XIX quando o termo “arte” passou a
designar não apenas uma categoria, mas, também, um espaço
autônomo que incluía obras e interpretações, valores e insti-
tuições. Nesse novo contexto de autonomia, as obras de arte
passaram a ser interpretadas a partir do conceito de “forma”,

66 Raimundo Martins
Porque e como falamos da cultura visual?

implantado num vazio cultural, e, além disso, seus enunciados


fundamentados na subordinação ao objeto arte (TRAFÍ, 2003).
O processo de cooptação do público para aceitar e incorporar
uma atitude silenciosa, de atenção e reverência à obra de arte
exigiu tempo e esforço. De forma indireta e gradual, esse com-
portamento e atitude contribuíram para instituir e, posterior-
mente, institucionalizar o “discurso do artista como fonte origi-
nal da produção de significado e a obra como seu receptáculo”
(TRAFÍ, 2003, p. 267).
Paralelamente a este status da arte as teorias formalistas
ganharam força entre críticos literários, críticos de arte e este-
tas. A divisão entre arte e artesanato também foi usada com
interesses específicos, como por exemplo, para apropriação da
arte de outras culturas. Assim, esse discurso formalista da arte
sedimentou diferenças que passaram a distinguir a ‘verdadeira’
arte como “um ato de expressão imaginativa que requer com-
preensão interpretativa” (SHINER, 2004, p. 356).
A arte passou a ser tratada como uma essência metafísica
reconhecida pelos seus méritos técnicos, mas, principalmente,
pelo seu status filosófico, como pretendiam os filósofos idealis-
tas. Dessa maneira, obras de arte, criação e fruto da inspiração,
passaram a ser
Reverencialmente admiradas de um modo estético, por si mes-
mas, em um estado mental e de comportamento firmemente in-
culcado no público de concertos e nos visitantes de museus. A
zona sombria da elevação da arte no século XIX foi o subseqüente
retrocesso dos ofícios e das artes populares, a redução de muitos
artesãos a meros operários industriais e a crescente separação en-
tre os públicos das belas artes e das artes populares. No final do
século XIX, a grande divisão do século XVIII havia se convertido
num abismo (SHINER, 2004, p. 308).

Por aproximadamente cento e cinqüenta anos a divisão


entre arte e artesanato se manteve estável e vigente, mas as
tentativas de transcender a separação entre arte e vida, carac-
terizada por Shiner como um abismo, aos poucos ganharam
força e intensidade. Os dadaístas (1916) realizaram vários ata-
ques ao sistema das belas artes. De maneira irônica e sarcástica
eles buscavam, publicamente, uma maneira de enfraquecer o

67
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

sistema e suas instituições tentando uma reaproximação entre


arte e vida. Os construtivistas russos encetaram campanhas e
denúncias ainda mais demolidoras e as sustentaram através do
seu próprio trabalho para as indústrias e para o Estado.
Na primeira metade do século XX foram muitos os esforços
no sentido de reconciliar arte e vida. Como exemplo, podemos
citar a Oficina de Investigação Surrealista, na Paris dos anos
20, os filmes sobre realismo social, as novelas e pinturas dos
anos 30, os happenings realizados em Nova York, nos anos 50,
e o movimento Fluxus dos anos 60 (SHINER, 2004; KAPROW,
1993).
É importante reconhecer que, apesar dessas muitas tenta-
tivas e esforços, poucos artistas conseguiram notoriedade para
abalar o sistema, para minimizar a distinção entre arte e vida
ou, sendo mais explícito, entre arte e cotidiano. A notoriedade
alcançada por Marcel Duchamp com a “Fonte”, – urinol de por-
celana branco, masculino, com a inscrição “R. Mutt” –, recusa-
da para a exposição da Sociedade de Artistas Independentes de
Nova York (1917), foi o golpe que ajudou a arte a descer do seu
pedestal. A irreverência, ambivalência e rebeldia de Duchamp
em relação aos princípios do sistema de arte da modernidade,
refletiam sua profunda consciência do poder da arte como ins-
tituição social. Embora o trabalho-proposta de Duchamp seja
da segunda década do século XX, é importante ressaltar que
sua influência fez-se mais intensa a partir dos anos 50.
Nos anos 60, uma grande variedade de movimentos – arte
pop, arte conceitual, performance, instalações, arte ambiental,
etc. – intensificaram abertamente a resistência às polaridades
do sistema das belas artes buscando manter e até mesmo apro-
fundar a relação arte e vida. Artistas pop como Andy Warhol,
continuaram fazendo paródias sobre a “sacrossanta aura do ar-
tista e da obra de arte e os artistas conceituais freqüentemente
produziam peças que dificilmente podiam ser consideras obras”
(SHINER, 2004, p.397).
Mas apesar dessa diversidade de tentativas e esforços, ape-
nas trinta ou quarenta anos atrás ainda havia críticos e teóri-
cos influentes que defendiam a categoria arte como a maneira
mais adequada para qualificar uma obra literária, pictórica ou

68 Raimundo Martins
Porque e como falamos da cultura visual?

musical. Paradoxalmente a essa resistência institucional, sabe-


mos que a crise desta noção de arte gerou dois pontos de con-
vergência: de um lado, os artistas passaram a usar uma variada
gama de materiais conseguindo que as instituições artísticas os
aceitasse como arte; de outro, as próprias instituições artísti-
cas passaram a usar e tirar proveito da polaridade arte versus
artesanato, adquirindo e preservando esses diversos tipos de
trabalho.
Embora possa parecer estranho, por diversas razões e em
diferentes medidas, o etos das belas artes ainda está presen-
te na filosofia educacional e nas práticas artísticas de escolas,
institutos e departamentos de arte em instituições universitá-
rias do nosso país. Por inércia ou por força de tradição, estas
instituições, principalmente aquelas envolvidas com formação
profissional, ainda tentam neutralizar os desafios da contempo-
raneidade fazendo vistas grossas às mudanças decorrentes da
perda do estatuto ontológico da arte.
Todavia, aos poucos, pelas pressões do mercado de traba-
lho, por questões econômicas ou, ainda, talvez, pela veemência
da crítica social, as instituições começam a ceder e a ensaiar,
mesmo que de maneira tímida, algumas mudanças. Tais mu-
danças partem de exigências sociais que provocam as institui-
ções a esboçar algum tipo de resistência ou reação a novas
abordagens, campos de investigação e saberes emergentes ain-
da não regulados pelo ofício profissional ou pelo “método” e,
portanto, ainda não institucionalizados. Nessa arena de idéias,
onde podemos inserir debates, publicações, eventos científicos
e propostas curriculares, não é difícil observar que o conflito
mais recente e ainda em curso tem sido motivado pela entrada
em cena da cultura visual.

Estreitando Focos
A questão predominante sobre arte e imagem na literatura
recente da cultura visual e da história da arte está relacionada
à interpretação e a retórica (MITCHELL, 2005). Temos a preocu-
pação de saber o quê e como as imagens significam enquanto

69
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

signos e símbolos, qual o segredo da sua vitalidade e que “tipo


de poder elas têm para afetar as emoções e o comportamento
humano” (MITCHELL, 2005, p. 28). Não se trata simplesmente
de fugir ou abandonar as questões referentes à interpretação
e a retórica, como alerta Mitchell, mas de compreender as mu-
danças fundamentais que estão ocorrendo na história da arte,
mudanças associadas ao que Mitchell cunhou como a “virada
pictórica” e que têm implicações para ambas, cultura popular e
cultura da elite.
Estas mudanças e, em conseqüência, atitudes, não estão
circunscritas às obras de arte ou às imagens que possam ter um
significado afetivo para as pessoas. Melhor do que qualquer
um de nós, executivos de empresas de publicidade sabem mui-
to bem que imagens “têm pernas”, ou seja, têm “uma surpre-
endente capacidade para criar novos direcionamentos e viradas
surpreendentes” (...) como se “tivessem inteligência e propósi-
tos próprios”(Ibid., p. 3).
Freedman (2006) expõe, de maneira simples e clara, rela-
ções e sincretismos entre arte e imagem, novos direcionamen-
tos e viradas surpreendentes aos quais Mitchell também se re-
fere. Ela explica que,
Os pintores fazem performance, os performers fazem vídeos mu-
sicais, os artistas de vídeo reciclam trechos de filmes, os cineastas
utilizam gráficos realizados em computador que depois são adap-
tados à publicidade, e os publicitários se apropriam de pinturas.
(...) Vemos artes visuais na NASA e na Disneylândia, assim como
no Louvre, e elas estão conectadas a diversas outras formas artís-
ticas. Mediante conexões visuais, estas artes passam a fazer parte
da cultura visual... (p. 42).

Este tipo de miscigenação artístico-imagética é, talvez, uma


maneira mais contundente de descrever e caracterizar a cultura
visual como campo emergente, transdisciplinar e transmetodo-
lógico que discute e trata arte e imagem “não apenas pelo seu
valor estético, mas, principalmente, buscando compreender o
papel da imagem na vida da cultura” (MARTINS, 2007, p. 26).
Assim, fica evidente que a cultura visual não tem o objetivo de
subestimar ou alijar da sua discussão as práticas artísticas das
artes visuais porque elas “compõem a maior parte da cultura

70 Raimundo Martins
Porque e como falamos da cultura visual?

visual, que é tudo o que os humanos formam e sentem através


da visão ou da visualização, e que dá forma ao modo como vi-
vemos nossas vidas” (FREEDMAN, 2006, p. 25). O propósito da
cultura visual é desenvolver um conhecimento mais profundo,
rico e complexo colocando em perspectiva a “relevância que
as representações visuais e as práticas culturais têm dado ao
‘olhar’ em termos das construções de sentido e das subjetivi-
dades no mundo contemporâneo” (HERNÁNDEZ, 2007, p. 27).
Além disso, a cultura visual reconhece a importância não ape-
nas da compreensão, mas também, da interpretação crítica.
A cultura visual desafia os limites do sistema das belas artes
e suas instituições ao estudar o caráter cambiante dos objetos
artísticos analisando-os como artefatos sociais; ao deslocar o
foco das categorias artísticas tradicionais e disciplinas acadê-
micas no estudo dos objetos, trabalhando deslocamentos da
história e relações “intertextuais ou intervisuais, com possibili-
dade de múltiplas associações visuais e intelectuais” (GUASCH,
2005, p. 10); ao explorar conexões e contrastes entre as di-
versas formas de arte popular e das belas artes; ao incluir e
discutir o impacto das imagens de cinema, de publicidade, de
jogos de computador e histórias em quadrinho sobre adoles-
centes, jovens e adultos; ao ampliar limites culturais e educati-
vos que abrangem outros seguimentos e grupos culturais, suas
imagens e artefatos; ao enfatizar, deliberadamente, a relação
arte e vida, ou seja, arte e imagem como parte do cotidiano,
como parte de uma convivência diária com nossa diversidade e
complexidade.
O conflito gerado pela entrada em cena da cultura vi-
sual põe um foco na visualidade, ponto em que história da arte
e cultura visual se chocam. Visualidade é a visão socializada
(WALKER e CHAPLIN, 2002). De acordo com Mitchell (2002), o
que está em jogo é a “idéia da visão como uma prática social,
como algo construído socialmente ou localizado culturalmente,
ao mesmo tempo em que libera as práticas do ver de todo ato
mimético, as eleva graças à interpretação” (Apud GUASCH, p.
11). A importância que Mitchell dá à interpretação reverbera
em Jenks que corrobora com a posição de Bryson ao afirmar
que “em relação à história da arte é crucial que a visão se as-

71
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

socie mais com a interpretação que com a mera percepção”


(Apud GUASCH, p. 1). Ao detalhar os argumentos apresenta-
dos por Bryson, Holly e Moxey (1994) em favor de uma história
das imagens em lugar de uma história da arte, Guasch (2003)
destaca duas questões:
Por um lado, primar o “significado cultural” da obra para além
do seu valor “artístico” (o qual supõe reivindicar trabalhos que
tradicionalmente haviam sido excluídos do cânone das “grandes
obras de arte” como as imagens fílmicas ou as televisivas) e se-
gundo, explicar as “obras canônicas” segundo vias distintas a seus
inerentes valores estéticos, mas sem eliminá-los. O importante já
não é buscar o valor estético da “arte erudita” mas examinar o pa-
pel da imagem “na vida da cultura” ou, dito com outras palavras,
considerar que o valor de uma obra procede (não apenas) de suas
características intrínsecas e imanentes, mas da apreciação do seu
significado (e aqui é tão importante uma imagem televisiva como
uma obra de arte), tanto dentro do horizonte cultural da sua pro-
dução como da sua recepção (p. 11).

As questões destacadas por Guasch, – significado cultural


e valor estético – estão no centro das discussões sobre a cultu-
ra visual, ou seja, a premissa de que a visão é uma ‘construção
cultural’ e, portanto, é algo aprendido e cultivado através de
práticas sociais e de práticas educacionais desenvolvidas nas
instituições. Por esta razão, fora do campo da cultura visual, a
visualidade é vista como um conceito perigoso, coisa ardilosa.
Sem dúvida, é um conceito difícil de ser delimitado de maneira
sistemática. Para conflitos como estes, gerados por diferentes
posições teóricas e pontos de vista, a cultura visual não oferece
soluções em curto prazo.
Como campo emergente de investigação, a cultura visual
quer ajudar aos indivíduos e, principalmente, aos alunos, a de-
senvolver uma visão crítica em relação ao poder das imagens,
auxiliando-os a criar e aguçar um sentido de responsabilidade
diante das liberdades decorrentes desse poder. Essas responsa-
bilidades têm claras implicações éticas que Freedman explica
como
liberdade de informação em toda uma gama de formas de arte vi-
sual necessárias para a criação do conhecimento individual e gru-

72 Raimundo Martins
Porque e como falamos da cultura visual?

pal. As pessoas não apenas podem falar livremente; podem aces-


sar livremente, apresentar e duplicar, manipular eletronicamente
e televisionar mundialmente. As imagens e os objetos da cultura
visual são vistos constantemente e são interpretados instantanea-
mente, formando um novo conhecimento e novas imagens sobre
a identidade e o entorno (2006, p. 27).

Sem uma visão crítica e sem um sentido de responsabilida-


de, as pessoas podem ser manipuladas pela crescente diversi-
dade de imagens – de arte, publicidade, ficção e informação
– que, de modo aparentemente inofensivo, invadem e acossam
nosso cotidiano. A idéia de que as imagens têm vida cultural e
exercem poder psicológico e social sobre os indivíduos é o bor-
dão que ampara a cultura visual.

Relevância da interpretação crítica


Na perspectiva da cultura visual a interpretação se constitui
como prática social que mobiliza a memória do ver, aciona e
entrecruza sentidos da memória social construída pelo sujeito.
Influenciadas pelo imaginário do lugar social as interpretações
configuram processos de construção de sentidos e significa-
dos.
Concepção inclusiva, a cultura visual se apropria do con-
ceito de interpretação dialógica instituindo e ambientando o
princípio da heterogeneidade, núcleo central das reflexões pós-
estruturalistas. Ênfase dessas reflexões, o ‘conceito de autor’,
as ‘teorias sobre o sujeito’ e a questão das ‘múltiplas identida-
des’ geram deslocamentos conceituais e interpretativos abrindo
espaço para discussão sobre o modo como imagem e arte nos
interpelam.
O conceito de autor se combina com o conceito de inter-
pretação porque cada vez que se interpreta uma imagem está
sendo construída uma forma de autoria. Tal deslocamento se
deve, por um lado, ao distanciamento da noção metafísica de
unidade, ou seja, da idéia de interpretação única, autorizada
e reconhecida, e por outro, à multiplicidade de discursos e in-
terpretações da arte e da imagem que geram mobilidades na
posição de sujeito. A dispersão desse olhar centralizado e cen-

73
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

tralizador desencadeia um “processo dinâmico e transformador


que vai interromper a imobilidade da interpretação e exposição
baseadas [na relação] autor/objeto” (POLLOCK, 2004, p. 91).
Esses deslocamentos – mudanças na noção de imagem e de
arte, de autor e de sujeito em consonância com a compreen-
são de que ambas (imagem e arte) não contém uma verdade
própria a ser encontrada, descrita ou decifrada – assinalam o
advento da pós-modernidade.
O papel que arte e imagem desempenham na cultura e nas
instituições educacionais não é refletir a realidade ou torná-la
mais real, mas, articular e colocar em cena uma diversidade de
sentidos e significados. Indivíduos de um mesmo grupo ou co-
munidade podem conviver com as mesmas imagens, mas cada
um as vive e interpreta de maneira diferente, criando brechas
e espaços de diversidade. As resistências à concepção inclusiva
da cultura visual e ao princípio da diversidade de interpretações
– dificuldades centrais na relação indivíduo arte/imagem – se
manifestam através de grupos hegemônicos que aspiram impor
e autorizar suas interpretações, seu nível de verdade, constran-
gendo professores, alunos e até mesmo pesquisadores a aceitá-
las ou a lutar para libertá-las do habitus acadêmico.
As dificuldades que envolvem e, por vezes, emaranham
essa relação se devem às circunstâncias do social, terreno in-
congruente atravessado por antagonismos, rivalidades e des-
confiança explícitos e implícitos que emergem e se sedimentam
a partir de diferentes ângulos, perspectivas e refinamentos. Im-
plicações decorrentes dessas dificuldades, em especial da resis-
tência ao principio da diversidade de interpretação, reforçam a
compreensão de que “todo processo de identificação que nos
outorgue uma identidade sócio-simbólica fixa está destinado ao
fracasso. Porque o terreno do social (dialógico), não é apenas
instável, mas ambivalente...” (ZAVALA, 1996, p. 70).
Como perspectiva excêntrica, o pensamento dialógico cri-
tica o pensamento “universalista” que incorpora uma visão
‘internacional’, globalizante. Problematiza e discute a vocação
universalista que tem marcado o estudo/ensino de arte a partir
de dois argumentos: 1) a desconstrução da arte como institui-
ção, ação desenvolvida pelas vanguardas a partir dos anos 20

74 Raimundo Martins
Porque e como falamos da cultura visual?

que tornou obsoleto o discurso e a crítica artística que tenha a


pretensão de se definir como arte pura – ‘belas artes’ ou ‘fine
arts’ – ou de se outorgar autoridade para definir a função da
arte na sociedade; 2) a separação entre arte/produção simbóli-
ca e vida social.
O princípio que orienta esse posicionamento crítico tem
como pressuposto o fato de que o mundo simbólico e suas for-
mas são construções culturais e, portanto, mediados pela tradi-
ção. Assim, o conhecimento artístico só será crítico se confron-
tar a tradição e os cânones que mediam o mundo e as produ-
ções simbólicas. Ao tentar definir e preservar o papel/função
da arte na sociedade as instituições acadêmicas renovam e re-
forçam a noção romântica de arte como submissão exclusiva à
autoridade do cânone e da tradição.
Obras de arte, assim como imagens, são ideológicas e estão
socialmente situadas. Os conflitos entre pensamento dialógico
e pensamento universalista se intensificam quando grupos he-
gemônicos/dominantes e tradicionalistas aspiram transformar a
interpretação da arte e das imagens em monólogo, em verda-
de, dotando-as de um caráter essencialista, valendo-se de juízos
de valor, avaliações e classificações hierárquicas que além de
excludentes, buscam estabelecer verdades perenes.
O conceito de dialogia – que pressupõe heterogeneidade,
idéia de polifonia de vozes e que também se difundiu como
intertextualidade – reconhece que no universo cultural as in-
terações acontecem por meio de confluências, reciprocidades,
simultaneidades e fronteiras. Fronteiras porosas, como espaços
muitas vezes imaginários, espaços de trânsito e sem uma divi-
são a priori do que é bom e mal, culto ou popular.
Imagem e arte são artefatos que as interpretações constro-
em no processo de validarem a si mesmas, mas cujas implica-
ções – interpretações mais ou menos adequadas – dependem
do quê apresentam como resultado. A interpretação é um ato
complexo que se realiza a partir da interpelação de várias prá-
ticas sócio-ideológicas e, por esta razão, está implicada em re-
lações de concordância, resistência ou crítica a algo já valorado
e de alguma maneira organizado, algo diante do qual se adota,
de modo responsável, uma posição valorativa. Práticas sócio-

75
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

ideológicas tais como o são obras de arte e imagens, operam


dentro de regimes de verdade e não como certezas absolutas
(FOUCAULT, 2006). Portanto, trabalhar com arte e com ima-
gem pressupõe estar atento para essas condições, estar alerta,
sobretudo, para as sugestões que Popkewitz oferece a pesqui-
sadores e professores:
Entender que o olho não apenas vê, mas é socialmente disciplina-
do pela ordem, divisão e “criação” das possibilidades da organi-
zação do mundo e do sentido da identidade individual. Ao ques-
tionar como os olhos vêem, é possível questionar também como
os sistemas de idéias “tornam” realidade o que é visto, pensado
e sentido. Tais perguntas sobre a razão – ou seja, a construção
social da razão (e as relações de poder embutidas nestas) – são
os princípios pelos quais o agente “vê” e age para efetuar uma
mudança (1999, p. 22).

Os sujeitos se constituem no espaço de diversidade, de di-


ferença, nas frestas e interseções. Isto explicita que conheci-
mento, consciência e verdade não são realidades fixas e não
se encontram em espaços delimitados. São fios de uma trama
intercambiável que se faz, refaz e desfaz em múltiplas configu-
rações e situações. Arte e imagem estão vestidas e revestidas
por idéias e pontos de vista gerais e individuais, por valorações
e sotaques alheios e muitas vezes estrangeiros. Esses elemen-
tos se entrelaçam, às vezes se fundem e freqüentemente se
entrecruzam. Toda obra ou imagem é, de certa forma, uma opi-
nião social e as formas artísticas e imagens estão encharcadas
de valorações sociais.
A interpretação crítica se fundamenta em teorias contem-
porâneas que abrem espaço para pensar arte e imagem como
parte e práxis de uma comunidade interpretativa, de uma cul-
tura visual. Fundamenta-se também no princípio de que arte e
imagens nos interpelam e nos formam, os significados mudam,
mas ao mesmo tempo revelam uma dimensão do nosso pensa-
mento coletivo e de nossas projeções, imaginárias ou sociais.
Como concepção pedagógica, a interpretação crítica é uma
abordagem transdisciplinar ou multidisciplinar que trata arte e
imagem como narrativas socioculturais no contexto de diversas
práticas sociais.

76 Raimundo Martins
Porque e como falamos da cultura visual?

Trabalhar com interpretação crítica significa compreender


que arte e imagem são ideológicas, e que o artístico, inclusive
dentro da sua especificidade estética, faz parte de uma eco-
nomia sociocultural que outorga às obras e às imagens uma
dimensão de valor. É estar atento para deslocamentos privile-
giando práticas dialógicas e heterogêneas. É, de certa forma,
reconhecer que são muitas as visões e versões de cultura e que
elas têm grande alcance porque ampliam as possibilidades de
relação e diálogo de alunos e professores com a arte, com a
imagem e com a cultura.
Adicionalmente, trabalhar com interpretação crítica implica,
ainda, reconhecer que as interpretações estão sutilmente enre-
dadas nas percepções e subjetividades de intérpretes, colocan-
do sob suspeita a posição e a voz do autor – entendido sob uma
concepção romântica – como “centro autorizado e autoritário
da compreensão” (ZAVALA, 1996, p. 18). Esse deslocamento
do conceito de autor, conforme já comentado anteriormente,
abre perspectivas para abordar a relação imagem/obra-intér-
prete e nos alerta para o fato de que a compreensão depende
da circunstância comunicativa. Cada imagem, cada obra, faz
parte de uma rede, de um diálogo, e essa rede de informações,
percepções e sentidos é ampla e incomensurável.
Essas relações, implicações e deslocamentos encontram, na
clareza e simplicidade da reflexão de Richard Serra, argumentos
que utilizo para concluir esta discussão:
O que quero é que minha obra não seja percebida apenas como
mais uma produção estética. Se ela se converter em um lugar de
referência para gente com idéias diversas e minha escultura for a
experiência que lhes permita encontrar-se, será estupendo. Gos-
taria que esta instalação fosse um espaço público, aberto, onde
qualquer pessoa pudesse vir, sobretudo os jovens. Mas, a menos
que a obra seja inovadora, nada mudará. Assim ela deverá ser,
formalmente inovadora, para que transforme as percepções, as
emoções e a experiência (Conversação com Hal Foster, outubro/
novembro de 2004).

Os significados e sua constituição não se separam do con-


texto em que são construídos e vividos e, na atualidade, tem-
po cronológico e tempo da experiência são conflitantes, com-

77
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

petem por espaço e por afeto. Mas cabe a cada um de nós


– pesquisadores, críticos, docentes – agenciar mudanças para
enriquecer a nossa experiência e a dos alunos, compreendendo
que não são os artefatos que definem arte, imagem e cultura
visual, mas o modo como aproximamos, relacionamos, vemos
e olhamos tais artefatos. O objeto de estudo da cultura visual
não é especificamente a arte ou a cultura popular, mas a inter-
pretação crítica da arte, da imagem, do visual.

Referências Bibliográficas

ADORNO, Theodor. Teoria Estética. Lisboa: Martins Fontes, 1970.


BRYSON, N., HOLLY, M. A., MOXEY, K. Visual Culture – Images and Inter-
pretations. London: University Press of New England, 1994.
POL DROIT, Roger. Soy un Artificiero – tercera entrevista. In: Entrevistas
con Michel Foucault. Barcelona: Paidós, 2006.
FREEDMAN, Kerry. Enseñar La Cultura Visual – Currículum, estética y la
vida social del arte. Barcelona: Octaedro, 2006.
GUASCH, Ana María. “Una historia cultural de la posmodernidad y del
colonialismo. Lo intercultural entre lo global y lo local. In: Artes: La Revis-
ta – Facultad de Artes de la Universidad de Antioquia, Colombia. No 9/
Volumen 5/ enero-junio, 2005, p. 3-14.
_______, A. M. Los Estudios Visuales – Un Estado de la Cuestión. In: Estu-
dios Visuales, 1. Murcia: CENDEAC, noviembre 2003, p. 8-16.
HERNÁNDEZ, Fernando. Catadores da Cultura Visual – proposta para uma
nova narrativa educacional. Porto Alegre: Mediação, 2007.
KAPROW, A. Essays on the Blurring of Art and Life. Berkley: University of
California Press, 1993.
MARTINS, Raimundo. A cultura visual e a construção social da arte, da
imagem e das práticas do ver. In: OLIVEIRA de OLIVEIRA, Marilda (Org.).
Arte, Educação e Cultura. Santa Maria: editoraufsm, 2007, p. 19-40.
MITCHELL, W. J. T. What do pictures want? – The Lives and Loves of Ima-
ges. Chicago: University of Chicago Press, 2005.
POLLOCK, G. “La Cultura visual y sus descontentos: Unirse al Debate”,
Estudios Visuales, 2, diciembre 2004, p. 87-96.

78 Raimundo Martins
Porque e como falamos da cultura visual?

POPKEWITZ, Thomaz. Introduction. Critical traditions, modernisms and


the posts. In: POPKEWITZ, T. & FENDLER, L. (Orgs.). Critical theories in
education. Nova York: Routledge, p. 1-17, 1999.
SERRA, Richard. Conversação com Hal Foster, outubro/novembro de
2004. Disponível em www.guggenheim bilbao.es/caste/exposiciones/per-
manente/materia_tiempo/materia_tiempo.htm. Acesso em 23 de junho
de 2006.
SHINER, Larry. La invención del arte – Una historia cultural. Barcelona:
Paidós, 2004.
SHUSTERMAN, Richard. Vivendo a Arte – O pensamento pragmatista e a
estética popular. São Paulo: Editora 34, 1998.
TRAFÍ, Laura. La Interpretación del arte moderno como producción narra-
tiva – Una investigación interdisciplinar desde la historia crítica del arte y
la educación artística. Tese de doutorado apresentada ao Departamento
de Desenho da Universidade de Barcelona, 2003.
WALKER, J. e CHAPLIN, S. Uma Introducción a la Cultura Visual. Barcelo-
na: Octaedro, 2002.
ZAVALA, Iris. Escuchar a Bajtin. Madrid: Montesinos, 1996.

RAIMUNDO MARTINS
é professor titular da Faculdade de Artes Visuais da Universidade Federal
de Goiás. Doutor em Educação/Artes pela Southern Illinois University
(EUA), fez pós-doutoramento no Instituto de Educação da Universidade
de Londres (1992) e na Unidade de Arte Educação do Departamento
de Desenho da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelo-
na, Espanha (2005/2006). É docente do Programa de Pós-Graduação em
Cultura Visual.

79
Neste texto traço um percurso das contribuições que
Griselda Pollock e Mieke Bal fizeram para uma histó-
ria/teoria crítica da arte que contempla a permanen-
te re-significação do campo visual através das práticas
dialógicas de leitura/escritura, visão/revisão. Minha co-
laboração consiste em construir elementos dialógicos
entre os textos e as conceitualizações das duas histo-
riadoras/críticas culturais que permitam definir o ‘lugar
da espectadora’ como um espaço de onde se possa
gerar uma perspectiva radical da diferença sexual no resumo
campo visual. Escrever produzindo encontros entre os
textos de Pollock e Bal abre possibilidades para deses-
tabilizar a história da arte tanto nos lugares da prática
artística quanto nos espaços da visualização, buxcan-
do que a transgressão semiótica possa colocar-se em
ambos os lados e, conseqüentemente, que possamos
revisar o passado a partir das políticas de visão e de
produção visual do presente, tornando densa nossa
memória visual.
Palavras-chave: políticas da visão, diferença sexual,
historias críticas da arte.
Perturbar la historia del arte desde el lugar
de la espectadora
Las aportaciones de Pollock y Bal a los
estudios visuales

Laura
TRAFÍ

En este texto hago un recorrido a través de algunas de


las aportaciones que Griselda Pollock y Mieke Bal han
realizado a una historia/teoría crítica del arte que con-
templa la permanente resignificación del campo visual
a través de las prácticas dialógicas de lectura/escritura,
visión/revisión. Mi aportación consiste en construir ele-
mentos dialógicos entre los textos y las conceptuali-
zaciones de ambas historiadoras/críticas culturales que
permiten definir el ‘lugar de la espectadora’ como un
resumen sitio desde el cual generar una perspectiva radical de
la diferencia sexual en el campo visual. Escribir produ-
ciendo encuentros entre los textos de Pollock y Bal abre
posibilidades para desestabilizar la historia del arte tan-
to en los lugares de la práctica artística como en los
espacios de la visualización, logrando que la trasgresi-
ón semiótica pueda ubicarse en ambos lados y conse-
cuentemente, que podamos revisar el pasado desde las
políticas de visión y de producción visual del presente,
densificando nuestra memoria cultural.
Palabras clave: políticas de la visión, diferencia sexual,
historias críticas del arte
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

El texto está articulado en tres partes: en la primera analizo


el planteamiento por parte del feminismo de otros modos de
visión y narración desde los placeres visuales y sexuales de las
mujeres. En la segunda parte, enlazo estos otros modos de visi-
ón y narración, con la producción de inscripciones de género en
las obras de arte del canon, para la escritura/lectura/visualizaci-
ón de significados no-escritos, no-leídos, no-visibilizados, signifi-
cados que posibiliten una comprensión del sujeto en constante
proceso y negociación. En la tercera parte me ocupo de proble-
matizar las temporalidades de la visión y de la diferencia sexual
con la finalidad de establecer una relación activa, procesual,
conflictiva y permanentemente abierta entre una subjetividad
no fijada y una historia del arte que se dirige hacia el presente
de la espectadora.

La política feminista de la visión y la narración de otros


placeres visuales
En los años ochenta, los textos de Roland Barthes (1977)
“La muerte del autor” y “De la obra al texto”, en los que se
desplaza la autoridad y la obra, en favor del texto y la escritu-
ra, abren a la historia feminista del arte la posibilidad de crear
otros espacios de significación y de producción de otras tex-
tualidades, que las ordenadas por el discurso del amo (léase,
crítica modernista del arte y otros formalismos, historia social
marxista, iconología, etc.) Mientras Barthes, ofrece una repre-
sentación del lector abstracta, sin historia ni biografía, como un
mero destinatario del texto, el feminismo utiliza políticamente
ambos artículos para inscribir la noción de diferencia sexual en
las posiciones de lectura. De este modo, Pollock (2001) afirma
que siempre es importante saber quién lee, así como visibilizar
las relaciones de poder que sostienen el dominio de unas lectu-
ras frente a otras posibles.
Pollock (1990, 1996a), cuestiona la separación entre lo lite-
rario y lo visual a través de criticar el ocularocentrismo del dis-
curso humanista en la historia del arte. En éste se propone un
sujeto-de-la-visión que mira a fondo las obras con el fin de re-

82 Laura Trafí
Per turbar la historia del ar te desde el lugar de la espectadora
Las apor taciones de Pollock y Bal a los estudios visuales

construir la actividad intencional del artista a través de las con-


venciones, indicios y rastros visuales, llevando a una identifica-
ción edípica del espectador (entendido en términos universales)
con el ego ideal del autor vía los textos del historiador. Como
crítica a este discurso, Pollock reclama un cambio de paradigma
en el que se pase de una historia del arte dirigida por métodos
de visión a una historia del arte basada en políticas de la visión.
Aquí, el término ‘política’ complica la noción de ver, ésta deja
de ser una categoría obvia, vinculada al legado racionalista y
se convierte en un conjunto complejo de prácticas, que no se
limitan a la percepción, sino a establecer enlaces entre visión,
subjetividad y producción cultural del significado. El psicoanáli-
sis y sus relecturas feministas muestran cómo el campo visual
es un espacio socialmente construido en el que las prácticas de
ver están estrechamente vinculadas con los procesos de forma-
ción de la subjetividad y la diferencia (POLLOCK, 1990). Desde
esta perspectiva, la historia del arte es interpretada como una
tecnología del género, que produce a las mujeres como suje-
tos-del-espectáculo en el orden social y económico del estudio
modernista, situadas en posiciones no-dominantes de género,
clase y raza trabajando para convertirse en imágenes de cuer-
pos ficticios mediados por la mirada del artista y el gesto de
su pintura en la tela (POLLOCK, 2001). Pero al mismo tiempo,
estas tecnologías, también producen a las mujeres como su-
jetos-de-la-visión1 a quiénes se les muestra “cómo mirar a las
pinturas, cómo ver sus significados, cómo situarse frente a las
obras de arte. Define una posición para conocer lo que es fun-
damentalmente una forma de mirada altamente específica y se-
lectiva” (POLLOCK, 1996b, p. 279). Para perturbar este orden,
y siguiendo a De Lauretis (1987), Pollock (1996b) reclama para
la historia feminista del arte la producción de otros espacios de
visión, visiones desde otra parte, desde un espacio intersticial
conformado por un movimiento entre lo representado por/en
el sistema del sexo/género, y los géneros inesperados y no-visu-
alizados. Reclama, a la historia feminista del arte, “mirar desde
una distancia crítica, la que se logra si uno ‘mira como una
mujer’ es decir, no lee de manera literal a la cultura dominan-
te mirando en contradirección las asunciones necesarias para

83
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

participar en ella” (POLLOCK, 1991, p. 46). La historia del arte


que incorpora estas otras prácticas de visión, ya no trata del
“estudio de los artefactos artísticos y de los documentos que se
han depositado en el presente a través del tiempo” (POLLOCK,
1999, p. 27). Consiste contrariamente, en un proceso psicoso-
cial de releer/rescribir permanentemente el proyecto feminista
de “constitución del sujeto en la diferencia sexual, dentro del
campo de la historia, mientras forma y es formado en una his-
toria de representaciones visuales estéticamente elaboradas”
(p. 27).
Con la finalidad de producir otros modos de visión, Bal de-
construye lo que irónicamente denomina posición voyeurística
del hombre viejo, como propia de los connoisseurs modernis-
tas. Desde esta posición la visión es un conocimiento particular
en el que se identifican dominios tan distintos como los de bel-
leza, verdad y sexualidad, “a pesar de que no está claro como el
conocimiento en el ámbito del arte automáticamente comporta
un dominio de la erótica y de la epistemología” (BAL, 1996, p.
258). Bal se refiere a cómo son narradas las obras del canon
en las que se representan mujeres y desnudos de mujeres, atri-
buidas a ‘grandes’ artistas de la historia. Aquí, el experto “se
proyecta a sí mismo, sus propios gustos y preferencias, en el
artista, que es investido con autoridad y despojado de subjeti-
vidad de un solo golpe. La red resultante es que el artista siem-
pre será un clon del crítico” (p. 260). Aunque la relación de po-
der-saber desarrollada en este modelo de historia del arte para
la unificación de los modos de visión, no ha sido ampliamente
cuestionada, Bal afirma que la realidad de la comunicación en-
tre la mirada dominante del crítico, la imagen que crea de la
obra y el sujeto-de-la-visión, no es tan edípica, ni tan uniforme.
La única manera de terminar con las narrativas realistas en el
arte, es que desde la historia del arte se planteen otras formas
de escritura y de visión también posibles. Bal propone la diversi-
ficación de los tipos de visión, la multiplicación de las perspecti-
vas, la narrativización y la temporalidad del proceso de lectura,
como la mejor manera de desvelar y examinar las implicaciones
ideológicas, epistemológicas y representacionales de los modos
dominantes de visión. Se trata de ofrecer a la espectadora la

84 Laura Trafí
Per turbar la historia del ar te desde el lugar de la espectadora
Las apor taciones de Pollock y Bal a los estudios visuales

participación como segunda persona del discurso, para intro-


ducir en la obra una visión asimétrica, tentativa, paradójica,
procesual, en contra de la identificación y la dirección única y
penetradora del voyeurismo, de la objetivación y de la narrativa
realista en tercera persona del historiador-connoisseur.2 Aquí,
las finalidades de transformación del discurso de la historia del
arte propuestas por Bal dialogan con el propósito de Pollock de
producir otras textualidades para la historia del arte y formas
de mirar con distancia crítica en las que la relación del feminis-
mo con el territorio diversamente compartido del campo visual,
sea la de performar relecturas constantes y situadas.
Por ejemplo, Bal propone leer Olimpia (1863)3 de Manet,
desde las políticas sexuales emergidas en los noventa, con la
finalidad de contestar la mirada masculina y heterosexual desde
la que se ha escrito/leído esta obra: Olimpia extremadamente
blanca recibe la visita de su amiga, la mujer negra, siendo in-
terrumpidas por un visitante, posiblemente un hombre blanco,
en el momento en el que la amiga le entrega el ramo de flores.
Olimpia, que está desnuda, responde al intruso con una mirada
y simultáneamente se cubre el pubis como una manera de diso-
ciar la visión del contacto o su substitución, el fetichismo.
Éste sería un modo de ver con otra temporalidad, que atien-
de al punctum del momento justo, más que a la duración de la
mirada del voyeur (BAL, 1996, p. 285). Pollock, podría añadir a
esta lectura que la espectadora feminista, ve en esta imagen la
relación entre dos mujeres racial y sexualmente corporeizadas,
perturbando así el discurso del desnudo femenino, del cuer-
po sin tiempo y sin subjetividad, objeto de la historia del arte
(POLLOCK, 2003). Lo que aprendemos de estas interpretació-
nes, es que la teorización de una espectatoriedad diferenciada
para las mujeres, no busca la fijación de una mirada ‘femenina’
para Olimpia. No pretende tampoco, crear un repertorio nue-
vo de lecturas feministas del canon, sino más bien entender la
espectatoriedad en términos de proceso constitutivo, como un
espacio en el que el sujeto mujer está permanentemente en-
proceso-de-ser. En historia del arte el lugar de la espectadora
podrá ser un territorio de producción de la subjetividad, sólo
si dejamos de fijar los significados del arte y la cultura visual y

85
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

empezamos a trabajar en una permanente resignificación del


campo visual desde nuestros posicionamientos como mujeres
en las políticas del género, clase y raza en el presente.

Las inscripciones de género en el canon desde las


prácticas transgresoras de ver/leer en contra del guión
Desde una perspectiva basada en la diferencia, el proceso
de constitución subjetiva se desarrolla a través de tensiones
entre lo semiótico (las disposiciones hacia el lenguaje y sus
rastros en el cuerpo) y lo simbólico (lo que articula estas dis-
posiciones en forma de comunicación social, unidad y fijación
de los significados). Kristeva afirma que lo semiótico puede
proporcionar elementos para la trasgresión, ya que puede de-
venir en exceso gracias a su relación con lo maternal y los
impulsos arcaicos del lenguaje. En tanto que el acceso al len-
guaje y a las formas de representación en la historia del arte,
son siempre narradas desde una forma sexuada y sexualizada,
en una situación de activo falocentrismo, el sujeto en-proceso-
de-ser siempre tendrá una relación estructural con los exce-
sos transgresores de lo semiótico (KRISTEVA, 1986; POLLOCK,
1999). Así lo ha mostrado el trabajo de las mujeres-artistas-
visuales que han roto tabúes produciendo y visibilizando prác-
ticas de femineidad, sexualidad y corporalidad negadas en lo
simbólico. En este mismo sentido, Kristeva afirma la existencia
de una generación de feminismo en el que las mujeres cons-
truyen un contrato con lo simbólico que pretende revelar su
lugar en el mundo y al mismo tiempo transformarlo, a través
de una identificación con lo imaginario, utilizando el arte y
la literatura como principales herramientas. “Esta identificaci-
ón testimonia el deseo de las mujeres de sacarse de encima
el peso de lo que es sacrificante en el contrato social, para
alimentar nuestras sociedades con un discurso más flexible y
libre, en el que también se pueda nombrar lo que nunca ha
sido un objeto de circulación en la comunidad: los enigmas
del cuerpo, los sueños, los goces, las vergüenzas y los odios
secretos” (KRISTEVA en MORIL, 1986, p. 207).

86 Laura Trafí
Per turbar la historia del ar te desde el lugar de la espectadora
Las apor taciones de Pollock y Bal a los estudios visuales

Para Pollock, esta generación de creadoras, ha abierto es-


pacios simbólicos que han posibilitado no sólo repensar la cre-
ación artística desde los cuerpos de las mujeres, sino que han
permitido también repensar la historia del arte, a través de una
relectura del arte del canon en términos de un proceso de ins-
cripción en lo femenino, en los textos públicos de las Venus, las
Danaes, las Lucrecias, las Judits, las Cleopatras, transmitidos y
dominados por la autoridad patriarcal. Como ya hemos visto, a
través de Olimpia, esta lectura se centra en el cuerpo de la mu-
jer como un espacio desde el que producir la diferencia sexual
y persigue “una forma de direccionalidad femenina, que pueda
generar atracciones visuales para el deseo femenino, que pue-
da abrir el espacio psíquico y los espacios imaginativos de la fe-
mineidad, que pueda encarnar la ansiedad o incluso la agresión
y la ambivalencia” (POLLOCK, 1999, p. 139). Para Bal, esta lec-
tura tiene que servir para leer a favor de la imagen y en contra
del guión culturalmente asignado para estas mujeres que las
desplaza del proceso de significación, siendo “habladas” por
los otros. “La contra-acción que propongo es leíble en un sen-
tido radical: las obras de arte que ofrecen textos públicos para
la lectura proponen imágenes cuya ambigüedad deja un lugar
para la resistencia” (BAL, 199, p. 92-93).
A partir del cuerpo de Lucrecia violada, propongo explorar
más a fondo, cómo se puede construir este tipo de direccionali-
dad que pueda encarnar la ansiedad y la agresión desde la pers-
pectiva de la víctima de la violación y cómo esta direccionalidad
puede enlazarse con la idea de leer visualmente a favor de las
imágenes y en contra del guión. Bal y Pollock han compartido
en textos diferentes una reflexión en torno a una semiótica de
la violación –Bal ha releído/rescrito las dos Lucrecias pintadas
por Rembrant (1664 y 1666), mientras que Pollock lo ha hecho
con la de Artemisa Gentileschi (c. 1621). Ambas han afirmado
que la violación se ha utilizado culturalmente como una for-
ma metafórica de asesinato del sujeto. Es un lenguaje en el
que el cuerpo de la mujer es utilizado de manera pública como
una forma de comunicación de odio, venganza y competición
entre hombres. Como miembro de la comunidad intersubjetiva
que sostiene esta visión la mujer violada incorpora el habla de

87
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

odio del violador en su cuerpo, internalizando el lenguaje de la


aniquilación, identificándolo consigo misma. Esta es también la
historia que los textos clásicos ofrecen de Lucrecia, la historia
de una autoinmolación y de un desplazamiento de la ansiedad
y la agresión del cuerpo de la mujer al cuerpo social: Brutus el
marido de Lucrecia, incita a una revolución que abre el paso del
Imperio a la República en la Roma Antigua.
Sin embargo, para Bal (1991), las dos pinturas de Rembrant
“...pueden contribuir a la transformación de la visión manteni-
da por la cultura en la que operan. Estas pinturas lo hacen al
representar su propia interpretación de la violación” (p. 76),
narrando su proceso. Pollock (1999), que escribe su lectura de
la Lucrecia de Gentileschi, ocho años después del texto de Bal,
se sirve en parte de éste para preguntarse también cómo la
narrativa visual en torno a la violación de Lucrecia puede alterar
y producir un comentario resistente, una inscripción desde lo
femenino en los textos públicos que circulan sobre este tema,
afirmando que: “... parecería poco normal para una mujer, ha-
biendo experimentado este proceso de ‘asesinato del yo’, que
abordara un tema que visualmente sólo representara eso. ¿De
qué maneras una mujer artista podría negociar este tema con
tanta carga negativa?” (p. 160). La posibilidad de escribir lectu-
ras resistentes en las que se altera la lógica patriarcal de la vio-
lación rescatando la perspectiva de la víctima, necesariamente
lleva a Bal y Pollock a problematizar la retórica visual con la que
mirar a estas tres narrativas visuales. Bal sugiere leer basándo-
nos en el detalle, en la sinécdoque para representar el proce-
so semiótico de la violación y su consecuencia; Pollock seguirá
también este modelo de lectura. Consecuentemente, en ambos
casos se crea un lugar de visualización, que altera los placeres
visuales distanciados del voyeurismo (véase, Tarquino y Lucrecia
de Tiziano Vecellio, 1568-71) y como espectadoras nos sitúa en
un espacio cerrado y perturbador, centrado en la víctima y en
ser testimonios de una escena muy poco abstracta o generaliza-
ble, una escena que representa lo que en la tradición patriarcal
se ha mantenido como invisible o se ha narrado por otros.
Bal, trata de leer a las dos Lucrecias de Rembrant de ma-
nera secuencial, para poder localizar a través de los detalles

88 Laura Trafí
Per turbar la historia del ar te desde el lugar de la espectadora
Las apor taciones de Pollock y Bal a los estudios visuales

una narrativa visual interna en la que se representa el momento


anterior y posterior de la violación a través de la localización e
interrelación de detalles visuales. Uno de ellos sería el de las
dos rajas en la camisa de la segunda Lucrecia (1666); en la que
está limpia, Bal ve/lee el himen intacto y a Lucrecia dormida,
en la ensangrentada, ve/lee la herida autoinflingida con una
daga, ve/lee a Lucrecia violada y la consecuente herida mortal.
La mirada se mueve entre dos tiempos el de la inocencia y el
del terror, pero en este movimiento, el espacio intermedio y
fluctuante de direccionalidad, se convierte en algo perturbador
y casi indefinible para la espectadora (BAL, 1991, ELLSWORTH,
1996).
Continuando con el diálogo entre ambos textos, Pollock
(1999) señala que Rembrandt al representar a Lucrecia vestida,
“pierde el sitio sexual de subjetividad y su borrado a través de
la violación” (p. 163), algo que si alcanza a representar Genti-
leschi al mostrar el cuerpo de Lucrecia “utilizando las relaciones
entre estar vestida y desvestida . . . [Lucrecia] Se recoge la ves-
timenta para cubrir sus pechos y vemos su pierna. Un equilibrio
muy calibrado entre el cuerpo y la indumentaria está significan-
do la violencia de lo que ha tenido lugar al mismo tiempo que
deja cierto grado de autoposesión a la mujer” (p. 163). Al mis-
mo tiempo, Pollock argumenta cómo la Lucrecia de Gentileschi
se resiste al propio mito de Lucrecia, convirtiéndose en un es-
pacio de inscripción de la subjetividad de la artista y su propia
experiencia de haber sido violada por Agostino Tassi: Lucrecia
está representada con una daga que apunta hacia el exterior
de su cuerpo. “Ser capaz de defenderse revela un resurgir de la
subjetividad, un rechazo de ser contaminada y aniquilada” (p.
163) y una representación inesperada y transgresora del género.
En ambos textos, la localización en el cuerpo de Lucrecia de
la ansiedad y la angustia de la violación, posibilita una lucha
política por ver/leer lo que no es visible, ni leíble: el cuerpo
interno, lo socialmente invisibilizado, la desaparición del sujeto,
provocando consecuentemente la trasgresión de significados
en el orden simbólico. Al mismo tiempo, construir una intertex-
tualidad entre el texto de Bal, basado en la visión y la lectura
en contra del guión, con el texto de Pollock centrado en las cre-

89
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

atesses y la búsqueda de una direccionalidad que posibilita la


inscripción del género en el campo visual, sirve para compren-
der a ambos espacios (el de la espectadora y el de la creadora)
como lugares de producción, unidos por un vínculo dialógico
situado en el Tiempo de las Mujeres. Éste es un tiempo cíclico,
no lineal, basado en la relacionalidad, en la coexistencia con
el otro, fuera del orden social del signo, que presiona y es pre-
sionado por el tiempo lineal de la nación y el estado en el que
se funda la historia del arte como institución y discurso de la
diferencia sexual (KRISTEVA en MORIL, 1986, POLLOCK, 2003).
Como ya señalé más arriba, para Bal y Pollock, éste no es un
tiempo mítico, sino un tiempo histórico en el presente.

Llevar la historia del arte al presente de la visión desde


una práctica performativa de ver y narrar atendiendo
al detalle perturbador y fronterizo
En esta otra historia la relación con las obras de arte se pro-
duce en los términos históricos del ‘encuentro’ y del ‘choque’
de temporalidades (POLLOCK, 2003). Consiste en una narración
visual dedicada a mostrar el proceso de producción del signifi-
cado de la diferencia sexual a través del tiempo (más que de re-
solver el significado para siempre), en dos direcciones presente/
pasado, pasado/presente, enfatizando “...la activa participaci-
ón de las imágenes visuales en el diálogo cultural y la discusión
de ideas” (p. 174). Por consiguiente, es importante reclamar los
placeres de producción de intertextualidades entre imágenes y
resistirnos a los dictados de los métodos iconográficos y de la
interpretación de motivos visuales en relación a los contextos
del pasado, para contrariamente plantear la negociación de los
significados y abrir opciones para releerlos en contradirección
– a través del rechazo, la inversión, la ironía, la deslocalización
– y desde el presente, incorporando en la narrativa histórica el
discurso subjetivo y la densidad de la memoria (BAL, 1999).
Pollock ha articulado este ejercicio intertextual para produ-
cir una serie de interrupciones feministas en el discurso intem-
poral del museo modernista, como lugar turístico dirigido al es-

90 Laura Trafí
Per turbar la historia del ar te desde el lugar de la espectadora
Las apor taciones de Pollock y Bal a los estudios visuales

pectáculo de la mercancía. Éste es un discurso asistido por los


medios de reproducción fotográfica y digital, que utiliza otro
tipo de intertextualidad visual centrada en la fijación de los sig-
nificados y en la reafirmación de la centralidad del sujeto-de-la-
mirada: la argumentación de Pollock se articula en torno a una
serie de postales de las Las tres gracias (1815-17) de Antonio
Canova que encuentra en la tienda de la National Gallery of
Scotland4. En éstas la cultura popular del cine se mezcla con la
historia modernista del arte para producir una narrativa visual
basada en la fragmentación, la combinación de planos gene-
rales y primeros planos y la seriación que combina movimiento
y quietud. Estrategias que producen al mismo tiempo un lugar
subjetivo de visión y el juego de una economía psíquica, “gene-
rando una mezcla cinematográfica (dominio y movilidad) y feti-
chista (petrificación y repetición conmemorativamente ambiva-
lente)... Esto altera la relación del cuerpo con el tiempo real de
la visión como movimiento (incitando fantasías voyeurísticas) y
de las temporalidades metafóricamente capturadas en una ima-
gen del cuerpo que parece desafiar al tiempo atrapándolo ante
nosotras en una permanencia transtemporal (el impulso del fe-
tichismo)” (POLLOCK, 2003, p. 181).
Para perturbar la estabilidad de este espacio falocéntrico de
visión, Pollock intertextualiza cada una de estas postales con
otras representaciones de la corporalidad de las mujeres, que
no se basan en la revisión moderna de la alegoría clásica de las
tres gracias como éxtasis del tiempo y permanencia de la juven-
tud. Esta interpretación de las gracias es el producto de la revi-
sión renacentista de los relatos paganos clásicos, en la que se
substituye el carácter alegórico y narrativo centrado en el don,
por un modo de visión y significación moderna basada en el
desnudo y en la fijación de una corporeidad esencialmente fe-
menina. Una parte importante de estas otras representaciones
que introduce Pollock, pertenecen a artistas visuales contempo-
ráneas, que han abordado la relación corporal entre mujeres,
como un movimiento basado en la cadena de estados y facetas
la vida, para ver/leer el cuerpo como un signo del Tiempo de
las Mujeres, situando la lectura en una dirección que va del pre-
sente al pasado. Representaciones que ofrecen oportunidades

91
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

para la construcción de fantasías sobre la corporeidad maternal


como una figura narrativa de referencias múltiples (eg. a lo ar-
caico, lo indecible, lo invisible, lo abyecto, lo habitable, lo que
tiene forma de cueva o forma de tumba, lo raro, lo fronterizo,
etc.) y que la sitúan entre significados simbólica y psíquicamen-
te en conflicto. Desde este posicionamiento, la postal numero
tres de la serie, puede utilizarse para leer desde lo visible, espa-
cios invisibles, partición y dualidad, pasajes que llevan tanto al
interior como al exterior, pasajes a través de los cuales se pro-
duce el parto, se alcanza el placer, se hiere, transforma y pudre
la carne, en un enmarcado en el que se ha negado la aparición
del triángulo púbico.
La imagen ofrece una perspectiva tomada desde abajo del
grupo de Las tres gracias, con las nalgas de dos de las tres fi-
guras de Canova a primera vista, semiluminadas, con un claro
perfilado del pliegue separador, y con ecos de otros pliegues a
través del contacto de las piernas, el pecho de la situada más a
la derecha y los brazos entrelazados, con otro pliegue evocador
que se forma en el contacto de la axila de la primera con el bra-
zo superior de la del medio.
Pollock imbrica “su” visión transgresora de la postal de Las
tres gracias, con una pintura de Jenny Saville, Fulcrum (1998).
En esta obra nos confrontamos con un paisaje de tres cuerpos
de mujer de límites difusos ubicados horizontal y desarmóni-
camente, aplastados unos contra otros. El cuerpo situado en
medio funciona en una dirección opuesta al de los otros dos,
rompiendo el ritmo lineal y clásico de Las tres gracias e intro-
duciendo una visión más perturbadora. “[Las] tres cabezas se
encuentran exiliadas a los márgenes del lienzo, negando sus
ojos el papel de estabilizarnos como espectadoras de la forma
humana. Estamos verdaderamente desplazadas, desposeídas y
obligadas a permanecer con nuestra mirada fijada en el centro
del universo en el que los tres triángulos púbicos crean un rit-
mo desterritorializado de especificidad femenina...” (p. 200). Al
mismo tiempo, este lugar de visión potenciado por la narrativa
visual de Fulcrum, nos permite revisar nuestro modo de ver la
producción corporal y sexual en la postal de Las tres gracias
y construir maneras de leerla en contradirección, produciendo

92 Laura Trafí
Per turbar la historia del ar te desde el lugar de la espectadora
Las apor taciones de Pollock y Bal a los estudios visuales

una densificación del pasado desde el presente y una desarticu-


lación de los dispositivos visuales falocéntricos.
Bal también ha prestado atención a los pliegues como es-
pacios intermedios que sitúan el lugar de la espectatoriedad
en permanente movimiento. Lo ha hecho recuperando lo que
Deleuze, en su lectura de Leibniz, denomina punto de vista
del Barroco, para plantearnos una relación interpretativa con
los objetos artísticos de este periodo, desde la cultura visual
contemporánea. “Los Objetos vistos desde su repliegue con el
sujeto en un enredo compartido, son considerados sucesos en
lugar de cosas; sucesos para acontecer, en lugar de ser...” (BAL,
1999, p. 30) Bal lee/mira en esta dirección a La incredulidad de
Santo Tomás (c. 1601-2) de Caravaggio, atendiendo al detalle
quirúrgico5, perturbando el modo de visión tradicional de esta
pintura basado en reconocer la estabilidad y la unidad del con-
junto en una composición en forma de diamante. Este detalle,
es la penetración del dedo de Santo Tomás en la herida abierta
en el cuerpo de Cristo y la mirada de los otros tres hombres que
sostienen y enfatizan el punctum del pliegue, del límite entre la
superficie, la carne y su interior, el cuerpo como el territorio de
la transfiguración, la frontera entre la muerte y la erótica; el po-
sible encuentro entre el pasado histórico y el presente de la me-
moria cultural. El pliegue como el punto de vista que nos ayuda
a resistir una lectura situada en el pasado y nos impulsa a “lo
inevitable de la transformación, la transfiguración del trabajo
histórico” (p. 31). Bal sugiere que Jeannette Christensen, en su
instalación Ostentatio Vulnerum (1995), altera la historiografía
tradicional, interpretando esta pintura de Caravaggio a partir
del detalle quirúrgico.
Con una ampliación realizada de manera irónica en fotoco-
pia láser, Christensen presenta una recomposición de La incre-
dulidad de Santo Tomás, con un enmarcado desestabilizador.
Por la derecha ya no vemos a Tomás al completo, sino a un ojo
mirando hacia la herida; por arriba no vemos a la figura de Cris-
to sino a un cuerpo fragmentado por el torso, con los pezones,
la herida y la túnica entreabierta y replegada; por abajo vemos
la mano de Tomás con el dedo penetrador en el centro y la
mano de Cristo que lo guía en una acción de consentimiento y

93
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

proximidad; por la izquierda vemos la otra mano de Jesús con


todos los dedos practicando actos de penetración dentro del
ropaje, actuando como resonancias del dedo de Tomás. Esta
imagen va unida a una superficie de color carmín, enmarcada
al mismo tamaño que la fotocopia, compuesta por una capa
de la popular gelatina comercial Jell-O, en este caso de sabor
de fresa. La gelatina ofrece a la pintura de Caravaggio un ele-
mento performativo que apela a la temporalidad, al cambio, a
lo transitorio. En el inicio de la exposición huele dulce, con el
paso de los días se va deteriorando, se seca, cuartea y transpira
podredumbre, activando el carácter narrativo de la obra. “La
operación con Jell-O a través del tiempo se convirtió de esta
manera en una alegoría del enredo histórico entre la obra y el
pasado de la obra del presente; el arte sin tiempo reintegrado
en el flujo del tiempo. El interior del cuerpo en el que el latido
del corazón regula el flujo de la sangre alberga el pulso rítmico
de cada momento, el pulso de la visión” (p. 34-35).
La producción intertextual de Pollock en la que vincula la
visión resistente de la postal de Las tres gracias con Fulcrum de
Saville y la relectura de Caravaggio de Christensen y Bal tienen
en común la producción de una narrativa procesual, dedicada
a perturbar los discursos dominantes de la historia del arte ba-
sados en la anterioridad. Estas obras introducen un comentario
crítico desde el presente a obras de otro tiempo, dotándolas de
una “densidad” histórica, que las estrategias neoconservadoras
del museo dirigidas a la espectacularización del canon atem-
poral no permiten ver/leer. Tanto desde la práctica artística
(SAVILLE y CHRISTENSEN), como desde la escritura (POLLOCK
y BAL) se articula un lugar de visión que invita a la espectado-
ra a practicar una lectura performativa en la que ve la obra a
través de una práctica de reconstrucción histórica situada en
el presente (BAL, 2001), una reconstrucción de los “rastros de
subjetividades corporeizadas en la historia, el genero, la raza, la
sexualidad” (POLLOCK, 2001, p. 32).
La noción de Tiempo de las Mujeres de Kristeva y Pollock
nos permite, a través de la lectura/escritura, introducir rastros
de una dialéctica diferenciada para la muerte y la sexualidad
desde la femineidad, a través de una lucha por otros signifi-

94 Laura Trafí
Per turbar la historia del ar te desde el lugar de la espectadora
Las apor taciones de Pollock y Bal a los estudios visuales

cados (menos mórbidos, fetichistas, sádicos) con la economía


psíquica fálica de lo visible (POLLOCK, 2003). De manera com-
plementaria, el punto de vista del Barroco de Deleuze y Bal, nos
ayuda a romper con el historicismo -en el que esta economía
psíquica fálica se inscribe- y ver en el detalle superficial rela-
ciones conflictivas y ambivalentes, que enredan al sujeto en la
experiencia de la superficie y la materialidad, enlazando deseo
con visión, imposibilitando que la obra se sitúe en el pasado y
apelando a la transformación permanente del trabajo histórico
(BAL, 1999). Esta transformación ocurre a través de la visión/
lectura de la segunda persona de la espectadora. Esta segunda
persona puede asimilarse al sujeto en-proceso-de-ser del Tiem-
po de las mujeres, pues ninguna estabilidad puede derivarse de
este modo de visión ya que la permanente transformación del
objeto es correlativa a la permanente transformación del suje-
to–de-la-visión.

Conclusiones
Si las prácticas de ver son conformadoras de subjetividad y
la subjetividad dentro del discurso de la diferencia sexual está
en proceso, el análisis de la visión y la visualidad siempre ten-
drá algo de temporal, narrativo e histórico. Este vínculo entre
subjetividad e historia permite reconstruir los encuentros entre
el presente de la visión, la memoria, la fantasía y el deseo, per-
turbando una historia del arte centrada en una producción dis-
cursiva basada en el historicismo, la anterioridad, la linealidad y
la cronología. Ésta otra historia con una temporalidad hecha de
pliegues, más que de líneas rectas, se situará permanentemen-
te en conflicto con las historias que nos presenten las imágenes
como ventanas abiertas al mundo y a los sujetos del arte unifi-
cados en una misma posición ideal de dominio visual. Planteará
contrariamente, la diversificación y la rarificación de los modos
de visión, la reversibilidad de la segunda y la primera persona
en la narrativa y la práctica resistente de escribir/leer/ver para
transgredir los guiones culturalmente dominantes en torno a
la diferencia sexual. Densificará el presente cultural a través

95
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

de una práctica política de lectura performativa basada en dar


temporalidad, narración, transformación de lo que se considera
estable, unificado, equilibrado, con el fin de moverse perma-
nentemente a través de lo decible/indecible, lo visible/invisible.
Siguiendo el hilo de todas estas afirmaciones, me aventuro a
concluir que el papel que la historia feminista del arte puede
jugar en el estudio de la cultura visual entendida como “cons-
trucción visual del campo social”, (MITCHELL, 2002, p. 238), es
el de densificar y actualizar los significados de las obras de arte
en el tiempo del ahora, a través de experimentar con una escri-
tura capaz de incorporar visiones radicales de la diferencia que
pueden desbordar los propios marcos de comprensión histórica
utilizados hasta el momento.

Notas
1. Con “sujeto-de-la-visión” me refiero al sujeto producto de la ideología del ocularocen-
trismo renacentista, el que supuestamente ejerce una práctica de una visión invisible,
descorporeizada, que puede acceder a todo conocimiento y que controla todo el campo
visual. Con “sujeto-del-espectáculo” apelo a una noción lacaniana empleada en los estu-
dios de cine, con la que se explica la disyunción entre la mirada y la visión y en la que
la subjetivización de la persona es el producto de las operaciones de la mirada. Según
Jonathan Crary en la modernidad se generaran técnicas para imponer atención visual,
racionalizar las sensaciones y controlar la percepción. El ojo espectacularizado es el que
se convierte en socialmente productivo para consumir y reproducir a través de la identi-
ficación visual los discursos sociales hegemónicos. La teoría fílmica feminista y la historia
crítica del arte han mostrado como el cine y en la historia del arte estas técnicas han
servido para producir el discurso de la diferencia sexual en el que se sustenta el orden
patriarcal. Véase, Kaja Silverman (1996) The Threshold of the Visible World. Nueva York
y Londres: Routledge.
2. Interesada por la narrativa y la relación entre estrategias retóricas y visuales, Bal ha
relacionado el modelo narrativo de la novela y la ciencia moderna, con el de la exposi-
ción de arte, en la que el crítico/historiador/comisario obscurece el discurso con el uso
de una tercera persona, a menudo asociada al artista, que imposibilita el diálogo y la
reversibilidad de posiciones y por consiguiente, construye un modo de visión universal
y dominante. Bal ha apelado a las narrativas que permitan el diálogo y la incorporación
de las segundas personas, la idea de plantear modos de visión en competencia en una
misma obra de arte es una de las estrategias para la introducción de este cambio en los
discursos expositivos y en la historia del arte. “Cómo podemos leer fuera de los marcos
de la intencionalidad y el valor artísticos . Ya que sólo esta la liberación del arte de sus
valores posibilita un público que consiste en diferentes “tús” que producen su propio
“texto” o narrativa de lo que el “yo” ofrece, el agente expositivo. Sólo entonces el último

96 Laura Trafí
Per turbar la historia del ar te desde el lugar de la espectadora
Las apor taciones de Pollock y Bal a los estudios visuales

es un verdadero compañero del primero y un verdadero servidor del objeto y merece su


autoridad” (Bal ,1996: 161).
3. Las obras de arte citadas en este artículo son altamente conocidas y pueden encon-
trarse reproducciones de las mismas realizando una búsqueda básica en Internet.
4. La escultura de Canova ha constituido una de las adquisiciones recientes y más so-
nadas de la National Gallery of Scotland, de ahí también la publicación de esta serie de
postales. Las postales a las que se refiere Pollock han sido reproducidas en: G. Pollock
(2003). “The Grace of Time: narrativity, sexuality and a visual encounter in the Virtual
Feminist Museum”. Art History, vol. 26, nº 2, pp. 174-213, 115.
5. En Reading Rembrandt (1991), Bal introdujo la noción de “navel”, en español “om-
bligo”, para explicar como un detalle extraño, al nivel de la superficie dentro de la pin-
tura, podía llegar a dominar el discurso visual para perturbar la unidad del significado,
creando diferentes modos de visión simultáneos en una misma pintura, resistiendo a la
coherencia interpretativa. Esta noción de leer a partir del detalle y de la retórica de la
sinécdoque, como hemos visto en el caso de Olympia y Lucrecia, han sido una constante
en sus textos desde inicios de los noventa. He preferido quedarme con el sinónimo que
Bal utiliza conjuntamente con “navel” en Quoting Caravaggio (1999), que es “detalle
quirúrgico”, para introducir un concepto menos metafórico en un texto que no me per-
mite explayarme en extensas contextualizaciones de los conceptos que utilizan ambas
historiadoras.

Referências
BAL, Mieke. Visual Rhetoric: The Semiotics of Rape. In: Reading Rembran-
dt. Beyond the Word-Image Opposition. Cambridge: Cambridge University
Press, 1991. p. 60-93.
BAL, Mieke. Double exposures. The subject of cultural analysis. Londres e
Nueva York: Routledge, 1996.
BAL, Mieke. Quoting Caravaggio. Contemporary art, preposterous history.
Chicago e Londres: University of Chicago Press, 1999.
BAL, Mieke. Louise Bourgeois’ Spider. The architecture of art-writing. Chi-
cago e Londres: University of Chicago Press, 2001.
BARTHES, Roland. From work to text e The death of the author. In:
HEATH, Stephen (ed.). Image, Music, Text. Londres: Fontana Press, 1977.
p. 155-164, 142-148.
DE LAURETIS, Teresa. Technologies of gender. Bloomington e Indianapo-
lis: Indiana University Press, 1987.
ELLSWORTH, Elizabeth. Posiciones de enseñanza. Diferencia, pedagogía y
el poder de la direccionalidad. Madrid: Akal, 2005.
KRISTEVA, Julia. Revolution in poetic language and Women’s time. In:
MOI, Toril (ed.) The Kristeva Reader. Oxford: Basil Blackwell, 1986. p. 89-
136, 187-213.

97
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

MITCHELL, W. J. T. Showing Seeing: A Critique of Visual Culture. In:


HOLLY, Michael Anne & MOXEY, Keith (eds.) Art History, Aesthetics, Visu-
al Studies. Williamstown: Sterling and Francine Clark Art Institute, 2002.
p. 231-250.
POLLOCK, Griselda. Beholding art history: Vision, place and power”. In:
BRYSON, Norman; HOLLY, Michael Anne & MOXEY, Keith (eds.) Visual
Theory. Painting and Interpretation. Massachusetts e Oxford: Backwell
Publishers, 1990. p. 38-66.
POLLOCK, Griselda. Theory, ideology, politics: Art history and its myths.
The Art Bulletin, vol. 78, nº 1,1996a. p. 16-22.
POLLOCK, Griselda.. The “view from elsewhere”. Extracts from a semi-pu-
blic correspondence about visibility of desire”. In: Bradford Collins (ed.) 12
Views of Manet’s Bar. Princeton (NJ.): Princeton University Press, 1996b.
p. 278-314.
POLLOCK, Griselda. Differencing the canon. Feminist desire and the wri-
ting of art’s histories, 1999, Routledge: Londres e Nueva York.
POLLOCK, Griselda. Looking back to the future. Essays on art, life and
death. Amsterdam: G+B, 2001.
SILVERMAN, Kaja. The threshold of the visible world. Nueva York y Lon-
dres: Routledge, 1996.

LAURA TRAFÍ
é Doutora em Belas Artes pela Universidade de Barcelona com a tese La
interpretación del arte moderno como producción narrativa – Una inves-
tigación interdisciplinar desde la historia crítica del arte y la educación
artística (2003). Seus interesses de pesquisa estão centrados no estudo
e produção de histórias críticas da arte e na investigação de narrativas
visuais sobre a infância em contextos urbanos e interculturais. Atualmente
é professora da Peck School of the Arts at the University of Milwaukee-
Wisconsin, EUA.

98 Laura Trafí
This paper presents a general idea of the historical re-
lations between art education and visual culture edu-
cation; and it briefly describes the situation of contem-
porary art education in relation to issues of gender, se-
xuality, curriculum, censorship and morality. It is based
on the premise that art education, by developing new
practices, ways of knowing, epistemologies, identities, abstrac t
subjectivities, agencies and acceptance of the everyday
life, is passing through a radical change and moving
towards the visual culture education. It suggests that
the inclusiveness of the visual culture education is able
to give visibility and effectively assist understanding re-
presentations of gender and sexuality in society.
Keywords: visual culture education, art education,
gender/sexuality.
Acoitamentos:
os locais da sexualidade e gênero na
arte/educação contemporânea1

Belidson
DIAS

O trabalho apresenta uma visão panorâmica das rela-


ções históricas entre a arte/educação e a educação da
cultura visual e descreve, sucintamente, a situação da
arte/educação contemporânea em relação às questões
de gênero, sexualidade, currículo, censura e moralida-
de. Baseia-se na premissa de que a arte/educação pas-
resumo sa por uma mudança radical em direção à educação da
cultura visual ao desenvolver novas práticas, epistemo-
logias, identidades, subjetividades, agências e entendi-
mentos do cotidiano. Sugere que a inclusão da educa-
ção da cultura visual pode dar visibilidade e efetivamen-
te auxiliar a compreensão das representações visuais de
gêneros e sexualidades na sociedade.
Palavras-chaves: educação da cultura visual, arte/edu-
cação, gênero/sexualidade.
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

As práticas cotidianas da arte/educação contemporânea no


Ensino Fundamental2, Médio e Superior, no Brasil, são marca-
das pela negligência com a experiência cultural do cinema, o
descaso com questões de gênero, assim como a ocultação e
dissimulação do assunto “sexualidade”. Todavia, este não é um
privilégio nosso. Situação semelhante existe seguramente nos
Estados Unidos, Canadá e Reino Unido e, possivelmente, em
outros países europeus e latino americanos, embora a situação
seja um pouco melhor no Ensino Superior, principalmente nos
estudos visuais, artes visuais, cinema, audiovisual, publicidade
e comunicação visual. Nos programas de formação de profes-
sores, ou seja, nas licenciaturas em artes visuais/plásticas, não
existe o debate dessas questões para a construção de novas
experiências curriculares em arte/educação.
As questões da visualidade, representação de gênero e se-
xualidade são centrais nos debates da nossa vida diária. Assim,
uma vez que nós vivemos em um mundo tecnológico multiface-
tado onde as imagens são um produto essencial, uma commo-
dity, para nossa informação e conhecimento (DEBORD, 1995),
então é vital para a educação que estudantes e educadores
conscientizem-se das maneiras e razões pela quais são atraí-
dos por um imaginário visual do cotidiano (DUNCUM, 2002a).
É evidente que desenvolver novas abordagens analíticas sobre
os modos de ver é, atualmente, uma ação importante e um
desafio crucial para a maioria das disciplinas acadêmicas, mas,
incontestavelmente, é um assunto essencial para a arte/educa-
ção contemporânea.
É sobre essas questões, pois, que me volto neste texto. Ini-
cialmente, apresento uma visão panorâmica das relações histó-
ricas entre a arte/educação e a educação da cultura visual. Em
seguida, descrevo, sucintamente, a situação da arte/educação
contemporânea em relação às questões de gênero, sexualida-
de, currículo, censura e moralidade.
No entanto, quero lembrar ao leitor sobre o uso de certas
nomenclaturas neste texto. Aqui “arte/educação” é entendida
como qualquer prática de ensino e aprendizagem em artes visu-
ais, em qualquer relação de tempo e espaço. Já “arte/educação
contemporânea” é entendida somente como as práticas corren-

102 Belidson Dias


Acoitamentos: os locais da sexualidade e gênero na ar te/educação contemporânea

tes, recentes, em ensino e aprendizagem de artes visuais, isto


é, as práticas que ainda estão sob suspeita, suspensão, investi-
gação, experimentação e que não se fixaram. Além disso, nes-
se contexto, o termo não é sinônimo de Nova Arte Educação,
Arte Educação Pós-moderna, Arte Educação Reconstrucionista,
ou Arte Educação Multicultural, embora ele possa compreender
todas essas tendências. Ainda mais, neste texto, “educação da
cultura visual” significa a recente concepção pedagógica que
destaca as ubíquas representações visuais do cotidiano como
os elementos centrais que estimulam práticas de produção,
apreciação e crítica de artes e que desenvolvem cognição, ima-
ginação, consciência social e sentimento de justiça.

Os encontros entre Arte/Educação e Educação da


Cultura Visual
Embora o campo da Educação, dos anos Noventa até ago-
ra, viu o aparecimento de trabalhos que examinam eficiente-
mente aspectos do ensino e da cultura visual, somente agora,
tão recentemente quanto 2002, foi que pude encontrar uma
literatura consistente que trate da interseção do ensino de arte
e cultura visual (EMME, 2001; FREEDMAN, 2001; CHALMERS,
2002; DUNCUM, 2002b; BOLIN e BLANDY, 2003; CHAPMAN,
2003; FREEDMAN, 2003; KINDLER, 2003; PAULY, 2003; SULLI-
VAN, 2003; TAVIN, 2003; DUNCUM, 2004).
A cultura visual, como um campo emergente de pesquisa
transdisciplinar e trans-metodológico, que estuda a construção
social da experiência visual, é ainda extraordinariamente fluido,
um conceito mutável sujeito a múltiplos conflitos. Entretanto,
apesar das disputas em torno dele, há uma compreensão que a
cultura visual enfatiza: as experiências diárias do visual e move,
assim, sua atenção das Belas Artes, ou cultura de elite, para a
visualização do cotidiano. Além disso, ao negar limites entre
arte de elite e formas de artes populares, a cultura visual faz
do seu objeto de interesse todos os artefatos, tecnologias e
instituições da representação visual. Representação visual con-
cebida, aqui, como um local onde a produção e a circulação

103
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

dos sentidos ocorrem e são constitutivas de eventos sociais e


históricos, não simplesmente uma reflexão deles (HALL, 1997).
Nesse entendimento, o ensino e a aprendizagem da cultura vi-
sual, a educação da cultura visual, não suprime as artes de elite
do currículo. Em suma, a educação da cultura visual, de acor-
do com essa visão, aborda os percursos curriculares a partir de
perspectivas inclusivas nas quais diferentes formas de produ-
ção da cultura visual possam ser estudadas e entendidas de um
modo mais relacional e contextual e menos hierárquicas.
A educação da cultura visual situa questões, institui proble-
mas e visualiza possibilidades para a educação em geral, ca-
racterísticas que não encontramos destacadas atualmente em
nenhum outro lugar do currículo em arte/educação. Isto ocorre
porque ela conduz os sujeitos à consciência crítica e a crítica
social como um diálogo preliminar, que conduz à compreen-
são, e, então, à ação. Nessa análise, a melhor palavra para des-
crever este processo é “agência”: uma consciência crítica que
conduz a ações assentadas para resistir a processos de supe-
rioridades, hegemonias e dominação nas nossas vidas diárias.
Nessa direção, a educação da cultura visual é aberta a novas
e diversas formas de conhecimentos, promove o entendimento
de meios de opressão dissimulada, rejeita a cultura do Positivis-
mo, aceita a idéia de que os fatos e os valores são indivisíveis e,
sobretudo, admite que o conhecimento é socialmente constru-
ído e relacionado intrinsecamente ao poder. Necessariamente,
a educação da cultura visual incentiva consumidores passivos a
tornarem-se produtores ativos da cultura, revelando e resistindo
no processo às estruturas hegemônicas dos regimes discursivos
da visualidade.
Este foco da cultura visual, em uma noção mais ampla do
que é o visual e visualidade, parece ser um dos elementos chave
para se compreender a hesitação de muitos arte/educadores em
engajar-se à cultura visual. Historicamente, os currículos de arte
foram implementados na educação fundamentados nos valores
da elite cultural, com um grande débito aos princípios do dese-
nho/design. Assim, o formalismo, que está incrustado nos prin-
cípios do design e um forte constituinte do Modernismo, trans-
formou-se numa das posições preferidas do campo (DUNCUM,

104 Belidson Dias


Acoitamentos: os locais da sexualidade e gênero na ar te/educação contemporânea

1990; EFLAND, 1990; BARBOSA, 1991; HOBBS, 1993; BARBO-


SA, 2001). O Modernismo assumiu o conceito de um objeto de
arte independente e da existência objetiva de valores estéticos
inerentes às propriedades formais do objeto da arte. Portanto,
enfatizava que os objetos da arte poderiam existir sozinhos e,
assim sendo, os valores e as experiências estéticas seriam veri-
ficáveis. Logo, o Modernismo separou o espectador e o autor
deste objeto autônomo chamado “arte”. Dessa forma, as Belas
Artes passaram a ser avaliadas pela sua própria razão e opor-
tunos critérios, e todas as formas restantes de representação
visual da sociedade que tivesssem função “utilitária”, ou seja, a
princípio um uso não-estético, foram diminuídas de valor.
Contudo, as coisas mudam e, de acordo com Kuhn (1970),
paradigmas mudam de maneiras desordenadas. Longe das lógi-
cas dialéticas puristas da perspectiva historiográfica das teorias
modernistas, é preciso reafirmar que os paradigmas não são
monolíticos, nem homogêneos com respeito ao tempo e espa-
ço. Eles experimentam mudanças radicais.
Nesse contexto, eu entre outros arte/educadores, consi-
deramos que a arte/educação contemporânea passa por uma
mudança radical de suas práticas ao contemplar abertamente
aspectos da cultura visual no currículo, desenvolvendo novas
práticas que provocam o deslocamento de noções rígidas de re-
cepção/produção de imagens, epistemologia, poder, identida-
de, subjetividade, agência e entendimento do cotidiano. Além
disso, de uma forma ou de outra, atualmente, as escolas de
arte e cursos de licenciatura em arte/educação têm que en-
frentar a necessidade social de desafiar as noções predominan-
temente formalistas dos seus currículos e começar a explorar
intensamente as experiências do cotidiano, dos sujeitos, suas
trocas materiais e sensoriais. É, pois, dessa perspectiva que os
arte/educadores são chamados a discutir e entender porque,
historicamente, o currículo de arte/educação em geral tem va-
lorizado, sobretudo, a produção e apreciação artística das Belas
Artes, em vez de buscar a compreensão crítica da representa-
ção da visualidade na sociedade.
Durante os últimos quinze anos, preponderantemente na
América do Norte, surgiram alguns esforços em discutir, pro-

105
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

mover e implementar o que foi descrito como a Nova Arte-


Educação, ou Ensino Contemporâneo de Arte, ou até mesmo
a Arte Educação Pós-Moderna, que por sua vez são conceitos
identificados na maior parte com os princípios da Disciplined-
Based Art Education (DBAE) e do Ensino Multicultural de Artes.
O DBAE é uma estrutura conceitual, um projeto filosófico e me-
todológico que busca assegurar a todos os estudantes um es-
tudo rigoroso e disciplinar das artes visuais como parte da sua
educação formal universal. Seu princípio norteador é que os
estudantes façam artes, localizem os contextos históricos e cul-
turais, os valores e os conceitos das artes e, igualmente, façam
julgamentos sobre elas. Já a Educação Multicultural de Artes
busca promover, por meio da consciência cultural da arte, opor-
tunidades iguais para aprender e promover a identidade indivi-
dual e social. Já os arte/educadores multiculturalistas afirmam
que os temas que se relacionam à diversidade na sociedade,
cultura e identidade estão incorporados nas práticas artísticas.
Assim, a arte deve ser vista como um local privilegiado para a
aprendizagem de estudos sociais e também deve ser utilizada
para ampliar o conhecimento de assuntos, como o etnocentris-
mo, estereótipos de representação, a discriminação, o racismo,
entre outros.
Desde então, indubitavelmente, ocorreram algumas mu-
danças e os programas de arte/educação se comprometeram
em explorar os diversos meios, além dos tradicionais: pintura,
escultura, cerâmica, gravura, desenho e tecelagem. Também
estão lentamente incorporando aspectos dos estudos culturais,
da cultura visual e da crítica e apreciação da arte em suas prá-
ticas. Durante o início dos anos Noventa, o campo da arte/
educação começou a perceber a relevância da cultura visual
como material pedagógico e objeto curricular. A despeito das
frustradas tentativas iniciais, aproximadamente entre os anos
Cinqüenta aos Noventa, de arte/educadores em enlaçar a oni-
presente cultura visual, foi somente na metade dos anos No-
venta que os discursos sobre a cultura visual surgem vigorosos
nos escritos de alguns poucos, mas influentes pesquisadores do
campo (DUNCUM, 1987a; DUNCUM, 1987b; BOLIN, 1992; FRE-
EDMAN, 1994; DUNCUM, 1997; FREEDMAN, 1997).

106 Belidson Dias


Acoitamentos: os locais da sexualidade e gênero na ar te/educação contemporânea

Entretanto, Chalmers (2005) observa que esse recente apa-


recimento da cultura visual no currículo está sujeito às expe-
riências e teorias que aconteceram e foram produzidas antes,
pois, para ele os anos Sessenta foram os mais significativos
para a fundação do que veio a se desenvolver ultimamente
como a educação da cultura visual. No mesmo artigo, Chalmers
informa que a tentativa mais consistente de introduzir a cul-
tura visual no currículo de arte/educação aconteceu por meio
de trabalhos seminais de Corita Kent, Vincent Lanier e, parti-
cularmente, de June King McFee, que abasteceram o campo
com conceitos e idéias sustentáveis sobre a cultura visual, cujos
efeitos são sentidos nas práticas da arte/educação até hoje. Ao
olhar para a arte como uma possibilidade de estudo do social,
preocupando-se com a compreensão das possibilidades de en-
sinar, desenvolver métodos e de justificativas para o estudo da
cultura visual, McFee antecipou a educação da cultura visual
contemporânea, afirma Chalmers (2005, p. 10). Entretanto, ele
observa que os arte/educadores, naquele tempo, não percebe-
ram imediatamente as possibilidades e instrumentalidades pe-
dagógicas para o campo e, assim, não desenvolveram agência
“porque eles [Kent, Lanier e MacFee] falharam em reconhecer
que, apesar da cultura da juventude dos anos Sessenta, a maio-
ria daqueles que estavam ensinando nas escolas fizeram a sua
formação em educação nos relativamente conservadores anos
Quarenta e Cinqüenta” (2005, p. 6). Além disso, Chalmers lem-
bra-nos que o estudo da cultura visual, naquele período, criou
oportunidades para começar a desconstruir as hierarquias entre
Belas Artes e cultura popular, e que foram seminais para os
desenvolvimentos teóricos da Nova História da Arte e, poste-
riormente, da materialização da educação da cultura visual. De
acordo com Chalmers, o campo encontra-se hoje mais prepara-
do para aceitar e lidar com a cultura visual.
Paul Duncum (2002a) afirma que progressivamente um
maior número de arte/educadores estão usando o termo “cul-
tura visual” em vez de “arte”; e não obstante os seus vagos
conceitos do que é e a importância da cultura visual, eles vêm
reconhecendo que a distância entre os conceitos modernistas
de arte de elite e arte popular vêm se retraindo. Parece evidente

107
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

para Duncum que a cultura visual não está somente interessada


em lidar com o visual, mas ao contrário, com todas as outras
formas de comunicação sensorial. Novamente, Duncum (2002a)
observa que o fenômeno social da visualidade abriga interações
entre todos os sentidos e, desse modo, a cultura visual pode
dirigir sua atenção não somente aos fatos e artefatos visuais
observáveis, mas também a diferentes maneiras e contextos
diversos da visão, da representação visual e suas mediações.
Nesse entendimento, Duncum reafirma que alguns aspectos da
visualidade, que se refere a como nós olhamos, vemos, con-
templamos, fitamos, miramos, observamos, testemunhamos,
examinamos, vislumbramos, olhamos de relance, espiamos, es-
preitamos e entrevemos o mundo, é particularmente relevante
para a construção da representação do conhecimento. Revela
uma necessidade para uma exploração adicional dos conceitos
da comunicação e representação cultural da visualidade.
Freedman (2003) expande esse caso apresentado por Dun-
cum, ainda mais, ao promover o ensino da cultura visual, atri-
buindo atenção especial à visão, à interpretação e à construção
de sentidos por meio de imagens. Freedman escreve:
A diferença entre os contextos da produção e os contextos da
visão é crítica e pode influenciar a aprendizagem dos estudantes.
As artes de culturas tradicionais, geralmente, são recontextualiza-
das quando apreciadas em contextos contemporâneos. No entan-
to, as diferenças entre contextos de fazer e de ver não são dados
geralmente a atenção merecida no currículo. As imagens, hoje em
dia, freqüentemente são vistas sem apresentar o contexto de sua
intenção original e, geralmente, apresentam-se justapostas a ima-
ginários previamente desconectados do contexto original, o que
provocam novas associações de sentidos para este novo contexto.
(2003, p. 90)

Nessas proposições de Freedman, fundamenta-se uma im-


portante abordagem pedagógica que chama a atenção para o
“ver” e o “fazer” dentro dos currículos de arte/educação, e que
analisa criticamente a cultura visual, destaca as características
cognitivas das interações contíguas entre aqueles que vêem e
aquilo que é visto, e ainda explora a questão de como é que
nós construímos imagens ao mesmo tempo em que elas nos

108 Belidson Dias


Acoitamentos: os locais da sexualidade e gênero na ar te/educação contemporânea

constroem. Duncum e Freedman trazem à tona a necessida-


de de reconhecer diversos contextos e contigüidades da visão,
produção e representação e, neste processo, a arte/educação
transforma-se num instrumento de pedagogia crítica em que as
intenções, finalidades, interpretações, influências e o poder de
representações visuais provocam um reconstrucionismo social
crítico, uma pujante educação da cultura visual.
Neste momento, cabe um esclarecimento. Em um sentido
pragmático, eu somente uso o termo “educação da cultura vi-
sual” denotando uma pedagogia crítica que não sugira, nem
promova uma metodologia ou pedagogia unificada e especí-
fica, ou ainda, que indique um currículo exclusivo. Ao contrá-
rio, a educação da cultura visual é mais bem entendida, aqui,
como um projeto do que como um método e constitui-se num
grupo flexível de conceitos transdisciplinares para promover,
entre outras coisas, a identidade individual e a justiça social
na educação. Inegavelmente, por meio da intertextualidade e
da “intergraficalidade”, conceito que Freedman (2003, p. 121)
cunhou para mostrar que imagens e artefatos existem num pro-
cesso intenso de trocas de contextos e sentidos, a educação da
cultura visual importuna hierarquias conceituais e, ao mesmo
tempo, integra a visualidade do cotidiano ao currículo. Conse-
qüentemente, a educação da cultura visual acontece como uma
compreensão dos processos cognitivos entre aqueles que pro-
duzem e os que apreciam a visualidade da vida diária e, desse
modo, nos convida a ponderar sobre o imaginário social como
se fosse uma instalação de assuntos sociais que afetam noções,
conceitos, opiniões, valores e apreciações da arte. O resultado
é que o estudo crítico da representação visual na cultura do
cotidiano é capaz de engajar a arte/educação em uma práxis
de justiça social.
Mas, vários arte/educadores não vêem e entendem a cul-
tura visual e a educação da cultura visual, como apresentei
anteriormente. Eles afirmam que o deslocamento do foco de
interesse de ensinar e aprender as Belas Artes para privilegiar
a cultura visual substitui o estudo da “arte” pelo dos estudos
sociais. Há, pois, importantes perguntas que surgem dessas di-
vergências:

109
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

s Os estudantes deveriam ser expostos à cultura visual? Por


que não?
s Os estudantes devem ser expostos somente às Belas Ar-
tes? Por quê?
s As obras de arte tradicionais das Belas Artes devem ser es-
tudadas como parte do estudo da cultura visual?

Alguns arte/educadores contestam as atividades, práticas


e esforços da educação da cultura visual de desejar “salvar” a
arte/educação como uma disciplina, temendo que ela substitua
os seus atuais objetivos, projetos e finalidades (SMITH, 1988;
SMITH, 1992b; 1992a; SMITH, 2003; HEISE, 2004; SILVERS,
2004; VAN CAMP, 2004).
Hoje em dia, os arte/educadores que disseminam mais
abertamente suas ressalvas sobre a educação da cultura vi-
sual são Torres e Kamhi, os editores da Aristos: An online Re-
view of the Arts (TORRES, 1991; KAMHI, 2002; KAMHI, 2003,
2004; TORRES, 2004; KAMHI, 2005; TORRES, 2005a; 2005b).
Ambos os pesquisadores discutem que a educação da cultura
visual não tem nenhum lugar na arte/educação porque não
articulam claramente uma compreensão de que arte “real-
mente é”. Contudo, eles também não nos esclarecem sobre o
“verdadeiro” conceito de arte a ser seguido pelos arte/educa-
dores. Continuando, Torres e Kamhi asseveram que a cultura
visual trata a arte como se ela não tivesse nenhuma natureza
ou valor distintivo, e que os seus teóricos reduziram o concei-
to de arte ao de artefato cultural. Mais ainda, nos artigos cita-
dos acima, eles argumentam que os estudos da cultura visual
engolfaram completamente a arte/educação porque o seu ob-
jeto de estudo, a cultura visual, se “extrai” do contexto geral
da cultura, mas ao fazê-lo, ignora as “qualidades essenciais”
das Belas Artes. Por outro lado, os autores desviam-se da res-
ponsabilidade de descrever quais são as qualidades essenciais
da arte e do objeto estético. Torres e Khami ainda insistem
que a educação da cultura visual negligencia diferenças essen-
ciais entre trabalhos de Belas Artes e outros tipos de artefatos
culturais, e valorizam questões sociais e políticas à custa de
experiências pessoais mais concretas produzidas pelas Belas

110 Belidson Dias


Acoitamentos: os locais da sexualidade e gênero na ar te/educação contemporânea

Artes. Além disso, eloqüentemente, afirmam que a aborda-


gem da educação da cultura visual quanto à compreensão da
interpretação de imagens, extenua os assuntos políticos que
dividem a sociedade, tais como raça, classe, sexualidade, gê-
nero e etnicidade.
De um ponto de vista mais crítico, Aguirre (2004) inicial-
mente afirma que a educação da cultura visual degrada o fa-
zer artístico ao privilegiar apenas a análise e a compreensão
da arte. Depois, ele assegura que, por desafiar a univocalidade
da arte à educação da cultura visual, coage arte/educadores a
negligenciar a perspectiva de estudo baseada na estética para
poder posicioná-la “exclusivamente” dentro do campo dos Estu-
dos Culturais.
Além destes, muitos outros arte/educadores alegam que
não estão preparados para tratar da complexidade dos locais
da cultura contemporânea e de suas práticas interdisciplina-
res, multidisciplinares ou transdisciplinares, porque não foram
previamente treinados para tais atividades (apud DUNCUM,
2002a). Contudo, eu me indago se estes mesmos arte/educa-
dores sentem-se inteiramente preparados para dar aulas de teo-
ria, história e crítica da arte, fundamentos da linguagem visual,
estética e fazer artístico, como tem sido exigido pelo DBAE ou
a metodologia triangular, no Brasil. Sobretudo porque, para tra-
balhar com esses tipos de estruturas curriculares, eles também
necessitam de uma abordagem interdisciplinar. Mas, o que tem
de tão errado nos Estudos Culturais? Que tipo de arte/educa-
dores somos nós que podemos ser violentados por uma pro-
posição pedagógica? Os Estudos Culturais formam um campo
transdisciplinar, não admitem exclusividades disciplinares e pro-
movem o trânsito de conhecimento sobre comunicação, cultura
e poder. Portanto, esse possível destronamento do estético é
uma ingênua projeção do medo que arte/educadores desen-
volveram ao se aproximarem da idéia de cultura/arte como um
conjunto de práticas, contrariamente ao estabelecido entendi-
mento de que cultura/arte é um conjunto de obras. Mas, como
vimos anteriormente, o objeto estético não perde o seu poder
na cultura visual. Ele, simplesmente, é investido de outros po-
deres que o relacionam ao seu contexto social.

111
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Outros arte/educadores, como Bauerlein (2004), radical-


mente discutem que este movimento em direção à cultura visu-
al é uma invasão, uma contaminação, que virá e partirá de for-
ma sazonal, porque ele é baseado em práticas e características
enganadoras, promíscuas, limitadas e arrogantes, tais como o
uso extensivo das intertextualidades, a flexibilidade em utilizar
várias disciplinas sem conhecê-las em profundidade, e o uso
descomedido da cultura visual como objeto estético. Mesmo
aqueles que apóiam a educação da cultura visual, reconhe-
cem a necessidade de mais estudos para a área. Desai (2005)
assente que é na tradução de conceitos da cultura visual em
salas de aula de artes que se encontra o desafio para a imple-
mentação da educação da cultura visual. Do mesmo modo,
Freedman, uma defensora crítica da educação da cultura visu-
al, propõe mais estudos e pesquisas em torno das característi-
cas didáticas da cultura visual, liderança e currículos, mudança
institucional, e conexões entre a teoria e novas políticas públi-
cas e privadas.
Algo similar ocorreu quando Stankiewicz, a ex-presidente
da National Art Education Association (NAEA), apresentou o
planejamento estratégico da instituição na conferência anual
de 2003 (STANKIEWICZ, 2004). O objetivo preliminar do pla-
no era valorizar as pedagogias que incentivassem a aprendiza-
gem das artes visuais por meio de uma grande variedade de
visões, proposições, funções, princípios, fontes e procedimen-
tos. Stankiewicz, partindo das idéias de Eisner (2002) sobre
as visões e versões da arte/educação contemporânea, admitiu
que há muitas formas de se fazer arte/educação, e que estas
versões distintas operam simultaneamente e até justapõem-se
em muitas práticas. Mais ainda: que os arte/educadores devem
estar livres para escolher uma ou mais abordagens existentes,
tais como o DBAE, a educação da cultura visual, a resolução de
problemas, a arte/educação como preparação para o mundo
do trabalho, as artes e o desenvolvimento cognitivo, ou as ar-
tes para promover o desempenho acadêmico.
Entretanto, neste momento, é importante levantar algumas
questões, dividir inquietações e esclarecer algumas coisas. Por
mais que eu concorde que os arte/educadores devam imple-

112 Belidson Dias


Acoitamentos: os locais da sexualidade e gênero na ar te/educação contemporânea

mentar várias práticas pedagógicas e escolher diferentes abor-


dagens baseadas em seus contextos pessoais e sociais, é impor-
tante lembrar, entretanto, que o projeto da educação da cultu-
ra visual não se opõe à arte/educação, nem tampouco é uma
seção da arte/educação, como apresentada por Eisner (2002).
Pelo contrário, a educação da cultura visual é inclusiva de todas
as formas de relações de ensino e aprendizagem da visualida-
de e seus produtos culturais. Portanto, para além das “visões”
de Eisner (1976; 2002), eu estou convencido de que a cultura
visual não é apenas um elemento adjacente a algumas de suas
visões para a arte/educação, mas sim um elemento chave para
desconstruí-la e, a partir daí, construir, reconstruir, e constituir
a educação da cultura visual.
Um outro problema que encontro constantemente com a
maioria das críticas e teorias contrárias à educação da cultura
visual está ao alegar que a ela falta rigor científico, metodolo-
gia, estabilidade e eficiência. É o modo acrítico de refletir so-
mente por oposições binárias, que por sua vez sustentam este
questionamento. Por isso, ao buscar um deslocamento dessa
norma, reafirmo que a “arte” não se opõe à cultura visual, nem
aos estudos sociais. Ela ocupa posições trans-relacionais entre
elas. Logo, a educação da cultura visual pode ser entendida
também como um deslocamento de paradigma de uma arte/
educação de tendência Modernista para uma prática pedagógi-
ca que não envolve a dialética da oposição binária.
Para estabelecer o seu valor como campo de estudo, a arte/
educação foca em determinados objetivos e em certas formas de
conhecimento, usando diferentes meios e métodos para atingir
estes alvos e adquirir conhecimentos, estabelecendo, assim, um
paradigma. Afinal, o paradigma é, essencialmente, a afluência
de entendimentos, opiniões, valores, experiências, métodos e
conhecimentos compartilhados por estudiosos e praticantes de
um campo, que por sua vez deliberam acordos sobre como as
teorias e os problemas do campo devem ser abordados. Quan-
do os modelos ou os paradigmas dominantes aproximam-se de
um esgotamento, eles não conseguem mais se explicar, nem
considerar adequadamente os fatos observados no campo. En-
tão, os deslocamentos de paradigmas ocorrem e, geralmente,

113
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

são pontuados por posições intelectuais radicais em que uma


perspectiva conceitual substitui a outra. Mas, como sabemos,
os deslocamentos paradigmáticos não ocorrem a toda a hora:
são extremamente raros, levam um longo tempo para ocorrer
e, ainda mais, para serem reconhecidos (KUHN, 1970).
Por conseguinte, o que nós temos ouvido ultimamente no
campo da arte/educação, como o aparecimento da educação
da cultura visual, é somente o estampido de vozes dissiden-
tes desses influentes estudiosos que não entendem como as
abordagens, práticas e perspectivas atuais da arte/educação
podem se aproximar dos contextos dos indivíduos e da socie-
dade contemporânea. Conseqüentemente, estes estudiosos
têm-se encontrado, coletado informações, discutido, debatido
e dialogado para promover este deslocamento paradigmático
radical. Está além do escopo deste texto demonstrar como este
deslocamento tem ocorrido exatamente, mas certamente, ele
não começou nestas últimas décadas, mas sim há um longo
tempo atrás por meio do trabalho de estudiosos de vários cam-
pos do conhecimento e provenientes de várias partes do globo.
Levou-se mais de quatro séculos para a arte/educação estabele-
cer seus paradigmas. Desde o nascimento da Modernidade até
hoje, então a presente situação da educação da cultura visual
é apenas um começo para examinar seus valores, opiniões, en-
tendimentos, práticas.

Atrelamentos: questões de gênero, sexualidade,


moralidade, currículo e arte/educação
A moralidade cultural é um assunto muito importante para
a teoria e a prática da arte/educação. Sem dúvidas, a análise
de representações de gênero e sexualidade normativas e não-
normativas (queer), projeta reflexões sobre o impacto teórico
e prático que a compreensão destes sistemas visuais e seus
discursos teriam na educação da cultura visual. É importante
explorar a questão da moralidade dentro da perspectiva do
deslocamento histórico da arte/educação para a educação da
cultura visual, observando como elas ponderam, compreendem

114 Belidson Dias


Acoitamentos: os locais da sexualidade e gênero na ar te/educação contemporânea

e reconhecem a construção, manutenção, circulação e inclusão


de gêneros e sexualidades.
Antes que prossiga com esse assunto, é fundamental que,
neste momento, esclareça o uso dos termos “queer” e “teoria
queer”. Utilizo o adjetivo “queer” para friccionar e, principal-
mente, situar transversalmente várias categorias e classificações
convencionais, normativas das representações de gênero e sexu-
alidade. Já uso “teoria queer” ocupando, dentre outras coisas,
de teorias sobre a visibilidade da construção, estabelecimento
e circulação discursiva do sexo e gênero. Reiteradamente, uso
os termos “visível” e “invisível” como indícios de suas represen-
tações políticas e diferentes possibilidades interpretativas. Ao
sugerir que sexualidade, sexo e gênero são construções sociais,
portanto, mutáveis e deslocáveis, nem sempre simetricamente
alinhadas, a teoria queer abre novas formas de aproximação
com a sexualidade e o gênero que desarticulam conceitos de
normalidade. Ao expor as relações entre sexualidade, sexo e
gênero como oscilantes, a teoria queer envolve a sexualidade
e gênero como efeito da memória social e individual; e abre-se
para possibilidades de articulações entre definições e conceitos,
principalmente, da lingüística, sociologia, antropologia, biolo-
gia, filosofia, estudos culturais e a psicologia. Portanto, a teoria
queer, como um corpo teórico, é utilizada neste trabalho como
um dos possíveis suportes metodológicos da educação da cul-
tura visual porque permite fluxos transdisciplinares de espaços
e lugares.
Quando a referência é “moralidade”, pode-se afirmar com
certeza que, atualmente, no começo do século XXI, muitos
arte/educadores ainda criam, aplicam e vivem currículos de
arte/educação fundamentados em procedimentos e práticas
que retrocedem ao século XIX e, além disso, aderem-se a visões
anacrônicas do que é moralmente aceito na arte e na arte/edu-
cação. No sistema educacional formal do Ensino Básico ao Su-
perior, há uma insuficiência de discussões formais sobre sexo,
gênero, identidade de gênero e sexual e sexualidade, excetu-
ando quando esses temas são monopolizados pelos discursos
morais, religiosos e médicos do currículo. Isto é absolutamente
chocante, dada a ênfase à sexualidade, imagens de gênero e

115
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

a auto-exploração nas representações visuais contemporâneas


existentes no cotidiano.
Entretanto, da fundação da arte/educação na América do
Norte, em universidades americanas no começo do século XIX
e durante o século passado, a arte/educação foi percebida,
consistentemente, como uma prática para disseminar a morali-
dade; e inicialmente o desenho, particularmente, foi percebido
como a sua força moral, devido à influência do Romantismo
(EFLAND, 1990, pp 69-73). Efland também destaca que a pe-
dagogia da arte da auto-expressão do começo do século XX,
que ainda prospera nas práticas atuais da arte/educação con-
temporânea, fez os arte/educadores perderem o contato com a
maioria das questões sociais da vida diária comunitária. Desse
modo, os arte/educadores perderam a perspectiva de relacio-
nar as transformações morais da sociedade com os artefatos
culturais produzidos por seus sujeitos.
Logo em seguida, porém, “a corrente reconstrucionista”, in-
formada pelas idéias de Dewey, sugeria que a arte era mais do
que a experiência e conhecimento individuais. Era também um
meio para mudar a sociedade e a vida individual, produzindo
possibilidades embriônicas para reconectar arte e sociedade.
Jagodzinski (1997a) nos informa que a sanção dada pela arte/
educação americana ao sentido da visão como o espaço privile-
giado para ensinar e aprender, começou somente nos anos Vin-
te, influenciada pelas origens tecnológicas e institucionais da
televisão e do estabelecimento do cinema como meio de mas-
sa. Essa tentativa de trazer a visualidade para a arte/educação
indicou inicialmente um distanciamento do desenho mecânico
que tanto influenciava a arte/educação até então. Mas, o que
parecia ser um empreendimento crítico da arte e do cotidiano,
tomou uma direção diferente porque arte/educadores rejeita-
ram a “cultura visual” e “voltaram-se para o cânon da arte oci-
dental, que só valoriza tradicionalmente as grandes obras de
arte, de modo que a moral pudesse ser ensinada nas escolas”
(1997, p. 17).
Mais recentemente, concepções de Arte Educação Multicul-
tural, como uma fundação para o desenvolvimento de currícu-
los, vêm nos incentivando a reavaliar noções de moralidade,

116 Belidson Dias


Acoitamentos: os locais da sexualidade e gênero na ar te/educação contemporânea

excelência, racismo e histórias da pedagogia social reconstru-


cionista. Como sabemos, tem havido um crescente reconheci-
mento por parte de arte/educadores interessados em teoria so-
cial, como Michael J. Emme, Graeme Chalmers, Patricia Stuhr,
Ed Check, Dipti Desai, Jan Jagodzinsk, Elizabeth Garber, Doug
Blandy, Kristin Congdon, Rita L. Irwin, Karen Kiefer-Boyd, Laurie
Hicks entre outros, de que os discursos sociais a respeito da
sexualidade, gênero, raça, classe, idade, inaptidões e culturas
aborígines são razoavelmente imperceptíveis na arte/educação
porque os sistemas culturais, políticos e econômicos que sus-
tentam a arte/educação valorizam algumas imagens, conceitos
e teorias em detrimento de outras. Diante desta situação, des-
de os anos Noventa, um grande número desses arte/educado-
res entenderam também que a inclusão da diversidade cultural
era extremamente relevante para um deslocamento epistemoló-
gico da arte/educação para a educação da cultura visual. Des-
de então, uma reconceitualização da arte/educação tem sido
buscada formalmente para acolher todos os outros invisíveis do
currículo. Chalmers (1996) foi uma das vozes iniciais a chamar
atenção para esses assuntos, como ele ilustra:
O currículo necessita ser reformulado de modo que enfatize a uni-
dade dentro da nossa diversidade, mostrando que todos os seres
humanos fazem e usam a arte por razões similares. Mas, infeliz-
mente, há questões como as do racismo e o sexismo que absolu-
tamente nos exigem a implementação de abordagens em que o
fazer e aprender arte transformem-se em maneiras de participar
na reconstrução social” (p.45).

Isto também é bem ilustrado pelo trabalho de Honeychurch


e Check (CHECK, 1992; HONEYCHURCH, 1995; CHECK, 1996;
HONEYCHURCH, 1998) que, até 2006, juntamente com o meu
trabalho (DIAS, 2006), produziram as únicas três teses na Amé-
rica do Norte que articulavam relações da arte/educação com
gêneros e sexualidades e, no caso específico, com a teoria
queer. Honeychurch (1998) destaca que na metade dos anos
Noventa a sexualidade era invisível, excluída das discussões de
diferença na arte/educação. Não havia nenhum estudo em pro-
fundidade que abordasse a representação de gays ou lésbicas
nos cursos e programas de artes visuais. Além disso, havia uma

117
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

falta de conteúdo, compreensão e conhecimento sobre as ques-


tões de identidades sexuais e de gênero dentro dos currículos
de arte/educação. Havia, até mesmo, uma forte reação negati-
va por parte dos arte/educadores e administradores educacio-
nais às experiências de aproximação com esses assuntos.
Acredito que, desde então, nada parece ter mudado muito,
a menos que nós consideremos algumas atividades demasiada-
mente modestas que vêm ocorrendo em projetos dispersos pelo
mundo, até mesmo no Brasil. Check (1992) informa que ape-
sar dessas histórias de invisibilidade, que se tornam cada vez
mais aparentes ultimamente, a heterossexualidade remanesce a
norma privilegiada na cultura ocidental e é representada como
naturalizada. Conseqüentemente os sujeitos, práticas e identi-
dades sexuais que fogem a esta naturalização tornam-se, no
melhor dos casos, tolerados nas escolas, e tem até a função
“educadora” de reforçar a heteronormatividade por oposição
binária. Contudo, os métodos para negociar as sexualidades e
gêneros queer (desviantes e estranhas à norma) na teoria e na
prática da arte/educação, são rejeitados. Como Check explica:
Os campos da arte e da arte/educação negam e perpetuam os
preconceitos da heterossexualidade. A idealização do heterossexu-
al na sociedade e na arte perpetua valores e normas específicas e
permitem uma dominação ideológica de grupos que discriminam
ativamente àqueles com menos poder. Por exemplo, os historiado-
res de arte, os arte/educadores e os críticos da arte representam-
se como responsáveis em conduzir um estudo da arte que seja
objetivo, sexualmente indiferenciado e política e economicamente
desinteressado (1992, p. 99).

Além disso, Check afirma de um lado que as salas de arte


legitimam as “autoridades e os preconceitos da cultura heteros-
sexual, branca, masculina” (1992, p. 99), e do outro, que é por
meio da utilização de um discurso estabelecido e disfarçado
de “boa” arte/educação (significando aqui: práticas razoáveis,
aceitáveis, decentes, respeitáveis, excelentes, de primeira clas-
se, civilizadas, adequadas e normais), por professores acríticos
a seus contextos e indicadores sociais, que as escolas mantêm
as verdades, os privilégios e posturas universais do patriarcalis-
mo e do sexismo. Mais importantes ainda: são as suas observa-

118 Belidson Dias


Acoitamentos: os locais da sexualidade e gênero na ar te/educação contemporânea

ções de que, se em conseqüência do impacto do gênero e a se-


xualidade nas questões das representações visuais, arte/educa-
dores do Ensino Superior cada vez mais incluem e reconhecem
os artistas cujos trabalhos foram anteriormente negligenciados
pela história e currículo. Isto não significa que os assuntos de
sexualidades e gêneros queer, incluindo questões de identida-
de e voz, subjetividade, poder, local/global, controle, imitação,
performance, espetáculo e representação, foram instituídos no
currículo, ou pelo menos, foram capazes de deslocar a norma-
tividade da arte/educação na academia ou em outros lugares.
Check finaliza que esses processos não ocorrem porque faltam
dados ou informações na academia para avaliar o impacto da
inclusão destas representações em todos os níveis escolares,
nos parâmetros curriculares e em políticas educacionais.
Essa indiferença às representações queer de gênero e sexo
é peculiar às práticas de pesquisa e ensino e também está pre-
sente na teorização do campo. Por exemplo, o Handbook of
Research and Policy in Art Education (EISNER; DAY, 2004) não
menciona as palavras “sexualidade” e “sexual” em todo o seu
texto. Os termos e sentenças mais próximos que aparecem no
manual são “sexismo” e “obras de arte com forte teor sexu-
al”, que são colocados no contexto da interdição, da censura
e da proibição de imagens “sexualmente perigosas e violentas”
nos museus (LANKFORD; SCHEFFER, 2004) e ao condenar o se-
xismo na escola de arte no Ensino Fundamental (MATHEWS,
2004). Em um manual com quase novecentas páginas, esta
“ausência” é uma corroboração concreta da invisibilidade da
sexualidade e do gênero na teoria da arte/educação. Mathews
também afirma que, antes de conduzir qualquer análise em
assuntos da arte/educação, é imperativo reconhecer que este
campo é engendrado do feminino. Ele é um campo em que as
mulheres são as investigadoras dominantes e que falham ao
não reconhecerem que, no contexto absoluto da arte/educa-
ção, ela é uma instituição “projetada por mulheres, implemen-
tada por mulheres e para mulheres” (2004, p. 285). Assim, de
acordo com Mathews, o imaginário construído de uma suposta
dominação masculina no campo não parece habitar o corpo
masculino. O falo, neste caso, está com as mulheres.

119
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Não obstante a estrutura de poder, a censura tem uma his-


tória longa na arte/educação. As instituições da arte/educação
escondem, estrategicamente, os gêneros, mas invariavelmente,
silenciam a sexualidade. A arte/educação permeada pela cen-
sura, agora e num passado próximo, exclui as representações
de gêneros que incomodam as regras da normalidade, assim
como aquelas que mostram preferências sexuais diferentes.
Emeril chama atenção ao fato que muitas obras de arte
contemporâneas e práticas de arte são “violentas, sexualmen-
te explícitas, repugnantes e psicologicamente perturbadoras” e
logo, possivelmente, desagradável aos jovens (2002, p. 5). Ela
concorda que os arte/educadores, ao incluir trabalhos “polê-
micos” no currículo, correm o risco de afligir pais, diretores e
a comunidade. Ademais, arte/educadores temem que os estu-
dantes copiem as controvertidas imagens na comunidade. Mas,
como os arte/educadores podem avaliar e verificar quando,
como e por que uma obra de arte é obscena, ou controversa?
Como a censura é vivida nas práticas da arte/educação? De
que maneira é produzida e disseminada? Como os arte/educa-
dores podem ambicionar ter o poder sobre o que outros seres
humanos devem ver ou não? É o papel dos arte/educadores
promover esta repressão?
No curso destes últimos pensamentos, eu me lembrei de
uma noção popular em educação que afirma que os estudan-
tes estão sempre em necessidade de proteção porque formam
uma audiência vulnerável. Porém, Barker sugere que o foco em
crianças como um grupo carente e vulnerável de audiência é
“uma tática emocional para ganhar o apoio para o aumento da
censura” (apud BROOKER; JERMYN, 2003, p. 52). Este concei-
to, limitado, de estudantes como jovens dependentes, passivos
e vulneráveis aos efeitos prejudiciais da cultura visual não re-
conhece o poder da interação entre espectadores e os objetos
que estão sendo vistos; e não admite o poder do imaginário
de nossas vidas diárias em influenciar as noções de identida-
de, da consciência das questões sociais e do desenvolvimento
cognitivo dos estudantes. Reconheço que mais pesquisas são
necessárias para desconstruir estas práticas dominantes na
arte/educação, pois arte/educadores raramente fazem estas

120 Belidson Dias


Acoitamentos: os locais da sexualidade e gênero na ar te/educação contemporânea

perguntas, ao se depararem com obras de arte consideradas


“controversas”. A maioria evita trazê-las para a sala de aula e,
assim, manda a arte para fora da escola e, possivelmente, das
experiências iniciais de muitos estudantes. E é exatamente devi-
do a estas constantes “supressões” que arte/educadores usam
freqüentemente uma escala limitada de artistas extraídos so-
mente de algumas localidades, períodos históricos, nacionalida-
des e empregam raramente outras artes, artistas e localidades
epistemológicas possíveis.
Um outro fluxo de discussões ocorre quando as sexualidades
invisíveis do corpo de estudantes e arte/educadores tornam-se
aparentes na escola. Para explorar este assunto, destaco as rei-
teradas afirmações de Garber (2003) de que a iniqüidade de
gênero e sexualidade remanesce um problema grave nas esco-
las. Garber revela que em alguns lugares, como as salas de aula,
incentivam-se estudantes a falar sobre algumas características
deles mesmos, mas não de outras. Isto é ainda mais árduo para
os estudantes conectá-los a elementos de raça, sexualidade e
classe e, particularmente, quando estão atreladas às de gênero
(2003, p. 56). Curiosamente, este “sair do armário” dos arte/
educadores e dos seus relacionamentos com estudantes não é
nem abordado pela literatura disponível na arte/educação.
Seguindo Garber, Lampela (2001; 2005) comenta que es-
tudantes e professores gays e lésbicas freqüentemente experi-
mentam perseguições, intimidações e alienações. Constituindo
a maioria em classes de arte/educação, os heterossexuais, na
maior parte mulheres estudantes e professoras, estão mais in-
teressadas na sexualidade discutida nos termos de seus relacio-
namentos homem/mulher, relegando todas as outras formas de
relacionamento sexual às margens. Estes indivíduos discutem
freqüentemente que aqueles relacionamentos queer são dema-
siadamente difíceis de compreender. De certa forma, o conser-
vadorismo que existe de forma endêmica nas escolas intensifica
ainda mais a censura.
Cosier e Sanders (2005) construindo em cima do trabalho
de Garber, Desai, Honeychurch e Check têm defendido dentro
da NAEA um pensamento crítico no qual todos os arte/educa-
dores sejam incentivados a incluir grupos de diversidade sexual

121
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

e racial, com o objetivo de articular suas histórias, existências


e posições; erradicar as limitações que separam a arte da reali-
dade social; reconsiderar o que está incluído ou não no currícu-
lo; abranger artistas queers, educadores e sexualidades gays e
lésbicas; incluir interesses queer no currículo; reposicionar raça
e sexualidade para além de suas zonas do conforto; reconcei-
tualizar conexões entre o pensar global e local; questionar a
representação de raça, sexualidade, gênero e classe; desvendar
e divulgar práticas opressivas; dissolver as características que
encobrem e silenciam os assuntos queer e aumentar a quanti-
dade de parcerias e de programas institucionais que apóiam os
estudos queer (p. 16).
Não obstante, apesar dos esforços de Lampela, Cosier e
Sanders em preparar o terreno para uma educação da cultura
visual inclusiva, eu considero que demasiada ênfase está sendo
colocada em como incorporar, incluir e encaixar artistas no cur-
rículo que têm uma identidade fixa de gênero ou sexual como,
por exemplo, gay e lésbica. Minha crítica é baseada na infor-
mação apresentada anteriormente de que a posição manifesta
da educação da cultura visual arte é a de contemplar as noções
“fluidas” de identidades e de práticas sexuais. O modelo atu-
al está claro: paradoxalmente ao desejado pela educação da
cultura visual, a inclusão de conceitos fixos de identidades de
gênero e sexual, em vez de promover a diversidade, reafirma
noções da normalização, da heteronormatividade. Ao valorizar
essas novas identidades, práticas da arte/educação podem ser
convertidas em lugares guetizados onde alguns poucos arte /
educadores usam a arte de grupos minoritários para atender
pequenos grupos de estudantes.
Minha posição aqui é tão política quanto cognitiva, uma
vez que considero que o ponto mais crucial e o mais radical
a ser incluído no currículo não é o fato de que artistas ou as
artes são gays, lésbicas, transgêneras ou bissexuais, mas sim a
abrangência das modalidades de interpretações, a leitura e as
análises de gênero e representações sexuais, a reflexão da crise
das subjetividades e a perspectiva da subalternidade. Não que
eu seja contra a inclusão de qualquer forma da representação
visual, mas se arte/educadores enfocarem a diversidade do gê-

122 Belidson Dias


Acoitamentos: os locais da sexualidade e gênero na ar te/educação contemporânea

nero e das identidades sexuais tomando como exemplo discur-


sos essencialistas, como dos estudos gays e lésbicos ou de par-
tes do pensamento feminista, então também serão incapazes
de interpretar a fluidez das relações sociais que as produzem.
Eu acredito que a produção destas na invisibilidade no campo
da arte/educação é uma parte inerente de sua construção his-
tórica: nós necessitamos distinguir e considerar suas origens,
experiências e práticas enquanto a criticamos. Na verdade, o
movimento queer de constantemente desordenar identidades
fixas é muito mais inclusivo de todos os gêneros e sexualidades
e mais apropriado para a inclusão de estudos do gênero e se-
xualidade do que as sugestões resultantes dos estudos gays e
lésbicos. Além disso, uma aproximação teórica queer ao campo
da arte/educação acolhe todos os tipos de representação visu-
al, mas ao mesmo tempo, desloca a prática educacional para
longe de todos os conceitos fixos que ela possa carregar, como
a própria sexualidade, gênero, raça, classe e assim por diante.
Essa posição é mais coerente com a educação da cultura visual.
Check, Deniston e Desai (1997) insistem que a sexualidade,
a classe e a raça, quando chegam a ser discutidas na arte/edu-
cação o são, freqüentemente, em termos abstratos e que não
representam experiências vividas. Desai indica que “o discurso
multicultural da arte/educação remanesce surdamente silencio-
so sobre a diversidade sexual” (2003, p. 151). Como Desai des-
creve, a inclusão da sexualidade no currículo de artes sugere
que a homossexualidade é a diferença preliminar em cima do
que os arte/educadores têm focalizado. Essa posição, ela indi-
ca, ignora as conexões cruciais entre sexualidade e raça, etnici-
dade e gênero, entre outros, que os arte/educadores deveriam
prestar atenção. Estes estudos devem ser relacionais. Apoian-
do-se neste argumento e esticando-o ainda mais e mais, Desai
e outros arte/educadores (PURPEL, SHAPIRO et al., 1995; HOR-
NE; LEWIS, 1996; JAGODZINSKI, 1997b; BROOKER; JERMYN,
2003) reafirmam a necessidade em colocar a sexualidade no
núcleo comum de uma arte/educação multicultural, pois, de
acordo com ela, a Arte Educação Multicultural até agora vem
falhando em abordar eficientemente as questões da diversida-
de sexual.

123
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Apoiando-se na teoria queer para refletir sobre o lugar que


a diversidade sexual tem dentro da arte/educação multicultu-
ral, Desai (2003) indica que os assuntos da diversidade sexu-
al são essenciais para a arte/educação, especialmente em um
momento em que os discursos da diferença estão justamente
se tornando institucionalizados, como por exemplo, a Arte Edu-
cação Multicultural. Além disso, ela também incentiva a bus-
ca de conceitos de cultura mais inclusivos das complexidades e
extraordinárias questões da sociedade. Desai insiste que, se a
arte/educação exercitar uma compreensão de cultura associada
ao poder, à produção, ao consumo e à apreciação de artefatos
visuais da cultura, então ela será compreendida possivelmente
dentro dos contextos históricos e sociais. Portanto, a arte/edu-
cação não pode ignorar as significativas contribuições da teoria
queer para mudar a maneira como nós pensamos sobre a cultu-
ra, como a descobrimos, limitamos, dispersamos e descentrali-
zamos, como reconceitualizamos a sexualidade, desconectamos
os gêneros e categorias sexuais e, principalmente, desconstru-
ímos a heteronormatividade. Essa noção de cultura apresenta-
da acima sugere um currículo interdisciplinar em arte/educação
que não somente promova diversas leituras, mas incentive tam-
bém a aprendizagem da leitura dos silêncios sociais produzidos
pela escola, o entendimento dos efeitos daqueles silêncios e
como nós passamos a compreendê-los em nossas vidas diárias.
Finalmente, Desai conclui que se a arte/educação quer ser leva-
da a sério, então a maneira como lida com a diversidade sexu-
al precisa ser examinada criticamente e o seu próprio discurso
deve ser visto em termos de sua utilidade e da limitação de seu
conceito da cultura.

Fronteiras: considerações finais


Iniciei este texto incitando arte/educadores a debater ques-
tões e representações de gênero e sexualidade na cultura vi-
sual para a construção de novas experiências curriculares em
arte/educação. Nas minhas pesquisas atuais em teoria queer,
cinema e ensino da cultura visual, ao colocar ênfase na análise

124 Belidson Dias


Acoitamentos: os locais da sexualidade e gênero na ar te/educação contemporânea

do olhar queer, particularmente me interesso em investigar a


relação que se cria entre o texto e o espectador como mode-
lo interpretativo para uma subjetividade crítica e ativa na arte-
educação. Além disso, busco compreender sistemas visuais de
representações sexuais que têm um impacto teórico e prático
para a arte-educação. Neste contexto, situado como um artista,
educador e pesquisador, estou especialmente interessado no
Ensino Superior de arte/educação e na possibilidade de deslo-
car seu foco do estudo da arte de elite para incorporar na dis-
cussão aspectos culturais do cotidiano, da cultura visual.
Busco neste texto preencher algumas lacunas na literatura
crítica emergente na arte/educação contemporânea ao enfocar
epistemologias de fronteiras e, desse modo, considerar interse-
ções entre a pedagogia, artes visuais, cinema e estudos críticos
como os culturais, queer e o pós-colonialismo. Tais estudos são
raros no nosso campo. Nesta direção eu concordo plenamente
com Desai que a arte/educação necessita estudar criticamen-
te seu próprio discurso, adotar os conceitos da cultura que in-
cluem uma análise contextualizada e constante das relações
de poder e conhecimento e considerar a contribuição da teoria
queer ao campo.
A cultura do cotidiano é um espaço que informa o espetá-
culo de gênero e sexualidade em nossa cultura e a juventude
faz o uso da bricolagem no cotidiano como uma tentativa autô-
noma de construir e reapresentar sua percepção destas perfor-
mances culturais. Portanto, uma prática de educação da cultura
visual que destaque as representações visuais do cotidiano, de
gênero e sexualidade, é uma experiência pedagógica significa-
tiva porque fornece uma miríade de oportunidades para cingir
e adotar uma visão diversa da cultura, que não somente resiste
acriticamente às representações visuais, mas incentiva a visão
crítica como uma prática que desenvolva a imaginação, a cons-
ciência social e um sentido de justiça.
O cinema é um instrumento poderoso para compreender re-
presentações culturais porque provoca um incitamento de dis-
cursos, uma discussão social intensa de seus sentidos. Confesso
que eu sempre estive atraído pelo trânsito das imagens criadas
por diretores e pelas imagens visualizadas por espectadores, crí-

125
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

ticos, estudantes, estudiosos e público em geral. E neste texto,


quando eu falo em cinema, eu estou particularmente interes-
sado no ponto de encontro desses discursos e olhares em um
mundo de imaginação, sentimentos, pensamentos que provo-
cam posicionamentos com força pedagógica, particularmente
a respeito das representações visuais explicitamente queers de
gênero e sexualidade.
Durante meu estudos em torno das representações de gê-
neros e sexualidades queer, eu sou fortemente impelido a tra-
balhar com as noções de Mignolo (2000) de “epistemologia de
fronteira”, ou “epistemologia de bordas”. Mignolo, partindo
da posição latino americana, concebe a epistemologia de bor-
das como um argumento para a diversidade geopolítica que
surge de uma perspectiva do subalterno, como uma forma de
investigação viva, uma leitura que se dá pela parte externa,
interna e por fora de todos os limites (2000, p. 40). A episte-
mologia de bordas aponta para um tipo diferente de poder,
um poder múltiplo que é, em regra, transdisciplinar e signifi-
cativamente aberto, uma vez que o seu objetivo é criar novas
formas de análise e não somente contribuir aos sistemas já es-
tabelecidos do pensamento. A noção da epistemologia de bor-
das de Mignolo, ou pensamento de bordas como ele prefere,
é indubitavelmente uma reflexão que vem e pertence ao subal-
terno, mas não serve somente para o subalterno; a teorização
do subalterno é para todos (MIGNOLO, 1998). A epistemolo-
gia de bordas ajuda a criar novos locais para se pensar den-
tro e entre discursos, disciplinas e diálogos. Assim, ela, como
uma atividade de descolonização do conhecimento localizada
no subalterno, incentiva o desenvolvimento de um “outro que
pensa”, deslocando as oposições binárias eu/outro e centro/
periferia, provocando um deslocamento de noções rígidas de
conhecimento, visualidade, modos de ver, poder, identidade,
subjetividade e agência.
Por fim, invoco a epistemologia de bordas porque conside-
ro que ela é uma das condições necessárias para que o desloca-
mento da arte/educação para a educação da cultura visual, que
aceita a materialização de corpos teóricos, como a teoria queer
como maneiras novas de saber, possa ajudar efetivamente a

126 Belidson Dias


Acoitamentos: os locais da sexualidade e gênero na ar te/educação contemporânea

compreender e construir as representações culturais de gêne-


ros e sexualidades na vida diária da sociedade.

Notas
1. Este texto é uma adaptação do capítulo três, interminglings, da tese de doutorado
que defendi em abril de 2006 na University of British Columbia (UBC) Canadá, proviso-
riamente intitulada em português: Epistemologias de Fronteira: olhando para os que-
ergenders de Almodóvar e sua implicação para a educação da cultura visual [Border
Epistemologies: Looking at Almodóvar’s Queergenders and its implications for Visual Cul-
ture Education]. Um extrato deste texto foi publicado em Dias, B (2005) Arte/Educação
contemporânea: Consonâncias internacionais. Org. Ana Mae Barbosa. São Paulo Cortez,
p. 277-291.
2. Delimito a minha descrição desta discussão à América do Norte. Posteriormente, de-
senvolverei um artigo sobre a situação no Brasil.

Referências

AGUIRRE, I. Beyond understanding of visual culture: A pragmatic appro-


ach to aesthetic education. JADE: The International Journal of Art and
Design Education, v.23, n.3, p.256-269, 2004.
BARBOSA, A. M. A Imagem no ensino da arte. Porto Alegre: Perspectiva
e Fundação IOCHPE, 1991. (Estudos)
_________. John Dewey e o ensino de artes no Brasil. São Paulo: Cortez,
2001. 198 p.
BAUERLEIN, M. Symposium - Arts education and visual culture education:
The burdens of visual culture. Arts Education Policy Reviews, v.106, n.1,
p.5-12, 2004.
BOLIN, P. Artifacts spaces, and history: Art education and material culture
studies. Arts and Learning Research, v.10, n.1, p.143-157, 1992.
BOLIN, P. E.; BLANDY, D. Beyond visual culture: Seven statements of su-
pport for material culture studies in art education. Studies in Art Educa-
tion, v.44, n.3, p.246-263, 2003.
BROOKER, W.; JERMYN, D. The audience studies reader. London and New
York: Routledgeed, 2003.
CHALMERS, F. G. Celebrating pluralism: Art, education, and cultural diver-

127
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

sity. Los Angeles: The Getty Education Institute for the Arts, 1996.
_________. Celebrating pluralism Six years later: Visual transculture/s.
Education and critical multiculturalism. Studies in Art Education, v.43, n.4,
p.293-306, 2002.
_________. Visual culture education in the 1960s. Art Education, v.58,
n.6, p.6-11, 2005.
CHAPMAN, L. H. Studies of the mass art. Studies in Art Education, v.44,
n.3, p.230-245, 2003.
CHECK, E. Queers, Art and Education. In: M. Zummuellen. Working pa-
pers in art education. Iowa city, IA: University of Iowa Press, 1992. Que-
ers, art and Education, p.98-109.
_________. My self-education as a gay artist. (Ph.D.). The University of
Wisconsin - Madison, United States – Wisconsin, 1996.
CHECK, E. ; DENISTON, G. et al. Living the discourses. Journal of Social
Theory in Art Education, v.17, p.38-68, 1997.
COSIER, K. ; SANDERS , J. NAEA news: Lesbian, gay, bisexual, and trans-
gender issues caucus. Reston: National Art Education Association, 2005.
DEBORD, G. The society of spectacle. New York: Zobe Books, 1995.
DESAI, D. Multicultural Art Education and the heterosexual imagination: A
question of culture. Studies in Art Education, v.44, n.2, p.147-161, 2003.
_________. Places to go: Challenges to multicultural art education in a
global economy. Studies in Art Education, v.46, n.4, p.293-308, 2005.
DIAS, B. Border epistemologies: Looking at Almodóvar’s queer genders
and their implications for visual culture education. (Ph.D.). Curriculum Stu-
dies, University of British Columbia, Vancouver, 2006. 268 p.
DUNCUM, P. A review of proposals for studying the popular arts. Journal
of the Institute of Art Education, v.11, n.2, p.7-16, 1987a.
_________. What? even Dallas? Popular culture within the art curriculum.
Studies in Art Education, v.29, n.1, p.7-16, 1987b.
_________. Clearing the decks for dominant culture: Some first principles
for a contemporary art education. Studies in Art Education, v.31, n.4,
p.207-215, 1990.
_________. Art education for new times. Studies in Art Education, v.38,
n.2, p.69-79, 1997.
_________. Visual Culture Art Education: Why, What and How. Journal of
Art & Design Education, v.21, n.1, p.14-24, 2002a.
_________. Clarifying visual culture art education. Art Education, v.55,
n.3, p.6-11, 2002b.
_________. Visual culture isn’t just visual: Multiliteracy, multimodality and

128 Belidson Dias


Acoitamentos: os locais da sexualidade e gênero na ar te/educação contemporânea

meaning. Studies in Art Education, v.45, n.3, p.252-265, 2004.


EFLAND, A. A history of art education: intellectual and social currents in
the teaching of visual arts. New York: Teachers College Press, 1990.
EISNER, E. W. Educating artistic vision. New York: MacMillan, 1976.
_________. The arts and the creation of minds. New Haven, CT, and Lon-
don: Yale University Press, 2002.
EISNER, E. W. ; DAY, M. D. Handbook of research and policy in art educa-
tion. Mahwah and London: Lawrence Erlbaum Associated, 2004.
EMERY, L. Censorship in contemporary art education. JADE: The Interna-
tional Journal of Art and Design Education, v.21, n.1, p.5-13, 2002.
EMME, M. J. Visuality in teaching and research: Activist art education.
Studies in Art Education, v.43, n.1, p.57-74, 2001.
FREEDMAN, K. Interpreting gender and visual culture in art classrooms.
Studies in Art Education, v.40, n.2, p.128-142, 1994.
_________. Curriculum inside and outside of school representations of
fine art and popular art. Journal of Art & Design Education, v.16, n.20,
p.157-170, 1997.
_________. Social perspectives on art education in the U.S: Teaching visu-
al culture in a democracy. Studies in Art Education, v.41, n.4, p.314-329,
2001.
_________. Teaching visual culture: Curriculum aesthetics and the social
life of art. New York: Teachers College Press, 2003. (Advancing art edu-
cation)
GARBER, E. Teaching about gender issues in art education classroom:
Myra Sadker day. Studies in Art Education, v.45, n.1, p. 56-72, 2003.
HALL, S. Cultural representations and signifying practices. Thousands
oaks, CA: Sage Publications, p. 400ed. 1997.
HEISE, D. Is visual culture becoming our canon of art? Art Education,
v.57, n.5, p. 41-46, 2004.
HOBBS, J. In defense of a theory of art and art education. Studies in art
education, v.34, n.2, p.102-113, 1993.
HONEYCHURCH, K. G. Extending the dialogues of diversity: Sexual objecti-
vities and education in the visual arts. Studies in Art Education, v.36, n.4,
p. 210-217, 1995.
_________. Inside out/outside in - Sexual diversity: A comparative case
study of two postsecondary visual art students. (PhD). Faculty of educa-
tion, University of British Columbia, Vancouver, 1998. 200 p.
HORNE, P. ; LEWIS, R. Lesbian and gay sexualities and visual cultures.
New York and London: Routledge, 1996.

129
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

JAGODZINSKI, J. Postmodern dilemmas: Outrageous essays in art & art


education. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates Publishers. 1997a.
270 p. (Studies in curriculum theory)
_________. Pun(k) deconstruction: Experifigural writings in art & art edu-
cation. Mahwah, NJ and London: Lawrence Erlbaum Associates. 1997b.
KAMHI, M. M. Where is the art in today’s art education? Aristos,2002.
_________. Art succumbs to “visual culture”: Aristos, 2003.
_________. Rescuing art from visual culture studies: Aristos,2004.
_________. Modernism, postmodernism, or neither? A fresh look at “Fine
Art”: Aristos, 2005.
KINDLER, A. M. Visual culture, visual brain and (art) education. Studies in
Art Education, v.44, n.3, p.290-296, 2003.
KUHN, T. S. The structure of scientific revolutions. Chicago: The University
of Chicago Press, 1970.
LAMPELA, L. Lesbian and gay artist in the curriculum: A survey of artist
teachers’ knowledge and attitudes. Studies in art education, v.42, n.2,
p.146-162, 2001.
_________. Writing effective lesson plans while utilizing the work of les-
bian and gay artists. Art Education, v.58, n.2, p.33-39, 2005.
LANKFORD, E. L. ; SCHEFFER, K. Museum education and controversial
art: Living on a fault line. In: E. W. Eisner and M. D. Day (Ed.). Handbook
of research and policy in art education. Lawrence Erlbaum Associates:
Mahwah and London, 2004. Museum education and controversial art: Li-
ving on a fault line, p.201-223
MATHEWS, J. The art of infancy. In: E. W. Eisner and M. D. Day (Ed.). Han-
dbook of reseach and policy in art education. Mahwah, NJ and London:
Lawrence Erlbaum Associates, 2004. The art of infancy, p.253-298.
MIGNOLO, W. Postoccidentalismo: El argumento desde América Latina.
In: S. Castro-Gómez ; E. Mendieta et al (Ed.). Teorías sin disciplina: Lati-
noamericanismo, poscolonialidad y globalización en debate: Retrieved 05
May, 2003, from http://ensayo.rom.uga.edu/critica/teoria/castro/, 1998.
Postoccidentalismo: El argumento desde América Latina.
_________. Local histories/Global designs: Coloniality, subaltern know-
ledges, and border thinking. New Jersey, NJ: Princeton University Press,
2000. (Princeton Studies in culture/power /history)
PAULY, N. Interpreting visual culture as cultural narratives in teacher edu-
cation. Studies in Art Education, v.44, n.3, p.264-284, 2003.
PURPEL, D. E.; SHAPIRO, S. et al. Beyond liberation and excellence: Re-
constructing the public discourses in education. Westport and London:
Berging & Garving, 1995.

130 Belidson Dias


Acoitamentos: os locais da sexualidade e gênero na ar te/educação contemporânea

SILVERS, A. Pedagogy and polemics: Are art educators qualified to teach


visual culture? Arts Education Policy Reviews, v.106, n.1, p.19-23, 2004.
SMITH, P. J. Visual culture studies versus art education. Arts Education
Policy Reviews, v.104, n.4, p.3-8, 2003.
SMITH, R. Excellence in art education: Ideas and initiatives. Reston: NAEA,
1988.
_________. Building a sense of art in today’s world. Studies in Art Educa-
tion, v.33, n.2, p.71-85, 1992a.
_________. Problems for a philosophy of in art education. Studies in Art
Education, v.33, n.4, p.253-266, 1992b.
STANKIEWICZ, M. A. Keynote addresses: First general session. National
Art Education Association conference. Denver, CO, 2004.
SULLIVAN, G. Seeing visual culture. Studies in Art Education, v.44, n.3,
p.195-196, 2003.
TAVIN, K. M. Wrestling with angels, searching for ghosts: Toward a critical
pedagogy of visual culture. Studies in Art Education, v.44, n.3, p.197-213,
2003.
TORRES, L. Blurring the boundaries at the NAEA: Aristos,1991.
_________. Teaching the arts to children: Sitting on furniture and other
“Visual Arts” experiences: Aristos, 2004.
_________. Critiquing the critics: Art’s porous borders: Aristos, 2005a.
_________. The National Portrait Gallery captive to postmodernism: Aris-
tos, 2005b.
VAN CAMP, J. C. Visual culture and aesthetics: Everything old is new
again. Or is it? Arts Education Policy Reviews, v.106, n.1, p.33-37, 2004.

BELIDSON DIAS
é Doutor em Estudos Curriculares em Arte Educação – Artes Visuais, pela
University of British Columbia (2006), Canadá; Mestre em Pintura pela
Manchester Metropolitan University (1992) e Chelsea School of Art & De-
sign (1993), Inglaterra; Licenciado em Educação Artística – Artes Plásticas
(1989) pela Universidade de Brasília. É Professor Adjunto do Departamen-
to de Artes Visuais da Universidade de Brasília e membro da CACS, INSEA,
CSSE, NAEA, ABEH, ANPAP, ASAE e FAEB.

131
O autor apresenta um estudo de caso da sua prática
pedagógica com estudantes do segundo ano de gra-
duação fazendo estágio em turmas que vão do jardim
de infância à oitava série do Ensino Fundamental. No
programa dessa disciplina o professor introduz a cultu-
ra visual. Como os estudantes vêm com idéias precon-
cebidas sobre arte, arraigadas ao modernismo, seus
objetivos são: ajudá-los a compreender que imagens
são constituídas de idéias, valores e crenças; que isto resumo
é tão verdadeiro para a arte popular quanto para a
arte erudita; que as idéias, valores e crenças que cons-
tituem as imagens devem ser objeto de crítica e não
apenas de celebração. No decorrer do estudo de caso,
exercícios são descritos com alguns exemplos que reve-
lam complexas negociações de aceitação, resistência e
apropriação.
Palavras-chave: cultura visual, pedagogia, estudo de
caso em negociação.
A visual culture pedagogy:
A case study in negotiation

Paul
DUNCUM

The author offers a case study of his own pedagogic


practice with second year undergraduate university
students enrolled in a kindergarten to grade 12 (K-
12) pre-service art teacher training program in which
he introduces visual culture. Since his students come
with preconceived ideas about art that are grounded in
modernism, his goals are: to have students understand
that images are constitutive of ideas, values and beliefs;
abstrac t that this is as true of popular art as it is of fine art; and
that the ideas, values and beliefs of which all images
are constituted should be subject to critique and not
simply celebrated. A number of exercises are described
with some examples. Throughout, students’ complex
negotiations of acceptance, resistance and embrace are
noted.
Keywords: visual culture, pedagogy, case study in ne-
gotiation.
VISUA
AL visual
I D A D E S culture
. R E V I S TApedagogy
D O P R O G R :AA
MA D E Mstudy
case E S T R A DinO negotiation
E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

First Things First


I begin on the first day, even before I hand out the syllabus,
by asking my students to write down three to five topics they
would like to be able to teach in their first semester as tea-
chers. They are to imagine that they are in an ideal school, with
all the physical resources they require and all the support they
could ask for from their fellow teachers, administrators and pa-
rents. The students jot down their lists, and without any com-
ment from me I collect them for future reference. A few weeks
later when they have presumably forgotten all about that first
exercises, I ask them to write down a list of the things in their
life that are the most important to them: what interests them
most? What do they fear? They are to consider who they are,
what defines them, and to think of what is consequential to
them as late teens/early 20s, male or female, Americans, stu-
dents, citizens of the early 21st century; otherwise, I make no
suggestions of how they might answer. Again, without com-
ment from me, I collect their responses. The following week I
remind the students of the two lists they had previously compi-
led, and I put on the blackboard a summary of both. The follo-
wing is the first list from last semester of 16 students:
Painting (10),
Drawing (10),
Elements (other than color) (10)
Principles/Design (9)
Color (4),
Personal expression (4)
Unspecified techniques/skills (5)
3D or Sculpture (4),
Textiles (3),
Fashion Design (3),
Ceramics (3),
Community murals (2),
Technology (2),
Portraiture (2)
Still life (2),
Watercolor (1),
Clay sculptures (1)

134
While the study of visual culture has been advocated by many
art educators now for some years (e.g., DUNCUM, 2001; FREE-
DMAN, 2003; TAVIN, 2003), there remains little idea of what is
being undertaken in classrooms. Some reports have been made
on classroom practice (e.g., DUNCUM, 2006; TAVIN & ANDER-
SON, 2003; VIDIELLA & HERNANDEZ, 2006; WALKER, et. al.,
2006), but most reports are not especially detailed. Many re-
ports highlight only success and fail to acknowledge difficulties. I
write this paper in consideration of Williamson’s (1981/82) justi-
fication for writing in detail of her media studies class. Teaching,
she wrote, “is like sex – you know other people do it, but you
never know exactly what they do or how they do it” (p. 83).
In this paper I describe my pedagogy in an undergradua-
te foundations course for pre-service kindergarten to grade 12
(K-12) art teachers. My students are mostly 19 and 20 years
of age and mostly female. With few exceptions, during their
school years they had a formalist and media orientated art edu-
cation, plus some art history. To date this approach is largely
reinforced rather than challenged during their first introductory
year – mostly, they practice drawing and design – before they
enter the art education, teacher-training program. I happily re-
port that changes are on the way for this introductory year,
but until now their first year has largely consisted of exploring
a variety of traditional media and art history. The students are
bright and highly motivated, but they come carrying the bag-
gage of modernism, and especially formalism. Thus my prima-
ry task is to turn them around, to inculcate alternative ideas
grounded partly in postmodernism: The prime significance of
images lies in their being constitutive of ideas, values and belie-
fs; that this is a true of popular art as it is of fine art; and that
the ideas, values and beliefs of which all images are constituted
should be subject to critique and not simply celebrated. These
are my starting points. Schoolteachers whose students do not
necessarily carry the burdens of preconceived, modernist ideas
about imagery would start elsewhere, however, adopting the
view that teachers should start from where their students are, I
endeavor to re-orientate mine by considering some fundamen-
tals of contemporary sociocultural life.

Paul Duncum 135


V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Pencil (1),
Art history (1),
Expressionism (1),
Surrealism (1),
Art Theory (1).

The following is the second list.


My religious beliefs (5)
My boyfriend (5),

Terrorism (4),
Health (4)
Racial intolerance (3)
Global warming (3)
Specific family members (3)
A love of art (2)
Environmental degradation (2),
How the media lies (2)
How the media represents gays and women (2)
The vulnerability of children (2)
Sexually transmitted diseases (2)
Women’s rights (2)
Peer pressure (2)
Parental pressure to succeed (2)
Iraq (2),
The Bush administration (2),
Religious intolerance (1)
America’s place in the world (1)
Animal rights (1)
Basketball (1)
Fear of failing university studies (1)
AIDS (1)
Fear of death (1).

These specific lists are typical of each class I have taught


over the past few years. As the second list goes up on the board
I usually see several students with grins on their faces, and I ask
them for their thoughts. The ensuing discussion ensures that

136 Paul Duncum


A visual culture pedagogy : A case study in negotiation

the huge disparity between the two lists emerges. Elements,


principles, and genres and movements of art are seen by some
students as comparatively banal, and I express mock surprise
that none sees the elements or the principles, or specific art
genres, or specific media, or specific art history movements as
central to who they are. If such disparity exists among them,
they who are demonstratively invested in visual art, how much
less interesting is the traditional art curriculum for most of the
school students they will teach? How much less defining? Some
students appear to get the point; they seem to reconsider their
previous priorities, though among others resistance is palpable.
Based on statements they make at other times I can see them
thinking that this is an art class, not social studies, and many
seemed confused. This is not what they signed up for.

Readings and DVDs


I have them read a number of articles on how teachers are
already practicing visual culture in their own K-12 classes. We
read articles such as Gude’s (2004) on postmodern elements
and principles, Tavin and Anderson’s (2003) on teaching Disney
in a grade 5 class, and lately I have them read several chap-
ters from my own anthology of classroom practices (DUNCUM,
2006), including those on TV reality shows, advertising, politi-
cal campaigns, and media violence, all of which involve crosso-
vers from fine and popular art. I try to ensure an atmosphere of
free and open discussion where I clearly articulate my views as
my own but respect theirs. It is a delicate balancing act.
Responses to these articles vary a great deal and in utterly
unpredictable ways. One week a student who takes umbrage
at one article will be placated the following week by another
that virtually says the same thing, while another student who
is happy with the first article will strongly oppose the second.
As novices they often have no perspective on what is important
and what is peripheral. After reading an article on contempo-
rary popular culture some students object that visual culture
is ahistorical and opposed to fine art. During a discussion that

137
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

lead from Leonardo’s Mona Lisa to the film Mona Lisa’s Smile,
staring Julia Roberts, one student indignantly declared, “Well
I’m not teaching about Julia Roberts!” Overall, I have come to
see this as the uneven negotiation between their own precon-
ceptions, wanting to understand what is new and challenging
to them, wanting to please me, yet unprepared to abandon
cherished positions. Students complain that too many of the
assignments reported in the articles deal with collage, or with
computers, or with ideas at the exclusion of developing skills
in traditional media. They complain that the readings put a
priority on discussion in the classroom whereas they feel art
classes should be primarily about making art. While they often
admire teachers for tackling controversial issues, they cannot
envisage themselves doing so. I talk to them about needing to
know their students well and to garner the support of parents
and school the administration, and I offer Polanieki’s (2006)
example of how to work with cutting-edge material in a deeply
conservative environment. Students nod in agreement, reali-
zing, I imagine, that deciding on whether to deal with contro-
versial material will be well into the future and well beyond my
control.
To supplement these readings we watch a number of
DVDs, mostly from the Education Media Foundation based in
New York. Mickey Mouse Monopoly (SUN, 2001) deals with
Disney stereotypes of races, genders and commercialism, and
the PBS Frontline Program The Merchants of Cool (SULLIVAN,
2001) deals with product placement, media control, and me-
dia self-reference. Resistance to these programs also comes
in several forms. Since some of the programs switch betwe-
en short snippets of advertising or Disney animation, with the
high production values with which students are familiar, to the
brutal honesty of video showing middle-aged academics criti-
quing behind their desks, students find it easy to attack the
messengers. The medium appears to be the message, where
beauty overbears thought. Although these students attend a
top research university, often their response, typical of under-
graduates everywhere, is, “What would academics know?” It
does not help that some of the academics appear to be angry;

138 Paul Duncum


A visual culture pedagogy : A case study in negotiation

in a culture that values public politeness, strongly expressed


indignation is jarring. When required to critique Disney, some
of my students respond as do those reported by Sun (2004):
How dare anyone attack Disney! Like Sun’s students, a mino-
rity of my students even appear to accept the traditional, gen-
dered roles assigned by Disney productions; just as in many
Disney media female characters are dependent upon male cha-
racters, a few of my female students appear to accept that as
females they are naturally dependent upon males. Like Willia-
mson (1981/82) students who failed to see particular biases in
the media because those biases looked to them like the truth,
some of my students refuse to see Disney’s constructions as
anything but natural.
Nevertheless, some students do seem shocked by the bla-
tant and negative stereotypes to be found in many media pro-
ductions, though many students are unprepared to assign res-
ponsibility to the makers, and many continue in refusing to see
that it could be the art teacher’s responsibility to counter such
stereotypes. This is a matter for the social studies teacher they
say; that images are constitutive of stereotypes and carriers of
ideology continues to be lost. Disconcertedly, examination of
Disney and other popular media often appears to reinforce the
modernist divide between fine art as morally worthy and po-
pular art as degenerate, and they, assuming modernist ideas,
see themselves saving their future charges from the pernicious
influence of popular art by means of the higher values of the
fine arts.

The Big Hypertext Assignment


In contrast to this resistance, a curious thing happens when
it comes to the big, end of semester assignment. Students are
required to choose an image – I stress any image – and develop
a hypertext PowerPoint from it. I stress that the image they cho-
se can be of any kind so long as they have some idea of what
they want to do with it and I can see it has potential. Almost all
images turn out to be sufficiently rich. The curious thing is that

139
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

most students do not choose a fine art image; most choose an


image from their own popular culture. A few students will even
say, “You mean I can work on ….” mentioning their idiosyncra-
tic enthusiasm for a favorite television program, or movie, or a
multi media phenomenon like Harry Potter. They seem scarce-
ly able to believe that they can indulge their passion as fans.
Such students are not necessarily prepared to admit that they
favorite cultural form should be critiqued for unfortunate ideas,
but at least the barrier against considering popular culture is
broken down at this point.
Leading up to this assignment I introduce what I call the
flora model of modernism verses postmodernism, which I have
appropriated from Brent Wilson (2000). A modernist/formalist
approach to imagery I argue is like a tree, with the branches
being all the issues images deal with, the roots being all the
mini narratives of art history, and the trunk being what the is-
sues and histories have in common, namely the elements and
principles, and media. By contrast, a postmodernist approach
to imagery is like the rhizomic structure of grass. Like grass,
a postmodern approach stresses many, often-unpredictable
interconnections, related by associations. Where modernism
is essentialist and hierarchical, postmodernism is pluralist and
socially leveled (EFLAND, 1992). Furthermore, I suggest that a
treelike structure is highly vulnerable: like a tree that can be cut
down killing both branches and roots, if we take away the ele-
ments and principles it might appear that we destroy art itself.
On the other hand, a rhizomic structure is highly adaptable and
very difficult to destroy; as soon as one part is destroyed ano-
ther part will grow. Finally, I suggest that a rhizomic structure
is akin to the way humans think, especially imaginative people
like artists and would-be art teachers.
Students select an image (or picture of a three dimensional
artifact) of any kind. It must, be an image of richness such that
it can be related to three or four issues by means of other pic-
tures and written texts, music or sounds. The written texts can
be of any type; for example, quotes from books, articles, poe-
ms, song lyrics, and student’s own reflections. As suggestions
for issues I offer the following:

140 Paul Duncum


A visual culture pedagogy : A case study in negotiation

Sexism
Racism
Nationalism
Patriotism
Globalization
Xenophobia
Homophobia
Localism/Community
Censorship
Violence
Consumerism
Citizenship
Other

The other images to which the first is connected must inclu-


de at least three of the following kinds:
Popular art
Traditional Western fine art
Traditional Non-Western fine art
Indigenous art
Contemporary fine art
Folk or vernacular art
Community art
The student’s own visual images

I suggest that the kind of connections will vary. Sometimes


they will be informative, or critical, or satirical, or ironic, and
so on. Criteria for assessment include: the validity, clarity, and
complexity of the connections; subtlety, irony, invention and
surprise; depth of exploration though images and texts; com-
municative composition of images and texts; technical facility,
including ease of access and movement through the hypertext;
the quality of images; and writing skills.
Some students choose an image clearly illustrative of one
or more issues. Others will choose an image they like with only
the most vague of ideas as to its significance, and I need to
talk them through issues to which it does, or can be made to,
relate. Occasionally a student will have no idea why they have

141
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

chosen their image. So long as I can see for myself that it has
potential I leave it to the student to discover this for him or
herself, believing images that speak at a deeper than conscious
level may have more potential than ones chosen for conscious
reasons. For example, this certainly appeared to be the case
when a young, male student chose an advertisement for a pro-
duct – he did not even know what the product was – which
used a photograph of an adolescent male reclining in a chair
with a older, somewhat predatory women towering over him.
The images the students choose are exceptionally varied.
They have included icons of fine art such as the Mona Lisa and
Geurnica, high art fashion photography, and a contemporary
fine art graphiti artist; other students have chosen movies as
diverse as the recent Crash to the classic Gone with the Wind,
advertisements for products as diverse as clothing stores to ice
cream, comics as different as Snoopy and Wonder Woman, and
magazine covers as diverse as Rolling Stone and a early 20th
century French magazine for fashion. Other examples have in-
cluded photographs of various media celebrities such as the Ol-
sen Twins and Marylyn Monroe, music idols like Kanye West
and Bob Marley, a religious roadside billboard, John Lennon’s
memorial in New York, an AIDS poster, and an advertisement
for breakfast cereal that uses comic figures but references
Leonardo’s The Last Supper. As for the issues student have cho-
sen, in addition to the ones I suggest, listed above, students
have used: competition, safety, transportation, private schools,
heroism, cultural appropriation, drugs, war, family values, and,
surprisingly, consanguineal relationships.
To facilitate inquiry, the class spend two hours for five we-
eks in a computer lab exploring the intricacies of PowerPoint
and gathering material mostly from the net. Nearing the time
for assessment the students spend untold hours by themselves.
Although there is better software for this assignment, their ex-
pense prohibits them ever being available in schools. Toward
the end of the assignment, we gather to offer a class critique to
assist students to think broader, to offer further examples, and
to solve problems. Suggestions are sometimes technical – web-
sites to find particular material, how to insert a movie, or how

142 Paul Duncum


A visual culture pedagogy : A case study in negotiation

to make a point visually clearer, for instance– but also to ask for
further explanation or examples, or to strengthen links betwe-
en ideas and images. Often students find they are working on
similar issues and can readily offer advice. Sometimes there is
honest disagreement. It becomes apparent that one student’s
hypertext can link to another’s, and yet another’s, and if time
permitted it would be possible to link almost everyone’s hyper-
text to form a huge hypertext. The notion of intertextuality see-
ms well grasped, including links between popular and fine art,
and contemporary and historical imagery and ideas. It is gene-
rally at this point that the class is humming; everything appears
to be coming together, everyone appears engaged.
Following the critique students are charged with responding
over the next week or two before handing in the assignment,
and my assessment is partly informed by how students have res-
ponded to the class critique: Have they taken up suggestions?
Do they seem to understand the point of the suggestions?

Some Examples
I include now a few illustrative examples. Priscilla chose the
trailer to the movie The Passion of Christ and dealt with re-
ligion, pain and suffering, and religious icons. She examined
differences in Christian, Jewish and Islamic imagery as constitu-
tive of their particular characteristics as well as images of reli-
gious controversies (of which there is no shortage in the United
States). The allegations of anti-Semitism, which the film drew in
the media, led Priscilla to consider the holocaust and racism in
the United States. Under religious icons she examined many his-
torical and contemporary images of Christ, including the idea
of Jesus as father, as shepard, and as judge, as well as images
of Christ as both a white person and an African American. Pain-
tings by, for example, Rouault and Dali led to popular images
and commercialism, which included a last supper on a lunch
box, Jesus on an ash tray, a “Cool Jesus” on a T shirt, and Jesus
as an action figure. Priscilla concluded with a statement about
her own religious faith.

143
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Typically, some students like Priscilla choose contemporary


images and work backwards historically while others start with
a historical image and work forwards. Laura linked the Venus De
Willendorf to notions of both male and female beauty over the
centuries. Of women she included, for example, figures from
Mycenae, Cranach the Elder’s painting The Judgment of Paris,
19th century pornography, paintings by Modigliani, contempo-
rary beauty pageants, plastic surgery, and eating disorders. Of
men she included many images from Greek Kouros to paintings
by Lucian Freud as well advertising for men’s toiletries.
Krysten chose a still image from the Disney broadway show
Avenue Q and used four of its central themes as her issues: ra-
cism, homosexuality, sexism, and censorship. Each is introduced
with song lyrics from the show. With racism she used photogra-
phs of hangings by the Klu Klux Klan and anti-semetism in Eu-
rope with woodcuts from the middle ages. With homosexuality,
she examined TV stereotypes of gays and contemporary cartoons
that deal with it as controversial, as well as different historical
views of it as demonstrated in images from the ancient cultures
of China, Greece, and India. Krysten dealt with sexism by sho-
wing very different body types, historical and contemporary, and
she illustrated the struggle for women’s rights with photographs
of demonstrations and key figures in the suffragette movement.
She considered censorship with examples of banned books, mu-
sic, films, and how it has operated during times of war.
Tanya chose a poster of the film Amelie in which the cen-
tral character looks up at the viewer in a conventional feminine
way, allowing Tanya to consider the overlapping issues of femi-
ninity, the roles of women in society, and women’s visual re-
presentation. She described why she liked being feminine and
illustrated her own negotiation with it in terms of peer pressure
and advertising with pictures of female accessories like handba-
gs, shoes and jewelry. Elsewhere she examined how women’s
visual representation, past and present, constitute certain ste-
reotypes, including mother, housewife, delicate flower, femme
fatale, and virgin, though she also included pictures of women
she called, “with personality.” Tanya considered these ste-
reotypes often to be masks that women wear deliberately to

144 Paul Duncum


A visual culture pedagogy : A case study in negotiation

protect their real selves. She also examined ideals of face and
body, comparing different body shapes – pear, straight and ap-
ple – as well as different ethnic facial features. She examined
how over past millennia the golden section has been used to
construct ideal faces, bodies, paintings, and architecture. Tanya
also considered the use of pictures as a source of remembran-
ce as employed in the film Amelia, and she linked this to the
functions of family heirlooms like quilts and hand-me-down we-
dding dresses.
Some students, like Tanya, choose to relate their hypertext
to themselves. This was especially true of Sara who chose a bla-
ck and white, documentary style photograph of herself, which
she related to several aspects of herself – her Polish-Russian-Li-
thuanian American identity, her class, her parent’s divorce, her
religious faith, and her love of the arts. In dealing with her eth-
nicity, for example, she writes of the American notion of cultu-
ral assimilation as a melting pot, and ideas of freedom, liberty,
and the American Dream. The characteristics she describes are
related so, for example, her ethnic identity is related to her par-
ticular love of Polish, Russian and Lithuanian art. She illustrated
this love with many examples of art from these three countries,
describing their particular qualities and unique histories. Each
aspect of herself is then related to aspects of several of her
friends; one friend is also of Russian decent, another’s parents
is also divorced, and so on. With each friend their own charac-
teristics are described, both where they overlap with Sara’s and
where they were dissimilar, so that taken as a whole Sara des-
cribed a complex network of relationships spiraling out from
herself and covering many issues: how different people choose
to her deal with peer pressure, their education, their religious
beliefs, their ethnic status, and so on. Into this mix were also
woven Sara’s own majority position as white and Christian com-
pared to a friend who is of color and Hindu – partly illustrated
with images of Christian and Hindu art – and which, in turn,
led to material on white privilege and racism, illustrated with
images of stereotypical African Americans in popular culture
and orientalist paintings by the likes of Delacroix. Statistics on
divorce rates was linked to statistics on working mothers and

145
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

images of TV families over the past few decades. In each case,


Sara included definitions for terms and a voice over – her own,
or parents or friends – each telling his or her own story.

Partial Successes
As many teachers have found when teaching about popular
media with students, developing a critical understanding fre-
quently falls short of the teacher’s hopes or expectations (e.g.,
BUCKINGHAM & SEFTON-GREEN, 1994; CUMMINGS, 2007;
WILLIAMSON, 1981/22; POLANIECKI, 2006). Among my stu-
dents those who tend to be the most resistant to considering
visual culture in ideological terms are the pre-existing fans of
a particular site. The student who explored Harry Potter, for
example, refused to stray much beyond the phenomenon itself.
She was unprepared to consider it in terms of commercialism,
ancient tales, other children’s books, or any of the other many
suggestions I and other students made. What a fan’s celebra-
tion demonstrates in motivation does not necessarily translate
to a broader interest and certainly not to considerations of ide-
ology. A fan can see that their beloved cultural form deals with
racism or sexism, but they are usually deeply resistant to seeing
their cultural form itself as racist or sexist, presumably becau-
se they feel this would reflect badly upon them. Williamson
(1981/82) argues that such students need to be shocked into a
crisis, though I have been reluctant to do this. Pushing students
too quickly can be counter productive, and I consul myself that
all learning takes time and all I am attempting to do is initiate
a process. Dealing with a particular popular culture site in art
education is not enough, but it is a starting point.
Others students appear to fulfill the assignment without
allowing it to touch them deeply. They may even be passionate
about racism, but as white students in a predominantly white
environment racism is an easy target of indignation. Environ-
mental issues, media censorship, and many others are often
equally suspect in this regard. As issues outside personal expe-
rience, students’ investigation of these issues remains imperso-

146 Paul Duncum


A visual culture pedagogy : A case study in negotiation

nal, touching the mind but not the heart.


On the other hand, there are clear exceptions, as the as-
signments from Tanya and Sara demonstrate. Also, exploring
issues in an intellectual way should not be dismissed for it is im-
possible to say at what personal level students are dealing with
these issues; offering up issues in class in a purely intellectual
fashion not only fits the general expectation of scholarship but
may act as a form of protection. It cannot be an accident that
certain topics, though not suggested by me, regularly appear
from my mostly young, female students; notably, ideals of be-
auty, body and facial types, and eating disorders. A student
who dealt with family dysfunction on a popular television pro-
gram might well have been drawn to it because of her own
family background. An ostensibly religious student who began
with Michelangelo’s Pieta finished with graffiti she found in
the women’s bathroom, which claimed that if Jesus thought he
was the Son of God perhaps he was insane. I do not know, but
I suspect this inclusion was a, perhaps unconscious, negotiation
with religious doubt. Ethnic minority students deal with racism
in ways that touch them at levels I cannot imagine.
To what extent students are merely giving me back what
they think I want, seeking to please me, or are truly engaged in
discovering new ways to consider popular visual images, is im-
possible to tell. In any course student motivations vary, change
during a course, and are always layered (WILLIAMSON, 1981/
82; BUCKINGHAM & SEFTON-GREEN, 1994). Although by the
end of the class my students invariably appear proud of their
hypertext assignment, it is hard to say to what extent its gene-
ral lessons are integrated into their thinking. The student who
added to an assignment dealing with contemporary, controver-
sial issues a completely unrelated section on elements and prin-
ciples gave me pause.

Finally, For Now


My class does not ground students in all of the basic un-
derstandings of visual culture I consider important. We do not

147
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

consider culture in economic terms, and we deal with the so-


ciocultural dynamics of designer capitalism with only a gossa-
mer touch. For some students discussions on postmodernism
appear to go over like low flying aircraft. For students whose
national culture is American popular culture, it is also difficult
to deal with cultural globalization in any meaningful way. I take
the view that turning their views around is a developmental
process and all I can do is lay the groundwork. We do not deal
with the foundational theoreticians of visual culture like Hall,
Mitchell, Foucault, or Barthes, let alone Lacan. We do not even
look at the many textbooks that introduce visual culture. We
barely consider art educators who are advocating visual cultu-
re. For students who are mostly concerned with how to sur-
vive in the classroom it seems best to go past theory straight
to how others are developing visual culture curriculum. Howe-
ver, we do not even have the time to build upon the hypertext
assignment to develop age-appropriate K-12 curriculum. Thus,
how this work gets translated into future classrooms, if at all,
is at this stage an open question. I can only hope I have sown
seeds.
Finally, this work opens up a number of research questions.
For example, in teaching from a visual culture perspective, what
is to count as success? How can success be assessed? What
accounts for success and what accounts for failure, or partial
success? What percentage of students do we consider when
we talk of success? And what pedagogic practices appear to
have the most potential?

References
BUCKINGHAM, D., & SEFTON-GREEN, J. (1994). Cultural studies goes to
school: Reading and teaching popular media. London: Taylor & Francis.
CUMMINGS, K. L. (2007). Webs, windows, and reflections: Experiences in
a secondary art classroom. Unpublished doctoral dissertation, University
of Illinois at Urbana-Champaign.

148 Paul Duncum


A visual culture pedagogy : A case study in negotiation

DUNCUM, P. (Ed). (2006). Visual culture in the art class: Case studies.
Reston, VA: National Art Education Association.
EFLAND, A. (1992). Art education and postmodernism: Curriculum pro-
grams at century’s end. In L. Pironen (Ed.), Power of images: INSEA 1992
(p. 114-121). Helsinki: INSEA Findland.
FREEDMAN, K. (2003). Teaching visual culture: Curriculum, aesthetics,
and the social life of art. New York: Teachers College Press.
SULLIVAN, M. (Executive Producer), & Goodman, B. (Director). (2001).
The merchants of cool. [Television broadcast]. New York: Public Broadcas-
ting Service.
GUDE, O. (2004). Postmodern principles: In search of a 21st century art
education. Art Education, 57(1), 6-14.
POLANIECKI, S. (2006). Teaching through TV: Transformative encounters
with constructed reality. In P. Duncum (Ed.), Visual culture in the art class:
Case studies (pp. 47-55). Reston, VA: National Art Education Association.
SUN, C. (Producer), & Picker, M. (Director). (2001). Mickey Mouse mono-
poly: Disney, childhood and corporate power. New York: Media Education
Foundation.
SUN, C. (2004). Staying true to Disney: College students’ resistance to cri-
ticism of The Little Mermaid. The Communication Review, 7(1), 35-55.
TAVIN, K., & ANDERSON, D. (2003). Teaching (popular) visual culture: De-
constructing Disney in the elementary classroom. Art Education, 56(3),
21-24, 33-35.
TAVIN, K. (2003). Wrestling with angels, searching for ghosts: Towards a
critical pedagogy of visual culture. Studies in Art Education, 44(3), 197-
213.
VIDIELLA, J., & HERNANDEZ, F. (2006). Beyond Lucian Freud: Exploring
body representations in children’s culture. International Journal of Educa-
tion Through Art, 2(2), 105-117.
WALKER, S., DAIELLO, V. HATHEAY, K., & RHOADES, M. (2006). Complica-
ting visual culture. Studies in Art Education, 47(4), 308-325.
WILLIAMSON, J. (1981/2). How does girl number twenty understand ide-
ology? Screen Education,40, 80-87.
WILSON, B. (2000). Of Diagrams and Rhizomes: Disrupting the content of
art education. 2000 International Visual Arts Conference: Art Education
and Visual Culture (p. 25-40). Taipei, Taiwan: Taipei Municipal teachers
College.

149
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Acknowledgments
I wish to acknowledge all of the undergraduate students I have taught
that have contributed to this paper, especially those named: Kyrsten Blins-
trup, Tanyanan Boonrougeng, Sara Mackus, Priscilla Reisinger, and Laura
Wittneben.

PAUL DUNCUM
é professor de Arte-Educação na School of Art and Design da University of
Illinois, Urbana Champaign. Tem publicado extensivamente sobre cultura
visual, estética do cotidiano e desenho infantil não solicitado. É co-editor
do livro On Knowing: Art and Visual Culture, publicado pela Canterbury
University Press.

150 Paul Duncum


RESENHA

Rejane Galvão Coutinho


Uma visita à Bienal Naïfs [entre culturas]

Rejane
GALVÃO COUTINHO

O local onde acontece há 14 anos a Bienal Naïfs do Brasil,


a cidade de Piracicaba, fica a 152 km da cidade de São Paulo.
Para uma não Paulista como eu, foi uma oportunidade e um
desafio sair da capital e me aventurar pelo interior do Estado.
O programa exigiu uma preparação com certa antecedência e
como educadora envolvida neste processo, avalio no início des-
te texto o quanto é importante focar idéias em torno de uma
exposição (independente de qual seja) antes de adentrar em
seu universo. Penso no que me levou a querer enfrentar essa
aventura e quais minhas referências na ocasião.
A Bienal Naïfs é um tradicional evento na programação do
SESC Piracicaba que desde 1986 vem investindo nesta parcela
da produção artística brasileira tão estigmatizada pelo mundo
da arte. Ao pensar nesta categoria nos aproximamos de vários
preconceitos que permeiam o campo das práticas artísticas. En-
tre eles um dos mais comuns é definir a arte naïf como produ-
zida por autodidatas. O artista naïf é segundo esta acepção
um sujeito que não freqüentou uma escola para aprender arte.
Entenda-se por escola no contexto dessa acepção, aquela que
aos moldes acadêmicos reproduz de forma sistematizada os va-
lores do mundo da arte hegemônica, da tradição à contempo-
raneidade, critério este certamente insuficiente, visto que ape-
nas uma pequena parcela dos produtores de imagens passa por
escolas acadêmicas.

153
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Outra idéia que se agrega à primeira é a do parentesco


da arte naïf com a arte dita primitiva, ou com a produção de
crianças e de pacientes psiquiátricos, com argumento de que
são produções que fogem aos dogmas de representação em
nome da expressividade, reforçando o mito da espontaneidade
de criação. É um ideário forjado e explorado pelos artistas mo-
dernos em fins do século XIX e início do XX como justificativa
para suas próprias pesquisas pictóricas. Uma comparação que
se sustenta em semelhanças formais, segrega e produz padrões
estereotipados para cada um desses segmentos sem levar em
conta as diferentes vocações e os diferentes contextos de cada
sistema de representação.
A proximidade desta produção com as camadas populares,
dos sujeitos econômica e socialmente à margem dos processos
produtivos é outro critério usado para definir a arte naïf e tal-
vez seja este o mais próximo do real. É fato que esta produção
veicula um repertório iconográfico e temático que tem fortes
referenciais na cultura visual do povo. Poderíamos até afirmar
que é uma produção feita e consumida pelo próprio povo, caso
o mercado das artes não tivesse estimulado o seu consumo en-
tre intelectuais e colecionadores.
Foram estas as primeiras questões que surgiram quando
pensei em visitar a exposição e o fato de ter que me deslo-
car até Piracicaba fazia sentido diante deste contexto. A de-
signação naïf traz em si a idéia de ingenuidade e a paisagem
rural característica do interior paulista é um dos lugares propí-
cios para abrigar nossas idéias românticas sobre este universo
imagético. Havia, entretanto uma informação dissonante neste
quadro bucólico. A educadora Ana Mae Barbosa assinou a cura-
doria geral desta edição da Bienal Naïfs do Brasil e conhecendo
sua personalidade inquieta, algo me fazia prever que esta seria
uma edição diferenciada, pois há tempos se sabe que as expe-
riências curatoriais de Ana Mae foram fortemente provocativas
e questionadoras. Quando esteve na direção do Museu de Arte
Contemporânea da USP entre 1987 e 1993 abriu aquele espa-
ço hegemônico para produções da cultura visual do povo insti-
gando o diálogo entre os códigos eruditos e populares, espe-
cialmente estimulando a freqüentação dos excluídos nos ditos

154 Rejane Galvão Coutinho


Uma visita à Bienal Naïfs [entre culturas]

“templos da Arte”.
Quando saía de São Paulo atravessando a Marginal Tietê
cinzenta e congestionada rumo a Piracicaba meu olhar foi atra-
ído pelas imagens que povoam a paisagem saltando de uma
a outra, outdoors, placas, luminosos, muros pichados. Lembrei
então que esta Bienal tem um título, Naïfs [entre culturas], e
este título contêm um subtexto colocado entre colchetes. Que
sentidos poderiam conter os colchetes do entre culturas? A ci-
dade foi ficando para trás e as imagens da paisagem continu-
avam saltando diante dos meus olhos, porém de forma menos
agressiva. Estava em trânsito entre um lugar e outro, entre uma
cultura visual urbana e outra, com sutis diferenças, calcada
muito mais no pano de fundo verde ladeando a estrada que
acabara de tomar do que propriamente nas imagens que conti-
nuavam contaminando meu olhar.
Tão logo a cidade de Piracicaba se desenhou na paisagem
meus olhos adentraram avenidas amplas e arborizadas. Che-
gando ao SESC, diante do prédio de construção moderna um
pequeno grupo de pessoas rodeava uma barraca de folha-de-
flandres igual a muitas que vendem balas, jornais e revistas
nas calçadas das cidades. Só que esta estava posicionada em
lugar bem visível frente ao edifício, e diferenciada com pintu-
ras decorativas tanto no interior quanto no exterior. Ao me
aproximar fico sabendo que aquela barraca antes pertencia
a certo Nivaldo, fiteiro de Recife que provavelmente cansado
da mesmice da paisagem urbana resolveu enfeitar seu espaço
de trabalho. Percebi então que a exposição havia começado
e que aquela barraca instalada entre o lado de fora e o lado
de dentro era uma provocação, uma chave para instigar os
sentidos.
Ao adentrar o hall do prédio que não é tão amplo como de
outras unidades dos SESCs paulistanos, me senti envolvida por
imagens de obras de grandes dimensões que tomavam as pa-
redes de cima abaixo. Logo a figura de um grande animal, mis-
to de onça, cobra e ave de rapina captou minha atenção. Era A
Metamorfose da Onça Caetana, desenho de Ariano Suassuna
ampliado em tapeçaria. A figura dirigia seu olhar para outra
parede onde uma onça descansava sobre um sofá no interior

155
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

de uma casa. Nessa imagem, um detalhe me chamou atenção,


na porta da casa uma tabuleta prevenia: Um Dia da Caça e o
Outro do Caçador, pintura de Pedro Inácio da Silva, muralista
que atualmente exerce seu ofício em Goiânia. Na parede contí-
gua uma instalação: Resistência, Inexistência da pernambuca-
na Cristina Machado composta por uma armadura de fios de
ferro postada diante de uma fotografia onde se via o dorso de
uma figura vestindo-a e sua sombra projetada em um muro.
Completando o hall, na parede oposta, pendia um conjunto de
figuras vazadas em cerâmica que fazia alusão a pinturas rupes-
tres, de autoria do piauiense Carlos Oliveira.
Enquanto procurava um sentido para este conjunto insólito
de imagens, buscando nas minhas referências elos entre elas,
lembrei dos colchetes presentes no título da exposição e per-
cebi que estava num trânsito entre culturas, potencializando
todas as questões que me acompanharam até ali. A onça pin-
tada de Pedro Inácio dialogava com os referentes rupestres, e
com a resistência dos muros imaginários de Cristina Machado.
Por sua vez, a Onça Caetana, mito arcaico da mulher Fera
antropófaga que se alimenta do sangue de suas vítimas para
manter belos seus seios, explicitava na exposição os princípios
do Movimento Armorial que busca na cultura popular os seus
indícios eruditos.
São as matrizes
eruditas na cultura
popular, ou como
designou Ana Mae,
as matrizes popula-
res na cultura eru-
dita. O jogo sugeri-
do pelos colchetes
estava posto.
Seguindo o per-
curso indicado, su-
bindo um lance de
Ariano Suassuna, João Pessoa/PB, 1927. A escadas chegava-
Metamorfose na Onça Caetana. Tapeçaria, se a um pequeno
manufatura da Casa Caiada do Recife/PE, 255 x 270
cm, Coleção de Maria Lígia Amorim Barbosa.
espaço de circula-

156 Rejane Galvão Coutinho


Uma visita à Bienal Naïfs [entre culturas]

ção transformado em espaço expositivo pelo arquiteto Pedro


Mendes da Rocha que criou nichos em forma de vitrine para
algumas obras em pequenas dimensões. Espaço de passagem,
aberto, onde ao mesmo tempo tinha-se uma visão ampla das
instalações do prédio, das obras do hall, além de duas opções
de percurso: de um lado a Mostra Entre Culturas: matrizes
populares com obras selecionadas pela curadoria, do outro
o Salão Naïf com obras premiadas e selecionadas de artistas
inscritos. Por onde seguir? Para onde olhar? Novamente em
trânsito, na indecisão procurei informações e abordei um es-
tagiário do Programa Educativo do SESC que disse não ha-
ver percurso pré-definido, mas algumas possibilidades. Tomei
maior conhecimento também do processo curatorial da expo-
sição que foi feito em conjunto por diferentes profissionais,
assim como a seleção das obras do Salão por uma comissão
de especialistas.
É característica de Ana Mae desenvolver projetos em con-
junto, como uma maestra a conduzir os vários músicos de uma
orquestra. Ela lança uma partitura desafiadora estimulando e
respeitando as interpretações particulares que vão se somar
para compor o resultado final. Para esta exposição ela pensou
na amplitude e diversidade da produção brasileira e teve como
curadores-adjuntos: Leda Guimarães, do Centro-Oeste; Marisa
Mokarsel, do Norte; Roberto Galvão e Rinaldo Silva do Nordes-
te, além do diálogo com amigos consultores em outros esta-
dos, como Darlan Rosa (Brasília); Elizabeth Aguiar (Porto Ale-
gre); Lívia Marques e Robson Xavier (Paraíba); Marcelo Silveira
(Pernambuco) e Glaucia Amaral (São Paulo).
O resultado desta diversidade se confirmou na apresenta-
ção de produções contemporâneas que evidenciam diferentes
diálogos e apropriações de matrizes de nossa cultura visual e
material, das técnicas e suportes tradicionais como a pintura,
gravura e escultura às assemblagens, serigrafias, fotografias,
grafites, instalações, bordados em tecido. A tapeçaria A Moça,
a Borboleta e o Querubim exemplifica bem esse trânsito en-
tre suporte, meios e referências da tradição à cultura visual.
Margarida Pandolfo, mãe de Gustavo e Otávio Pandolfo, os co-
nhecidos grafiteiros Osgêmeos, bordou um desenho dos filhos

157
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

com fios de algodão sobre juta, tradicional técnica do universo


feminino. Materiais nobres em diálogo com materiais recicla-
dos, re-significados como o Ofertório (Para João e Maria) feito
a partir de lata de manteiga por Jocatos de Belém do Pará, ou
a composição com terços e pequenas lamparinas, Divina Luz de
Kátia Jacarandá vinda de Goiás.
Ainda na Mostra Entre Culturas: matrizes populares, dois ar-
tistas em especial atraíram minha atenção por razões distintas:
a gravura digital de Renato Valle pela delicadeza da operação
de catalogação e enumeração das variantes do ícone cristão
presentes em nosso repertório
imagético, Série Cristos Anôni-
mos, e duas pinturas em gran-
des dimensões de Rinaldo Silva,
especialmente feitas para esta
exposição, instigantes pelo liris-
mo contundente e até selvagem
com que o artista nos apresenta
suas referências em relação ao
tema.
Por opção negociada entre
a Instituição, a curadoria e a
expografia se manteve intacto
o Salão Naïfs. No entanto, ha-
via no percurso uma mediação
proposital, pois para se chegar
a ele tinha que se passar ne-
cessariamente pelos trânsitos
culturais. Assim, ao adentrar o
Salão novos sentidos poderiam
se evidenciar na relação entre
os módulos da exposição.
A Bienal Naïfs funciona até
hoje nos moldes dos salões
onde os artistas enviam suas
Rinaldo Silva, Recife/PE, 1961. Eu produções para seleção e pre-
Anjo de Minha Guarda Serpente e miação. A versão de 2006 re-
Santa. Técnica mista, 250 x 100 cm,
cebeu em torno de oitocentos
Coleção do Artista.

158 Rejane Galvão Coutinho


Uma visita à Bienal Naïfs [entre culturas]

trabalhos e a comissão julgadora formada por Maria Alice


Milliet, Oscar D’Ambrosio, Maria Lucia Montes e a curadora
geral selecionou cem artistas e premiou vinte e três trabalhos.
Seguindo a linha curatorial proposta, os critérios privilegiaram
a qualidade das produções e ampliando as clássicas temáticas
do naïf ao privilegiar também o diálogo com as questões con-
temporâneas, tais como críticas sociais e ambientais, buscan-
do evidenciar contaminações entre culturas visuais presentes
neste universo.
O espaço do Salão tornou-se pequeno para comportar tan-
tas obras. As imagens quase justapostas provocavam certa sa-
turação no olhar pelo excesso de cores e de temas variados.
Era necessário inventar um percurso, exercitar a atenção para
explorar possíveis relações. Cada imagem carregava uma nar-
rativa intrínseca à sua figuração e ao seu tema, solicitando lei-
tura individual. Dispostas em conjunto estimulavam diálogos,
conversas entre elas. Desse modo, era um espaço propício para
se desenrolar uma ação mediadora dada a complexidade de
questões envolvidas.
Como parte do projeto curatorial houve um investimento
do SESC em uma proposta de mediação para esta exposição. A
equipe de educadores do Arteducação Produções foi convida-
da a desenvolver uma estratégia específica de mediação, neste
caso, por opção da equipe envolvida, de modo lúdico (um jogo)
acompanhado por material gráfico disponibilizados aos grupos
que agendavam visitas. Esse material, em forma de folder era
distribuído ao final da visita e se propunha a ampliar as discus-
sões para além do espaço expositivo, convidando os visitantes,
em especial o público escolar, a refletir e analisar em seu coti-
diano as questões apontadas pela exposição. Para os profes-
sores e educadores da região foram oferecidos encontros para
apresentação da linha curatorial e problematização do tema
onde se buscou estabelecer relações com os diversos contextos
sociais, culturais e educacionais.
Ao escrever este texto percebo que a minha visita à Bie-
nal Naïfs não teve um fim em si, pois apesar de ter deixado
o espaço expositivo (queria ter ficado mais e voltado outras
vezes), trouxe comigo esta experiência, o catálogo da exposi-

159
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

ção e outras tantas questões. O investimento na produção de


um catálogo é sempre vital para a circulação e conseqüente
expansão das informações. Neste caso, um catálogo com de-
sign de Victor Burton, farto em imagens, e com bons textos dos
curadores potencializa o conteúdo e passa a ser uma referência
na discussão sobre a arte, a cultura visual do povo e o trânsito
[entre culturas].

REJANE COUTUNHO
é doutora em Artes pela ECA/USP, professora do Instituto de Artes da
UNESP e coordenadora do Arteducação Produções, equipe que desenvol-
veu o projeto educativo da Bienal Naifs [entre culturas].

160
ENSAIO VISUAL

Alexandre Órion
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Metabiótica 4
2002
ampliação fotográfica de 127 X 191 cm
intervenção pictórica (tendo a cidade como suporte)
seguida de registro fotográfico
Metabiótica 8
2003
ampliação fotográfica de 127 X 191 cm
intervenção pictórica (tendo a cidade como suporte)
seguida de registro fotográfico
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

2004
ampliação fotográfica de 127 X 191 cm
intervenção pictórica (tendo a cidade como suporte)
seguida de registro fotográfico
2003
ampliação fotográfica de 127 X 191 cm
intervenção pictórica (tendo a cidade como suporte)
seguida de registro fotográfico
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Artista plástico e designer, Alexandre Órion


(www.alexandreorion.com) é natural de São
Paulo, tem 28 anos e desde 1995 trabalha
com graffiti, envolvendo-se com a fotografia
a partir de 2000. Um ano depois concebe
Metabiótica, projeto em que o artista pro-
move um diálogo entre pintura e fotografia,
simulando o encontro (ou o confronto) entre
realidade e ficção dentro do campo fotográfi-
co. Em Metabiótica a veracidade é posta em
dúvida: as pinturas estão de fato nas pare-
des, as pessoas realmente passaram por ali e
agiram espontaneamente? O que se vê suge-
re um tipo de montagem que não existiu. É
tudo verdade, é tudo mentira.

166
ARTIGOS

Edna de Jesus Goya


Eline Maria Moura Pereira Caixeta
This text is based on the study performed about the
engraving creation process of D(irso) J(osé) de Oli-
veira. It doesn’t worry about dealing with his work
as a finalized product, but with his action manners to
produce the artistic object. Among the variety creation
procedures developed by the artist, it is intended to
give emphasis to some imaginative mechanisms which
were planned by him to produce the engraving. By the
time we chose to approach the artist’s action manners
but neither the subject nor the finalized work, it makes
clear that the look was focused, during the research, abstrac t
on the path to create the engraving. It is understood
the action of creation as a communicative action, as
considering the creative action as semiotics, an action
that moves in several directions and includes cultural
aspects, material, accumulated memory, and subjecti-
vity. While producing the work, the artist gathers and
filters the social cultural environment matter. When he
follows his steps, when he guides himself through his
drawings to produce his works, he communicates him-
self in an intrapersonal way.
Keywords: process, engraving, creation.
DJ Oliveira e a gravura em Goiás

Edna de Jesus
GOYA

Este texto tem como base o estudo realizado sobre o


processo de criação de gravura de D(irso) J(osé) de
Oliveira. Preocupa-se em abordar não a sua obra, en-
quanto produto finalizado, mas os seus modos de ação
para produzir o objeto artístico. Dentre diversos proce-
dimentos de criação desenvolvidos pelo artista quer-se
destacar alguns mecanismos imaginativos que foram ar-
quitetados por ele para produzir a gravura. Ao se optar
por abordar os modos de ação do artista e não o sujei-
to ou a obra, finalizada, esclarece-se que o olhar esteve
resumo focado, ao longo da pesquisa, no se percurso para criar
a gravura. Entende-se o gesto de criar como uma ação
comunicativa, ao considerar a ação criadora como se-
miose, um gesto que se movimenta em várias direções
e envolve aspectos culturais, material, memória acumu-
lada e subjetividade. O artista ao produzir a obra colhe
e filtra a matéria do ambiente sociocultural. Ao segui
seus passos, ao orientar-se pelos seus desenhos para
produzir comunica-se de modo de modo intrapessoal.
Palavras-chave: processos, gravura, criação.
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

A base para esse texto é o estudo de documentos de pro-


cesso, base para se investigar o percurso da criação, uma das
formas de se ter acesso à obra (resultado). Objeto de investi-
gação da Crítica Genética de base semiótica, o estudo de do-
cumentos centra-se nas ações de construção, e entende o ges-
to criador como uma ação comunicativa, assunto sobre o qual
falaremos mais à frente. O estudo de documento tem sido
uma das preocupações da arte contemporânea, pois, nesta
tendência, às ações do artista nem sempre resultam em obras
ou objetos concretos, mas em conjecturas. Entende-se que a
investigação da intimidade da criação, na arte e na ciência e,
em qualquer linguagem, poderá contribuir para a compreen-
são da obra.
Para falarmos da obra pelo processo é importante que se
aborde o artista. Esse procedimento tem função de localizá-lo,
não como sujeito psicológico, que produz ações, mas para se
compreender os gestos de um sujeito que é criador e produz,
impregnado do meio em que vive. É um sujeito incrustado no
seu mundo, vive integrado nele, se torna parte dele. Esses fa-
tores contribuem e interferem no modo de construção. Pelo es-
tudo de processo, pela investigação do modo de ação de DJ
Oliveira, pode-se destacar aspectos que faz a sua obra se tornar
singular no contexto da criação e da gravura, e evidenciar a sua
importância para a arte de Goiânia, bem como as suas contri-
buições para o desenvolvimento e sedimentação da arte e da
cultura local ou para a arte mais amplamente. Pode-se desco-
brir como se dá a construção de sua subjetividade artística.
Como procedimento, inicial, para se investigar o processo
de criação do artista começamos por levantar o maior número,
possível, de documentos, respectivos à elaboração de sua obra,
para posterior organização, catalogação e leitura. Em DJ Olivei-
ra os documentos de criação são os desenhos.
Após a classificação dos fizemos a identificação dos temas
explorados por ele, e procuramos descobrir a aplicabilidade dos
mesmos; se para a pintura, mural ou gravura. Identificamos os
métodos e técnicas de produção de gravura, e as recorrências
de ações no processo. Elas foram nomeadas, e deram origem
a uma listagem de categorias de produção, denominados pro-

170 Edna de Jesus Goya


DJ Oliveira e a gravura em Goiás

cedimentos criativos, mecanismos imaginativos, produzidos e


aplicados pelo artista para fazer a obra.
O passo seguinte, no processo leitura da criação, refere-se à
análise, ao estabelecimento de conexões entre as informações
das diferentes categorias de procedimentos. Significa que se
devem ler as ações de modo não linear, e sim, gestos que ocor-
rem em várias direções. Neste procedimento se deve desvelar,
desdobrar, esmiuçar, expandir e conectar as ações do artista
que estão escondidas por traz da obra, sem perder de vista o
contexto em que o objeto está sendo construído. A discussão
deve ser ampliada para além da origem da linguagem produzi-
da pelo artista, ou de seu currículo, para identificar as informa-
ções, decifrá-las e articulá-las à rede que forma o movimento
da criação, pois os gestos criadores estão interligados.
Para não se ler os gestos do artista como fatos isolados do
contexto sociocultural se buscou identificar, nos documentos e
obras, traço (signos) da cultura que denunciassem formas de
diálogos de DJ Oliveira com o ambiente vivencial. A necessida-
de de se falar de seu modo de inserção no lugar deu-se por se
considerar que o fazer humano, seja ele científico ou artístico,
carrega para os produtos marcas do olhar do sujeito. Compre-
ende-se que suas ações são pautadas pela cultura.
Ler a obra pelos modos de ação implica, portanto, em se
ampliar o debate sobre as ações de DJ Oliveira para além de se
listar o seu currículo, ou de falar de sua vinda para Goiás, ou de
inserir o seu nome na lista dos artistas fundadores da gravura
goiana. Requer falar de suas escolhas e procedimentos. Para
reconstruir os passos do artista e desvendar a sua intimidade
para fazer a obra (gravura) buscamos compreender as minúcias
de seus modos de ação. Por ser o artista pintor, muralista e gra-
vador, a investigação foi realizada sobre 536 documentos, pois
muitos desenhos são materializados, em obras, nas três áreas
de atuação de DJ Oliveira.
Mas é claro que não seria viável uma abordagem tão com-
plexa sobre a criação da gravura do artista em tão curto es-
paço e tempo e, por esta razão, se acha importante recortar
apenas algumas questões que envolvem e marcam o processo
de criação do artista, a começar por situar DJ Oliveira, quanto

171
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

a sua origem e formação. No decorrer do texto, faremos a


conceituação de gravura e criação e falaremos da forma de in-
serção do artista no lugar. Destacaremos o papel do desenho
e alguns procedimentos, ou mecanismos imaginativos, plásti-
cos, criados e aplicados pelo artista, para a produção de sua
obra. O propósito da investigação é descobrir que caminho é
este e que aspectos do processo criativo marcam a sua singu-
laridade.

DJ Oliveira: origem e formação


DJ Oliveira nasceu em Bragança Paulista, em 14 de novem-
bro de 1932 e faleceu em 23 de setembro de 2005, em Goiâ-
nia, GO. Começou a interessar-se pelas Artes Visuais aos nove
anos. Seu contato com a arte foi através da reprodução de his-
tórias em quadrinho.
Em 1942, fez suas primeiras experiências, em sua cidade,
em pintura à têmpera e se tornou ajudante de Caetano Corrêa,
cartazista de cinema, pintor e decorador. Com o artista, conhe-
ceu a pintura em mural e se interessou pela linguagem, dada a
possibilidade de explorar grandes espaços.
Em 1943, DJ Oliveira começou a trabalhar com pintura a
óleo, em estilo natural, com Luís Gualberto, pintor paisagista
de sua cidade. Gualberto o indicou para o Liceu de Artes e
Ofícios, para continuar seus estudos, mas DJ Oliveira não con-
seguiu a vaga para o curso artístico, por falta de estudos an-
teriores. Registre-se que Gualberto fora orientado por Colette
Pujol, professor de Pintura do Liceu de Artes e Ofícios, atual
Pinacoteca do Estado.
Em 1946, DJ Oliveira mudou-se para São Paulo, capital, e
começou a trabalhar com Florêncio Caruzo, pintor e artesão
especializado em decoração de paredes, realizando pinturas,
frisos, bocas de cena, painéis e murais.
Em 1954, conheceu Luciano Maurício, cenógrafo do Ballet
do IV Centenário, com quem aprendeu conceitos de cenogra-
fia e o introduziu na arte moderna e nos estúdios da TV Tupi,
onde trabalhou por alguns anos.

172 Edna de Jesus Goya


DJ Oliveira e a gravura em Goiás

Fez sua primeira exposição como pintor paisagista em 1955,


com a participação em uma coletiva no Clube dos Artistas Mo-
dernos, de São Paulo. O grupo, conforme DJ Oliveira (2005),
era de tendência acadêmica.
Na capital paulista, conviveu com vários grupos1 de artistas,
como o da Fundação Álvares Penteado, e o Grupo de Laurin-
do Galante, escultor e professor do Liceu, e da Escola Técnica
Getúlio Vargas, grupo que atuava nos finais de semana. Com
Galante, teve noções de Desenho, em 1948 e 1949. Os artistas
desse grupo, conforme DJ Oliveira (2005), eram mais liberais.
Conhecidos como o Grupo do Braz, dele faziam parte Galan-
te, Saint Bullo, Francisco de Fiori, pintor e desenhista, Ângelo
Desordi e Salvador Rodrigues. Os artistas desses grupos eram,
na maioria de descendência italiana, e orientados por Collette
Pujol.
Eles reuniam-se à noite na sala de estudo, na Rua Quinti-
no Bocaiúva (SP), para desenhar, orientados por Galante. Nesse
grupo, DJ Oliveira conhece Francisco Priori, que o apresentou a
Volpi, e este o apresenta ao Grupo Santa Helena (O GHS, em
1949).
Com o Grupo do Braz, liderado por Priori, e com o Grupo
Santa Helena, DJ Oliveira expandiu as atividades artísticas arte-
sanais para a pintura.
Por necessidade de trabalho, DJ Oliveira resolveu mudar de
São Paulo, em busca de novas oportunidades. Em 1955 deixou
o Grupo Santa Helena e transferiu-se para Goiás, em 1956, dis-
tanciando-se da Associação Paulista de Belas Artes.
No novo Estado, retomou seu trabalho artístico ligado aos
aspectos artesanais – cartaz, decoração de paredes e letreiros.
Posteriormente, estabeleceu laços com a arte dramática, por
meio da cenografia.
Em Goiânia, foi apresentado, por Batista Custódio, ao dire-
tor do Teatro de Emergência, João Bennio, e entre 1958 e 1959
realizou seu primeiro cenário na cidade, para Vestido de noiva,
de Nelson Rodrigues. Quando Bennio inaugurou seu teatro, DJ
Oliveira produziu o cenário da peça A raposa e as uvas, de Gui-
lherme Figueiredo, entre 1959 e 1960. A cenografia era o cam-
po mais aproximado das artes plásticas, meta do artista.

173
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Por meio do cartaz e da cenografia, DJ Oliveira tornou-se


reconhecido na cidade. Luiz Curado, diretor da Escola Goiana
de Belas Artes2 (EGBA), que assiste à peça, À raposa e às uvas,
sente-se impressionado com a experiência do artista em ceno-
grafia, o convidou para fazer parte da escola. Por achar que
não tinha tendência para o ensino, DJ Oliveira recusou o convi-
te, e a ligação com a escola só aconteceu posteriormente.
Ao retomar o trabalho artístico iniciado em São Paulo, tor-
nou-se fundador do primeiro Ateliê Livre e Coletivo3 de Pintura
Moderna do Estado. Nesse ateliê os artistas atuavam de forma
anônima, aos sábados e domingos. Em 1959, DJ Oliveira fun-
dou o seu próprio ateliê, denominado Mona Lisa, na Avenida
Anhangüera, em Goiânia, nos fundos do Teatro de Emergência.
Essa experiência de criar os ateliês coletivos resultou do conví-
vio com os grupos de artistas de São Paulo.
O fato de começar a pintar pelas ruas da cidade e se consi-
derar um artista livre, por não pertencer aos grupos de artistas
da cidade, o conduziu, pela ousadia e irreverência, à incom-
preensão, chegando a ser tratado como aventureiro e inconse-
qüente. A discriminação ocorria também, conforme DJ Oliveira
(1996), por desafiar dogmas artísticos estabelecidos na cidade.
Isto porque, em Goiás, na época, pintar pelas ruas era aconteci-
mento incomum. A capital acabara de ser transferida e, embora
fosse jovem e aberta às inovações e em pleno desenvolvimento,
a sociedade tinha hábitos conservadores, ligados ao campo.
A partir das experiências na cidade, em cenografia e deco-
ração, reiniciou a sua carreira artística, como pintor, mas sem
muitas pretensões. Preocupou-se com a pintura de paisagens,
especialmente da periferia da cidade. A fase inicial do artista,
de característica naturalista, marcou o início da carreira de DJ
Oliveira (no período de 1955 a 1960).
Se antes buscava, por meio da pintura e do desenho, a per-
feição das formas – a representação da natureza, com natura-
lismo, expressas no apuro técnico e na manipulação harmonio-
sa de cores e materiais – depois, a preocupação de DJ Oliveira
era definir sua tendência como pintor moderno.
Sair de um grande centro de produção e mudar-se para
Goiás naquela época era inicialmente uma aventura. A deci-

174 Edna de Jesus Goya


DJ Oliveira e a gravura em Goiás

são de mudar-se para uma cidade menor resultou em desafios


que iriam marcar a vida do artista. A mudança leva o artista a
modificar não só os rumos de sua vida pessoal, mas a assumir
definitivamente a carreira de artista plástico, com opção pela
pintura de cavalete e mural e, depois, pelo ensino de artes, na
EGBA.
Por ser um artista considerado moderno e arrojado, foi no-
vamente convidado, em 1961, por Luiz Curado a integrar o gru-
po de professores da EGBA. Na escola, ensinou desenho, pin-
tura, gravura em madeira e, depois, em metal. Posteriormente,
em 1964, fundou juntamente com outros artistas, o primeiro
Ateliê livre dessa escola, além de continuar atuante como artis-
ta, com inúmeras participações em salões de arte.

O que é gravura
Pela necessidade de se localizar os meios de produção da
linguagem impressa, cujos documentos de criação fundamen-
tam o estudo, remete-nos, necessariamente, a definir o que é
gravura e a listar os método e técnicas de impressão, pratica-
dos por DJ Oliveira que são a xilografia4 (ao fio) e calcografia5,
em ferro, nas técnicas de água-forte, água-tinta, água-tinta de
açúcar e ponta-seca.
O termo gravura deve ser aqui entendido como o processo
de transformação da superfície plana de um material, seja ele
duro, mole ou flexível, num mediador de imagem. É criação
pela matriz – prancha, fôrma, chapa ou carimbo – para repro-
duzir um certo número de vezes, uma imagem desejada, pela
transferência, dessa, por fricção ou prensagem, para um supor-
te (papel), por intermédio da tinta, elemento visualizador da
imagem.
A xilografia é a gravura em relevo, feita, geralmente, em
madeira e em outros materiais como gesso ou borracha. Nesse
método de gravação, a madeira é cortada por meio de goivas,
ferramentas de corte, com diversidade de formatos na ponta.
A calcografia é a gravura realizada em chapas de metal, tam-
bém denominada gravura talho-doce, em oco, côncavo, curva
ou entalhe. Nesse modo de gravação a matriz é gravada por

175
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

meio de ferramentas cortantes ou por meio da corrosão de


ácidos.
A obra impressa, a gravura artística ou estampa, foco de
nossa abordagem, resulta de um meio indireto de produção
de imagem, e envolve ações complexas, em diversos níveis de
etapas, materiais, métodos e técnicas de impressão. A estam-
pa, a obra, decorre de matriz (fôrma) e de desenho. Envolve,
corte (entalhe) e/ou ação e reação de ácidos para a gravação
da mesma, bem como diferentes modos de impressão de có-
pias. Existe peculiaridade no modo de assinatura, geralmente
a lápis, fazendo com que a arte impressa se diferencie das de-
mais linguagens, que resultam da ação direta do artista sobre
o material, a exemplo da escultura, da pintura e do mural. Às
diversas ações criadoras praticadas pelo artista e, como dito, se
denomina procedimentos.
Na gravura, o desenho pode ser realizado previamente ou
não sobre uma base (papel). É transportado para a matriz ou
realizado diretamente sobre a mesma. Esta é escavada (grava-
da) e entintada. A imagem, cortada na matriz, é entintada e
transportada para o papel pela pressão.
A produção de imagem por entalhe e impressão exige diver-
sos procedimentos e ações, técnicas, e complexidade de movi-
mentos por parte do artista, seja o resultado da criação gravura
de arte ou não.

Aspectos do processo de criação, a inserção do artista


na cultura e traços da construção da subjetividade
O modo como cada artista estrutura o espaço de trabalho
– o ateliê, ou escolhe os livros que vão para a estante pode nos
dar pistas sobre sua forma de pensar, mas é, especialmente, o
modo de olhar, selecionar, se apropriar e levar para a obra a
matéria que vem denunciar o seu modo particular de criar.
Pela maneira como se organiza e se relaciona com o espaço
de trabalho – organiza o ateliê ou pelos livros que lê, pode nos
dar pistas de sua maneira de pensar, mas a particularidade se
constitui pelo modo como a percepção age para selecionar a

176 Edna de Jesus Goya


DJ Oliveira e a gravura em Goiás

matéria a ser levada para a obra. É pelo modo como retira e


faz uso dos materiais, do ambiente e da cultura, para construir
a obra que mostra a sua particularidade. É no modo de fazer a
obra que pode ser localizada a caligrafia artística. Assim, são os
modos, procedimentos, e atitudes que o levam à construção da
marca que define o seu estilo.
Ainda que diferentes artistas tenham acesso aos mesmos
materiais, técnicas, ou convivam num mesmo espaço e cultu-
ra, olhem para os mesmos objetos, ainda assim, suas obras
serão sempre diferentes, fazendo com que cada um seja úni-
co. Isto porque cada indivíduo olha o mundo de um modo
diferente. Assim, a obra será resultado da pesquisa, da ex-
periência, da memória acumulada, procedimentos técnicos e
materiais, mas a diferença consiste, especialmente, no modo
de apropriação da matéria para construí-la. Assim, a individu-
alidade da obra caberá à percepção, pois é através dela que
o artista colhe as informações e pelo conhecimento as trans-
forma em obra.
Os documentos de criação podem mostrar os entrelaça-
mentos que acontecem no processo, bem como os diferentes
tempos e simultaneidade em que se dão os movimentos do
fazer artístico. Mas também podem tornar evidente a história
produtiva do artista ao se tentar ler o objeto pelos modos de
elaboração.
O que queremos, na verdade, dizer é que o termo “proces-
so de criação” se refere à narrativa para falar do acontecimento
“criação”, vivenciado pelo artista: das metas e dos percursos
feitos por ele para realizar a obra. Pois, são as metas – a causa-
ção final (os motivos), que dão sentido às suas ações: de dese-
nhar e gravar. O desejo de realizar a obra o impulsiona a novas
ações. Isto – desejo para criar –, envolve atitude física, intelec-
tual e emocional, se transforma em práxis.
Nesta perspectiva, estaremos afirmando que o processo de
criação, enquanto ação que se movimenta com tendência vaga,
em busca da linguagem, deve ser visto como trabalho, fruto de
um aprendizado, decorrente de experiências internas e exter-
nas: do convívio com as pessoas, com o mundo, com a cultura.
Isto significa que a obra resulta de convicções, princípios, expe-

177
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

rimentos: erros, acertos, do conhecimento, da experiência e do


sensível: de emoções.
A proposta de se falar um pouco sobre as relações de cons-
trução que estão por traz da obra do artista, faz-se no sentido
de se entender, pelos documentos de processo, como acontece
o planejamento e elaboração da obra.
Para falar da arquitetura construtiva desenvolvida pelo ar-
tista para produzir a gravura é necessário falar da função do
desenho, materiais e processos de impressão adotados pelo ar-
tista, bem como das implicações da mudança dele, de um luar
para outro, pois toda e qualquer ação/movimento do artista
pode interferir no processo de criação.
A necessidade da investigação processual se faz ao enten-
der que, embora, o artista siga sua tendência rumo à materia-
lização da linguagem da gravura (da obra) o percurso é incer-
to e interligado a outros acontecimentos e situações, diretos e
indiretos. Desse modo, investigar o processo de fabricação da
obra, dá-se para se saber que procedimentos, mecanismos e
possíveis leis internas regem a criação e como são aplicadas à
obra e as implicações do lugar cultural na obra.
A preocupação de se conhecer os diálogos entre sujeito e
cultura dá-se com o intuito de conhecer formas de apropriação
dos signos do ambiente para se saber como faz uso da maté-
ria. Isto, porque acreditamos que o conhecimento dos passos
do artista rumo a construção do objeto contribui para a com-
preensão da obra. Pois, ainda que o artista tenha em mente o
desejo de fazê-la, o percurso, dada a complexidade e entrelaça-
mentos, nem sempre é objetivo. “O trabalho caminha para um
maior discernimento daquilo que se quer elaborar. A tendência
não apresenta já em si a solução concreta para o problema,
mas indica o rumo. O processo é a explicação dessa tendência.
(SALLES, 1998, 29)”.
Em outros estudos de casos, em que se analisam minúcias
processuais, realizados pelo Centro de Estudos de Crítica Ge-
nética (CECG/PUC/SP), a preocupação tem sido no sentido de
conhecer pela análise do material; dos vestígios deixados pelo
artista, para construir a obra, os pensamentos (teóricos e práti-
cos) que sustentam o processo produtivo dele.

178 Edna de Jesus Goya


DJ Oliveira e a gravura em Goiás

O trabalho do crítico genético é investigar pistas deixadas


pelo artista a partir do material (documentos), enquanto que
o crítico de processo acompanha o trabalho do artista no seu
local de produção. O crítico genético tem com referência para
a análise da obra os documentos de processo para ler os mo-
dos de ação dele. Deve-se analisá-los, mas levando em conta
o contexto em que foram produzidos, para descobrir os novos
significados que foram dados pelo artista.
O modo como cada artista olha para o ambiente e para a
cultura seleciona, faz uso da matéria para elaborar a obra, pode
nos mostrar como o seu olhar funciona. Focillon, em O mundo
das formas (p. 73), diz que “as técnicas não são a técnica. Uma
coisa é o conjunto das regras de um ofício. Outra é a maneira
pela qual estas, fazem viver as formas na matéria”.
A maneira como cada material, do ambiente e da cultura,
é apropriado (tomado) pelo artista torna-se uma ferramenta,
mas, ao mesmo tempo, um dado a ser desvendado no processo
do artista. O valor que é lhe é atribuído, assim como o signifi-
cado do objeto dentro do contexto da criação é um dado a ser
observado. Posto, buscamos olhar o objeto artístico sob o viés
da crítica genética que tem como método de estudo os docu-
mentos de criação do artista e não a obra.
Mas, na análise processual não basta conhecer a obra ou
olhar os signos presentes nos documentos com a intenção de
identificá-lo, mas estabelecer relação, entre eles, no projeto de
obra, deles, como conjunto dos documentos, e dos documen-
tos com a obra. Tampouco importa descrever o processo cria-
dor ou falar do artista ou da obra, mas tentar reconstruir os
passos do artista com o intuito de descobrir o pensamento que
está por traz da construção da imagem impressa: da gravura
enquanto obra.
Para se expressar e comunicar, pela arte, o artista faz apro-
priações e transformações da realidade. Pelos modos de cons-
trução plástica podemos compreender como lida com a matéria
para construir. Isto significa que devemos olhar para os docu-
mentos de processo de criação para entender, pelas relações
de fabricação: pelas relações que o artista estabelece entre os
elementos colhidos, no ambiente e na cultura, que formas de

179
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

diálogo estabelece com eles para fazer a obra. A proposta é


discutir os documentos de processo da gravura de DJ Oliveira,
a partir de sua mudança, de São Paulo, e inserção, em Goiás. A
partir do contexto.
O artista se muda de um lugar para outro, ficando em prin-
cípio sem lugar, desprovido de parte de sua história pessoal.
Perde o convívio com artistas de seu lugar de origem. Mas, ao
contrário de se deixar levar pelas imposições do contexto bus-
ca maneira própria de inserir-se nele: pelo plástico. Apropria-se
das narrativas do lugar (das historias ou causos) como pretexto
para a criação e para inserir-se no lugar.
Pelos modos de ação, pelo gesto ou ação: de desenhar e
gravar tornar-se-á possível mostrar como isto acontece no pro-
cesso de criação dele. Pela maneira como lida com os objetos
colhidos e são levados para os documentos podemos verificar
como os diálogos se estabelecem, ou seja, nos torna possível
conectá-los a rede de relações que envolvem a criação e des-
cobrir os diferentes entrelaçamentos, em que se dá a produção
criadora.
O processo de criação acontece em diferentes momentos,
níveis e etapas, e os documentos se materializam como uma
das etapas e como intenção de obra. Todavia, é por meio dos
materiais e das técnicas de gravura que os propósitos se trans-
formam em obra. O objeto, pronto, torna-se, neste sentido, o
vencimento de uma etapa dentro do processo do artista e refe-
rência para a análise da criação. Na verdade, buscamos enten-
der a dimensão do desenho enquanto forma de representação,
gráfica intermediária às construções plásticas, mas sem perder
de vista os materiais, métodos e técnicas de gravura, e o con-
texto em que foram produzidos.
A preocupação é compreender a significação de cada gesto
do artista: de desenhar e gravar no processo. As ações para
produzir a obra, por sua vez, não devem ser lidas isoladamente,
mas vistas como fazer de um sujeito que está conectado à cul-
tura e ao meio. Apropria-se dos elementos do contexto – das
narrativas (das historiar ou dos causos), e as mostra, pela obra,
transformadas, como ponto de sustentação criadora. Os obje-
tos, do ambiente e da cultura, são colhidos e redimensionados,

180 Edna de Jesus Goya


DJ Oliveira e a gravura em Goiás

pela percepção, e levados para os documentos de processo e


para a obra.
Com o intuito de localizar a discussão tomamos como obje-
to os documentos de processo de criação de gravura de Olivei-
ra, artista que deixa São Paulo e se muda para Goiás, em 1956.
Sua carreira artística tem início no começo dos anos sessenta,
década de conflitos políticos, causados pela repressão e pelas
mudanças conceituais na arte brasileira. DJ Oliveira pratica uma
arte “dentro” dos ateliês e na especificidade das linguagens: da
pintura, do painel em cerâmica e afresco e gravura.
Na década de 1060, novas preocupações começam a fa-
zer parte do cenário artístico, com respeito à atualização das
linguagens. Neste cenário a arte começa não só a estabelecer
novos diálogos com outras formas de arte como desencadeiam
novas formas de manifestações, com redimensionamento no
uso dos materiais e técnicas.
A arte desse período vem tirar a obra do “quadro”, do “pe-
destal” ou da “parede” como objeto para ser “emoldurado”,
feito para ser “contemplado” e se volta para um objeto que
pode ser “tocado” e experimentado, feito em espaços outros,
“fora” do ateliê. Tende para o abstracionismo informal e o con-
cretismo, abrindo espaço para uma nova forma de organização
realista do mundo.
O impulso dessa fase da arte, no Brasil, centra-se numa po-
sição crítica frente à realidade social e política em que vivia o
país, marcado pelo regime de Ditadura Militar, pelos conflitos
sociais, que, associados à economia, a instalação do AI-5, em
1969, propiciaram as mobilizações pós 64 e favorecem as trans-
formações do momento.
A arte desse período caracteriza-se, conforme Vernaschi.
(1997, p. 23) por “uma diluição dos limites de aspectos for-
mais, estéticos e técnicos através do uso de novos materiais, in-
dustriais, inclusive. O advento do happening e a arte conceitual
– ênfase na arte enquanto idéia – desmaterializam a arte”.
E é neste cenário, de mudanças na arte, que a gravura, cen-
trada no material e na matriz como base para produzir a ima-
gem e reproduzir a obra passa não só quebrar os hábitos da
tradição – da “cozinha”6 da gravura, sustentada no rigor técni-

181
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

co, mas, experimentar. Os gravadores começam adotar novos


modos de usar os materiais e recursos técnicos para a obtenção
da estampa, como a exemplo, o xerox (processo fotomecâni-
co). Tais alterações conceituais tiveram como finalidade não so-
mente produzir uma obra, mas dar à idéia artística uma nova
morfologia de invenção.
Mas, por outro lado, outros artistas, desta mesma época,
mantêm-se fieis aos princípios “modernos”, manifestando um
outro tipo de preocupação, mas não com a com a abstração
em si, ou com as inovações conceituais que aconteciam no mo-
mento. Preocupavam-se com uma arte, “supostamente legiti-
ma”, ao estarem, contrariamente, centrados nas técnicas, no
ambiente de trabalho (no ateliê) e considerando a figura como
ponto aglutinador de forças e atenção na obra. Neste contexto,
a imagem, além de ser explicação do processo estético, e agre-
ga à figura outros sentidos. Assim, os artistas optam pela pro-
dução de uma arte que, embora, inquietante, se inscreve em
outro tempo, marcada por formas e conceitos sedimentados.
Os artistas que fazem opção em permanecer nesta tendên-
cia de manifestação expressiva, sustentada pelo do ideário mo-
derno, com opção pela especificidade das linguagens (pela es-
cultura, pintura, painel e gravura), seguem um outro percurso.
Estes artistas vêem a arte com um papel social a desempenar,
além do estético, mas como um instrumento de conscientiza-
ção política, de denúncia e meio de socialização da obra e de
questionamento. É uma arte que continua sendo realizada den-
tro dos ateliês.
A opção pela figura por parte destes artistas dá-se no senti-
do da mediação de um discurso engajado politicamente, como
um instrumento de luta, a exemplo, da gravura feita pelos dos
7
Clubes de Gravura do Rio Grande do Sul (1952), e a pintu-
8
ra praticada pelo Grupo Santa Helena . Embora tivessem uma
atuação diferenciada dos outros modernista, da época, e ne-
gassem os ditames da academia e os modismos, revelam, pela
natureza do Grupo, preocupação com o social.
O período modernista, demarcado entre os anos de 1920 e
1930, prolonga-se até meados da década de 1940, em que se
dá o seu ápice. Essa fase considerada de consolidação coincide

182 Edna de Jesus Goya


DJ Oliveira e a gravura em Goiás

também com a afirmação das transformações políticas, econô-


micas e sociais do país. É considerada de modernização social,
em que perde o perfil agrário, e acontece entre as duas guer-
ras. Em decorrência da efervescência do momento se desenvol-
ve a indústria, expandindo-se ao comercial e financeiro, abrin-
do espaços para novos acontecimentos nas décadas seguintes.
Contrariamente a estes interesses – “modernos” –, a arte dos
anos 60/70 vem levantar outras preocupações, diferentes das
que estavam impregnadas no ideal de modernização da arte
Brasileira, do começo do século XX.
Mas para os artistas de tendência moderna a preocupação
central do projeto estético era à vontade de renovação da arte,
associada ao desejo de construção de uma consciência atualiza-
da da cultura nacional. (GONÇALVES, 1997).
Todavia, os artistas do Grupo Santa Helena (1930), embo-
ra contemporâneos aos modernistas agiam de modo diferente.
Tinham suas raízes artísticas fincadas nas profissões artesanais;
eram pintores-decoradores de residência, fotógrafos, cenógra-
fos ou pintores. De formação italiana, eram oriundos da pe-
quena burguesia, em ascensão, ou advindos da classe pobre. A
tendência pelo social dá-se pela origem do Grupo. Para discutir
a arte, se juntavam nos encontros que realizavam após a jorna-
da de trabalho, no Palacete Santa Helena, ao lado da Catedral
da Sé, em São Paulo.
A característica principal que marca o trabalho destes artis-
tas é o aprendizado em grupo e observação mútua, sustentada
pela troca de experiências, informações, e pela pesquisa. Mas,
a meta dos artistas era a liberdade de expressão, ao tentarem
fugir, na época, do aprisionamento das normas da academia.
Pela crença na liberdade como princípio para a expressividade
não mantinham vínculos com os artistas iniciadores do movi-
mento moderno, de São Paulo, em sua primeira fase.
Contudo, é pelas circunstâncias causadas pela Segunda
Guerra Mundial; pelo isolamento das produções artísticas mun-
diais, falta de material e mercado, que leva os artistas a segui-
rem caminhos isolados, movidos pela incansável luta por uma
arte legítima e autônoma. E é nesse contexto de troca de expe-
riência e de pesquisas visuais de base italianas e de discussões

183
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

por uma arte independente e criativa que DJ Oliveira, da família


Capazzoli, se liga ao Grupo e com ele convive durante seis anos
(de 1949 a 1955).
Inicia a carreira artística, em São Paulo, com o Grupo, cen-
trado, assim como os demais, nos aspectos artesanais da arte.
Faz incursões pelo teatro trabalhando como cenógrafo de TV,
pintor decorativo de paredes e dá início às produções plásticas.
Faz sua primeira exposição em 1955, com participação em uma
coletiva de artistas modernos de São Paulo, no Clube dos Artis-
tas. Naquela cidade, visita exposição de Murais de Oroszco, fre-
qüenta a Fundação Álvares Penteado e a Associação de Arte.
Convive com o grupo, e com ele, se inicia na pintura e começa
a gravar em madeira.
Mas é também pelas dificuldades de sobrevivência decor-
rente dos acontecimentos anteriores, que se prolongam e se
adentram, e pela vontade de levar as metas do Grupo em fren-
te; de defender os ideais de liberdade e produzir uma arte in-
dependente, que DJ Oliveira se desloca, em 1956, de São Paulo
e se muda para a Região centro-oeste. Para Brasília (DF), mais
especificamente. Mas, pelas dificuldades da nova capital, ainda
em construção, muda-se para capital de Goiás, em busca de
9
novas possibilidades de trabalho .
O Estado, ainda, em desenvolvimento estava à procura de
novos encaminhamentos para sedimentar-se, se atualizar; e se
situar no campo produtivo brasileiro. A cultura, a economia, a
política, a educação e as artes eram as maiores preocupações
naquele momento, mas para que mudanças acontecessem a
transferência da capital para um local mais adequado à integra-
ção seria inevitável.
Enquanto a modernização artística, no Brasil, acontece
no século XX, com o modernismo, com a preocupação de um
projeto poético voltado para a renovação da arte, agregada à
construção de um pensamento atualizado sobre a cultura, de-
flagrado em 1922, com a Semana de Arte Moderna, em Goiás,
e nas artes plásticas, isto só acontece mais tarde. Os ideais que
dão início à arte moderna começam a se instalar e desenvolver
três décadas depois, com a nova capital, embora o pensamento
modernista já se fizesse presente no meio literário goiano10.

184 Edna de Jesus Goya


DJ Oliveira e a gravura em Goiás

Em Goiás, ao contrário dos demais estados do Brasil que


já se destacavam do ponto de vista dos acontecimentos artis-
ticamente modernos, como Rio de Janeiro e Rio Grande do
Sul e São Paulo, os ideais do modernismo chegam bem mais
tarde, em 1954, associado à transferência da antiga capital
– da Cidade de Goiás, com sua historia vinculada ao ouro,
para Goiânia.
O movimento de transferência da capital deu-se, efervescen-
te, com o propósito de inserir Goiás no panorama econômico e
cultural, mas a partir de uma nova forma de organização social,
centrada no urbano. Por Goiânia estar situada num local geo-
graficamente bem situado, com acesso facilitado ao restante
do país, pelas estradas de ferro, esperava-se um entrosamento
mais adequado de Goiás com os demais estados. Sem dúvida,
não se pode esquecer de um outro acontecimento, importante,
próximo a Goiânia, que é a fundação da capital do Brasil. A
nova capital do país despertava, de certa forma, uma corrida
para o Centro-Oeste.
Na região goiana a origem e o incremento das artes plásti-
cas, e, conseqüentemente, da cultura urbana; artes plásticas,
teatro, música e dança acontecem, simultaneamente, a partir
dos avanços sócio-econômico de Goiás e da capital, associados
à decadência do ouro o que implicou, nos anos trinta (1937),
na transferência da capital da cidade de Goiás para Goiânia.
Com a mudança da cidade para um local mais acessível. Com
isso, os interesses do estado se deslocam em duas direções:
para o urbano, mas sem perder de vista o rural, pois é onde se
concentra a maior parte da economia do estado.
A falta do ouro leva ao despregamento da sociedade, do
campo para a cidade, e, conseqüentemente, novas necessida-
des são criadas, como a exemplo, do ensino superior, respon-
sável pela implementação e desenvolvimentos das artes, na
região. É, neste contexto, efervescente e de necessidade de
novos diálogos com o restante do país: da integração de da
nova capital Goiás ao cenário nacional, e da criação de Brasília,
cidade próxima à Goiânia, que Oliveira se muda para Goiás, em
buscas de novas perspectivas de trabalho.
Mas é também, a partir da inserção do artista, no local, que

185
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

ele se insere em outras narrativas: nas histórias, nos causos11 e


na cultura do lugar, as quais vão servir como suporte e pretex-
to, como motivação e desencadeadores do seu processo cons-
trutivo, plástico.
Em Goiânia, DJ Oliveira retoma o seu trabalho como pintor
e como cenógrafo, no Teatro de Emergência, compondo o Gru-
po de João Bennio. Posteriormente, funda o primeiro ateliê de
pintura da cidade e se insere na carreira acadêmica, ensinando
pintura e gravura.

Procedimentos de criação de gravura


DJ Oliveira se muda de um lugar para outro, e em princí-
pio parece ficar sem lugar, mas ao contrário da simples aco-
modação ou assimilações passivas da cultura tenta encontrar a
sua maneira de pertencer ao novo ambiente pela produção da
obra. Para isto, apropria-se das narrativas da cultura universal
e as materializa, pelo grafismo, através de desenhos amplos e
detalhados. Também se apropria da matéria do ambiente so-
ciocultural no qual está inserido (das historias, dos causos do
lugar) como pretexto para a criação, mas a sua maneira. Para
isto, para produzir a obra, adota procedimentos distintos: Faz,
pelo grafismo, narrativas denominadas de tradução para sele-
cionar delas os aspectos plásticos, para produzir a obra.
Para se expressar e comunicar, pela arte, o artista faz apro-
priação e transformação da realidade. DJ Oliveira apropria das
histórias da cultura universal e do lugar com propósito estético,
e de inserção no ambiente. Pelo modo de construção plástico
podemos compreender como lida com a matéria. Isto significa
que devemos olhar para os documentos de processo de criação
para entender formas de diálogos.
As histórias são o ponto de sustentação, matéria prima
para construir a obra. Para isto, as transforma e as adapta a seu
modo. Ao iniciar a materialização da idéia sobre o papel formu-
la hipóteses plásticas, ou seja, testa, graficamente, diferentes
maneiras de representar uma mesma figura(s) no espaço do
papel, ao procurar o modo mais adequado. Cria, inicialmente,

186 Edna de Jesus Goya


DJ Oliveira e a gravura em Goiás

um personagem (Cristo: Figura 1). Na cena seguinte, vê-se o


número de personagens ser aumentada no desenho. (Figura 2).
Muda a figura de Cristo de posição no espaço do papel (Figuras
1, 2, 3 e 4) e acrescentas outras figuras. Faz, pelo grafismo,
narrativas de tradução, amplas, (figura 5) e delas retira apenas
o necessário à sua maneira de representação, plástica (Figura
B). A figura B, resultante do corte, denomina-se narrativa de
mediação. Dela origina-se a obra.
Contudo, os procedimentos, de apropriação e filtragem, se
diferenciam no processo de criação, não pela função comuni-
cativa que a obra terá, ou pelos métodos e técnicas a serem
utilizados, tampouco pela natureza da linguagem – se pintura,
mural ou gravura –, o artista leva em conta a origem das his-
tórias; se pertencem à cultura universal, a exemplo de obras
produzidas a partir da Divina Comédia, ou se do lugar (se de-
corrente de assuntos da cultura local).
O uso de procedimentos de seleção e/ou filtragem está as-
sociado ao modo de criação dele; se o desenho decorre de in-

Figura 1
Título: VIII Estação (Croqui I)
Data: 1980
Técnica: Desenho sobre papel canson
Água-tinta, água-forte e água-tinta de
Figura 2
açúcar sobre chapa de ferro
Título: VIII Estação (esboço I)
Dimensões: 30cm x 40cm
Data: 1980
Proprietário: Família Oliveira
Técnica: Desenho sobre papel canson
Assinatura: (Não conta)
Água-tinta, água-forte e água-tinta de
açúcar sobre chapa de ferro
Dimensões: 30cm x 40cm
Proprietário: Família Oliveira

187
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

terpretação de outras obras, a exemplo de Via Sacra (Figura 6)


e Don Quixote da La Mancha, ou se a obra decorre de criação
livre; sem modelo ou referência – (Figuras 9 e 10). Ao recorrer
às narrativas da cultura; universal ou do lugar para criar a obra,
DJ Oliveira utiliza diferentes procedimentos para filtrar a maté-
ria. Cria as narrativas de tradução e faz adaptações, ou seja,
seleciona das narrativas de tradução, primeira versão dos fatos,
apenas o que convém ser destacado em sua obra, em função
da expressividade e do recado que quer passar.
Para realizar a operação; para fazer o aproveitamento das
narrativas da cultural universal (Don Quixote, Divina Comédia e
Via Sacra) DJ Oliveira procede de uma maneira e para filtrar in-
formações nas narrativas decorrentes da cultura do lugar, recor-
re a um outro tipo de procedimentos para filtragem da matéria.
A operação é realizada apenas por inclusão e/ou exclusão, ou
seja, ao invés de filtrar pela aplicação de cortes, simplesmente

Figuras 3 e 4
Título: VIII Estação (croqui II e croqui III)
Data: 1980
Técnica: Desenho sobre papel canson
Água-tinta, água-forte e água-tinta de açúcar sobre chapa de ferro

188 Edna de Jesus Goya


DJ Oliveira e a gravura em Goiás

Figura 5
Título: VIII Estação (esboço II)
Data: 1980
Técnica: Desenho sobre papel
canson
Água-tinta, água-forte e
água-tinta de açúcar sobre
chapa de ferro
Dimensões: 30cm x 40cm
Proprietário: Família Oliveira
Assinatura: (Não conta)

retira da narrativa de tradução, primeira versão gráfica, dados


não convenientes ao seu modo de representação. A esse proce-
dimento denomina-se adaptação simultânea.
Para criar a partir de narrativas da cultura do lugar DJ Oli-
veira faz pelo grafismo narrativas de tradução e, sobre elas, são
aplicados janelas de corte, ou o close, recurso que traz de sua
experiência com a fotografia, vivida no cinema e no teatro. Pelo
recurso, retira das narrativas de tradução pontos de tensão, de-
nominados, por nós de síntese plástica. Esses pontos são trans-
formados em obras.
Ao reconfigurar os cenários (produzir os esboços) e trans-
formá-los em obras – ao ilustrar as narrativas da cultura univer-
sal (Figura 6) DJ Oliveira dá ao conteúdo outras configurações;
recria personagens e espaço representacional (Figuras 1, 2, 3,
4, 5 e 7). Dá aos cenários novas interpretações gráficas (Figura
7). Reconfigura, compositivamente as narrativas, adaptando-os
à sua maneira, necessidade plástica e comunicativa.
O recurso de close (janela de corte) ou procedimento de
filtragem da matéria, por sua vez, e nas narrativas de tradução,
primeira forma de materialização gráfica de uma idéia, é utili-
zado com objetivos distintos; a) para excluir; b) fazer aproxima-
ções e ou b) para ressaltar na narrativa de mediação detalhes e
valorizar na obra.

189
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Recorta para selecionar nas narrativas – de tradução ou


mediação – apenas o necessário para passar o seu recado e
concepções estéticas. A síntese – imagem resultante do corte
– tanto pode ser transformada em pintura, painel, quanto em
gravura. A intenção de aplicar os recursos de filtragem ou de
testagem de hipóteses plásticas tem a função de experimentar
ou retirar da narrativa de tradução, transformada em composi-
ção o que denominamos de síntese plástica, ou ponto de ten-
são, como mostra a figura 5, ou encontrar a forma “perfeita”
para a representação da cena.

Figura 6
(Obra referência). VIII Estação: Jesus fala às mulheres que
choram Ilustração de um Manual de orações e exercícios
piedosos, um dos manuais mais usados durante as primeiras
quatro décadas do século XX. Foi publicado pelos devotos de
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em 1944. É enriquecido
de orações quotidianas, exercícios e orações a Jesus, a São José
e a diversos santos.

Figura 7
Título: VIII Estação: Jesus
fala às mulheres que
choram (esboço II)
Autor: DJ Oliveira
Data: 1980
Técnica: Água-tinta, água-
forte e água-tinta de açúcar
sobre chapa de ferro
Dimensões: 30cm x 40cm
Proprietário: Família Oliveira
Assinatura: (Não conta)

190 Edna de Jesus Goya


DJ Oliveira e a gravura em Goiás

Ao materializar as idéias em narrativas de tradução, trans-


formá-las em narrativas de mediação e em linguagens: – pintu-
ra, mural ou gravura, dá nomes às obras para indicar o assun-
to tratado, a exemplo de Via Sacra, um dos temas explorados
pelo artista, na técnica da xilografia e calcografia. As séries de
obras, por sua vez, são subdivididas em títulos, a exemplo da
XV Estação. As obras dão origem a uma série de gravuras ou
álbum (conjunto de obra). As obras recebem número, fracio-
nário, para controle, ético, do artista, sendo o numerador o
indicador da ordem de tiragem e o denominador o número de
cópias.
A função do texto escrito nas obras – dos títulos – é para
identificar as obras dentro de uma temática ou para dar infor-
mações. Os títulos podem remeter o espectador aos tempos
históricos e de produção, aos espaços, aos lugares, aos perso-
nagens, às situações e acontecimentos. O desenho evidencia-
se, no processo construtivo do artista, como ação intermediá-
ria. A sua função é dar sustentação física ao pensamento visu-
al. Para dar fisicalidade à idéia. Pelo desenho DJ Oliveira torna
suas idéias evidentes. Pelo desenho faz a mediação entre as
narrativas colhidas na cultura e as plásticas, nas linguagens da
gravura, da pintura e do mural. Os desenhos evidenciam-se no
processo de criação de DJ Oliveira de duas formas: em esboços
e croquis.
Em DJ Oliveira o desenho não é linguagem final e tem fun-
ção intermediária ao se posicionar entre idéia, matéria e obra.
É base para a construção da obra.
Todavia, a obra impressa e, em mural, resulta dos esboços.
Para essas duas formas de linguagens o desenho age como pré-
obras, ao serem tecnicamente mais elaborados (detalhados).
Os desenhos dão indicações da obra futura. Não são croquis,
como os destinados à pintura e a xilografia. Nesses processos,
as representações gráficas são fugazes, indefinidos. A função
do croqui indica assegurar pensamentos fugidios, passageiros,
enquanto os esboços agem como indicadores de obra. Mas am-
bos – esboços e croquis – são referencia para os passos a se-
rem seguidos pelo artista na execução da obra. Tem função de
orientá-lo: de comunicação intapessoal, mas, ao serem vistos

191
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

pelo espectador tem função de tirar o processo de construção


de sua condição de autoconfidencial.
O papel dos documentos de processo e, no projeto do ar-
tista, além de linguagem intermediária, é servir de banco de
dados, não no sentido de memórias que ficam armazenadas,
depositadas no passado, mas vivas, que podem pinçadas em
seus arquivos e retomadas pelo artista a qualquer momento,
sendo atualizadas, ressemantizadas nas três linguagens.
A função dos materiais assim como do desenho é dar sus-
tentação ao processo do artista para a produção da obra e são
vistos apenas pela obra. Pelos modos de ação: de desenhar e
gravar procura-se verificar como a construção da obra aconte-
ce. Por ser pintor, muralista e gravador e fazer desenhos para
as três linguagens favorece ao transito dos signos pelas lingua-
gens, pelas obras e pelo projeto poético. Um mesmo persona-
gem pode ser visto em gravura, mural e pintura.
Pelo modo como lida com os objetos colhidos na cultura,
e pela maneira como esses são levados para os documentos
– para os desenhos – podemos verificar formas de diálogo que
estabelece com eles. Torna-se possível conectar informações à
rede em que se dá a criação. Podem-se compreender entrelaça-
mentos que envolvem a criação, e descobrir os diferentes níveis
de pensamentos em que se dá a produção criadora.
Para fazer a obra o artista arquiteta uma cadeia de pro-
cedimentos; escreve pelo desenho e sobre diferentes tipos e
formatos de papeis diferentes figuras humanas. Apresenta dife-
rentes formas de concepções de espaço plástico, denominados
de cenários visuais. Neles inscreve figuras e produz ambientes
para a atuação deles. A criação de cenários dá-se em busca da
expressividade e da comunicação da futura obra com o públi-
co. As personagens agem nas narrativas visuais do artista não
como figuras ilustrativas apenas, mas como interlocutores da
mensagem do artista. Tem a função de levar o seu recado ao
espectador. Mas embora pareçam independentes estão presas
as Histórias criadas pelo artista
DJ Oliveira vivencia diferentes fases de exploração da figu-
ra. As diferentes hipóteses plásticas revelam-se como exercícios
em busca da melhor maneira de se expressar. Denunciam fases

192 Edna de Jesus Goya


DJ Oliveira e a gravura em Goiás

Figura 8
Título: (Esboço) O Tormento do Juiz Figura 9
Data: 1977 Título: Data: 1976
Técnica: Desenho sobre papel cançon Técnica: Água-tinta, água-forte e água-tinta
Dimensões: 1,22cm x 0,93cm de açúcar sobre chapa de ferro
Proprietário: Família Oliveira Dimensões: 35cm x 45cm
Assinatura. (Não conta) Proprietário: Família Oliveira
Assinatura: pelo artista DJ Oliveira

Figura 10
Título: O Tormento do Juiz
Data: 1977
Técnica: Têmpera sobre madeira
Dimensões: 1,22cm x 0,93cm
Proprietário: Edna Goya
Assinatura. c.i.d. (pelo artista
D.J. Oliveira)

193
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

de aprender, observar; armazenar experiências, e de codificar a


matéria em desenhos e de uso de materiais. Revela diferentes
de modos de construção do espaço ao aplicar a perspectiva e
bidimensional. Neste modo de composição a figura é situada
no espaço do papel a partir de uma linha, denominada de refe-
rência. Em torno da figura principal se desenvolvem as demais
personagens.
Na tentativa de encontrar a forma “perfeita” para sua ex-
pressividade experimenta diferentes estilos. Experimenta dife-
rentes tendências de representação gráfica da figura humana,
ou seja, testa figura pelo naturalismo; impressionismo; cubis-
mo; surrealismo e expressionismo reduzido (com deformação
de pés e mãos) e expandido (com deformação expandida para
todo o corpo).
Para expressar-se, no entanto, o artista move-se conduzido
por razões internas e externas, mas o seu intuito indica ser a co-
municação, que acontece de duas maneiras diferentes: intapes-
soal: dele consigo mesmo e pela obra. Inicialmente a comunica-
ção acontece de modo subjetivo, ao orientar-se pelos esboços e
croquis no seu processo produtivo. Através dos documentos de
criação estabelece diferentes diálogos; consigo, com a cultura,
e com conhecimentos acumulados, historicamente, e ao tirar os
documentos de sua condição autoconfidencial. Mas também se
comunica de forma interpessoal, externamente, pela obra, ao
colocá-la em contato com o público.
Podemos dizer que os documentos de processo de criação
se evidenciam como necessidade para dar forma ao pensamen-
to visual. São materializadas graficamente pelo desenho, em
forma de esboços e croquis, e transformados em obra. Concre-
tizam-se materialmente, como intenção de obra, necessitando,
portanto de causação física final – de métodos e técnicas e
materiais.
A criação se manifesta, no processo, como algo que se de-
sencadeia, em diferentes níveis de pensamento e etapas, ou
seja, acontece processualmente, se consolidando em diferentes
formas de experimentação e, a partir de necessidades do artis-
ta de se expressar e comunicar.
O processo de materialização da obra dá-se a partir de

194 Edna de Jesus Goya


DJ Oliveira e a gravura em Goiás

apropriações, Histórias do lugar, tomadas pelo artista como


motivação para a produção. As narrativas servem como desen-
cadeadoras da criação. O artista produz a sua arte a partir das
Historiais do lugar (dos causos). Constituem-se como ponto de
sustentação para a criação plástica. Apropria-se das Historiais,
mas as adapta plasticamente à sua maneira e necessidade. Pro-
duz narrativas de tradução ao codificar a matéria em desenhos,
pelo grafismo, para dar formato as idéias.
DJ Oliveira testa diferentes formas de representação da fi-
gura para registrar o que capta no ambiente cultural. Faz nar-
rativas visuais denominadas de tradução para mediar a matéria
(Histórias ou causos). As transforma em visualidade pelo dese-
nho para evidenciar o que foi observado e selecionado. Com
elas, produz o plástico, ao apresentá-las, criativa e artisticamen-
te, via força da expressão criadora, por meio da linguagem de
murais, pinturas ou gravuras, de acordo com suas concepções;
estética e ética; meta a ser atingida.
O olhar do artista capta a matéria (as Histórias) na cultura,
universal e do lugar. Nelas, faz cortes para retirar apenas o es-
sencial; para captar o ponto de tensão, necessário às constru-
ções plásticas. Busca recuperar, pelo uso do “real”, transforma-
do em plástico (fictício), o particular e poético. Recorre a ima-
gens da vida cotidiana e de textos literários. Explora figuras de
mulher, homens de poder, trabalhadores, figuras da sociedade,
do cotidiano e da fé cristã. Recorre aos costumes, regionais, as-
sim como a outros objetos da cultura. Não que o seu propósito
seja retratar ou ilustrar a realidade goiana, mas como pretexto
para sua criação. Através de sua arte estabelece com o meio
novos diálogos.
Ao se apropriar de matéria da cultura do lugar DJ Oliveira
não se restringe apenas a signos da realidade, social, local. São
signos que refletem, nas imagens, diferentes realidades; nacio-
nal e universal. Ao trazer Don Quixote para os trilhos da ferrovia
goiana reionaliza o universal, mas, ao mesmo tempo, universali-
za o regional. Apropriam-se do personagem para recontar, pelo
visual, outras narrativas. A obra decorre da comunicação que o
artista estabelece com o meio cultural e, a imagem, da dinâmi-
ca da ação do signo. Decorre da semiose, movimento do signo

195
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

durante a criação. Entende-se que a comunicação, associada


à criação, se dá de modo intrapessoal e se revela pelas trocas
que o artista realiza com o seu contexto sociocultural: históri-
co, artístico, técnico, material e memória acumulada. (SALLES,
1998).
Durante a realização da obra estabelecem-se diferentes for-
mas de diálogos, internos: do artista consigo próprio; com a
obra que está em processo de construção; com o meio socio-
cultural. Tais diálogos se dão pela apropriação que o artista faz,
como agente que recolhe e filtra pelo seu olhar a matéria no
seu espaço vivencial para a elaboração de sua obra. Compre-
ende-se o ato criador como resultado de uma mente em ação,
que faz vários tipos de reflexões (SALLES, 2002). A obra resul-
ta de entrelaçamentos das ações e das relações estabelecidas
ente produtor e mundo. Resulta do conhecimento, experiência,
materiais, métodos, técnicas, da coleta que o artista faz no am-
biente sociocultural e dos procedimentos que elabora para re-
solver os problemas da criação. É claro que a sensibilidade não
pode ser desconsiderada nesse processo.
Para coletar a matéria o artista se coloca frente ao ambiente
como uma espécie de torre de observação, sensível, que olha,
seleciona pela percepção, recorta e leva para a obra apenas a
matéria que lhes convém, transformada à sua maneira, produ-
tiva e sensível.
O que difere as obras de DJ Oliveira decorrentes das narra-
tivas tomadas da cultura universal (Don Quixote) das narrativas
originárias da cultura do lugar se refere ao modo como faz uso
da matéria. A diferença é denunciada pelo modo de materia-
lização plástica das histórias. Diz respeito ao modo, singular,
de fazer uso da matéria tomada pelo artista e, ao momento
histórico, em que os fatos acontecem e o sensibilizam. Refere-
se ainda, ao modo como as Historias visuais são narradas pelo
artista, crivadas pelas impregnações de seu olhar. A criação de-
corrente da literatura, universal, denomina-se criação por refe-
rência ou modelo (Figura 6).
No modo de leitura em que se tem como objeto as ações
do artista leva-se em consideração o momento em que a “rea-
lidade” foi percebida, captada, filtrada e representada poetica-

196 Edna de Jesus Goya


DJ Oliveira e a gravura em Goiás

mente, isto é, não se pode perder de vista o contexto externo,


as técnicas, as linguagens e forma de abordagem da figura e
do drama humano vivido pelo artista. A preocupação do artista
tende a transformar realidades em ficção, mas impregnada de
seus sentimentos.
DJ Oliveira nos revela temas do cotidiano do lugar, diversi-
ficados, a exemplo A Estrada de ferro, Família, Conspiradores,
A Fiandeira e assuntos líricos, a exemplo de Arlequins. Através
deles discute condição social, valores, costumes, diversão e
política. Os temas retratados em suas obras indicam não so-
mente situações do homem ou da cultura goiano, de meados
do século XX, ou de moradores da cidade de Goiás, sociedade
descendente da aristocracia conservadora, mas sujeitos que
podem ser encontrados ou reconhecidos em qualquer outro
lugar.
Pelos documentos e obras o artista se constata o seu modo
peculiar de olhar a realidade. Ao mesmo tempo em que ele-
ge um tema para criação se utiliza dele pra tecer criticas, ou
ironizar ainda que plasticamente, pois é esta a sua forma de
questionar, de ler e de dar a sua contribuição ao mundo. A fi-
gura do Juiz é denunciada, na gravura e na pintura, de forma
irônica. O juiz parece derrotado, com mãos grandes e ombros
caídos, deprimido. (Figuras 9 e 10). Pela forma da mão da
figuração, exagerada, e corpo depressivo, dá pistas de suas
inquietações e críticas, mas, ao mesmo tempo, a deformação
exagerada denuncia servir de atrativo para chamar a atenção
do espectador. Parece denunciar o poder, pois a obra é reali-
zada, em 1967, período de repressão militar. DJ Oliveira sofre
inúmeras perseguições nessa época. Porém, muitas criações
plásticas, nos esboços e obras, não se encontram, necessaria-
mente, inseridas num contexto social ou político, mas apenas
no plano plástico.

197
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Notas

1. Em São Paulo, o surgimento de grupos de artistas decorre da necessidade de custear


o local de reunião e materiais artísticos, mas, especialmente, os modelos que posavam
para os artistas. Os Núcleos funcionavam como uma espécie de escritório onde os artis-
tas eram procurados para prestar serviços de decoração. Representavam os decoradores
atuais. Na verdade, os artistas desses grupos originavam-se dos bairros da periferia pau-
lista e, por esta razão, eram considerados sem status social para pertencer aos demais
grupos de arte que, juntos, haviam liderado a Semana de Arte Moderna (DJ OLIVEIRA,
2005). Os artesãos juntam-se no edifício Santa Helena para desenhar e discutir arte,
onde se localizava a sede da Federação Brasileira de Sindicatos dos Trabalhadores. O
local era uma espécie de escritório de prestação de serviços. O grupo agia de forma
independente. A razão do afastamento dos artistas do GHS de toda espécie de polêmica,
estética, ou de “modernos” e “acadêmicos”, da concentração em torno das questões do
métier, do ofício, da tendência para o artesanal, decorria da origem dos artistas: de se-
rem artesãos, de serem estrangeiros, devido às perseguições fascistas, que imprimiam o
terror nazista no país. Além das atividades artesanais, desenhavam, pintavam, trocavam
idéias sobre os progressos que faziam nas “belas pinturas”. Eram todos oficiais em vista
de passar a mestres de obras. (Conferir PEDROSA, Mário. Mundo homem, arte e crise.
São Paulo: Perspectiva, 1975).
2. EGBA – primeira escola de artes de Goiás criada pela Universidade de Goiás, atual
Universidade Católica de Goiás, em 1952. Começou a funcionar no segundo semestre de
1953, com a primeira turma de preparação para o vestibular de 1954.
3. Desse grupo de artistas participaram os pintores Juca de Lima, Agostino de Souza, Si-
ron Franco, Roosevelt, Washington Honorato e Amaury Menezes. Depois, Isa Costa, Ana
Maria Pacheco, Vanda Pinheiro e outros.
4. Método composto pelas técnicas de gravação ao fio e de topo.
5. Processo composto pelas técnicas: a) seca ou a traço, a buril, a ponta-seca e manei-
ra-negra e b) em água-forte ou em meio tom – água-tinta, maneira-negra, pontilhado,
água-tinta de açúcar, verniz mole, maneira-negra de pastel e a punção.
6. Termo utilizado pelos artistas considerados “tradicionais”, especialmente na década de
1960, para indicar o domínio técnico como requinte da gravura. Os artistas defendiam
a idéia de que o gravador deveria ser responsável por todo o processo de elaboração da
obra, inclusive pela impressão.
7. Fundado em Porto Alegre, no começo da década de 1950, com o nome “Clube dos
amigos da gravura” o primeiro clube era composto de cinco gravadores: Carlos Scliar
e Vasco Prado seus fundadores, Danúbio Gonçalves, Glênio Bianchetti e Glauco Rodri-
gues.
8. Desse grupo participavam artistas atuantes e engajados politicamente como: Alfredo
Rizzoti, Alfredo Volpi, Fúlvio Pennacchi, Clóvis Graciano, Manoel Martins, Alfredo Rullo
Rizzotti, Humberto Rosa e posteriormente Rebolo, Mário Zanini, artistas que assimilaram
lições de Van Gog, dos impressionistas a exemplo de Matisse, do expressionismo, do re-
alismo. Muitos destes artistas estiveram em Goiânia, em 1954, na abertura do I Congres-
so Brasileiro de Intelectuais, na inauguração da Escola Goiana de Belas Artes (EGBA).
9. É certo que a possibilidade de recomeçar a carreira artística em um ambiente novo
motivam o artista a sair de São Paulo, mas DJ Oliveira confessa, nos bastidores (Entre-
vista, DJ Oliveira, 2005), que um outro motivo o havia trazido para Goiás; uma grande
paixão pela mulher com quem se casa, tem três filhos e vive até a sua morte.
10. Em 1942, surge o primeiro movimento cultural de Goiânia com o Grupo Oeste (1942-
1945), formado por intelectuais de diferentes tendências, atuantes no campo literário.
Criaram-se, nesta época, institutos e entidades de fins culturais, faculdades, unidades

198 Edna de Jesus Goya


DJ Oliveira e a gravura em Goiás

atualmente inseridas nos complexos universitários de Goiânia – Universidade Católica de


Goiás (UCG) e Universidade Federal de Goiás (UFG).
11. Termo adotado pelo humor caipira, manifestação fortemente presente nos progra-
mas culturais da cidade e que como figurantes os Contadores de Causos.

Referências Bibliográficas
FOCILLON, H. Vida das formas. Rio de Janeiro: Zahar Editores (p. 73).
GONÇALVES, Lisbeth Rebollo. Prefácio. In: ALVARADO, Daisy V. M. Pecci-
nini de (Coord.). Arte Brasileira: 50 anos de História no Acervo do MAC
USP. Fundo Nacional da Cultura, Ministério da Cultura, Governo do Estado
de São Paulo, Secretaria da Cultura, departamento de Museus e Arquivos,
1997. p. 9-15.
GOYA, Edna de Jesus/ A Arte da Gravura em Goiás/Edna de Jesus Goya.
Dissertação (Mestrado em Ciência da Comunicação), 1998, 187 p.
SALLES, Cecília. Gesto inacabado: processo de criação artístico. São Pau-
lo: FAPESP /Anna Blumme, 1998.
_________. Crítica genética e semiótica: uma interface possível. In: ZU-
LAR, Paulo. (Org.). Criação em processo. São Paulo: NAPG/USP, 2002. p.
177-201
OLIVEIRA, D. J. Gravura em ferro. Goiânia, 2005. Uma fita cassete (20
min.) color PAL-M, VHS. (Gravura. Entrevista concedida a Professora Edna
de Jesus Goya).
VERNASCHI, Elvira. Novas pesquisas, novos conceitos. Arte Brasileira: 50
anos de História no Acervo do MAC USP. Fundo Nacional da Cultura. Mi-
nistério da Cultura. Governo do Estado de São Paulo: Secretaria da Cultu-
ra, Departamento de Museus e Arquivos, 1997.

EDNA GOYA
é professora Adjunta da Faculdade de Artes Visuais/UFG – GO, Doutora
em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo/SP; Mestre em Arte Publicitária e Produção Simbólica pela ECA/USP-
SP (1998); Curso de Especialização em Educação (UCG, 1986) e em Arte-
Educação (UFG, 1989); Bacharel em Artes Visuais-Gravura (UFG, 1992) e
Licenciatura em Desenho e Plástica (UFG, 1983), Coordenadora do Curso
de Artes Visuais – Licenciatura, da Faculdade de Artes Visuais da Universi-
dade Federal de Goiás, Membro do Centro de Estudos em Crítica Genética
da PUC/SP; Membro do Comitê Interno do Programa de educação tutorial
(PET/UFG).

199
This paper aims to emphasize the figurative connec-
tions between Carmen Portinho’s (1938) and Lúcio
Costa’s (1956) proposals for the new capital of the
country which would be constructed at the Brazilian
Central Plateau. Both proposals are based upon Le
Corbusier’s urban concepts of the functionalistic city
abstrac t
and the models of the contemporary cities created by
him. These proposals were created on different mo-
ments and contexts, and they present fundamental di-
fferences that are analyzed here.
Keywords: modern urbanism, design, brazilian archi-
tecture
Brasília: a cidade dos desejos
Reflexões acerca das cidades projetadas por
Carmen Portinho e Lúcio Costa

Eline M. M. Pereira
CAIXETA

Este ensaio busca enfatizar as relações figurativas entre


as propostas de Carmen Portinho, em 1938, e de Lúcio
Costa, em 1956, para a nova capital do país a ser cons-
truída no Planalto Central. Ambas as propostas têm por
base os conceitos urbanísticos da Cidade Funcionalista,
resumo defendidos por Le Corbusier, e os modelos de cidade
contemporânea por ele criados. Elaboradas em momen-
tos e contextos diferentes, tais propostas apresentam
diferenças fundamentais que são aqui analisadas.
Palavras-chave: urbanismo moderno, projeto, arquite-
tura brasileira
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Em 1938, a engenheira
Carmen Velasques Portinho
apresenta “O anteprojeto
para a futura Capital do
Brasil no Planalto Central”
como tese para a conclusão
do curso de pós-graduação
em urbanismo organizado
pela antiga Universidade do
Carmen Portinho Distrito Federal e que lhe
concedeu o título de Urba-
nista. Publicado, em 1939, na Revista da Prefeitura do Distrito
Federal (PDF), periódico dedicado a arquitetura, engenharia
e urbanismo de maior reconhecimento e destaque naquele
momento, seu trabalho obteve uma importante divulgação no
meio técnico brasileiro. Este importante documento foi base
para a introdução do discurso moderno da cidade funcionalis-
ta no Brasil e precede, em quase vinte anos, o concurso rea-
lizado para Brasília, em 1956, no qual foi vencedor o projeto
de Lúcio Costa.
Se o plano de Lúcio Costa para Brasília tem méritos ine-
gáveis, devemos reconhecer em Carmen Portinho, a primeira
pessoa que definitivamente se propôs a enfrentar o problema
da construção da nova Capital do país1. Resgatar a importância
de Carmen, como precursora da idéia de construir uma cidade
inteiramente moderna no Brasil, é a dívida que temos para com
esta mulher, vanguardista em todos os aspectos.
A distância de quase vinte anos que separa as duas propos-
tas, a de Carmen realizada em pleno Estado Novo e a de Lúcio,
no recém iniciado governo desenvolvimentista de Juscelino Ku-
bitschek — portanto, em contextos políticos e socio-econômi-
cos bastante distintos —, seguramente é o principal fator que
marca as diferenças entre elas. Pese esta distância, ambas as
propostas procuram refletir sobre a cidade contemporânea a
partir dos princípios definidos por Le Corbusier para a cidade
funcional.
A cidade funcionalista proposta por Le Corbusier, busca unir
a tradição da cidade-jardim — impregnada por uma concepção

202 Eline Maria Moura Pereira Caixeta


Brasília: a cidade dos desejos
Reflexões acerca das cidades projetadas por Carmen Por tinho e Lúcio Costa

naturalista —, à cidade concen-


trada do século XIX — densa em
seu território. Propõe um novo
modelo de cidade compacta, ex-
tremamente depurado em rela-
ção à estrutura viária, as condi-
ções de insolação e a hierarquia
dos espaços públicos e privados,
a partir da criação de novos tipos Artigo de Carmen Portinho
arquitetônicos e novas categorias publicado na Revista de Engenharia,
em 1930
de espaços urbanos que definem
2
a forma da cidade.
Tanto no projeto de Carmen, como no de Lúcio Costa, são
notórias as aproximações com a Ville Radieuse de Le Corbusier,
de 1930. No caso da proposta de Carmen, já no sub-titulo do
artigo publicado na revista PDF, a autora deixa claro suas refe-
rências: “cidade tipo ‘Ville Radieuse’ – aplicação dos princípios
de Le Corbusier”. (PORTINHO, mai. 1939, p. 284)
Mesmo partindo dos mesmos princípios, as cidade projeta-
das apresentam-se como formalização de “cidades do desejo”.
Segundo a paródia de Italo Calvino, em A Cidade dos Dese-
jos (1972, p. 22), “cada cidade recebe a forma do deserto a
que se opõe”, quem olha vê o que quer, aquilo que deseja.
Enquanto a Brasília de Lúcio assume a forma de um avião, a
Planaltina de Carmen Portinho pode ser associada a um grande
transatlântico, o bateaux; o que mais se aproximava na épo-
ca da idéia maquinista taylorizada. Coincidentemente, as duas
cidades tinham nomes de mulheres, como aquelas propostas
por Calvino. Apresentando-se segundo o olhar de cada autor,
elas fazem ver determinadas cidades contemporâneas, pois re-
tratam aquilo que se imagina, entendendo imaginação como
tudo aquilo que deriva do sonho, da fantasia. Este ensaio busca
enfatizar as ligações figurativas entre as duas propostas, a par-
tir da apresentação do projeto de Carmen e sua confrontação
com a cidade de Lúcio, que hoje, na sua puberdade, segura-
mente apresenta-se como várias outras cidades, segundo quem
vem da terra ou do ar.

203
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

A cidade e o parque: símbolos do espaço educativo

Projetar, num terreno quase plano, banhado por rios e riachos,


rico de vegetação, circundado por colinas, possuindo um clima
ameno e saudável e situado no centro de um grande país novo e
próspero, uma cidade de… 2.000.000 de habitantes, destinada a
ser a futura capital desse país. (PORTINHO, mai. 1939, p. 286)

Em 1938, Carmen idealiza sua cidade para 2.000.000 de


habitantes, portanto quatro vezes maior do que aquela prevista
no edital do concurso de 1956 para Brasília, apresentando uma
visão muito mais arrojada e pertinente a uma metrópole mo-
derna que se pretendia capital do país. Além de contribuir efe-
tivamente para a definição da localização da futura capital, seu
plano foi também precursor do apresentado por Lúcio Costa,
quando o conceito de urbanismo predominante no Brasil ainda
estava ligado à idéia de “melhoramentos”, tendo como exem-
plo e modelo o plano de Alfred Agache para o Rio de Janeiro.
Para este anteprojeto Carmen fez um estudo exaustivo da
região destinada ao novo Distrito Federal e, a partir dos rela-
tórios realizados pela Comissão Exploradora do Planalto Cen-
tral do Brasil, entre 1893 e 1896, definiu a localização da nova
capital, exatamente na mesma área em que quase vinte anos
depois foi construída Brasília.
Como resultados destes estudos e tendo em vista a natureza e to-
pografia do terreno, salubridade e condições climatológicas, quali-
dade e abundância de água, a Comissão concluiu dando preferên-
cia quer à região compreendi-
da entre os rios Gama e Torto,
quer a do vale do rio Descober-
to. De posse desse parecer, (…)
cheguei à conclusão que o local
que maiores vantagens oferecia
era o do vale do Rio Torto. Esse
imenso vale mereceu também
a preferência de Glaziou, botâ-
nico da comissão. (PORTINHO,
mar. 1939, p. 154)
Carmen Portinho: “A Futura Capital do
Brasil no Planalto Central”, 1938. Segundo ela, um dos
“Planta de Situação”: o Vale do Rio Torto fatores que colaborou para

204 Eline Maria Moura Pereira Caixeta


Brasília: a cidade dos desejos
Reflexões acerca das cidades projetadas por Carmen Por tinho e Lúcio Costa

sua decisão por esta área foi o relató-


rio de Glaziou que dedicava interesse
especial ao paisagismo, estudando o
melhor partido a se tirar na arboriza-
ção das ruas e avenidas. Em seu rela-
to, Glasiou procura estimular a conser-
vação dos bosques e das matas, decla-
rando que seria muito fácil a criação
de parques e jardins no Planalto, de-
vido sua riqueza em plantas ornamen-
tais e sua flora, de inigualável beleza.
Essa notícia de Glaziou veio facilitar a Carmen Portinho: “A Futura
Capital do Brasil no Planalto
nossa tarefa, pois desejávamos que a Central”, 1938. Publicação
Capital do Brasil, cujo projeto nos pre- na revista PDF, 1939
pusemos a elaborar, fosse a mais pi-
toresca e aprazível cidade do mundo.
(PORTINHO, mar. 1939, p. 157)

Além dos notórios vínculos com as propostas de Le Corbu-


sier para a cidade moderna, a visão urbanística que apresenta
Carmen possui pontos de contato com o urbanismo defendi-
do por Alfred Agache e pela Société Française d’Urbanistes;
na concepção de cidade moderna sintetizada por Werner He-
gemann e Elbert Peets, em “The American Vitruvius. An Archi-
tects’ Handbook of Civic Art” (1922), bem como nas teorias
das Gardens-Cities; neste momento o elenco teórico que repre-
sentava as visões de modernidade presentes no meio técnico
brasileiro.
Para Carmen, o urbanista “deve ser um observador, deve
possuir o espírito de pesquisador e ao mesmo tempo sentir
como um artista.” Além da sensibilidade de artista, é indispen-
sável que ele possua as qualidades de um cientista, um analis-
ta. (PORTINHO, jan. 1934, p. 15) Uma visão muito associada às
teorias urbanísticas e arquitetônicas de Le Corbusier que, já em
Vers Une Architecture (1923), defendia a idéia de união dos
mundos da razão e da emoção no campo da arquitetura, repre-
sentadas, nesta época, pelo engenheiro e o artista.
O enfoque científico e sociológico dado por Carmen nos ar-
tigos que escreve para a revista PDF, entre 1934 e 1937, exem-

205
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

plificado pela ênfase à aerofotograme-


tria como novo instrumento de projeto
do urbanismo moderno3, embora tam-
bém referido por Le Corbusier, possuía
suas bases no urbanismo de Agache,
principalmente no que diz respeito à
sua abordagem metodológica, que
muito influenciou os técnicos da Pre-
feitura do Distrito Federal.4
Em “O critério científico no urba-
nismo” (1934), Carmen cita a Raimond
Le Corbusier: La ville Unwin, um dos principais responsáveis
radieuse, 1930. Planta pela implementação das primeiras ci-
onde se mostra o esquema
de zoneamento
dades jardins, — “Urbanismo é a ciên-
cia de estabelecer ligações entre as
coisas” — e acrescenta: “Em urbanismo o superficial não é e
nem pode ser admitido (…) negar à cidade a sua personalidade,
tirar-lhe a cor local, modificar-lhe a fisionomia, é destruir, sem
dúvida, um de seus grandes atrativos”. (PORTINHO, jan.1934,
p. 16)5
Estabelecidos os critérios para sua localização, o anteproje-
to propõe uma cidade linear, “projetada segundo um imenso
parque”, sentido que Lúcio retomará quase vinte anos depois,
em Brasília. Setorizada em faixas definidas segundo usos e den-
sidades diferenciadas (zona habitacional, centro de negócios,
centro cívico, centro cultural, zona verde, zona de transporte,
setor de hotéis e embaixadas e zona industrial), sua cidade pos-
sui um sistema viário hierarquizado composto por auto-estra-
das elevadas. A urbanista cria um sistema de superquadras de
700m por 200m para a zona residencial; divide a cidade em
vários centros —centro de negócios, centro cívico, centro cultu-
ral— tratando-os segundo suas características específicas; pro-
põe um centro de negócios monumental no coração da cidade;
propõe uma zona industrial em local apropriado, segundo os
ventos dominantes; e faz um estudo detalhado do sistema de
circulação, de transporte, de esgotos sanitários e pluviais. Suas
referências teóricas são indiscutivelmente as idéias de Le Corbu-
sier, seu modelo mais imediato, a “Ville Radieuse”(1930).

206 Eline Maria Moura Pereira Caixeta


Brasília: a cidade dos desejos
Reflexões acerca das cidades projetadas por Carmen Por tinho e Lúcio Costa

Arturo Soria y Mata: “Cidade Linear”, 1882-1913.

Proposta após suas visitas a América Latina (1929) e a União


Soviética (1928 e 1930), a Ville Radieuse, apresenta mudanças
significativas na sua maneira de conceber a cidade da era da
máquina. Nela, distancia-se da cidade centralizada e radial e
adota o conceito que tem por origem a “Cidade Linear” (1882-
1913) do espanhol Arturo Soria y Mata, teoricamente ilimitado
enquanto possibilidade de crescimento, conceito na época de-
senvolvido na União Soviética6. Nos esboços explicativos de sua
cidade, inspirados na cidade de Magnitogorsk (1928-30), de
N. A. Milyutin, Le Corbusier mos-
tra a “cabeça” isolada dos dezes-
seis arranha-céus cruceiformes so-
bre o “coração” do centro cultural
e situando entre as duas metades
os “pulmões” da zona residencial.
Em uma secção típica através da
cidade, ele mostra todas estruturas
elevadas claramente sobre o solo,
incluindo as garagens e as vias de
acesso. Elevando tudo sobre pilotis,
a superfície do solo converteu-se
em um parque contínuo.
A intenção do plano de Carmen
Ivan Leónidov: Cartaz de era projetar uma cidade como “um
propaganda para a nova cidade
de Magnitogorsk, 1930. imenso parque” onde a habitação

207
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

representasse seu elemento primordial e os demais serviços


— trabalho e lazer — fossem dispostos de modo a evitar trajetos
desnecessários.
Nos parques e jardins, que rodeiam as habitações, foram proje-
tadas creches e escolas; junto a essas instituições acham-se os
campos de jogo, piscina etc. As crianças podem brincar, mesmo
nos dias de chuva, entre os ‘pilotis’ das habitações, sem perigo
de serem atropeladas. Nos Tetos-jardim foram projetadas praias
artificiais, solários etc. Os espaços verdes estendem-se por toda
a cidade, rodeando não só os edifícios da zona residencial como
também os localizados nos Centros de Negócios, Cívico, Culturais
e Desportivos (PORTINHO, mai. 1939, p. 286)

Em sua proposta a urbanista não define exatamente como


seriam estes “jardins”. Mas na primeira parte do trabalho,
quanto fala da beleza da vegetação do cerrado e do caráter
ornamental de suas espécies, deixa a entender que o aprovei-
tamento de espécies
nativas na construção
da paisagem das áreas
verdes da cidade seria
o ideal. Desta forma
vislumbram-se a ima-
gem de um “jardim
tropical”, próximo aos
jardins projetados por
Burle-Max e, por sua
vez, muito diferente
das extensas áreas de
gramados verdes, ca-
racterísticas dos cam-
pos ingleses, mais tar-
de propostas por Lúcio
Costa.
Na concepção do
projeto de Carmen a
autopista elevada foi
Carmen Portinho: “A Futura Capital do Brasil igualmente tratada
no Planalto Central”, 1938. “Principais vias de
circulação” como elemento de

208 Eline Maria Moura Pereira Caixeta


Brasília: a cidade dos desejos
Reflexões acerca das cidades projetadas por Carmen Por tinho e Lúcio Costa

Carmen Portinho: “A Futura Capital do Brasil no Planalto Central”, 1938. “Ligação do


Centro Cívico e os principais pontos da cidade”

destaque, configurando-se como a espinha dorsal do projeto.


Ela chegou a definir, com detalhes, o sistema construtivo a ser
empregado nestas autopistas, os tipos de cruzamento a serem
realizados, a organização da circulação de veículos nos diversos
tipos de auto-estradas propostas, assim como o sistema de “au-
toportos” destinados ao estacionamento de veículos.
A circulação mecânica se realiza por meio de auto-estradas ele-
vadas (5 metros acima do nível do solo), construídas em cimento
armado e formando uma rede de tráfego nos sentidos ortogonal
e diagonal. O nível superior das auto-estradas foi destinado ao trá-
fego leve e rápido e o inferior ao tráfego pesado. (…) Uma gare
subterrânea (estação de passagem) foi localizada no centro da
cidade; sua cobertura, constituída por uma plataforma circular de
400 metros de diâmetro, será utilizada como aéro-gare para avi-
ões-taxi. (…) As auto-estradas que atravessam a zona residencial
foram traçadas de 400m em 400m, formando um reticulado de
5m acima do nível do solo. (PORTINHO, mai. 1939, p. 286-291)

A ênfase dada ao sistema viário, parte fundamental da ci-


dade funcional, fica evidente nas quase seis páginas dedicadas

209
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

ao assunto, em um
total de treze páginas
constantes na segun-
da parte do trabalho,
intitulada “Estudo do
Projeto”. Na justifica-
tiva da viabilidade do
sistema viário propos-
to, ela cita exemplos
de auto-estradas ele-
vadas construídas na
época em Manhattam,
onde se vê o cruza-
mento de três vias de Carmen Portinho: “A Futura Capital do Brasil no
tráfego, semelhante Planalto Central”, 1938. “Cidade Parque”
aos adotados em seu
projeto. Estes precedentes representam a concretização dos so-
nhos europeus em terras americanas, já que nem as propostas
de Le Corbusier, e tão pouco as dos construtivistas russos, ha-
viam sido realizadas em seus países de origem.
A relevância dada ao sistema viário, também presente na
proposta de Lúcio Costa, é muito mais marcante que nas pro-
postas desenvolvidas por Le Corbusier. O cuidado em estudar
os sistemas de cruzamento está expresso já nos primeiros esbo-
ços apresentados no concurso de 1956. Ao contrário da cidade
linear de Soria y Mata, onde o bonde era o principal veículo, e
da cidade de Milyutin, na qual o trem assumia o papel de pro-
tagonista; nos projetos de Carmen e Lúcio, o automóvel passa
a ser o principal elemento, definindo inclusive sua escala. En-
quanto a cidade linear, em sua origem, era uma cidade ope-
rária, pensada a partir do transporte coletivo, o transporte de
massas; as cidades lineares projetadas por Carmen e Lúcio pas-
sam a ser a expressão da cidade burguesa americana, baseada
na cultura do automóvel.
A cidade determinada por Carmen é, em todos os sentidos,
o protótipo da “cidade funcional” definida nos C.I.A.M.s, ocor-
ridos entre 1928 e 19377. Revela uma postura otimista, mara-
vilhada pelas possibilidades do mundo moderno e convencida

210 Eline Maria Moura Pereira Caixeta


Brasília: a cidade dos desejos
Reflexões acerca das cidades projetadas por Carmen Por tinho e Lúcio Costa

de um novo funcionamento para sua sociedade, antevendo-a


completamente socializada e organizada em cooperativas.
Em sua preocupação em descrever o funcionamento per-
feito desta cidade, aproxima-se também às utopias do final do
século XIX, a exemplo das proposições de Julio Verne para a
cidade do futuro. Nela tudo está previsto e detalhado: os cruza-
mentos de veículos, os “autoportos” onde estes estacionariam,
os elevadores de distribuição da circulação vertical, as passa-
gens para pedestres, o tipo de transporte coletivo, o sistema
de esgotos sanitários e pluviais e, inclusive, o funcionamento
doméstico das unidades habitacionais.
Acima dos ‘pilotis,’ um andar exclusivamente reservado para os
serviços comuns. (…) Nesse pavimento, ficará localizado uma
grande usina de serviços domésticos. Organizações cooperativas
assumirão a responsabilidade desses serviços. Os gêneros alimen-
tícios, vindos diretamente dos mercados (…), serão recolhidos aos
frigoríficos, construídos no pavimento destinado aos serviços co-
muns. Cozinhas bem instaladas e equipadas fornecerão refeições
a qualquer hora. A limpeza dos apartamentos será também feita
por profissionais; a lavagem da roupa idem, e assim todos os de-
mais serviços necessários ao lar. (PORTINHO, mai.1939, p. 292)

Para o “Centro de Negócios” ela propõe arranha-céus de


150m de altura, com 40 andares, dispostos em quadras de
400m x 400m, enquanto na zona residencial predominam edifí-
cios de 50m de altura. O “Centro Cívico”, foi projetado próximo
ao centro de negócios e deste separado por uma zona verde,

Carmen Portinho: “A Futura Capital do Brasil no Planalto Central”, 1938. “Parques e


recreio”, Setor Residencial, e ‘Elemento do centro Comercial e Avenida Passeio”

211
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

reservada a expansão futura dos dois centros, ocuparia quadras


também de 400 x 400m. Estes seriam atravessados pela Aveni-
da de Passeio, margeada por palmeiras imperiais.
Ao longo da auto-estrada de grande circulação, foi traçada uma
larga avenida para passeio a pé ou em auto. Paralelamente a essa
“Avenida passeio”, que atravessa a cidade na direção Leste-Oeste,
construída ao nível do solo, com 120m de largura, foram dispos-
tos edifícios destinados ao público (comércio de luxo, restauran-
tes, cassinos etc.). (PORTINHO, mai. 1939, p. 291)

Com a Avenida Passeio, Carmen traz a imagem dos espaços


abertos monumentais das cidades brasileiras do período colo-
nial, as alamedas margeadas por palmeiras imperiais que mar-
cam o acesso aos palácios e residências oficiais, imagem res-
gatada em projetos então realizados por Lúcio Costa e equipe
para o Ministério da Educação (1936) e a Cidade Universitária
(1936). Cria, assim, um espaço, predominantemente para uso
de pedestres, paralelo à autopista, no sentido de humanizar a
cidade da máquina de Le Corbusier.
Diferente do projeto de Lúcio, o “Centro Cívico” e admi-
nistrativo da cidade de Carmen não é tratado de forma monu-
mental, dando mais ênfase ao “Centro de Negócios”. As fotos
da maquete, apresentadas na publicação da revista PDF, em
1939, referem-se ao “Centro de Negócios”, composto por ele-
gantes arranha-céus. Em relação ao “Centro Cívico”, a urbanis-
ta apenas indica a disposição em planta dos diversos edifícios
que abrigariam o Palácio do Governo, o Senado, a Câmara, os
Ministérios e o Fórum
— com uma altura de
50m, mesma altura
especificada para os
edifícios residenciais —
reservando ao Palácio
do Povo, “destinado
às grandes manifesta-
ções populares, cívicas
Carmen Portinho: “A Futura Capital do Brasil no
Planalto Central”, 1938. “Centro de Negócios”, e políticas”, um local
arranha-céus de 150m de altura, com 40 andares, de destaque. Ela não
dispostos em quadras de 400m X 400m se preocupa em criar

212 Eline Maria Moura Pereira Caixeta


Brasília: a cidade dos desejos
Reflexões acerca das cidades projetadas por Carmen Por tinho e Lúcio Costa

Lúcio Costa: Plano Piloto de Brasília, 1956. A cidade linear de Lúcio.

espaços monumentais – praças, eixos, esplanadas – que con-


duzam a estes edifícios ou que criem uma situação especial de
implantação no tecido urbano. Os edifícios são colocados de
forma eqüidistante em uma área retangular, sem nenhum tipo
de hierarquia formal.
A cidade linear de Lúcio formaliza-se a partir de um grande
eixo predominantemente residencial que se ajusta à geografia
do lugar, tendo como referência a curva do lago Paranoá, cria-
do artificialmente, e é seccionado por um segundo eixo, deno-
minado “Eixo Monumental”. Este último comporta toda a zona
administrativa, o setor de hotéis e alguns edifícios de cunho
religioso e cultural, enfatizando o caráter monumental do eixo
político da cidade. No ponto em que eles se encontram, loca-
liza-se a rodoviária e o setor comercial. Trata-se, portanto, de
uma cidade linear tencionada por um segundo eixo que dispu-

213
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

ta, hierarquicamente, o “lugar” de principal espaço da cidade.


O “Eixo Monumental”, em termos morfológicos, compete com
o primeiro eixo, possuindo inclusive maior presença na forma
da cidade, quando vivenciada pelo usuário. Enquanto o eixo re-
sidencial é morfologicamente homogêneo, na medida em que
a super-quadra é um tipo que se repete, o monumental apre-
senta-se como espaço da representação, lugar em que o cará-
ter cívico da cidade é expresso.
A formalização da idéia de monumentalidade da cidade de
Lúcio é o que a diferencia fundamentalmente da proposta de
Carmen, assim como das demais apresentadas no concurso de
1956. Na ata do juri, fica evidente que seu projeto é o que
melhor de adecua a idéia de monumentalidade proposta, uma
exigência do próprio programa do concurso. Diferente dos pro-
jetos dos demais concorrentes que, assim como o de Carmen,
apresentam cidades que respondem muito bem tecnicamente à
questões de setorização de atividades e de fluxos de pedestres
e veículos, Lúcio propõe uma cidade hierarquizada em seus es-
paços criando eixos representativos que formalizam os poderes
de uma nova Capital Federal.
O comitê procurou encontrar uma concepção que apresentasse
unidade e proporcionasse grandeza a cidade, por sua simplicidade
e a hierarquia de seus elementos. (...) o projeto que melhor inte-
gra os elementos monumentais na vida cotidiana da cidade como
Capital Federal, apresentando uma composição coerente, racional
de essência urbana –uma obra de arte– é o projeto nº22, do Sr.
Lúcio Costa. (Comissão Julgadora, mar. 1957)

Neste sentido a cidade de Carmen aproxima-se mais ao ide-


al de cidade de Le Corbusier que ao projeto de Lúcio Costa
para Brasília, fazendo prevalecer o Centro de Negócios sobre o
Centro Administrativo, como monumento maior de referência
urbana. Ela concebe sua cidade sobretudo como símbolo e es-
paço educativo de uma nova sociedade. Antes que representar
o Estado, busca evocar o futuro da nação que se desenvolveria
a partir desta sociedade.
O “Centro Cultural”, projetado às margens dos rios Bana-
nal e Torto, compreende uma enorme área verde que contém
o “Museu de Conhecimento do Brasil” (um típico programa

214 Eline Maria Moura Pereira Caixeta


Brasília: a cidade dos desejos
Reflexões acerca das cidades projetadas por Carmen Por tinho e Lúcio Costa

Lúcio Costa: Plano Piloto de


Brasília, 1956. Riscos da proposta
para o Concurso: esquema geral e
Praça dos Três Poderes.

215
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Carmen Portinho: “A Futura Capital do Brasil no Planalto Central”, 1938.


Centro Cultural: Biblioteca Nacional, Museu do Conhecimento do Brasil, Auditório,
Aquário, Pavilhões destinados à exposição de arte e ciência, Jardim Botânico e
Mineralógico, Zoológico.Em anexo: Cidade Universitária, Centro Médico, Penitenciária,
Instituto de Menores Abandonados, Centro Esportivo e Vila Olímpica.

corbuseriano), a Biblioteca Nacional, um grande Auditório, um


Aquário, Pavilhões destinados á exposição de arte e ciência, um
Jardim Botânico e Mineralógico e um Zoológico. Anexo a este
centro ficaria a “Cidade Universitária”, o Centro Médico, a Pe-
nitenciária, o Instituto para Menores Abandonados e o Centro
Esportivo e Vila Olímpica. Nas imediações da confluência dos
rios Bananal, Torto e Gama, ela propõe —seguindo indicações
de Glasiou, no relatório de 1896—, a formação de “um lago
navegável em todos os sentidos” aproveitado para regatas a
remo, a vela e barcos a motor.
O caráter educativo de sua cidade vai desde a concepção
dos núcleos residenciais, que pressupunha a adequação da so-
ciedade existente a um ideal social, até a definição do Centro
Cultural, com um extenso programa de espaços educativos.

216 Eline Maria Moura Pereira Caixeta


Brasília: a cidade dos desejos
Reflexões acerca das cidades projetadas por Carmen Por tinho e Lúcio Costa

Dois destes espaços assumem, inclusive, um papel bastante


simbólico no contexto da cidade: a Cidade Universitária — que
representa metaforicamente a cidade como lugar onde o ho-
mem se educa — e o Museu do Conhecimento do Brasil, “ex-
pressão sintética da vida brasileira”.
O Museu do Conhecimento do Brasil deverá ser a expressão sinté-
tica da vida brasileira; a representação do Brasil desde sua desco-
berta até a presente data; o meio de fazer conhecer os brasileiros
uns aos outros, divulgando os costumes dos habitantes do norte,
do sul, do centro, das capitais e do interior. Será um precioso ins-
trumento de propaganda do país. (PORTINHO, mai.1939, p. 295)

O privilégio dado aos espaços de caráter educativo fica claro


quando ela descreve as funções da biblioteca, do auditório, dos
pavilhões, dos jardins botânico e mineralógico, do zoológico e
inclusive da penitenciária, revelando sua formação humanista.
Com isto Carmen registra, através de seu plano, uma questão
chave para o contexto ideológico da época: a idéia de que para
se re-generar, o Brasil deveria, antes de tudo, se re-conhecer.

Carmen Velasco Portinho: pequena biografia


Engenheira civil de formação, Carmen Portinho (1903-2001)
sempre esteve ligada ao meio artístico e arquitetônico brasilei-
ros. Nascida em pleno pantanal mato-grossense — na fronteira
com a Bolívia — Carmen foi morar no Rio de Janeiro em 1911,
onde estudou na Escola Politécnica entre 1920 e 1926, período
durante o qual freqüentou, por dois anos, a Escola Nacional de
Belas Artes. Desde então nunca abandonou as artes e a arqui-
tetura, desenvolvendo uma vida paralela entre elas e a enge-
nharia.
Funcionária pública de carreira, em 1932 criou a revista da
Diretoria de Engenharia da Prefeitura do Distrito Federal (PDF)
— primeiro periódico especializado de publicação regular que se
dedicou a divulgar os projetos modernos daquela que veio a ser
chamada Escola Carioca8. Foi nesta época que conheceu um de
seus futuros colaboradores na revista, Affonso E. Reidy, e, atra-
vés dele, Lúcio Costa, Jorge Moreira e Oscar Niemeyer. A revista

217
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

passa a ser a porta voz desta nova arquitetura abrindo espaço


para seus primeiros projetos e reflexões teóricas9. A partir de
então acompanhou a trajetória destes arquitetos e desenvolveu
vários trabalhos conjuntos com Reidy, destacando-se por suas
iniciativas em prol da aceitação e consagração da arquitetura e
do urbanismo modernos, no meio técnico brasileiro.
Atualizada em relação às vanguardas artísticas e arquitetô-
nicas, seus contatos iniciais com a arquitetura moderna deram-
se através dos primeiros livros publicados por Le Corbusier. Em
1929, ela assistiu a suas conferências efetuadas no Instituto de
Música do Rio de Janeiro e, entre 1934-35, realizou o curso de
pós-graduação em urbanismo, para o qual defendeu a tese em
que aplicava os princípios de Le Corbusier ao plano urbanístico
de Planaltina, a futura capital do Brasil a ser construída no Pla-
nalto Central.
Este foi o primeiro curso de urbanismo criado no Brasil, para
o qual Lúcio Costa, um de seus professores, escreveu o trans-
cendente texto “Razões da Nova Arquitetura” (1934). Segundo
Carmen Portinho, nele não existia uma disciplina específica de
urbanismo, “existiam os princípios de Le Corbusier” (PORTINHO
in: CAIXETA, sep. 1999, p. 89-97). Dirigido por Celso Kelly, ti-
nha por professores intelectuais, artistas e arquitetos modernis-
tas. Além de Lúcio Costa, foram seus professores: Mario de An-
drade (História e Filosofia da Arte), Portinari (Pintura) e Celso
Antônio (Escultura).
Seu interesse pelas questões urbanas a levou, em 1945,
para Londres, onde com bolsa do Conselho Britânico, estagiou
junto a equipes de recuperação e remodelação de cidades in-
glesas no pós-guerra, entrando em contato com o novo plano
de Londres (1944) e a construção das New Towns inglesas dele
derivadas; também viajou a Paris para apresentar a Le Corbu-
sier as fotos do edifício do Ministério da Educação e Saúde,
então recém construído.
De volta ao Rio de Janeiro, em 1947, criou o “Departamen-
to de Habitação Popular do Distrito Federal”, que dirigiu por
treze anos, e que se destinava a construir conjuntos habitacio-
nais para população de baixa renda. Foi quando coordenou as
obras dos conjuntos residenciais do Pedregulho (1947-58) e da

218 Eline Maria Moura Pereira Caixeta


Brasília: a cidade dos desejos
Reflexões acerca das cidades projetadas por Carmen Por tinho e Lúcio Costa

Gávea (1952-67), ambos projetados por Reidy e que tiveram


repercussão internacional.
Durante longo tempo foi Diretora Executiva do Museu de
Arte Moderna do Rio de Janeiro10, dirigindo a construção da
sua sede — também projetada por Reidy — entre 1954 e 1958.
Manteve correspondência com Max Bill — após se conhecerem
na Bienal de São Paulo em 1953 — visando a criação de uma
escola de desenho industrial no Museu de Arte Moderna do
Rio de Janeiro nos moldes da escola de Ulm, por ele dirigida.
A partir de 1967, foi diretora da Escola Superior de Desenho
Industrial (ESDI), que na época pertencia a Prefeitura e hoje
pertence à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), da
qual foi também promotora, concluindo sua última gestão no
início de 1988.
Em 1922, colaborou com Bertha Lutz na fundação da Fede-
ração Brasileira pelo Progresso Feminino, participando do I Con-
gresso Internacional Feminino, promovido pela FBPF, no Rio de
Janeiro; mantendo, entre as décadas de 1920 e 1940, intensa
participação no movimento feminista brasileiro.11
A partir de 1965, Carmen também desenvolveu inúmeras
atividades como crítica de arte, que envolveram sua participa-
ção em júris nacionais e internacionais de artes plásticas e de
arquitetura, assim como na organização de representações bra-
sileiras em eventos artísticos internacionais12. Nos últimos anos
de sua vida, trabalhou como assessora da direção do Centro de
Tecnologia e Ciência da Universidade Estadual do Rio de Janei-
ro, que congrega os setores de engenharia, química, geociência
e física, e a Escola de Desenho Industrial.

Notas
1. A idéia de mudança da capital federal para o centro do país, originalmente surgida
no período colonial, entre os séculos XVIII e XIX, foi retomada na Constituição de 1891,
posteriormente discutida pelos políticos brasileiros durante a década de vinte e reapre-
sentada pelo governo provisório de Getúlio Vargas, na Constituição de 1934. Estas Cons-
tituições legitimavam o Planalto Central como local para receber a nova capital.
2. No projeto de uma Ville Contemporaine pour 3 Millions d’Habitants (1922) – e na
adaptação sucessiva do Plan Voisin (1925)–, Le Corbusier, além de levar adiante estudos

219
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

de tipologias residenciais iniciados anteriormente (o “Immeuble Villa”, o bloco à redents)


escolhe como modelo de urbanização dos centros habitados o desenvolvimento em altu-
ra do “arranha-céu”; que segundo ele seria a tipo mais pertinente para manter as altas
densidades dos núcleos urbanos e, ao mesmo tempo, favorecer uma maior presença de
zonas verdes nas partes da trama urbana que permanecessem livres.
3. Ver artigos publicados por Carmen Portinho como notas das aulas do professor Adir
Guimarães, para o curso de urbanismo realizado na Universidade do Distrito Federal.
(PORTINHO, nov.1937) e (PORTINHO, mai.1937).
4. Sobre a influência de Agache no meio técnico brasileiro ver Caixeta, (1999, p. 269-
292.
5. Outros artigos sobre urbanismo por ela escritos nesta época: (PORTINHO, jan.1933) e
(PORTINHO, jul.1934).
6. O conceito de cidade linear, enquanto princípio moderno de ordenação foi desenvol-
vido na União Soviética construtivista dos anos 1920-30, culminando com as propostas
de cidade linear de N. A. Milyutin para Estalingrado e Magnitogorsk. As cidades lineares
soviéticas eram geradas a partir de um eixo principal de circulação — a via ferroviária
— que servia como elemento estruturador e articulador de sua setorização funcional, ge-
rada ao longo de faixas paralelas a este eixo. Ideologicamente, tinham por objetivo um
urbanismo conciliador, estabelecendo uma forma urbana mais adequada para articular,
com menos conflitos, o binômio cidade-campo.
7. Os C.I.A.M.s —Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna—, foram igualmente
foco de interesse da revista durante o período em que a Revista PDF por ela foi dirigida.
Alguns dos artigos publicados neste período referem-se ao IV e ao V C.I.A.M.s, ocorridos
em Atenas (1933) e Paris (1937). Ver: (ALTBERG, nov. 1934) e (ALTBERG, jul. 1937) Do
congresso de Atenas originou-se a Carta de Atenas, base do urbanismo funcionalista e
no V C.I.A.M., a discussão girou em torno do papel da habitação, do lazer e serviços co-
muns na cidade funcional. A influência da visão urbanística defendida nestes congressos,
liderados por Le Corbusier, Josep Lluis Sert e Sigfried Giedion, pode ser notada no pró-
prio anteprojeto de Carmen para a Capital Federal, assim como no anteprojeto de Reidy
para a área resultante do desmonte do Morro do Castelo, ambos de 1938.
8.Conhecida como PDF, a revista passou por vários nomes: Revista da Diretoria de Enge-
nharia (1932-35), P.D.F. da Diretoria de Engenharia (1936-37), Revista Municipal de Enge-
nharia P.D.F. (1938-59) e Revista de Engenharia do Estado da Guanabara (1960-64).
9. Seu primeiro número (1932) apresenta o projeto do Albergue da Boa Vontade, de
Affonso E. Reidy e Gerson Pinheiro, e o projeto para o conjunto de apartamentos prole-
tários, em Gamboa, de Lúcio Costa e Warchavchik. O primeiro projeto de Niemeyer —seu
projeto de fim de curso— foi publicado pela revista, em 1935 assim como o texto fun-
damental de Lúcio Costa, Razões da Nova Arquitetura —no qual ele associa por primeira
vez a vertente moderna à tradição arquitetônica brasileira— publicado em 1936. Sua
importância se acentua pelo fato de apresentar, já em princípios da década de trinta,
uma visão unitária de modernidade, aquela que depois se tornará a visão “oficial” da
arquitetura moderna brasileira, divulgada pelo MOMA com a exposição e seu catálogo
Brazil Builds, em 1943.
10. Em 1951, ela assume a diretoria adjunta do Museu, cargo no qual permanece duran-
te mais de 15 anos.
11. Ver Portinho (1999, p. 181-182).
12. Ver Portinho (1999, p. 182-185).

220 Eline Maria Moura Pereira Caixeta


Brasília: a cidade dos desejos
Reflexões acerca das cidades projetadas por Carmen Por tinho e Lúcio Costa

Bibliografia

ALTBERG, A. Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna. PDF 13,


(nov. 1934) pp.142-144
ALTBERG, A. Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna: CIAM.
PDF 4, (jul. 1937) pp.187.
CAIXETA, E. Affonso Eduardo Reidy. O poeta Construtor. (Tese de Douto-
rado) Barcelona: UPC- ETSAB, 1999.
CAIXETA, E. M. M. P. Ingenio, arte y ciudad. In: DPA - Revista de Crítica
Arquitectónica, n. 3, Barcelona, (sep.1999), pp. 89-97.
CALVINO, Italo. Cidades Invisíveis. (1972) (trad. Diogo Mainardi) São Pau-
lo: Companhia das Letras, 1990.
PORTINHO, C. Concurso para a urbanização das avenidas compreendidas
entre ‘La Place de l’Etoile’, em Paris, e a praça circular de la Défense, em
Courbevoie. PDF , (jan. 1933). pp.55-56.
PORTINHO, C. O critério científico no urbanismo. PDF 8, (jan. 1934)
pp.15-16.
PORTINHO, C. O ensino do urbanismo. PDF 11, (jul. 1934). pp.50-52.
PORTINHO, C. Aerophotogametria. PDF 6, (1936, nov.), pp. 364-366
PORTINHO, C. Aerophotogametria. PDF 3, (mai. 1937), pp. 173.
PORTINHO, C. Anteprojeto para a futura capital do Brasil no Planalto Cen-
tral (1ª parte - Estudo da região). PDF 3,(mar. 1939) pp.158-163 .
PORTINHO, C. Anteprojeto para a futura capital do Brasil no Planalto Cen-
tral (2ª parte - Estudo do projeto). PDF 3,(mai. 1939) pp.284-297 .
PORTINHO, C. Por toda minha vida; depoimento a Geraldo Edson de An-
drade. Rio de Janeiro: EduERJ, 1999.

ELINE MARIA MOURA PEREIRA CAIXETA


é arquiteta, especialista em Arte e Cultura Barroca (IAC-UFOP, 1991).
Doutora em História da Arquitetura e da Cidade (ETSAB-UPC, Barcelona,
2000). Profa. titular CAU UniRITTER, Porto Alegre-RS, 1998-2004. Profes-
sora titular ARQ-UCG (ingresso 1987). Profa. colaboradora do PROPAR-
UFRGS, Porto Alegre, desde 2004.

221
ENTREVISTA

Rodrigo Gutiérrez Viñuales


por Miguel Luiz Ambrizzi
Arte latino-americana – “uma espécie de
coisa exótica”.
Relações acadêmicas e artísticas entre
América Latina e Europa.

Rodrigo Gutiérrez
VIÑUALES
entrevista e tradução por
Miguel Luiz
AMBRIZZI

Miguel Luiz Ambrizzi - Você é um pesquisador e historiador


da arte latino-americano, que vive e trabalha na Europa. Como
você pensa e enxerga estes trânsitos acadêmicos, intelectuais e
artísticos, a partir da sua própria experiência?

Rodrigo Gutiérrez Viñuales - Acho esta questão muito inte-


ressante e que reflete como minha experiência tem ocorrido.
Eu comecei trabalhando em minha tese de doutorado com pin-
tura argentina. E claro, este trabalho na Europa foi bem visto
e, em algum momento eu me dei conta de que, logicamente,
pesquisar exclusivamente sobre Argentina na Europa não des-
pertavam tanto interesse.
E percebi que a maneira de eu ter um lugar de referência
era ampliar o meu conhecimento ao resto do continente ame-
ricano, ampliar o objeto de estudo para a América latina, pois
é muito difícil ter alguém que “sobreviva” investigando algo de
somente um país estando em Europa. Isso pode durar um, dois
ou três livros e uns cinco artigos, mas chega em um momento
em que não se tem mais nenhum sentido.

225
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Então, logo no ano de 1996, quando terminei minha tese


de doutorado sobre pintura argentina, em 1997 tive a voca-
ção de organizar um livro sobre pintura, escultura e fotografia
em ibero-américa, nos séculos XIX e XX, e, visto isso, tive que,
quase por obrigação, começar a buscar bibliografia e aprender
o que havia ocorrido nos século XIX e XX nos resto dos países.
Sobretudo, recordo quando tive que fazer um trabalho sobre
escultura, pensar em uma síntese da escultura latino-america-
na, trabalhando monumentos comemorativos para o século XIX
e monumentos funerários, que a informação estava totalmente
dispersa, foi quase montar um quebra-cabeça combinando in-
formações de um lado e de outro e, de imediato, ir vendo que
havia muitas semelhanças, processos que eram bastante simila-
res. Certamente, havia a diferença em cada um dos países, mas
que em definitivo era possível pensar sinteticamente em uma
história comum, bem como a respeito do que se tem na Euro-
pa, há processos em comum entre a história da arte na Europa
e na América, mas com diferenças cronológicas.
No século XIX podemos ver que “os grandes momentos”
da arte se consolidam na América com 30 anos depois, o im-
pressionismo em 1874 em França e aqui aparece a princípio do
século XX. Creio que há alguns traços individuais, mas em defi-
nitivo, creio que há muita semelhança.
Eu disse isso para explicar que, desde 1997, penso em tra-
balhar continentalmente. Fiz muitos trabalhos de sínteses e tive
muitas ocasiões de fazer estudos específicos sobre Argentina,
em algum caso de Paraguai, no ano de 2003 e o bom que tem
isso é que, desenvolvo com duas linhas de trabalho, uma linha
que é sobre os trabalhos e pesquisas muito específicas e ou-
tra que busca fazer permanentemente trabalhos sintéticos por
toda a arte do século XIX, da escultura do século XIX ou a
pintura de história deste mesmo período, com o qual os especí-
ficos se vão enriquecendo com as conclusões de tipos gerais e,
a sua vez, os discursos de tipo gerais se vão enriquecendo com
os aportes de tipo específicos.
Então, esse duplo alinhamento é um pouco minha maneira
de trabalhar. Logicamente permitiu consolidar-me e, certamen-
te, aprender e ganhar muito conhecimento sobre todo o con-

226 Entrevista com Rodrigo Gutiérrez Viñuales por Miguel Luiz Ambrizzi
Ar te latino-americana – “uma espécie de coisa exótica”.
Relações acadêmicas e ar tísticas entre América Latina e Europa.

tinente e, sobretudo, ter um tema de aceitação em toda a Es-


panha chegando a ter alguma referência quando, por exemplo,
há um curso específico que necessita que alguém fale sobre
arte latino-americana, muitas vezes tenho a sorte de que me
chamem. Ocorreu-me agora que em congressos latino-america-
nos encontro pesquisadores argentinos falando de argentinos,
peruanos falando somente de Peru, ou seja, estão falando qua-
se do mesmo, mas não chega a se produzir um encontro, uma
comunicação porque cada um está falando somente do seu e,
eu tenho a sorte de haver sido obrigado a aprender sobre vá-
rias produções dos países, posso falar com essas pessoas, por-
que sei de que artistas e temas se está falando.
A respeito da recepção da arte latino-americana na Europa
temos que ver várias questões. Do ponto de vista universitá-
rio, são muito poucas as universidades que possuem assinatura,
matérias de arte latino-americana. E, enquanto às exposições
sim, aumentaram, sobretudo nos últimos anos. Houve um gran-
de momento importante no ano de 1992, quando houve o 5º
centenário de comemoração do Descobrimento da América,
que aí foi um grande momento como de explosão do continen-
te latino-americano.
Durante o século XX houve alguns grandes momentos de
encontros culturais e artísticos de integração entre Espanha
e América Latina. Um em torno dos centenários das indepen-
dências, quando se produziu uma espécie de encontro cultu-
ral onde, por exemplo, Buenos Aires, Rio de Janeiro, Santiago
(Chile), México e Havana se compra muita pintura espanhola,
e que vemos que muitos museus de Belas Artes destas cidades
possuem um bom número em seu acervo com pintura espanho-
la do princípio do século XX. É um momento em que muitos
artistas latino-americanos vão estudar na Espanha e estão em
contato com as correntes regionalistas e tudo mais.
Um ponto culminante disto é a grande exposição da Améri-
ca Latina em Sevilha no ano de 1929, um momento em que Es-
panha recebe todas as nações. Isto um pouco se termina quan-
do há a crise da bolsa de New York e aí a coisa se cai. Com
o governo de Franco, na Espanha, há como que uma espécie
de segunda etapa, se cria o Instituto de Cultura Hispânica, em

227
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

1951 se cria a primeira Bienal Hispano-americana de Arte, no


mesmo ano em que se cria a Bienal de São Paulo, a qual pre-
tendia ser mais transgressora com novas idéias, contrária à da
Espanha que seria um pouco mais retrógrada, expondo majori-
tariamente uma arte mais tradicional. Mas isso dura uns 10 ou
15 anos aproximadamente, o furor, a exaltação.
E o terceiro momento é justamente o ano 1992. Neste caso,
já sabemos que em história da arte muito se funciona por efe-
mérides, com datas fechadas, exatas. Por caso, na Espanha, o
ano 1998 foi o ano de Velázquez, então todo mundo escreveu
sobre Velásquez. Também foi o ano de García Lorca, todos es-
crevem sobre ele. Então no ano de 1992, na Espanha, todos os
historiadores tinham algo que dizer sobre a América Latina, en-
tão em todas as revistas de arte encontrávamos artigos. É claro
que, de 100% que se escrevia sobre a América Latina passou
a 10% no ano seguinte e todo esse momento foi diminuindo,
pois assim que surgia outra comemoração as atenções se volta-
vam para tal. Mas foi com isso que houve uma tomada de cons-
ciência da América Latina e começa a ter historiadores que não
só escreveram em 1992, mas que continuaram pesquisando e
escrevendo sobre o tema. Houve também muitas exposições, a
nível estatal, que se seguiram importantes como a que ocorreu
no Museu da Rainha Sofia, no IVAM (Instituto Valenciano de
Arte Moderna). Criam-se o Museu Extremeño e Ibero-america-
no de Arte Contemporânea (MEIAC), os quais surgem já com
uma linha latino-americana e que vão propiciando visões conti-
nentais, o que muitas vezes nos falta com os países aqui.
O que há aumentado são exposições brasileiras e argentinas
que ficam em seus países. Agora há uma boa exposição de La-
sar Segall em Buenos Aires. Em troca, algumas das exposições
que destacaram na Espanha foram, justamente, ou do Brasil no
IVAM de Valência (2000-2001) ou de Cuba no Centro Atlânti-
co de Arte Moderna (CAAM) em Las Palmas de Gran Canaria
(1996), mas normalmente há muitas exposições que englobam
todos os latino-americanos.
Todavia, para todos segue como sendo uma espécie de coi-
sa exótica. Não há, digamos, um critério de ver a arte latino-
americana como arte simplesmente. Uma arte que muitas vezes

228 Entrevista com Rodrigo Gutiérrez Viñuales por Miguel Luiz Ambrizzi
Ar te latino-americana – “uma espécie de coisa exótica”.
Relações acadêmicas e ar tísticas entre América Latina e Europa.

é boa independentemente de sua procedência, e que “por cul-


pa” de sua origem geográfica, que termina sendo estigmática,
não se impõe por si mesma à vista do espectador.
Bom, de qualquer maneira têm sido realizados estudos
sérios e que tem ajudado, por exemplo ao tratar-se os movi-
mentos de vanguarda na Espanha onde participam artistas
uruguaios como Joaquín Torres-García e Rafael Barradas, bem
como argentinos que tem sido resgatados em parte graças a
isto (Norah Borges, por exemplo). Pode-se dizer que em ocasio-
nes se resgata os artistas latino-americanos porque interessa ao
discurso de arte espanhol ou europeu. Há, digamos, neste sen-
tido, muitas visões. Há muitos catálogos bons que produziram
contratando especialistas.
Falar de arte latino-americana torna-se um pouco complica-
do, pois também estamos falando de questões geográficas. Por
exemplo, o artista Roberto Matta, que é chileno, mas que viveu
quase toda sua vida em Paris, está enquadrado na produção
dos “artistas chilenos” ainda que a tenha realizado em Paris.
Latino-americano é um termo muito ambíguo, muito geral, e
que se utiliza muitas vezes para dar caráter a essas exposições,
como um rótulo marcado. Isso às vezes pode ser mal. Por caso,
no Brasil há a produção artística de São Paulo que e diferen-
te da do Rio de Janeiro ou de Goiânia, ou da Bahia pintada
por Carybé. Mesmo dentro de São Paulo temos a produção de
Campinas, e por aí se caminha. Mas, realmente isso é verda-
de? Ou simplesmente há arte goiana porque existem artistas
em Goiânia? Há um caráter goiano na arte? Bom, estas são
questões que logicamente são discussões mais amplas e com-
plexas, mas que ficam a margem das exposições “globais” de
arte latino-americana. Geralmente se tentam dar discursos, dar
leitura que, quase sempre há que entendê-las como subjetivas
e parciais. São bem feitas, mas às vezes se apresentam como
excludentes e há muitos artistas dentro da produção da arte
latino-americana que estão sendo deixados de lado pela histo-
riografia, pelos discursos dos grandes curadores internacionais
e, certamente, pelo conhecimento. Vai-se sempre pelo mesmo
e, um pouco, começa a se esgotar. Se gira uma e outra vez
sobre os mesmos artistas e obras, forçando-se discursos que

229
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

muitas vezes no apontam nada novo. São oportunidades que


se perdem de abrir o campo a outras expressões, a artistas “es-
quecidos”, a períodos e grupos de trabalho marginados pela
“história oficial”.

M.L.A. - O estudo e a observação da natureza encontram-se no


cerne do problema da representação paisagística. De um lado,
historiadores afirmam a continuidade no tratamento visual da
natureza e, por outro, reconhecem-se grande linhas de fuga e
de descontinuidade. Em sua leitura, quais são os grandes mo-
mentos de continuidade / descontinuidade visual entre os sé-
culos XIX e XX, no que tange ao tratamento do mundo natural
através dos meios artísticos?

R.G.V. - Eu creio que é um tema que sempre está presente e,


sobre tudo nos séculos XIX e XX, mas querem sempre ser en-
tendidos de um ponto de vista ideológico e do ponto de vista
estético, em alguns casos. Há sempre na representação da pai-
sagem uma intencionalidade, a qual pode ser vista destes dois
pontos de vista. O tema dos viajantes, por exemplo, é muito
claro. É uma imagem que se produz na América, mas uma ima-
gem em que o destinatário é o europeu. Não são imagens cria-
das para serem vistas na América, mas para serem difundidas
na Europa porque o cientificismo e, posteriormente o romantis-
mo, estão muito interessados em conhecer as regiões distantes
da Europa, as sociedades primitivas, paisagens de outros luga-
res. São muito habituais, por exemplo, na Europa, na primeira
metade do século XIX, o que se chamavam de papéis pintados
que serviam para decorar ambientes de residências onde mui-
tos deles representavam paisagens americanas e se havia um
prazer como exótico e em conviver com isso. Outra questão,
os pratos e objetos utilitários da corte também eram decorados
com gravuras de paisagens bucólicas e rococós no seu centro.
Eram suportes pelos quais estes tipos de imagens chegavam
diretamente à vida cotidiana. Quando alguém comia podia ver,
ao final, a paisagem – portanto, há, digamos, uma questão de
tipo social na Europa, que depois de muito pouco tempo foi

230 Entrevista com Rodrigo Gutiérrez Viñuales por Miguel Luiz Ambrizzi
Ar te latino-americana – “uma espécie de coisa exótica”.
Relações acadêmicas e ar tísticas entre América Latina e Europa.

se implantando também na América – um prazer que se legiti-


ma na Europa e que se transfere à América. Por influência dos
europeus, começam também artistas locais a se interessarem
por representar paisagens, lâminas de costumes e tudo mais.
Em muitos casos, por exemplo, também, para serem divulgados
entre europeus, porque, assim como existem hoje os cartões
postais, no século XIX muitos artistas populares como Pancho
Fierro em Lima (Peru), Melchor María Mercado na Bolívia, o
“Miguelzinho” Dutra na região paulista, faziam pinturas que
em muitos casos depois se vendiam aos primeiros turistas que
iam àqueles lugares para levarem à Europa, e o que temos hoje
são muitas de suas obras valorizadas, apesar de algumas terem
sido perdidas pelo fato de terem caráter de cartões postais e
não tão artísticas.
Então, temos sempre essa espécie de espelho para o euro-
peu. Depois vem a paisagem acadêmica, a paisagem impressio-
nista que joga também com outros elementos, pois muito do
impressionismo latino-americano do princípio do século XX, ti-
nha como ideologia a construção de uma imagem nacionalista
a qual já é uma paisagem feita por americanos e para america-
nos, criar uma imagem da própria nação, coisa que na pintura
dos viajantes quase não existia, era para um público europeu.
E certamente a mudança estética, onde já não interessa uma
representação fidedigna de espécies botânicas, mas o impacto
da luz, como os impressionistas captavam vários momentos do
dia e as mudanças da luz na paisagem. Na vanguarda também
incorpora com a linguagem cubista, como Diego Rivera no Mé-
xico, a ótica de Tarsila do Amaral no Brasil que traz uma mes-
cla de um sentimento caipira e a representação da arquitetura
popular brasileira com influências coloniais, mas com um pou-
co pontes de ferro, de fábricas, à maneira de Fernand Léger e
toda essa influência do mecanicismo europeu.
Passa um tempo e a paisagem segue sendo importante na
pintura abstrata informal, a qual incorpora a paisagem através
de signos. Na atualidade, por exemplo, há artistas como José
Gamarra – uruguaio –, ou como Tomás Sánchez, um artista
cubano que recria uma paisagem de denúncia da destruição
da paisagem americana. Há sempre mudanças estéticas, lingua-

231
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

gens pessoais e, certamente, uma intencionalidade que vai mu-


dando com o tempo.
Eu creio que sempre a paisagem na América é importante
e, ademais, a paisagem é o seu grande monumento. Creio que
se eu tiver que eleger um grande monumento da América, seria
a natureza.

M.L.A. - Uma parte do seu trabalho está interessada no estudo


da paisagem e da pintura de paisagem do século XIX, com ên-
fase para a pintura ibero-americana. Como você define este gê-
nero de pintura entre artistas hispânicos e latino-americanos?
Há uma recorrência nos modos de representação? Quais são os
modelos de pintura e de pintar eleitos? As principais influências
vieram da pintura inglesa, francesa ou alemã?

R.G.V. - Eu creio que no século XIX é muito clara a pintura in-


glesa, francesa e alemã. Segundo interesses e procedência, os
artistas trazem suas próprias linguagens. Quiçá, finalmente, se
impõe mais a paisagem francesa na atuação dos artistas latino-
americanos que receberam influências da Escola de Barbizón
na França, década de 1830 a 1840. É muito forte em países
como Chile que estão muito vinculados, desde os princípios do
século XIX à Paris, onde muitos intelectuais e artistas chilenos
vivem por um tempo na capital francesa e depois em Santiago
do Chile, ocorrendo esta combinação. E o mesmo ocorre na se-
gunda metade do século XIX, com o academicismo, em que as
Academias de Paris, por exemplo, para os artistas venezuelanos
ou colombianos e, inclusive, muitos brasileiros vão ter muita im-
portância. Certamente, há muitos casos pontuais aqui no Brasil
como Georg Grimm, ou a de Fachinetti, que é italiano. Cada
um vai trazendo sua arte que vai se mesclando com outras.
No princípio do século XIX, também claramente o impres-
sionismo francês vai ser influência e logo no pós-impressionis-
mo francês em alguns países como no caso de Brasil ou de
Argentina que tiveram uma forte imigração italiana com nomes
como Eliseu Visconti onde se vê mais uma influência do tipo
italiana.

232 Entrevista com Rodrigo Gutiérrez Viñuales por Miguel Luiz Ambrizzi
Ar te latino-americana – “uma espécie de coisa exótica”.
Relações acadêmicas e ar tísticas entre América Latina e Europa.

E no século XX com a internacionalização da arte, temos o


cubismo, a influência de Léger, inclusive um pouco de influên-
cia dos italianos no que se refere ao tipo metafísico em Gior-
gio de Chirico que foi importantíssimo realmente e que é algo
pouco estudado. O novecentismo italiano vem ter no Brasil,
como Argentina e Uruguai uma presença bem destacada. Em
algum momento também, a princípio do século XX, a pintura
espanhola de paisagem que mais maquinava o tema da figura.
Com tudo isso, vemos que há vias muito complexas, vermos o
quanto é difícil dizer que a pintura de paisagem está marcada,
especificamente pelos países.

M.L.A. - No período pré-romântico e romântico estende-se a


noção de viagem e de viajante e passam a existir definições
como as de viagem sentimental. O que desta noção de viagem
pode ainda ser pensado para a arte do século XX?

R.G.V. - Penso que totalmente. Mudam os gêneros artísticos,


se como tínhamos no século XIX os artistas-viajantes que se
expressavam através de pinturas à óleo, desenhos, aquarelas,
isso continua no século XX com o alcance da fotografia. Se
vermos um livro de fotografia de Pierre Verger estamos frente o
mesmo, é a mesma idéia. Neste caso ele traz em suas primeiras
fotografias imagens da Bahia as quais apresentam um olho dis-
tante, uma visão do estrangeiro, do europeu que está olhando
a visão do outro assim como encontramos nos trabalhos de Ru-
gendas no século XIX.
Isto segue até hoje e podemos ver nos livros de fotografias
de fotógrafos contemporâneos que vão olhar o distinto, o di-
ferente, o raro, o exótico. Há um outro componente, muitos
vêem fotografando em preto e branco, pois há uma espécie
de reconhecimento familiar neste tipo de imagem. Certamente
nós seguimos realizando algumas viagens sentimentais quando
alguém faz uma viagem sempre tenta sair da grande cidade
e se isolar no interior, essa idéia de chegar aonde não chega
o turismo que sempre seduz a todos, isso segue estando pre-
sente e, inclusive na forma de vender uma viagem. Você vai a

233
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

uma agência de turismo na Europa e vê em folhetos viagens à


Venezuela que apresentam grandes fotos de um índio num bar-
co pelo rio, é essa a imagem que mostram da Venezuela com-
pletamente romântica, bem como na Argentina encontramos a
foto de um gaúcho, que mesmo não sendo tão real se segue
vendendo e comprando. Creio que seguirá nos fotógrafos essa
obsessão pelo exótico.

M.L.A. - O tratamento das imagens das espécies e, mais espe-


cialmente, da espécie humana, nos permite pensar que as re-
presentações do Outro transitaram de e entre uma representa-
ção do selvagem e uma representação do primitivo, nos séculos
XVIII e XIX. Em sua opinião, na atualidade, onde se encontra
na arte européia e na própria arte ibero-americana esta procura
do Outro ou a partir do Outro?

R.G.V. - Creio que também há uma questão que persiste des-


de o século XIX. Um dos exemplos marcantes está nas obras
dos viajantes que vemos claramente que é um europeu quem
está olhando, pelo tipo como capta, pelas ênfases e pelo que
é enfatizado. Há artistas como no caso de Rugendas que um
de seus grandes méritos foi justamente o que quase chegou
a ser um americano. Creio que Rugendas morreu sendo mais
americano que europeu. Os quadros que pintou em Chile, no
Peru ou no México não apresentam o mesmo estilo que pintou
no Brasil no início do século XIX, pois era o olho europeu que
mirava. Mas, à medida que ele foi se internalizando creio que o
prisma da forma de olhar mudou. Creio que ele terminou vendo
claramente com olhos americanos e pintou não mais o que lhe
era distante, mas o que lhe era próprio.
Mesmo havendo artistas populares do século XIX que pin-
tavam cenas de costumes da sua realidade com total natura-
lidade, havia, curiosamente, artistas americanos olhavam sob
um prisma europeu. Estavam na América, mas para olhar para
si mesmo, tinham que passar como que por um prisma, por
uma maneira de olhar européia. Então, ao final, o que lhe era
realmente próprio, o que o rodeava na plasmação plástica na

234 Entrevista com Rodrigo Gutiérrez Viñuales por Miguel Luiz Ambrizzi
Ar te latino-americana – “uma espécie de coisa exótica”.
Relações acadêmicas e ar tísticas entre América Latina e Europa.

obra artística, terminava sendo um olhar distante. Isso é uma


questão que, às vezes, só tem ocorrido pela influência estética
do olhar europeu que acaba contaminando o olhar americano.
Na atualidade penso que um pouco de tudo isso segue per-
sistindo, quiçá menos um americano olhando como um euro-
peu. Isso, mais ou menos, creio que se superou. Mas, de qual-
quer maneira eu creio que segue havendo, como disse com os
fotógrafos, essa visão do exótico que, mesmo não sendo ame-
ricano, ao tirar a foto, já é alheio. Eu mesmo viajo, ontem fui à
cidade de Trindade – GO e tirei algumas fotos, e eu sou ame-
ricano, mas, definitivamente, me defrontei com uma realidade
que para mim que venho de mais longe é alheia, mas que para
um goiano também o pode ser quando vai ver as procissões,
as festas da Paixão de Cristo e também ser algo como que di-
ferente.
Penso que isto está sempre presente, pois a América é um
continente muito grande, cada países são muito complexos,
cada província, cada estado, cada cidade é muito complexa e
a produção do imaginário e de cultura é algo que nunca para,
sempre seguirá existindo lugares para se surpreender, distintos,
exóticos. Isso não se pode evitar.

M.L.A. - Os regimes de imagens constituídos entre os séculos


XVIII e XX levantam a importante relação entre arte e ciência.
Para alguns autores, a arte constituiu um conjunto imagético
que provocou ou influenciou a ciência. Para outros, é a ciência
que passa a determinar as questões do fazer e do saber artísti-
cos. Como você observa estas relações entre arte e ciência no
século XIX? E para o século XX?

R.G.V. - Creio que as influências são mútuas, segundo também


ao momento. No século XIX dos viajantes estamos falando cla-
ramente de projetos de interesse científico que precisam justa-
mente do auxílio da arte, sobretudo para registrar. Pensando
em que, todavia, no final do século XVIII e início do século XIX
não existia ainda a fotografia, que era um elemento de registro
muito mais rápido que o desenho, mecânico e que, justamente,

235
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

todas estas questões incorporam como parte importante e ab-


solutamente necessária ao tema dos artistas que terminam real-
mente sendo servidores da ciência. Mas também vemos na ciên-
cia um interesse grande nos detalhes botânicos que, ademais,
transforma a maneira de produzir a obra artística. Isto, no caso
do Brasil, é muito claro nas gerações de artistas como Debret,
que traz por um lado o olho científico do ilustrador do final do
século XVIII, mas também traz a ideologia romântica da França
nos anos 1810 e 1815. E esse detalhismo botânico que passa a
Manuel Araújo de Porto Alegre, um de seus principais discípu-
los, que, por sua vez, passa a Vitor Meirelles. Encontramos na
pintura deste – Primeira Missa no Brasil – , realizada 60 anos
depois de Debret, é uma pintura histórica, acadêmica, típica da
segunda metade do século XIX, mas se vermos com atenção
os detalhes das árvores, das plantas, encontramos heranças do
detalhismo científico que foi passando de geração em geração.
Vemos que este interesse científico se mete diretamente dentro
na produção artística e está sempre presente.
Isso será o que depois, no Impressionismo vai se desvin-
cular, não se interessando mais pelo detalhe da representação
fidedigna, onde o desenho e a linha são transformados na im-
pressão de cor. E ainda no século XX temos vários exemplos
onde arte e ciência se dão as mãos, visto que é uma das disci-
plinas mais recorridas, mais estudadas e mais recatadas histo-
riograficamente.
Por exemplo, a incorporação da luz elétrica na obra de arte,
estou pensando em artistas como Gyula Kosice, que é húngaro
e radicado na Argentina e que fez parte de um dos movimen-
tos Madi em Buenos Aires, nos anos 40, que começa a fazer
obras com tubos fluorescentes, luminosos, onde depois começa
a jogar com a eletricidade cujos trabalhos possuem como papel
fundamental a água, trabalhos cinéticos e tudo com o que tem
movimento. Há uma relação de arte e ciência permanente que
logicamente vai com todo o tema da arte eletrônica, as novas
tecnologias, da arte na internet, enfim, e que, neste momento,
minha percepção é que a ciência é muito importante para a
arte. Ora bem, me custa mais dizer que a arte que se produz
agora com as novas tecnologias é importante para a ciência.

236 Entrevista com Rodrigo Gutiérrez Viñuales por Miguel Luiz Ambrizzi
Ar te latino-americana – “uma espécie de coisa exótica”.
Relações acadêmicas e ar tísticas entre América Latina e Europa.

Não sei, porque como estou mais do lado da arte sei o que esta
recebe, posso apreciar melhor onde e o que a arte se apropria
da ciência, portanto, quiçá seria melhor um cientista a pessoa
para que diga o que a arte que se tem produzido tem contribu-
ído para sua área.

M.L.A. - Na arte do século XX, a ciência pode aparecer no lu-


gar conceitual da obra de arte ou no lugar operatório, enquan-
to instrumento ou ferramenta para o trabalho do artista. O que
seria a paisagem hoje, neste contexto?

R.G.V. - No contexto da arte atual, como havia dito, creio que


a paisagem na arte latino-americana é algo inacabável e que
sempre vai ter, de uma maneira ou de outra, uma presença seja
ideológica, ou seja, estética. Há muitos artistas que seguem fa-
zendo paisagens, que de imediato não são os que os grandes
curadores de arte internacional consideram para suas grandes
exposições. Muitos encaram a pintura de paisagem como algo
ultrapassado, fora de moda, démodé. Eu não estou de acordo,
creio que o critério há de ser muito mais amplo, é também mais
respeitoso. Há muitos pseudo-artistas que fazem muitas exposi-
ções, possuem muito prestígio, mas são pseudo-artistas por não
terem, realmente, a capacidade do ato artístico, do ato criativo.
Na arte contemporânea creio que há muitíssimas mentiras, mui-
ta arte “light” e banalidades que se aplaudem como se fossem
grandes feitos. Aponta-se frequentemente mais aos fogos de
artifício do que tentar criar uma arte que seja produto de re-
flexiones mais profundas. O mesmo passa com muitos textos
de história e crítica de arte, onde parece mais importante que
o título seja ocorrente e chamativo, ainda que depois o que se
escreve em seguida transmita e ensine pouco ou nada, e sirva
só para a vaidade de quem escreve. Há de tudo, certamente.
Em arte contemporânea, temos uma série de objetos que
se nos pusermos a admirá-los, veremos que já são passados de
moda. Já Duchamp inventou praticamente tudo do que muitas
das coisas que até hoje se seguem fazendo. Há como uma es-
pécie de obsessão por surpreender o espectador e, ademais,

237
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

muitas vezes se sente falta do ato artístico, o qual vemos em


parte dos artistas paisagistas contemporâneos, que como digo,
sou um apartado de consideração porque isso já não se faz.
Pois é aí onde justamente o historiador da arte tem que por
um papel fundamental e, sobretudo, não se vender. Há muitos
historiadores da arte que se vendem!
Sempre sabemos desta espécie de divórcio, da separação
que há entre a história de arte e o mercado de arte. Geralmen-
te os agentes do mercado de arte desprezam como “pobres” os
historiadores de arte, mesmo quando muitas vezes necessitam
deles para legitimar ao que lhes interessa. E digo, justamente
nessa comunicação absolutamente interessada onde o historia-
dor se vende ao mercado e onde o mercado compra o histo-
riador, a realidade é que os paisagistas em geral têm pouca
importância.
De qualquer maneira, como dizia sobre o caso de Tomás
Sánchez, José Gamarra, que contamos recente, como Armando
Morales, um artista contemporâneo de Nicarágua, é importan-
te dizer que seguem firme com o tema da paisagem, ademais,
fazendo com um estilo muito pessoal e que são artistas muito
mais genuínos do que outros que vendem todos os dias pelos
meios de comunicação, em exposições...

RODRIGO GUTIÉRREZ VIÑUALES


nasceu na Argentina e desde 2001 vive na Espanha, onde é professor
titular de História da Arte na Universidade de Granada. Investigando a
arte latino-americana, é autor de vários livros, entre os quais Arte latino-
americano del siglo XX. Otras historias de la Historia (Zaragoza, Prensas
Universitarias, 2005), América y España, imágenes para una historia. Inde-
pendencias e identidad 1805-1925 (Madrid, Fundación MAPFRE, 2006) e
Ecuador. Tradición y vanguardia (Madrid, SEACEX, 2007).

MIGUEL LUIZ AMBRIZZI


é Mestre em Cultura Visual pela Faculdade de Artes Visuais da UFG, pro-
fessor substituto do CEPAE – Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Edu-
cação da Universidade Federal de Goiás, da FESURV - Universidade de Rio
Verde (GO) e da FAFICH – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas de
Goiatuba (GO).

238 Entrevista com Rodrigo Gutiérrez Viñuales por Miguel Luiz Ambrizzi
Normas para publicação de trabalhos

A Revista Visualidades é uma publicação semestral do Mes-


trado em Cultura Visual da Faculdade de Artes Visuais da Uni-
versidade Federal de Goiás. Seu objetivo é a publicação de tra-
balhos originais e inéditos – em português, espanhol, inglês e
francês – dedicados à diversidade de manifestações que articu-
lam o sentido visualmente, tratando-as em relação à cultura e
como cultura.
Os originais, sob a forma de artigos, ensaios visuais, relatos
de pesquisa, entrevistas, resenhas e resumos de dissertações e
teses, serão avaliados preliminarmente pelo Conselho Editorial
quanto à pertinência à linha editorial da revista. Numa segunda
etapa, as contribuições enviadas serão submetidas a pareceris-
tas ad hoc. O Conselho Editorial reserva-se o direito de propor
modificações no texto, conforme a necessidade de adequá-lo
ao padrão editorial e gráfico da publicação.
Artigos e entrevistas deverão ter entre 4.000 e 9.000 pala-
vras. Resenhas: até 2.000 palavras. Resumos de teses e disser-
tações: até 400 palavras. Relatos de pesquisa: até 3.000 pala-
vras. Serão aceitas resenhas de livros publicados no Brasil há 2
anos, no máximo, e, no exterior, há cinco anos. Serão aceitas
também resenhas de filmes e exposições. As imagens para os
ensaios visuais devem ser em P&B, com resolução mínima de
300 dpi.
O texto deve ser acompanhado de uma biografia acadêmica
do(s) autor(es) em, no máximo, 5 linhas, e das seguintes infor-
mações complementares: endereço completo do autor princi-
pal, instituição à qual está ligado, telefone, fax e e-mail. Essas
informações devem ser enviadas separadamente.
Os trabalhos devem ser precedidos de um resumo de 5 a
8 linhas e 3 palavras-chave, ambos em inglês e português. As
resenhas devem ter título próprio e diferente do título do tra-
balho resenhado e devem apresentar referências completas do
trabalho resenhado.
Os textos deverão ser digitados no editor Microsoft Word
(Word for Windows 6.0 ou posterior), salvos no formato Rich

241
V I S U A L I D A D E S . R E V I S TA D O P R O G R A M A D E M E S T R A D O E M C U LT U R A V I S U A L - F AV I U F G

Text Format (rtf), com página no formato A4, fonte Times New
Roman, corpo 12, entrelinhamento 1,5 e parágrafos justificados.
As notas devem ser sucintas, empregadas apenas para in-
formações complementares e não devem conter referências bi-
bliográficas. Devem ser inseridas no final do texto, antes das
referências bibliográficas, e numeradas seqüencialmente.

Referências bibliográficas
Quando o autor citado integrar o texto, usar o formato: Au-
tor (ano, p.). Em caso de citação ao final dos parágrafos, usar o
formato: (SOBRENOME DO AUTOR, ano, p.). Diferentes títulos
do mesmo autor publicados no mesmo ano serão identificados
por uma letra após a data (SILVA, 1980a), (SILVA, 1980b). As
referências bibliográficas completas devem ser informadas ape-
nas no final do texto, em ordem alfabética, de acordo com as
normas da ABNT (NBR-6023/2000):
SOBRENOME, Nome. Título do livro em itálico: subtítulo. Tradu-
ção. Edição, Cidade: Editora, ano, p. ou pp.
SOBRENOME, Nome. Título do capítulo ou parte do livro. In:
SOBRENOME, Nome do organizador (Org.). Título do livro em
itálico. Tradução, edição, Cidade: Editora, ano, p. X-Y.
SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico em
itálico. Cidade: Editora, vol., fascículo, p. X-Y, mês, ano.

Documentos eletrônicos:
Para a referência de qualquer tipo de documento obtido
em meio eletrônico, deve-se proceder da mesma forma como
foi indicado para as obras convencionais, acrescentando o URL
completo do documento na Internet, entre os sinais < >, ante-
cedido da expressão Disponível em: e seguido da informação
Acesso em:
SOBRENOME, Nome. Título do artigo. Título do periódico em
itálico. Cidade: Editora, vol., fascículo, p. X-Y, mês, ano. Dispo-
nível em: <http://www>. Acesso em: dia mês ano.

Os originais devem ser enviados por e-mail e remetidos por


correio em três cópias impressas (duas delas não identificadas)

242
e uma cópia em CD-ROM. O CD-ROM deve conter o artigo, o
currículo resumido do(s) autor(es) e as imagens separadamen-
te. As imagens devem ser gravadas no formato TIFF ou JPEG,
com resolução mínima de 300 dpi. A permissão para a reprodu-
ção das imagens é de inteira responsabilidade do(s) autor(es).
Cada autor receberá 5 (cinco) exemplares do número em que
for publicada sua colaboração. Os originais não serão devolvi-
dos aos autores.
A revisão ortográfica, gramatical e a adequação às normas
da ABNT são de inteira responsabilidade do(s) autor(es). As co-
laborações para a revista Visualidades devem ser enviadas para
o seguinte endereço:

FACULDADE DE ARTES VISUAIS / UFG


Secretaria de Pós-Graduação
Revista Visualidades (A/C: Rosana Horio Monteiro)
CAMPUS II – Samambaia – Bairro Itatiaia
Caixa Postal 131
74001-970 - Goiânia - GO
Telefone: (62) 3521-1440
E-mail: revistavisualidades@gmail.com

243

Você também pode gostar