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Daniel Buren bowlogre-Billecourt, 1938) (0 dscurso aristico de Daniel buen € marcado pea politizagéo ‘de todas as questées do univers daare—museus, galerias, _aticos, colecionadores, aparalho econémico, politico e cultural no qual ela se inscreve e que faz fancionar. Associado, entre 1966 11967, a Oliver Mosset, Miche! Parmentier e Niele Toroni, forma "| ogupo B.M.PIT., que preconiza obra anénima, reduzida a sua ‘Smples materialidade (suporse, core texzura), Passa a utilizar sua *ferramenca vieual”, consstulda Gelisras alrernadas, brancas € coloridas, de 8,7em enquanto signo impessoal e antilusionisca, como um dos elementos em meio 2.um conjunto arquitetdnico, ecandmico e politico. Sua atuasio tem sido pontuada por ingmeras polémicas, como naVI Exposigo Incemacional do Guggenheim Museum (Nova York, 1971), na Documenta V (1972) «€ por oeasio da instalago de Deus plateaun, no Palais Royal, em Paris (1986). Neste Co eager ges eee “a representagdo mental geral ¢ abstrata de tum objeto” (dicionério Le Petit Robert) Ainda ‘que essa palavea seja assunto para uma dis- cussio filoséfica, seu sentido & mesmo assim, centendido de forma bastante exata, ¢conceito nunca quis dizer cavalo. No entanto, tendo em vista o sucesso que esta palavra adquire no mundo da arte, tendo em vista o que é e sera reunido sob essa palavra, parece necessitio comegar dizenclo aqui o que entendemos por “conceito” na linguagem para-artistica. Podemos distinguir trés sencidos dife- rrentes, que encontraremos nas diversas mani- festagdes “conceituais” ¢ dos quais titaremos imediatamence trés reflexSes que constituito uma adverténcia, 1) Conceito = projeto Trabalhos que, até hoje, exam considerados apenas esbogos ou planos que deviam ser realizados em outra escala serdo a partir de agora elevados ao patamar de “conceitos". © que era apenas um meio, gragas a0 milagre de uma palavra, corna-se um fim. Nao se tra- ta de modo algum de um conceito qualquer, mas simplesmente de um objeto que nio pode ser realizado em tamanho real por falta de meios téenicos ou financeitos. 2) Conceito = Maneirismo Sob o precexto do “conceito”,o anedético vai reflorescer e, com ele, a arte académica. Nao se tratard mais, € claro, de representar 0 nit ‘mero exato de botdes dourados na tdinica de tum soldado, nem de fazer sentir 0 farfalhar de um bosque, mas sim de nos enereter com co niimero de passos necessérios para percor rerum quilémetro, as férias do Sr. X em Po- pocatepet! ou a temperatura medida em tal lugar, Sob o pretexto de se ater & realidade, 0s pintores “realistas”, quer se trate de Bou- guereau, dos pintores do realismo socialis- ta ou dos artistas pop, nfo agitam de outra maneira. E uma maneira — mais uma~ de o artista exibir seus dons de ilusionista. Nesse tipo de atitude, o campo de possibilidades € quaseilimitado. De certo modo, o conceive vago da propria palavra “conceito” nos vale uum retorno do romantismo. 3) Conceito = Idéia ~ Arte Finalmente, a tentacio de tomar uma idéia, transformé-la em arte e chamé-la de “concei- to” seduziré mais de um. E esse procedimen- fo que nos parece o mais perigoso, 0 mais di € por levantar um problema atual: como se il de desbancar, por ser muito seduror livrar do objeto? A seqiléncia desta explana ‘io [exposé] tentara esclatecer essa nogio de objeto. Observemos apenas desde ji que nos 280 servos de artis “Adverténcia”, também em tom ppolémico, ¢ tratando em dere 195 fundamentos de sua préprig pritica, Buren chama a atencio, tembora parcihe a abordagem analtica, contra 0 use incorteto dda nogio de arte conctitual, em ‘lara referéncia a “Arte depois da filosofia”, de Joseph Kosuth (verp.210). ‘Com ineensa ¢ inintesrupta atividade de formulage critica etedrica, seus eseritos foram reunidos, em tr8s volumes, por Jean-Marc Poinsot: Daniel Buren, Les éerits (1965-1990) (Bordeaus, cape/Musée d'Art Contemporain cde Bordeaux, 1991), Exp6s no Centro de Artes Hélio Oiticica fem 2001, quando foi publcado, com organizacdo de Paulo Sergio Duarte, Daniel Buren: texte entreistasescalbidos (1967-2000). Ener diversas referéncias, indicamos ainda: Davie! Buren, Au sujet de... Enreten ove rcme Sars (Paris, Flammarion, 1998) Le ‘muse guiness pas (Pats, Cente Pompidou, 2002); Gloria Ferra, "Emproscara paisagem — Danie! Buren ¢ 05 limites exitcos”, Arte & Enetos 8 (2001), “Mise en garde” Publicado originalmence em Konzeption/ Conception (Leverkusen, Stadtisches Museum, out 1969), com correges do artista em overnbro do mesine ano, por Kasper Konig, em nvers, no catalogo Konzeption/Cancption parece embar nivel d E posiga: nidos + detivar partici ferece uma 28 observa ado/prixis rresentados “ato de nto > serem fei Ao, 0 fato da produc dordas, ele ispomos $a serem + 0U seja, em uma ureza, 0 ‘ponder 08 criar = Pode. modo assina- sé por- 0 si, ‘idade, isso € ger um artista. De fato, em vez de questionar ou conhecer 0 problema colocado, nés Ihe damos uma solugao,e que solugiol Nés o escamoreamos definitivamente e passaos a outra coisa, Assim, a arte evolui de forma em forma, de problemas levantados em problemas resolvidos, uns mascaran- do os outros ¢ assim por diante. Abolir 0 objeto como ilusio ~ problema real —, substitaindo-o por um “conceito” — tesposta utépica ou ideal — é tomar gato por lebre, conseguir fazer um daqueles passes de magica que 2 arte do século XX tanto aprecia. Podemos ais afitmar, sem muitos riscos, que a partir do momento em que um conceito ¢ enunciado ¢, sobretudo, “exposto” como arte, com a vontade de abolir 0 objeto, nés na verdade 0 subsituimos, “conceita” exposto rorna-se objeloided, o que nos remere mais uma vez arte como ela é ou seja, a ilustio de alguma coisa, e néo essa coist. ‘Da mesma mancira que a escrita cada vez menos a transcrigio da fala, a pincura nio devetia mais ser uma visto/ilusto qualquer, mesmo mental, de tum fendmeno (natureza, subconsciente, geomettia..), mas VISUALIDADE da propria pintura. Chegamos 2 uma nogao que se assemelha entio mais am método — e nio a uma inspiragio qualquer ~, método este que desejaria, de modo a atacar de frente os problemas do objeto propriamente dito, que «a prépria pintura criasse um modo, um sistema especifico, que nao ditasse mais o olhar, mas que fosse “produzido pata o olhar”. b)Aforma Quanto A estrutura interna da proposiglo, as contradigbes so dela reti- radas; nenhum “drama” ocorse na superficie de leitara — nenhumna linha horizontal, porexemplo, vem cortar uma linba vertical, s6 linha horizon: tal imagindtia da delimitagao da obra em cima e embaixo “existe” mas, do ‘mesmo modo que “existe” apenas por reconstrucae mental, logo se des- constzéi mencalmente também, pois sabemos que o tamanho exterior no € fixo, o que explicamos mais adiante. 'A sucessio das listras verticais ocorre igualmente sem nenhum aci- dente, sempre de forma idéntica (L, 2, 1, 2, 12,1, 2,1, 2 1 ete), néo ctiando assim nenhuma composigio no interior da superficie a ser olh- da, ou se preferitmos, uma composicio minima ou zero ou newra. Bssas nogées sdo entendidas em relagio 3 obra artistica em geral, e nfo & obra em si, Essa pintura neutra nem por isso é desengajada, mas, muico pelo contrétio, grasas a sua neutralidade ou a sua auséncia de estilo, €exere- anit buren 258 ‘mamente rica em explicagdes sobre si mesma (sua posigdo exata em relax slo ao resto), sobrerudo, sobre as outras produgoes, deixando, gragasj_ falta ou & auséncia de problema formal, todo seu vigor 20 pensamenta? Podemos dizer também que essa pintura nao tem mais cariter plastico, mas que ¢ indicatva ou critica, Fncte outros, indicativa/critica de seu pré: prio processo. Esse grau zero/neutralidade da forma é engajado no senti- do em que a auséncia total de confiro elimina qualquer abrigo (qualquet mitificasao ow segredo) e, em seguida, raz o siléncio. Por pintura neutta no se deve entender pintura indiference Finalmente, essa neutralidade formal nao o seria se a estrutura inter. nna da qual acabamos de falar (listras verticais brancase coloridas) estivesse ligada a forma exterior (taranho da superficie dada ao olhat).Sendo a es- ‘rutura interna imutavel, se forma exterior também o fosse, chegaciamos com bastante rapidez 8 ctiacio de um arquétipo quase religioso que, em ver de ser neutro, dotar-seia de repente de toda uma série de significados dos quais um, ¢ nao © menos importante, se lizada da neutralidade. Em compensacio, a variagio continua da forma exterior nos faz descobrir que ela no tem nenhuma incidéncia sobre a estrutura interna, que permanece x mesma em todos os casos. A estre tura interna permanece sem conflito/nio-composta, Se a forma exterior nao variasse, a0 contririo, imediatamente surgiria um conflito, que seria ‘ ctiagdo de uma combinagdo ou relacio fixa entre o tamanho respectivo das listras, seu espacamento — estrutura interna ~ eo tamanho geral da obra. Esse tipo de relagdo estaria em contradicio com a ambigio de néo tamanho respectivo +0 tamanho geral da m 8 ambicio de nio ‘elada de um proble- mais a propria coisa ‘te/obra questionan- Porte que acabamos: fo tem imporeincia *Gil. Veremos mais SS propria forma, 14s formats dexaram ‘© um trabalho real desaparecer/ddesa- [Aarte sendo a forma que ela adquire, deve estar sempre se renovando, dde modo a produzit 0 que chamamos de nova arte, Tantas € tantas vezes. + falamos de nova arte, porque a forma mudava, que se pode pensar que no espitico da maioria —criadores e crticos ~ 0 fundo e a forma estavatn/es- to ligados. Ora, se partirmos do p literalmente diference ~ é sempre de Fato 2 mesma coisa, mas fantasiada so de que a nova arte ~ portanto com outra mascara, entio o problema do fundo se coloca. Endo buscar mais a todo custo ma forma nova é eentar abandonar a historia da arte tal como a conhecemos, é passar do Metco ao Histérco, da Musto 20 Redl. Acor ‘Do mesmo modo que o trabalho que propomos nao poderia ser aimagem dealguma coisa (com excegio, € claro, da sua propria) néo poder, pelas razbes dadas anteriormente, cer uma forma exterior definide de uma vez por todas, ele no pode ter uma cor tinica e definitiva, Se fosse fixa, a cor imitifcaria a proposiglo e se tornaria a cor X grau zero, do mesmo modo aque existe o azul-mazinho, o verde-esmeralda ou 0 amarelo-canstio. ‘Umaccor, apenas uma, repetida indefinidamente, ou pelo menos ura grande niimero de vezes, adquiitia assim significagées meleiplas e incon- gruentes.” Assim, todas as cores sio utilizadas simultaneamente, sem or dem preferencial, mas_sistematicamente. Dito isso, constatamos que, se 0 problema da forma como pélo de interesse dissolveu-se por ele mesmo, oda cor, 0 contrario —considerado como subordinado ou evidente no inicio do trabalho e devido ao emprego aque dele se Faz a fien de retirar-he toda significago de ordem emocional ‘ou anedética ~ revela-se de grande importancia. Nao desenvolveremos essa questio com mais detalhes aqui, devido a0 fato de ela ter se colocado recentemente e de faltar-nos elementos ¢ recuo para uma andlise séria, Assinalamos 20 menos sua existéncia seu ineeres- se evidente. Podemos simplesmente dizer que, a cada vez.que a proposigde 6 dada a0 olhat, uma tinica cor (repetida a cada duas lstras, sendo a outra branca)€ visivel e que ela ndo tem relagéo com a estrutura interna ou com * Notemas, a esse tespito, o falto problema criado/resolvido pelo monocromo...“A rela monocromitica como quadra de género remete, eno final das contas remece apenas, a ‘se fundo metaflsico ond se destacam as figuras da pincura chamada realstac que, na \etdade,¢ apenasilusionista” (Marcel Pleynee, Ls Lats Prange, m.1.17). daria buren 265 + forma exterior que a sustentae que, consequlentemente, coloca-se «priori que: branco-vermelho-preto-azul-amarelo-verde-violeta ete. A repeticéo A aplicasio, ou s¢ja, aquilo que € dado ao olhar em lugares e tempos dif. rentes, bem como o trabalho pessoal hé quatro anos, nos forga a constatar uma repeticdo visual evidente 20 primeiro olhar. Dizemos “ao primeito olhar” pois os pardgrafos b ec jé nos ensinaram que existiam diferengas de ‘uma obra para outra. No entanto, oessencial, ou sea, a estruturaincerna, permanece imutavel. Podemos assim, tomando alguns cuidados, falar de tepeticdo, Essa repetisao nos conduza duas reflexdes aparentemente com tradis6tias: por um lado, a tealidade de uma certa forma (descrita acima) por outro, seu desaparecimento por visdes sucessivas eidénticas que, elas prSprias, rompem com aquilo que essa forma poderia ter de original, ape sat do sistematismo do trabalho, Sabemos que apenas um etinico quado, conforme descrito acima, mesmo neutro, adquitieia por sua prépria unici- dade uma forea simbélica que destruitia sua vocagio de neutralidade, Da mesma maneita, a repeti¢ao de uma forma idéntica, de cor idéntica, catia nas armadilhas assinaladas nos pardgrafos b e ¢, e adquiritia além disso oda uma tensio religiosa se a atitude se encarregasse de idealizar uma tal proposicio ou adquirisse o interesse anedético de um grande esforgo oriundo de um desafio que viesse depois de uma estdipida aposta, essas das inverpretacdes talvez sendo uma sé, aids. Resta uma (nica possibilidade:a repetiglo dessa forma neuer, comas diferencas que ja assinalamos, Assim concebida, essa repeticdo tem como efeio dissolver 20 maximo a eficécia, mesmo fraca, da forma proposta enquanto tal, de revelar que a forma exterior (mével) no tem nenhuma incidéncia sobre a estrucura interna (eepetisfo alternada de lists) e de fazer aparecer o problema colocado pela cor em si. Essa repeticSo também revela nos seus préprios fatos que, visualmente, nio existe nenhuma evol- #0 formal — embora baja mudanca —e que, do mesmo modo que nenhumn “drama”, composigéo ou tensio €visivel no contexto definido da obra pro- posta a0 olhar, nenhum drama nem tensio é perceptivel quanto a ctiaséo propriamente dita, As tenses abolidas na prépria superficie do “quadro” Fambém o foram — até hoje — no espaco-tempe dessa producio. A repetigZo €0 meio nelutével da legibilidade da prépria proposigao. 256 esertos de antscas te, coloca-se priori ete, #468 © cempos dife- sforsaaconstacar ‘mos “20 primeico iam diferencas de sstrutura interna, tuidados, falar de encemente con- (escrea acima) Enticas que, elas de original, ape nico quadro, prépria unici- sutralidade. Da idéntica, caria tia além disso fideatizar uma tande esforso posta, essas eutra,comas totem como 2 proposta 2 nenhuma liscras) e de do também rama evo enenhum robrapro- >acriasao “quadro” Arepetisio F por isso que, se determinadas formas artisticas isoladas colocaram © problema da neuttalidade, clas nunca foram levadas até o fim de seu proprio sentido e, permanecendo “tinicas’, perderam a neueralidade que acreditamos desvendar nelas (pensamos, entze outras, em certas telas de Cézanne, Mondrian, Pollock, Newman, Stella) A repeticio nos ensina igualmente que nao ha perfectibilidade posst- vel. Um trabalho esté no nfvel ze10 ou néo esc Aproximarse do nivel zero nao quer dizer nada. Nesse sentido, as poucas telas dos artistas aos quais nos referimos ha pouco s6 podem ser consideradas como abordagens empiricas do problema e, devido justa- mente seu empirismo, nao puderam desviar 6 rumo da “historia” da arte, ‘mas sim reforear seu conjunto como idealismo, A diferenga Depois do item anterior, podemos considerar que a tepetigdo seria a manei- ra adequada ou uma das maneiras adequadas de propor nosso trabalho na logica interna de seu proprio percurso, Além das revelagées assinaladas por sua aplicaclo, a repeticao deveria na verdade ser compreendida como wm M& todo, e no como um fim. Método que, como vimos, rejeita definitivamente qualquer repericio de tipo mecanicista, ou sefa, a repeticao de uma mesma coisa (cor * forma) geométrica (sobreponivel em todos os aspectos, inclusive ‘nacor). Repeti, nese sentido, seria provar que um tinico exemplar jé possui uuma carga que o exclui de qualquer neutralidade, ea repeticao nada poderia mudar nisso. Um coelho repetido dex mil vezes nao dar nenhuma nogio de neu- tralidade ou grau zero, mas eventualmente a imagem dez mil vezes idénti cado mesmo coelho, A repetigio que nos interessa é, portanto, fundamentalmente, a apre- sentacio da mesma coisa, mas sob um aspecto objecivamente diferente Para resumi ,€ evidence que nio nos parece de modo algum interessante ‘mostrar sempre de modo idéntico a mesma coisa e deduzir desse fato que existe repeticio. A repeticao que nos interessa é um método, ¢ no un tique; é uma repeticao com diferengas. Podemos até dizer que sto essas diferengas que fazem a repetigio, ¢ que rio se trata de fazer 0 mesmo pata dizer que éidéntico a0 precedence, o que é sama tautologia, assim de uma repetizodedferencas objetivando wm mesmo. daniel buren 287 £) Oanonimaco Dos cinco ens anteriores surge uma relagio que também leva aalgumas consideragées; trata-se da relagéo que pode exist entre 0 “criador” eessa proposisio que tentamos defini Primeira constatagao: cle nao é mais proprietrio de seu trabalho. Aliés, do se erata de seu trabalho, mas de wa trabalho. A neutralidade da proposi- sfoapintura como assunto da pintura”e, dai, auséncia de estilo, nos leva a constatar um certo anonimato. Nao se trata obviamente do anonimato daguele que prope o trabalho, o que seria, mais uma vez, resolver um pro- blema falseando-o — de que nos importa o nome daquele que fez.a Piti de Villeneuwels-Avignon? ~, mas sim do anonimato do priprio mabalbo apresentado, Considerando-se esse trabalho um acervo comum, no se trata de reivind- car sua pateridade, da maneita possessiva segundo a qual existem pinturas, auténticas de Courbece pinturas falsas, que nio tém nenhum valor. Como «em nossa proposigio a projecio do individuo ¢ nula, nao vemos como ele ‘poderia reivindicar seu crabalho como Ihe pertencendo, Do mesmo modo, entinciamos que a mesma proposigio feita por X ‘ow ¥ é idéntica feta pela mio daquele que assina este texto. Se prefer mos, 0 escudo do trabalho ja feito nos forsa a constatar que nio existe ‘mais, na forma definida anteriormente ~ na forma apresentada — verda- deiro ou falso em relagao & significagdo classica desses dois termos quando se referem a uma obra de arte.’ Podernos dizer também que a obra da qual falamos, porque neutra/anénima, foi sem dévida produzida por alguém, mas que ¢ss¢ alguém no tem nenhume importincia ou, se preferirmos, quea importancia que possa ter € totalmente arcaica, Quer eleassine “sta” obra ou nao, mesmo assim ela continuara a ser andnima. 4) 0 ponto de vista, o lugar Finalmente, uma das conseqiéncias exteriores de nossa proposicio & 0 pro- ‘blema criado pelo lugar onde o trabalho é mostrado. De fato, a propria obra se apresentando sem composicio, 0 olhar nao sendo distraido por nenhum acidente, a obra como um todo que se tornao acidente em relagio a0 lugar onde 6apresentada. A condenagio de toda forma como tal,conforme nos f- zeram constatar os itens anteriores, nos conduza questionar 0 espaco finito ‘no qual essa forma é vista ‘Constatamos que a proposicéo, qualquer que seja ¢ lugar onde é apre- sentada, nfo “perturba” o dito lugar. O lugar em questo aparece tal qual, 258 ceconar de arieeas é visto realmente, Esse fendmeno se deve em parte 20 fato de a proposicio nico ser distative, Além disso, sendo apenas seu préprio enunciado, seu lugar prSprio €a proposigio em si, O que permite dizer, paradoxalmente:a propo- sigdo em questo “no tem lugar proprio"? De cerea maneita, uma das catacteristicas da proposicio € revelar 0 continente” que lhe serve de abrigo. Tomamos consciéncia igualmente do faro de que a influéncia do lugar tem um papel tio pequeno em relagao a significagio da obra quanto 0 concratio. ssa teflexio, ainda em curso de elaboragio, nos levou a apresentar 1a proposigio em um niimero de lugares extremamente variados. Se for possivel imaginar uma gelagdo constante entte © continente (lugar) ¢ © conteiido (proposigio inteira), essa relagdo é sempre anulada ou reposta em questio pela apresentagao seguinte. Essa relagio leva, portanco, a dois problemas indissoldveis, embora aparentemente contradieérios: « tevelagio do préprio Ingar como novo espago a ser decifrado; «+ questionamento da propria proposigao, na medida em que sua re- peticao (ver os itens d e e) em “contexcos” diferentes, sua visibilidade sob diferentes pontos de vista, nos faz voltar & ptoposicdo essencial: 0 que é dado ao olhar? Qual é sua natureza? ‘A multiplicidade de lugares onde a proposigdo € visivel permite constatar a persisténcia fora de alcance da qual se faz prova no instante exato em que seu aspecto a-estilo a dissolve com seu suporte. # muito importante mostrar que, ao mesmo tempo em que se per- manece em um campo cultural muito preciso — como poderia ser de outro modo, alias? ~, € possivel sair do lugar cultural no sentido pri- mario (a galeria, o museu, 0 catélogo...) sem que a proposicio como tal desmorone imediatamence.” Isso reforga nossa conviesio de que o trabalho proposto levanca um problema novo, na medida em que cada ‘um pensa que ele ¢ dbvio, ou seja, 0 problema do ponto de vista. ‘Nao podemos insiscir nas implicagbes reveladas por essa noso; mencionemos apenas, a titulo de indicagao, que todas as obras que pre- tendem abolit 0 objeto (obras conceituais ou outras) sie pasticularmen- te tribucévias do ponto de vitea tico a partir do qual sio “vistveis”, que € considerado um a prior’ inelutével (ou, als, nio € em absoluto conside- * Como exemple « comparagao mn que se rcansforma o mictio de Duchamp se coloce do nos banheires puiblcos? anil boron 259 rado). Um n idealiseas, ou seja, readymade de todos os tipos, por exemplo) "36 exis- cem” porque o lugar onde sio vistas 6 subentendido, mera decorréncia, Desse modo, o lugar adquire uma importancia consideravel por seu cardcer fixo, ineviedvel; ele se torna a “moldura” (¢ 0 conforto que esta subentende) no exato momento em que querem nos fazer acreditar que © que acontece no interior leva ao rompimento de todas as “molduras” (argolas de ferro) existentes para atingir a “liberdade” pura. Um olho hic cido sabe do que se trata a liberdade na arte, mas um olho um pouco me- nos educado verd melhor do que se trata quando houver interiorizado a seguinte nogo: a de que o lugar (exzerior ou interior) onde uma obra é mero significativo de obras de arve (as mais exclusivamente vista éa molduta (o limite). Teoria, pritica, ruptura Podemos nos perguntar por que se deve tomar tantas precaugdes, em vez de se pormitir apresentar sua obra normalmente, sem comentario, dei- xando esse cuidado 20s “criticos” ¢ outros “redatores” profissionais. Isso € muito simples: porque s6 uma ruptura completa com a arte tal-come- é-concebida, tal-como-a-conhecemos, tal-como-a-praticamos, tornou-se possivel, a voz irreversivel na qual o pensamento deve se engajar, e porque isso exige algumas explicages. Essa ruptura implica, como tarefa primei- rac essencial, ever a histéria da arte que conhecemos ou, se preferirmos, desconstruéla radicalmente e, se encontrarmos alguns pontos fortes ou cessenciais, que no os usemos como aquisigies para iniciar ou sublimar, ‘mas sim como uma “variedade” que deve ser redita. De fato, uma “ver dade” que, embora jé “encontrada”, deveria ser questionada e, portanto, ctiada, Pois podemos enunciar que, atualmente, todas as “verdades” que possam nos ter sido assinaladas ou que tenham sido teconhecidas no “Na apresenario da primera anologa de seus eatosraduzidos para ingles, ‘Porque certo, oa lugar de onde ieervenho", Buren di: °B lao que os 2x ao pederam ser ilusteagdes do que le no podem concebe, pos fora ditador por uma sie de reletessobtetabathos que thes precederam’ (in ise Tes, Nova York, Londres, John ‘Weber Gallery, jack Wendie Galley, 1974. [Trad, bras in Bal Sergio Duarte (78), nel Bare: tsar exrevias cold (1967 2000), Ri de Jani, Cone de Ate Ho Oiticica/Consalaco Geral da Panga, 2002}) (N.Orgs) 260. escrtor de ariecas pect tenta Jado cla ara sign gic arte wed pry des Not Le 2c vamente “86 exis. por seu que esta wear que Iducas” stho Is. ico me- izadoa obra é so CONHECIDAS. Reconhecer a existéncia de um problema com certeza io é conhect-lo, Se alguns problemas foram de Faro empisicamence re- solvidos, nem por isso podemos dizer que os conhecemes, pois 0 préprio ‘empitismo que preside esse tipo de descoberta sufoca a solugdo em um nbirinco de enigmas cuidadosamente preservados. Paralelamenté, gragas a0 préprio trabalho/produgio artistica, temos, 20 Iongo de toda a arte, a indicagao da existéncia de determinades problemas. Fsse reconhecimento de sua existencia pode see chamado « pritica. © conhe- cimento exato de seus problemas sera chamado 4 eora (nao confundir com todas as “teorias”estéticas que nos foram legadas pela hist6ria da are). esse conbecimento ou teoria que & hoje indispensével em relagio a pers- ppectiva de uma rupeura, rupcura que se coma ento fato;ndo podemsnascon- tentar como simples reconbecimento da existéncia dos problemas que surgem, Podemos afirmar que toda a arte até nossos dias s6 foi criada, por um lado, empiricamente e, por outro, com base em um pensamento idealista. Se cla puder se epensar ou se pensar ese criar teoricamente/cientificamente, 4 ruptura sera consumada e, por isso mesmo, a palavra arte tera perdido as significagBes — numerosas e divergentes — que se prendem a ela até o pre- sente, Podemos dizer sobre o que precede que a ruptura, se rupcura hou: ver, s6 pode/s6 poders ser epistemologica, Essa ruptura é/seré o resultado ligico de um trabalho teérico a partir do momento em que ¢ histéria da arve (que resta.a ser feita) e sua pritica sio/serio consideradas teoricamen- te: de fato,a teoria, e586 a teoria, pode permitir uma pritica revoluciondria, como sabemos. Por outro lado, nao s6 a teoria é/serd indissocidvel de sua propria pritica, mas ainda pode/podera suscitar outras priticas origina. ‘No que nos diz respeito, por fim, é preci entender muito bem que por eo- ria, como produtor, apenas o resultado apresentado/pintuns éteora ou prdtica ted- 1ica ou, como define Althusser: “Teoria: uma forma especifica da pratica.” Estamos conscientes do que essa exposicao [exposé] pode ter de didati- a, mas pensamos, ainda assim, que no momento é indispensavel proceder desse modo, Notas 1. Cf. Baven ow Toromi ow n'imperte gui, manifeseaczo Lugano, dex 1967. 2. CE Michel Clauta, Les Letres Prangaices 1.277. daniel buren 261

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