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BRAS DO AUTOR Dis Poounoe Estes de Pollore Muse ‘Re ant. 1388 rca, Ria e Meld ma Mion don Jae ‘er Bravo. Rio de ans, 1968 Regio de eros dates, Brus ig earn Minitdro da Paseo 2 Sable, 1388 A Mision ‘Drasicine 6. Sous Pomel, ‘Washinton, Unit PancAmerteaa: 198 Mésica de Temps Dest Casa. Rio de Jn ‘sry Caso Estate do Bei 1980. sa # Ms do Dra Jc, ‘Coat do. Estaame 0 Be Bion Musa rae “once Mercedes ei). Rio de Janeiro, It ‘to Naito Lira, 12" aveausa JOSE OLYMPIO Bornins Colegae Documentos Brasileiros ‘Dents tw OCTAVID TARGUINO DE SOUSA 87 LUIZ HEITOR 150 Anos de Musica no Brasil (1800 — 1950) carfruto 1x ADVENTO DO NACIONALISMO. A MUSICA POPULAR URBANA E SUAS CARACTERISTICAS, fisionomia da misica nacional, com a8 suas pe- culiaridades de ritmo, melodia ¢ harmonia, come 8 esbogar-se, em composigdes impressas, despreten- osas, de indole popularesca, por volta do ano de 1870. io quer isso dizer que anteriormente, quigd mesmo na ra colonial, alguns tipos de mmisica j& bem reconbe- ivelmente brasileiros, como os luidus e certas mo- linhas, no estivessem em voga; a coletinea de J. B. jon Spx e C. F. P. von Martivs inttulada Bras he Volksliedey und Indionische Melodien atesta-o balinente ('). © que hi, ds mencionada época em xe, & a conseiéncia do forte sabor naciovalizante algumas férmulas, que antes apenas se insinuavam, que passam a ser diligentemente procuradas, obser- € empregadas a granel nas pegas dangantes dos positores populares, Observa-se entio umn curioso fendmeno dé diver~ cia entre a orientagio dos compositores de escola, obras cantadas ou executadas nos sales da boa jedade, e a désses compositores populares, autores ‘sucessos da moda, cuja musa velada tisha a ir- > Brains Volker wad Indie Meladon. Ms plage ers Shs and Dr" Mare eit mB cn, 185.) as urs HEITOR + resistivel atragio das coisas proibidas. Sto dles que aprofundam o cardter brasileiro da misica que pro- diuzem entrogando-se, intuitivamente ow conscente- mente, & pesquisa de modalidades rltmico-melddicas ainda ‘io. empregadas, pelos antecessores} modalida- des que cram simpleshente a transposicéo, para 0 dominio da amisica alfabetzada, que se escreve © se immprime, das pectliaridades jeitos de cantar, tocar on hater o ritmo, savais entre a gente do povo, es pecialmente entre os negras. —Até entio os composito- Tes que produziam modinhas e lundus cram os mesmos ‘ave faziam Missas para a Capela Imperial om dperas para o Teatro Lirico Fluminense. José ‘Madrieso Nunes Garcia, Francisco Manuel da Siva, Céndido Inicio da Silva, J. 5S. Arvelos, Elas Alvares Lobo, Carlos Gomes, todos éles se dedicaram a ésse género, ¢ suas obras eram cantadas pelas meninas prendadas, dias famclias reas, sem que isso constituisse, nem por Sombra, um motivo de escindalo. A cangao brasileira = odin ow hindu — marchava, entio, lado a lado, com as formas mais sérias da mica religiosa, dra- mitica ou de concerto, Na realidade pouco diferia, ‘sentimentalmente, dessa msica con- De vez em quando clementos mais Condizentes com a sensibifidade nacional introduziam- fe em geus compassos; on caracterizava-a a inssténcia com que empregava ae mesmas formulas anédinas, nacionalizadas justamente em virtude de sua freqiién- cia. Veja-se, por exemplo, a primeira estrofe desta velha modicha anénima (poesia do grande bardo 70: mantico brasileiro Casimiro de Abrew) Alo ANOS DE MosICA No anast m0 Phsmionk triste wm Poste Plctsstm gob oop ‘A atmosfera é, sem divida, a do cantabile italiano, ddas dperas de Donizetti ou Bellini, Mas 2s appagia- ture do baixo ¢ a modulacio para a subdominitate, no 52 compasso, imprimen-ihe inconfundivel sabor na- ional, que fere certeiramente a sensibilidade do on- inte brasileiro, ‘Ao dar-se 0 divércio entre a miisiea de escola ‘€ 2 mnisica do povo os compositores que cultivam a rimeira passam a desdenhar ostensivamente as mo- » 10 Luiz mertoR tivos nacionais. Nem mesmo titulos em portugués les se permitem conferir as suas composigdes; muito menos textos vernéculos as cangGes ot Gperas que produzem. Acentua-se a imitagio do estrangeiro ‘nas camadas altas da arte, em oposigio & amisica dos ‘compositores populares, que se torna, como ja vimos, cada vex mais combativamente nacional. Os autores de um género no freqiientam 0 outro; e provavel- mente ésse isolamento dos antagonistas que revigora as respectivas caracteristicas, tornando indiscutivel- mente antinacional a nmisica de escola, e desassombra- damente nossa, ostensivamente popularesca, a que pro- vyinka de compositores menos sisudos, autores de mi sica para danca, para teatros ligeiros ou para sere- natas boémias. Observem-se os seus titulos: Como isto desenferruja a gente, Nhonhd em saritho, Quebra- quebra minha gente (polcas eélebres de L. Horta, Cantalice e H. Alves de Mesquita)... E considere- ‘se 0 abismo que separava essas chulices saborosas dos rnomes em francés ou italiano que tinkam as pecas rmusicais bem comportadas: Désir de plaire (valsa do Visconde de Taunay), Blwettes (peas faceis de Leo- poldo Miguéz), 1 twi capeli dor (romanza de Abdon Milanés). ‘A misica popular brasileira é multiforme, refle- ‘com extrema sensibilidade as diferentes condigées do ineio tnico, social ou geografico em que se manifes- ta, Nem todas essas modalidades encontraram guarida ‘na misica dos compositores urbanos de que estamos ‘tratando. Nas cidades, onde uma vida musical re~ gular se tornara possivel, com oportunidades profis- sionais, editores, € perspectivas de éxito. recompen- 10 ANOS DE MOSICA NO BRASIL 10 sador para os mais afortunades, vinha-se estabilizan- do um tipo especial de mnisica popular. Constituido pela rica melodia das cangGes portuguésas — tornada mais flexivel sob a influéncia das melodias italianas de ipera e mais sombria e artificiosa ao influxo da Pieguice peculiar a0 espirito. romantico —, de outro lado incorporando, também, a movimentagdo speci fica da miisica africana — acentuagdes. violentas, sincopas, e 0s compromissos melédicos resultantes de tais processos de ritmar — ésse tipo urbano de misiea encontrava sua expresso habitual nas modinhas Jur lus, remontando ao século XVIII mas publica do em grande quantidade, a partir de 1830. A mo- di a, melédica por exceléncia, tristonha, geralmente sel ida por versos de bons poetas, representava a mooalidade menos ceracteristica, mais universal, dessa risica popular urbana, Nela apenas o cima. senti- ‘mental e certas férmulas melédico-harménicas traiam @ nacionalidade. Mas no lundu instrumental, desde muito edo, processos ritmicos precursores da atual ‘iisica popular urbana surgiam desabusadamente, em- prestando-the um colorido tipico mais franco e mais acentuado, No Grande Luidum para piano-forte que serve de conclusio a coletinea intitulada A Lyra Mo- derna, publicada “em casa de Eduardo Laemmert, mercador de livros ¢ de musica”, no Rio de Janeiro, nos primeiros anos do segundo reinado, encoatramos, por exemplo, passagens como esta. (*): 2) Apel Milo de Antate, Modnos Inperiss. Sto Paula 1 Paint, B6 ace OVE ae el hie — tpt tet tee, tet | fet tek ae No sto outros os recursos de que até hoje se vale um misico nordestino para tirar de sua viola primitiva 0 baido, ritmo para dancar constituido por ‘uma série de sutis variantes em torno da figura = nas harmonias de tonica e de dominante. E formulas ‘como as que foram acima reproduzidas tornaram-se lugares-comuns nas poleas ¢ maxixes dos. tltimos anos do século, época em que, como ja vimos, a mist prblicada pelos editores brasileiros apresenta um sabor ‘ni onal tio distinto. ‘0 Iundu do séewlo XVIII era dangado. E dan. sa A moda espanhola, com estalidos de dedos ou cai inholas ¢ a mimica sensual de conquista também encontrada na cueca chilena, em que a dama, a pri ipio esquiva, acaba rendendo-se a imperiosa insis- téncia do macho, Gravuras célebres de Rugendas flustram muito bem essa coreografia (*); ¢ ainda € assim que Santa-Anna Nery descreve 0 lunds, quan- do publica o seu Fole-Lore Brésilien em 1889 (* Mas no curso do sécalo XIX ésse tipo de msica havi deixado de ser uma danga; convertera-se em cangio jocosa, herdando a malicia que a primitiva modinha tivera, mas que nos tempos romanticos viera a perder, tornando-se a queixosa elegia que inundou os caté- logos de todos os nossos editores musicais Gregorio de Matos, 0 grande poeta satirico bra- sileiro do século XVII passa por ter sido um dos (Tole Maurice Rogepies, Vem Pioresca strode do Bra ‘enlonte a 'Serro ili 4" Cane So Poul, Livaria Maris, 188" Gravure 3/18 e 4/7 (a) Tee ionrere tnt fous auig ou debut Un couse se Wee et commence i fit ‘Ct 2 peat remuent en commonest te font thar Its iis cove mre “de catapain en! ot lvoniitnt lr rane Slecent mollemea!. Pew 8 fe, le cor uw LUIZ REITOR criadores do lundu, transplantando-o dos terreiros em que dangavam negros © mulatos para os saldes da casa-grande, onde a sua viola reproduzia os ritmos estimulantes e 0 dengo melético dessa danca por tanto tempo famosa. Em sua poesia descobrem-se numero sas produgdes que estio impregnadas desse espirito do lundu: graca lasciva, ternura brasileira, jeito de- sabusado de capadécio gingando. £ curioso encontrar em erdnicas do séeulo XVULL a expressio tudum chorado, “que se dancava as embigadas” (*), pois a palavra chiro servira para designar a parte mais representativa da mrisice instru mental do periodo de nativismo eujo estudo estamos encetando, chorado e charo, parecendo significar, pois, tanto IA como aqui, a maneira sentida, dir-se-ia s0- lugante, de conceber 0 desenho mel6dieo e, sobretudo, de executilo, ‘Quando a Polka européia invade os salées brasi- Ieiros, com o mesmo furor que havia produzido no velho' mundo, € a ésse género, sempre instrumental, que se recolhem 0 movimento e 0 espirito do velho undu, © bindrio esperto do sew andamento, baixos fortemente marcados e variagGes da linha melédi amoldavam-se com perfeicio a experimentadas tendén- Ss a en i ome comme 48 at Per Sere “rma, Manin ot brie, te lane; te Mnwbemene deviomet hs evan, lle seirtncaie dans sie footie oie ‘ua er cnt ettousmdt,Dattont det mater Pun, st Corde, iene sete. 'Son aver cong am” Flaten fn ah ‘itn anit wa frtoguer ane nie dar ot srt rng, ef Bei rere leone mace CE iS Atma Ney, Eolickerértdhon Puree Pe 18a), ple 6) ar Timicy ono Boxer {Sr oto cri fla "Sn cotter ¢ blo Indu chro ue st ‘Soca in eabigaas ao'vom du cae vi Mo ANOS DE MOBICA NO BRASH ue Luiz HErTOR ccins do nosio fassado musical. Nao tardam em apa~ eter as primeiras polcas-tundu, consagrando ésse processo de aculturacio e revelindo a capacidade de sobrevivéncia do fundu. E no periado de confluéncia désse género musical com 0 nascente maxixe, de que ‘vamos tratar, dificil distinguir 0 que & uma polca do que € um mazize. Alids o sincretismo é denunciado pelas numerosas pegas com a desigmacio de polca- mazive entéo publicadas pelas nossas casas de mi- Vejarse, por exemplo, na pagina anterior a frase de uma das mais afamadas poleas da época, a Querida por todos, de Joaquim Antinio da Silva Calado: ‘A. sincopa do canto, a da parte intermediéria, 0 Jongo impulso melédioo ‘que atravessa 03 oito com- ‘passos sem solugio de continuidade, chegando ao auge no quarto ¢ declinando gradativamente com o ritmo tuniforme das colcheias, tudo isso ¢ tipico do maxixe turbano, nessa polea completamente deseuropeizada, que de’ Polka tem apenas © nome. Segundo Retato Almeida, foi em 1845 que a famosa danga bofmia se introduzin no Rio de Ja- neiro (*). Os primeiros amtincios de gspeticulos, cursos e instrugées para aprender a nova danca, aparecem nesse ano, Vinte € cinco anos depois ela se tinha completamente aclimatado a0 Brasil, rece- endo do velho funda as céres nacionais que passa a ostentar, por essa época que surge @ figura de Calado, dirigindo 0 sew célebre charo (conjunto de flautas, violGes © cavaguinhos) © compondo as qua- drilhas e poleas que impuseram seu nome & admiragao de varias geragies. (@) Remo. Nini, Hiro do Misco Brain, 2% edsto, Rio Ge Jans, Briglet & Comp, 192 pig. 185. 180 ANOS DE MOSICA NO BRAS ue © que realmente tornava a nova danga — 0 ‘maxixe — diferente da polea, no era a misica, mas a coreografia. Maxixe foi, a principio, uma ma- neira de dancar a polea, a habanera ou o tango, que desta tinha derivado. Segundo © depoimento de cro- nista da época a polea era entio dangada, no Rio de Janeiro, com arrastar de pés e ondulagées dos qua- ris (7). Taisreatihros, descendentes em linha direta da mancira de bailar crioula, é que haviam de caracterizar 0 maxixe. Nao se sabe ao certo mem como nem por que tal designagio foi dada a nova danga. © fato € que no século XIX raramente se cencontram pegas musicais xsim denominadas, apesar » da danga se ter tornado muito popular ¢ ser praticada centusiasticamente fora dos saldes: nos paleos dos tea~ twos ligeiros ou em bailes populares. O que ha so poleas-mazices ou tangosmasire. E essa consta- fagio corrobora o que havia afirmado Mario de An- drade, para caracterizar a mmisica do maxixe: que sua originalidade “consiste apenas no jeitinho” (*).. Jeitinho que se originava do requébro coreogr- fico ¢’ se infiltrava subtilmente na ondutagéo ritmica da velha polea e de mascente tango. Nao havia mi- sica chamada maxixe; mas, apenas, poleas ou tangos TD“ Ghar is pokes case om aria os pe «dais cofele ‘asm con® movie deaf oe me cra gate (rang Jenny Foe: A elites Boe Janta, Jace Rilo be Sinan Wis, sp 3). Cones lente aro fo dando no Brut wo pinicarsnor dp senlo XIX. tern age no fami Von Week em fat Rue tbvy England and Portugal mach Brule tad Tereimipten Staten dae La Pin Stones, aoe te conan oth emcees aprosat de corpoe quem Barons acuranos etrenamente Socarc™ (ut Mico de Andale Origen Pod Thragso at ‘eal i ie Jancirn ane 1m Aa 1830, a. 1). (0) isto Attra "‘Orpnadode do" orive Ihutogso Musil, inde ocr, to i, 2° 2 Stemi 150, pa 48.10 sae ach dendo: "0" qdeme_puree as acertaig tng Ege & BEE SS calito astra de sa Pr Luiz error savas Porque marine era um jeto de danger, 86 como reflexo da danga estendia-se & compos musical. * aa Quanto a0 tango brasileiro, que por essa &paca também entra a fazer furor, e que nos primeiros anos do século XX encontraré sua mais perfeita represen- tagio na obra pianistica de Erneto Nazaré (obra estinada aos saldes de dana, mas concebida com ‘uma pureza de linkas e um apura de téenica harménica ¢ instrumental que consagram 0 seu autor como um dos clissicos de nossa. formagio musical), ese, jé © observara Mério deAndrade, provém diretamente dda habanera, e ndo dé tango plating (°). Na realic dade muitos dos tangos de Ernesto Nazaré se apro- ximam dos maxises. Mas 0 proprio autor detestava aque fossem tratados como tais, pois explicava a Mario de Andrade que “os tangos néo sao tio baixos como ‘os maxixes” (!), Isto prova, apenas, o que ja vimos anteriormente: que ésses tangos podiam ser dangadios como maxixes, mas que ésse destino ainda nio era confessado no titulo, pelo preconceito que havia con- ‘ra a danga plebléia, tresandando a alcool e a bodum crioulo. Os dois principais representantes das dancas ¢ anges urbanas, no Brasil, nesse periodo de afirmacto. nacional de que vai sair 9 maxixe, sio Joaquim An- ténio da Silva Calado (1848-1880) Francisca He- (©), “0 ae 0 brasileiro chance sm tengo de tong, no tem re acto gebpsrmnte nba tom 9 tango srgeing. Stes fants sen prinfivaafapntiotaaidta dena ga “cbata"” (Miaro” de ale "Mii, Uae” mi "Baa Pak “E. “Gg 8, (10) CE Misi de Andrade) op city lige SI. 340 ANOS DE MUSICA No BRASH. 0 dwiges Gonzaga (1847-1935), Ble foi um dos melho- res flautistas brasileiros, professor no Conservatério Imperial de Musica a partir de 1870, eondecorado pelo Imperador com a Ordem da Rosa, em 1879, Era filho de um tmisico modesto, mestre de banda na cé= lebre sociedade carnavalesca ‘dos Zuavas; erios-se 20 meio do rebuligo das misicas dangantes da época; adquiriu incompardvel virtuosidade no manejo da fants. Sua execugio, nesse instrumento, tinha es- tile préprio, pois valendo-se de sua incrivel agilidade, Calado fazia ouvir a melodia em rapidissimos saltos citavados, que davam a impressio de haver dias flautas tocando. ' Mas nio era s6; Mariza Lira, que estudow a figura de Calado, recolhendo as impressbes de velbos rnisicos que 0 haviam conhecido, diz que “o que dife- rengava a interpretagio désse artista, tornando-a ca- racteristica, no eram os desenhos que tragava com a melodia, nem o ritmo, nem tampouco as variagies do contracanto; era tudo isso rgpousando numa pre~ ‘guiga, indeciso propositada, espécie de ganfa-tem- po” (). Compositor desde os verdes anos, obtendo seu primeiro sucesso com a quadrilha intitulada Car- naval de 1867, Calado leva para a sua misica muito esse “estilo”.” © ehdro carioca, repousando, sempre, {no solo de um instrumento de Sépro, que improvise ‘variagdes virtuosistiéas, em caprichoso plano tonal, com ‘modulagies inesperadasy acompanhado pelos violdes et cavaguinhos, recebet. definitive influxo do conjunto instrumental que éle havia formado, ¢ que era o mais famoso da cidade. Calado dominava 0 conjunto com as suas composigées, propicias ao género, ¢ com a sua sdiabélica execugao. Chiro & misica essencialmente ins- CUD eMrinn Lira, 4 Corgan Brasira nas Intermec se, Cease Hes Braet te Mees, i Ge Seas, 00. Vi, ‘Saat ie 212 trumental; repele qualquer feigio melédica vocalizivel; muito mais ainda, textos poéticos. Geralmente a flatita ou 0 clasinete — as vézes 0 cornetim, ou, mesmo, © trombone ou 0 velho oficlide — encarregavam-se dos solos ¢, estes altimos, dos baixos melédicos. Francisca Hedwiges’ Gonzaga, jo nome de combate, reduzido a um apelido familar carinho- samente adogado pelo diminutivo, era Chiquinha Gonzaga, foi por uns tempos companheira de Ca- Jado em sew afamado conjunto instrumental, Tocava piano, que estudara com Artur Napoledo. Compunha, desde menina. E representou unt esplénido tipo dé mulher emancipada, altiva, pisando desdenhosamente aos pés todos os preconceitos da época, que vedavam a uma senhora a atividade artistica que ela desem: penhou, num ambiente duvisaso de teatra ligeiro ¢ de intelectuais boémios. Em 1885, j& muito conhecida como autora de sucessos dangantes, Chiguinba Gon- zaga abordou 0 teatro, compondo uma partitura para a pega A Cérte na Rosa, de Palhares Ribeiro, montada por uma compantiia portuguesa de operetas no Teatro Principe Imperial, a 17 de janeiro. Dai ‘em diante a revista, a burleta, a opereta) em colabora- gio com Artur Azevedo, Valentim Magalhies, Furtado Coelho, e outros escritores tetrais famosos, sio 0 feudo em que se exerce a arte afortunada da’ compo-¢ sitora. Nada menos de seteat'e sete partituras tea- trais Saem de sua pena, até a Maria, de. Vitiato Cor- reia, apresentada em 1933, quando a ad Chiquinha ja havia_completado oitenta e cinco invernos. colaboragio com Viriato Correia ela deve alguns dos ‘seus mais belos triunfos. Tniciou-se essa cOlaboragio com A Sertaneja, estreada em 1913; e teve sua mais ‘expresso na Jurifi, de 1919, que subiu & eena de mil vezes, Por todas essagi partituras:Chi- 10 ANOS DE KOSICA NO BRASTL a0 quinha Gonzaga espalhou: mimeros de misica que muito contribuiram para fixar a fisionomia_tipica ddas dangas e cangGes brasileiras, traduzindo fielmente pitoresca do chéro ou o perdido € enfético lirismo das serestas (serenatas cantadas) Emesto Nazaré, que jé foi antes mencionado, ‘completa a triade de autores que mais significagio tiveram nesse processo de fixagio de um tipo nacional de nmisica para 0 qual os compositores “sérios” co- mecam a olhar cubigosamentge Pertence a uma outra geragio; a que tambem viu nascer Alexandre Levy € Alberto Nepomuceno, iniciadores do nacionalismo fem,nossa miisica de classe. Nascen em 1863, mas ‘ua celebridade data dos primeiros anos do século XX, quando Levy ja tinha morrido e Nepomuceng esta- va em pleno apogeu. Sua misica éessencialmente pianistica ¢ nela todos os seus criticos notam a in- fluéncia de Chopin, autor que éle estudava € exe- cutava amitide. »O tango foi, como ja vimos, 0 gé- nero que © consagrou; um tango especial, bem brasi- leiro, que disfargava sob essa “denominagio. mais polida a verdadeira natureza de mazize plebeu e equl- svoco que 0 animava, Diversos processos ritmicos curiosos, auténtigament®,nacionais, mas que pela pri- meira ¥ez recebiam a consagracio da pauta, foram utilizados, por ‘ésse compositor de misicas de danga, ‘bem como sugestées provenientes do instrumental tipico do chéro, que éle habitualmente reproduzia no piano. ‘Brasilio Ttiberé, em um estudo sobre Ritmica Brasi- Jeira, observa que a insisténcia de certas {érmulas, znos tangos de Nazaré, “reduzidas as vezes a esque” mas lineares essenciais, dio a impressio de que éle as fez propositadamente para servir de estudo” Luciano Gallet, que se debrucou sdbre 0 panora- ma da misica foleidriea brasileira, procurando com- preender a sua significagio ¢ desvendar o segrédo de seus escaninhos mais obscuros, tinha grande ad- iragéo por Ernesto Nazaré. Tomow-o por € apontoti-o como guia & jovem miisiea brasileira Num concerto de mrisica nacional que promoveu, em 1922, encerrou 0 programa com alguns tangos de Nazaré, executados pelo préprio autor, néle quali- ficado como ‘fo representante mais caracteristco da alma musical brasileira, Completamente surdo, em seus siltimos anos de vvida, Emnesto Nazaré desapareceu trigicamente, em 1934, acabrunhado pela desgraga. Sua mnisica con- tinua yiva, suesdendo-se as edigdes, as gravagies fo- nografitas, as audigSes radiofénicas, Provavelmente seus fangos ficarao sendo, para os brasileiros, 0 que so, para as populagies danubianas, as valsas de Johann Strauss. Antes de encerrar éste capitulo, onde o autor procuron estudar a fixagio dem tipo de miisica frbana que muita influéncia exerceu nos grandes com- ositores caja obra sera examinada mais adiant, ni fe pode debvar de mencionar uma curisa tentativa de aproveitamento de elementos populares na composigio artistes, a qual, embora sem conseqisncias, mesmo na produgéo futura do amador de talento que a em- preendeu, precedeu de algumas décadas a florago do nacionalismo musical de Levy e Nepomsceno, antec pando-se, até, as primeiras polcas caracteristicas de 10 ANOS DE MOSICA NO BRASH a9, Calado. Refiro-me A pega para piano intitulada Sertaneja, composta por Brasilio Itiberé (1846-1913), quando ainda estudante, em Sio Paulo, e publicada’ ‘em 1869. Descendente de itustre familia paranaen- se, muito devotada & mésica (Jodo Itiberé da Cunha, set irmfo, e segundo Brasiio Teiberé, seu sobrinho, representam-na, ainda hoje), éle sempre cultivou essa arte com dedicagéo, nos tempos de estudante, ou no curso de uma brilhante carreira de diplomata. Foi amigo pessoal de Liszt (que tocava a Sertaneja), Sgambati, Anténio Rubinstein ¢ outras brilhantes personalidades musicais do século pasado. Nessa sua peca pianistica (de que Luciano Gallet fez um arranjo de concerto, intitulado Rapsédia Sertaneja), Basilio Itiberé emprega o tema de tuma célebre cant popular, Balaio, mew bem, balaio, ¢ melodias de sua i vvengio, mas condicionadas pela sensibilidade nacional. A dle se devem varias outras composigdes. Com ti- tulos em francés ¢ sem as céres nacionais daquela obra juvenil, nenhuma logrou, porém, @ sua persis- tente celebridade. Até hoje a Sertaneja é lembrada Bor certos pianistas cujo repertério também inchii a Fantasia de Gottschalk sobre o Hino Nacional Bras Ieiro, ¢ demais cavalos de batalha do virtuosismo itocentista

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