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fo fetin bobo LINGUAGEM DOCUMENTARIA Maria de Fatima G. M. Talamo (‘) Introdugao A linguagem, enquanto fenémeno geral, pressupde a capacidade de traduzir em significados os elementos da vida. Com a escrita, especificamente, essa capacidade encontra-se potencializada, pois, a partir dela o pensamento abstrato se desenvolve descontextualizado do mundo imediato. Nesse sentido, a. mensagem escrita impde uma mudanga radical face aos processos de comunicagao vinculados 4 tradigao oral. Nao se encontra na dependéncia direta de quem propée a mensagem nem da de quem a recebe. A A escrita, nesse sentido, nfo pode ser considerada um fato natural. Surge, de fato, como resposta a complexidade crescente a que se submeteu a vida social, o que redundou na necessidade de se ter acesso as informagées pretéritas ou provenientes de outrds espagos. Desse modo, com o advento da escrita, a sociedade nao sé passa de algum modo @ promover uma distribuigao de seus membros segundo a possibilidade ou nio de terem acesso a informagao de forma indireta mas também toma a sia tarefa de organizar para o1 os bre a fungio que o mesmo ira ter, Pode-se entender melhor, por essa via, 0 motivo pelo qual ler escrever fossem consideradas, por muito tempo, atividades de extrema importancia, chegando inclusive a conferir poder aqueles que as dominavam. Genericamente, esse poder associou-se fortemente a caracteristica de permanéncia, prépria da escrita, acabando por introduzir a idéia de preservagaio que neutralizou de certo modo a ’ * Professora Doutora do Departamento de Biblioteconomia ¢ Documentagéo da Escola de Comunicagdes ¢ Artes da Universidade de So Paulo - ECA/USP ASSOCIACAO PAULISTA DE BIBLIOTECARIOS - Ensaios APB, n 43 disponibilidade a que deveria responder a mensagem, caracteristica igualmente intrinseca da escrita. Desse ponto de vista, ao longo do tempo, a prioridade da preservagao, embora tivesse contribuido para introduzir o fendmeno do monopélio do conhecimento que nega a ‘seu modo’ o processo de circulagio da mensagem que viria a reboque da disponibilidade introduzida pela escrita, nao anulou de fato a institucionalizagao dessa tiltima. iacdo das grandes bibli : : : mesmo t ue va_a a idéia_ainda que embrionaria, de transmissio ¢ circulaco da informagio. Tal idéia baseia- se no fato de que, nessa época, os bibliotecérios desenvolviam fungBes de gramaticos, corrigiam e comentavam 0s textos, além de catalogé-los. De um certo modo tratavam os documentos de modo a identificd-los segundo rubricas variadas, uma das etapas . Pressupostas para a circulagao. Ao lado, portanto, da tarefa fundamental de_preservar 0 documento escrito, as_bibliotecas “facilitavam” 0 acesso a0 conteiido dos mesmos, * ‘Rubmetendo-os a _determinadas _operacSes, que _sinalizavam__a_importincia de do universo da linguagem. A obviedade dessa afirmagao nao implica, no entanto, que atividade documentaria tenha se desenvolvido, durante todo 0 tempo que nos separa das primeiras bibliotecas, através da consciéncia clara de que 0 conhecimento sistematizado sobre a linguagem se apresentasse como ferramenta de trabalho. A propria terminologia da area da conta desse fato. Q_termo linguagem documentiria sé aparece explicitamente a literatura a partir dos anos 70, apis.a difisia do conceito de tesauro documentaria Com_cle evidencia-se que a informagao tem a_sua existéncia atrelada aos sistemas de significacdo e que a operacio nesse universo é necessiria para sua identificacio, anilise Até 0 advento do conceito de tesauro documentario a tarefa de tratar a informago encontrava-se majoritariamente limitada & organizagio do conhecimento registrado segundo a classe de assunto a ele attibuida, respondendo apenas aos objetivos de padronizacdo. As dificuldades decorrentes desse fato podem ser observadas, por exemplo. 4 “ASSOCIAGHO PAULISTA DE BIBLIOTECARIOS - Ensaios APB. n 15 na auséncia no campo da Documentagao de conceitos relatives aos problemas de * interacao efetiva do sistema de informagao com o seu piblico. De fato, problemas relativos & comunicagio passam a integrar 0 quadro de iscussdes da area no momento em que se toma clara a importéncia da nogdo de linguagem. Evidencia-se que operar com o universo da linguagem no se confunde com a verbalizagio de denominagdes de classes pré-determinadas. Mais uma vez, 0 recurso a terminologia da area exemplifica suficientemente esse aspecto: a utilizagao do termo lista indica um instrumento de tratamento que se resume a uma sucesséo de palavras, 4 uma forma de verbalizacéo distante da nogdo de arranjo caracteristica de uma linguagem. Ji através dos termos, vocabulario, linguagem documentiria ¢ tesauro, reconhece-se a existéncia de um sistema que é simultaneamente um modo de organizacao ¢ uma forma de comunicacao da informagao. A coexisténcia dos mesmos ¢ as.vezes até 0 uso impreciso a ‘que_esido_submetidos permitem afirmar, com certo grau de certeza, que os processos documentirios_se_desenvolveram_na_tensio entre a padronizacao da informagio © a possibilidade de inseri-la em sistemas comunicativas mais potentes. Dito de outro modo, a opgao pela padronizacdo nao encobriu de maneira efetiva aquela que seria a indole natural do processo documentério de tratamento - tomar institucionalmente disponivel a informagao para circular e ser transferida. Esse quadro se toma compreensivel através da analise do conjunto de conceitos utilizados para operar com o universo da linguagem. E o que sera feito a seguir. A Lingiiistica © desenvolvimento do estudo cientifico da linguagem humana inicia-se no século passado coin a Lingiistica Histérica que discutia, através do método comparativo, a idéia de transformagao da lingua a partir de duas suposigdes: uma, interna, que a relaciona a uma necessidade do proprio sistema e outra, externa, que a toma como conseqiiéncia de uma atitude dos falantes. Esse paradigma lingiiistico ial, conhecido também pela Proposigao da tese do declinio das linguas -- que vincula a degradagao da lingua o fato de @ mesma estar submetida a uma visio utilitarista ( a comunicagdo) --evidencia que a Lingtiistica nao se apresentava como uma disciplina 4e carater normativo mas sim cientifica, ja que suas anilises e estudos procediam por métodos rigorosamente estabelecidos. Q eprds pla poster ‘pecan nes eveagun ute momen eftira sprsle fae Ee a adsl roltiral’ ho’ prycine dreurnerdanis le tela ruils ~ tras 3 fos Blue bret AL peru Lanforer aces pos ci clan 2 GA ASSOCIACHO PAULISTA DE BIBLIOTECARIOS - Exsaios APB. 45] » Essa é uma caracteristica amplamente reconhecida da disciplina, que a levou a ser uutilizada como modelo de cientificidade no ambito das ciéncias humanas e sociais, expiessa-se claramente no estruturalismo lingiiistico, 0 qual questiona a tese da degradagao_das linguas partindo do principio de que a lingua é fun endo por acidente, um instrumento de comunicacio, um modo de vida social. Rompe-se, desse modo, definitivamente, com a idéia de que a lingua associa-se diretamente a algo que existiria fora dela. Esse principio baseia-se na tese do arbitrério lingiiistico que pode ser assim proposto pela questo: seria a lingua uma realidade irredutivel a qualquer realidade cextra-lingilistica ou, a0 contririo, ela pode ser explicada pela ordem natural das coisas, segundo uma relagao direta entre as palavras e as coisas ou 0 pensamento? Opondo-se a idéia de motivagao, que propde que a0 imitar as coisas a palavra cumpre a fungao de instruir sobre as primeiras — quem conhece as palavras conhece as coisas —, a tese do arbitririo confere a linguagem autonomia, relacionada'nfio sé a0 seu cariter convencional mas tambén estrutuna, Neste sentido, aa unidedes de ume linguagem nfo encontram seu fundamento na tealidade extra-inatistica._o qual sd pode "Nenhuma uridade da lingua tem, portanto, assegurada explicagio efetiva na sua relagio com o que esta fora dela ou observada em si mesma. Esse aspecto estrutural da linguagem € 0 que apresenta dificuldade para a operacionalizagao do proprio conceito no ambito da Documentagao. Esta altima, provavelmente por se atribuir objetivos eminentemente empiricos nao se da o direito de desenvolver reflexdes tedricas acerca de seus procedimentos, objeto'e fins, contentando-se com apropriagdes superficiais que se esgotam rapidamente, e que por isso no propiciam a criagao de um quadro teérico consistente para a area, Isso explica, em grande parte, 0 motivo pelo qual ainda hoje associa-se o significado da linguagem documentaria com algo que esté fora dela, por exemplo, a area de conhecimento da qual participa, a matéria prima ou 0 conhecimento a ser tratada, Imagina-se que ao agrupar uma série de palavras tipicas de uma érea de conhecimento garante-se forte credibilidade desse conjunto de palavras, tomando-o representativo. Ora, é somente a rede de relacdes das unidades de_uma linguagem que pode contribuir para o exercicio de qualquer representacdo. Disso decorre, que a compreensio do cariter sistémico da linguagem s6 seré completa na presenga das definigdes dos conceitos metodolégicos , ‘ASSOCIACAO PAULISTA DE BIBLIOTECARIOS - Exsaios APB, n. 43 » Essa é uma caracteristica amplamente reconhecida da disciplina, que a levou a ser utilizada como modelo de cientificidade no ambito das ciéncias humanas e sociais, ¢ expiessa-se claramente no estruturalismo fingiistico, 0 qual questiona a tese da degradagao das linguas partindo do principio de que a lingua é fun endo por acidente, um instrumento de comunicacdi do de vida social. Rompe-se, desse modo, definitivamente, com a idéia de que a lingua associa-se diretamente a algo que existiria fora dela. Esse principio baseia-se na tese do arbitrério lingiiistico que pode ser assim proposto pela questo: seria a lingua uma realidade irredutivel a qualquer realidade cextra-linguistica ou, a0 contrario, ela pode ser explicada pela ordem natural das coisas, segundo uma relagio direta entre as palavras e as coisas ou o pensamento? Opondo-se a idéia de motivagao, que propde que ao imitar as coisas a palavra cumpre a fungdo de instruir sobre as primeiras — quem conhece as palavras conhece as coisas ~, a tese do arbitrario confere a linguagem autonomia, relacionada ‘nfo s6 a0 seu carter convencional mas também estrutural. Nesse sentido, as_unidades de_uma ling nfo encontram seu tO. i i a Nenhuma unidade da lingua. tem, portanto, asegurada explicagéo efetiva na sua relasio com o que esta fora dela ou observada em si mesma. Esse aspecto estrutural da linguagem é 0 que apresenta dificuldade para a operacionalizagao do prdprio conceito no ambito da Documentagao. Esta dltima, provavelmente por se atribuir objetivos eminentemente empiticos nao se da o direito de desenvolver reflexGes tedricas acerca de seus procedimentos, objeto e fins, contentando-se com apropriagdes superficiais que se esgotam rapidamente, e que por isso nao propiciam a criagao de um quadro teérico consistente para a area, Isso explica, em grande parte, 0 motivo pelo qual ainda hoje associa-se o significado da linguagem documentaria com algo que esté fora dela, por exemplo, a area de conhecimento da qual participa, a matéria prima ‘ou 0 conhecimento a ser tratada. Imagina-se que ao agrupar uma série de palavras tipicas de uma area de conhecimento garante-se forte credibilidade desse conjunto de palavras, tomando-o representativo. Ora. é somente a rede de relacdes das _unidades de uma linguagem que pode contribuir para o exercicio de qualquer representacao. Disso decorre, que a compreensio do carter sistémico da linguagem s6 sera completa na presenga das definigdes dos conceitos metodoldgicos. , ASSOCIACAO PAULISTA DE BIBLIOTECARIOS - Ensaios APB, nm. &ye ig enla ( prose bie - Conceitos metodolégicos ipa Sy tee cee Qaeno | . jigno uma unidade dupla: ¢ si jente presenca — é is jina-se significante a © signo é sempre institucional, no sentido de que existe apenas para um grupo definido de utilizadores. Um signo no pode existir ao largo da sociedade, por mais reduzida que ela seja. Embora, para nés falantes, a significagdo se apresente invariavelmente como algo natural ¢, nfo raro universal, é sempre necessario interrogar, no decorrer do procedimento cientifico, quer seja de andlise quer seja de construgdo de uma linguagem, 0 que se encontra instituido. A fumaga, por exemplo, é signo do fogo porque uma comunidade assim o instituiu, Do contrério, a fumaga se apresenta exclusivamente como uma conseqiéncia do fogo. Do que foi dito decorre que a significago é algo imotivado: uma seqiéncia ou sonora (significante) nfo pode ser considerada semelhante a um sentido (signiffean principio da arbitrariedade recobre, portanto, as caracteristicas decorrentes do fato de o signo ser institucional e imotivado. a Como foi visto anteriormente, o significado representa a parte ausente do objeto perceptivel (0 significante). Embora passivel de distingao, essas duas unidades no gozam de autonomia. De fato, entre elas, impde-se uma relagao de solidariedade: nao se pode pensar um significado sem significante e vice-versa. Isto é, na ausénci is um significante é simplesmente um obj i é io significa. Do ‘mesm: 1m significado sem signif éi iv anto, inexistente, 5 Tem-se,_entio, que, dad; lidaried: signifi significado, a Ac TC a is i égerada A rt i i da momento ¢ capturada por alguma forma. Ao contrario, ela nunca se define como a associagio de um nome a uma coisa. A fungdo referencial — ou denotago ~ existente entre 0 signo e o referente (objeto real) é a menos freqiiente no exercicio da linguagem. Normalmente falamos das coisas na auséncia das mesmas’ sendo inclusive bastante dificil estabelecer o refer ortanto, com o referente. e (GSSOCINCHO PAULISTA DE BIBLIOTECARIOS Ensaios APE 3 | A significagao também nao se confunde com a representagio, entendida como 0 aparecimento de uma imagem mental naqueles que utifizam os signos. O que ocorre é 0 seguinte: por forga da significagao instituida por um sistema de signos, uma espécie de analogia passa a ser estabelecida entre o sistema ¢ aquilo a que se refere. Nesse sentido, quando se afirma que a linguagem representa algo, afirma-se que, por forga da significagio, ela se propde no lugar de algo, 0 substitu a linguagem dot ria representa a it tio._ser_entendida como iene js instituis ste ree ice ee a Exemplifcando, uma lista de Palavras cuja Grganizagao se resume 4 ordenagao alfabética de seus elementos nada representa — no sentido que demos acima ao'termo - porque nada significa. Podemos sim interpreti-ta, mas ao fazé-l6, recorremos a algum sistema de significago, o que equivale a dizer que tal lista podera ter tantos significados quando forem os sistemas considerados, segundo os utilizadores envolvidos. of sintagma e paradigma A sieno, pelo fato de pertencer a um sistema, adquire dimensdes que iio podem ser observadas a partir de situagdes de isolamento. De um lado, 0 signo mantém relagdes paradigmaticas com outros signos — relagdes de diferenga, semelhanga, incluso, exclusio, implicag3o, pressuposi¢ao., etc. De outro, numa frase (cadeia), um signo pode combinar com alguns signos € no com outros. Essa relagio, dita sintagmitica, permite ao signo combinar com outros signos e integrar o discurso. _ Entende-se por paradigma o conjunto de signos que mantém entre si uma relagio y virtual de substitualidade.’A presenga de um signo, por exemplo, num enunciado, exclui a realizagdo concomitante dos outros signos que com ele mantém relagdes paradigmiticas. Tidas genericamente como relagdes associativas, as relagdes paradigmaticas respondem pela formulagio de classes de signos de naturezas as mais diversas. Exemplificando: Educagao esta do ponto de vista do seu radical em rela¢do paradigmatica com educar, do ponto de vista do seu sufixo com formaca: ensino, aprendizagem. , do ponto de vista semantico com instrucdo, De um modo geral, em um enunciado de lingua, cada signo tem parte da significagSo determinada pela classe de signos da qual participa. O paradigma de um signo estabelece as relagdes in absentia entre as unidades, uma vez que a classe, embora delimite a significagao de seus elementos, nfo se encontra materialmente dada, No plano légico, 0 4 ASSOCIAGAO PAULISTA DE BIBLIOTECARIOS - Ensaios API paradigma esta proximo da nogao de categoria. De fato, uma categoria nao se reduz a um conjunto de elementos. Supde necessariamente uma organizagao interna decorrente das relagdes estruturais estabelecidas entre seus elementos a partir de propriedades propostas previamente. ‘Um mesmo conjunto de termos pode participar de diferentes categorias, segundo as propriedades selecionadas. A partir da propriedade animal gato e galo mantém uma relagdo que ndo permanece com a adi¢ao de outra propriedade ~ por exemplo, com ‘penas ~ i anterior. Por sintagma entende-se toda combinagao da cadeia linear. A relago sintagmatica responde pela combinaco dos signos efetivamente presentes numa cadeia verbal, falada ou escrita, Descrever um sintagma equivale a estabelecer quais as unidades que o constituem ¢ qual a ordem em que sucedem, isto é, 0 que segue ¢ © que precede cada uma das unidades constitutivas. A relago sintagmatica é uma relagdo de coexisténcia, que se a in praesentia. Ao lado da classe paradigmitica, a combinagao da unidades também responde pela significagao. Forma de expressak © Forma_de_contetido.(Levando as iltimas conseqiiéncias os conceitos saussurianos de signo, sintagma e paradigma, somos obrigados a admitir que a lingua é essencialmente forma, qualquer que seja o plano -- significante ou significado — adotado. Esse é 0 ponto de vista hjmesleviano afirmado nas proposigées: a lingua niio é substncia mas forma, toda lingua ¢ ao mesmo tempo expresso ¢ contetido. Um modo pritico de entender tais afirmagdes consiste em observar qual é a diferenga entre duas linguas no transcorrer do processo de tradugio. A diferenga, do ponto de vista seméntico, ndo reside exatamente na significagdo que propdem, ja que a mesma pode ser traduzida de uma lingua para outra.’A diferenga consiste, de fato, na forma em que a significagao se apresenta em cada uma das linguas. A expressdo das varias nuances que acompanham um tinico signo em uma lingua pode exigir a intervengao de varios outros numa outra lingua. Por exemplo, fleuve, em francés, expressa de uma s6 vez a significagéo que em portugués envolve a expressio rio que deségua no mar. Isso demonstra que cada lingua introduz uma decupagem propria tanto na substancia fonica —- © que é imediatamente perceptivel - quanto na substincia seméntica, cujo resultado é a forma da lingua, Através de sucessivas comparagdes entre linguas, pode-se extrair 0 que existe em comum entre elas, abstraindo-se 0 principio universal de estrutura que responde pela forma individual e especifica de cada lingua significar. O fator comum -- denominado “ASSOCIAGAO PAULISTA DE BIBLIOTECARIOS - Ensaios APB, n. 45 sentido -- nas cadeias jeg véd det ikke (dinamarqués), en tieda (finlandés) e eu ndo sei pode ser considerado como o “mesmo pensamento que, assim considerado, apresenta-se provisoriamente como uma massa amorfa, uma grandeza nao analisada, definida apenas por suas fungSes externas, isto é, por sua fungao contraida com cada uma das proposigbes citadas ... 0 sentido deve ser analisado de um modo particular em cada uma dessas linguas © sentido é ordenado, articulado, formado de modo diferente segundo as diferentes linguas” (Hjelmslev, 1975: 56). Observa-se que © sentido ndo- formado extraido das cadeias acima citadas assume formas diferentes em cada lingua, “Cada uma dessas linguas estabelece suas fronteiras na ‘massa amorfa do pensamento’ ao enfatizar valores diferentes numa ordem diferente, coloca o centro de gravidade diferentemente e da aos centros de gravidade um destaque diferente” (Hjemeslev 1975: 57). A relagao que a forma do conteddo mantém com 0 sentido - ou substancia do conteiido - é arbitraria, do mesmo modo que o é aquela que a forma da expressio mantém com a substincia fonica. Nesse sentido, analisar uma lingua no é apenas assinalar o que ela significa mas primordialmente como ela significa. 4) Sinctonia_¢ Diacronia._A partir da obra de Saussure, a distingiio entre sincronia ¢ iacronia a int i i - estruturalista. A lingua pode ser considerada como um sistema que funciona num determinado momento do tempo (sincronia) ou entio analisada na sua evolugao (diacronia). Estudos diacrOnicos consideram os fatos de lingua na sua sucessio na linha do tempo, na sua mudanga ou alteragdo de um momento para outro. Os estudos sincrénicos, por sua vez, consideram a lingua num determinado momento como um sistema estavel. Observa-se cada estado de lingua, analisando-se o funcionamento da estrutura num tinico momento do tempo, Essa dicotomia é de extrema importincia pois separa os fatos intemios de um sistema dos fatos externos de natureza historica. Ao adotar o ponto de vista sincrénico, a Linguistica reafirma que nenhum elemento de lingua pode ser analisado como fato isolado. Dado que a sincronia se apresenta como uma relagao entre elementos coexistentes, a anilise visa a identificagao do sistema ou estrutura da lingua, Com a adogio do ponto de vista sincrénico eo reconhecimento do principio da estrutura, duas relagdes se apresentam como fundantes: a de oposicao (diferenca) e a de ASSOCIACAO PAULISTA DE BIBLIOTECARIOS- Ensaios APB, n. 15 dentidade. “ Sincronicamente, isto é, no ato de percepgdo, a apreensio das significagdes é feita através da afirmagio de descontinuidades: se a realidade, o mundo, 0 objeto do conhecimento, enfim, se apresentasse sob a forma de um continuum homogéneo, aos ‘olhos do sijeito conhecente, esse objeto nfo teria nenhum sentido: a significago manifesta-se, pois, a partir da percepgao de descontinuidades, ou desvios diferenciais” (Lévi-Strauss apud Lopes, 1976: 312) identidade e da oposicio, Analisar formas equivale, portanto, a apreender diferengas, isto & aprender pelo menos dois objetos (palavras, termos, etc...) como simultaneamente dados (um elemento isolado nao responde pela estrutura) sob o aspecto dos seus parciais iguais (operagao de conjungao) ¢ de seus parciais diferentes (operagao de disjuncao) Denomina-se relago o vinculo entre dois termos que se requerem mutuamente, Jé a estrutura se define na presenga de dois termos vinculados por uma relagao (Lopes, 1975: 312). A Linguagem Decorre do que foi dito que a linguagem caracteriza-se fundamentalmente pela sua estrutura, fato que determina o método de abordila. Nao se pode examinar_uma linguagem ou afimmar sua existéncia a partic de signos isolados. ‘De um Jado, o signo ‘se opie a relagio com signos anilogos. A significagdo resultante da relagdo entre significantes, significados e signos permite que a linguagem exerca flees secundarias, como ade representacio. i - De_um_modo. linguagem_supde_determinar | combinacio dos seus elementos constitutivos. A linguagem nao se define, nesse sentido, pela realidade a que se refere. De fato, a linguagem se refere a realidade segundo a forma constitutiva que apresenta. ASSOCIAGAO PAULISTA DE BIBLIOTECARIOS - Ensaios APB. n. 45 A Linguagem Documentéria De maieira_geral, define-se linguagem documentiria (LD) como uma linguagem— constnuida, oposta a natural, portanto, que tem como objetivo especificn tratar_a informac3_para fins de recuperaclo. Atualmente as questdes relativas a sua construgao sio tratadas pela Linguistica Documentéria e aquelas relativas a0 seu uso encontram-se integradas as questdes mais amplas relativas ao tratamento e & recuperagao da informacao, discutidas no ambito da Andlise Documentiria (AD). Esta se apresenta como disciplina de natureza metodolégica que propde processos de tratamento ¢ de transferéncia da informagao. Embora a definigao, como a que foi acima proposta, de linguagem documentaria nao proponha problemas imediatos, ela sem ditvida suscita questdes tedricas importantes € conseqiiéncias praticas nfio menos relevantes. E preciso notar, de inicio, que afirmar que alguns cédigos de tratamento ¢ de recuperacio da informagao se propéem como linguagens, indica reconhecer que tais processos se desenvolvem num universo simbdlico, Tal universo supde que a informagao seja organizada para ser entendida como tal por sujeitos efetivamente constituidos. Longe nto, a ser enas referéncia para organizacao m: ém_mei - _ ordens visando interlocugdo adequada. 3 Wpv “de unidades relacionadas, onde cada uma adquire significago face as demais; como linguagem construida, a LD se define como metalinguagem, isto é, uma linguagem que supde a existéncia do conhecimento registrado - de uma linguagem anterior— reelaborando-o como informacao. A LD nio se define em relagdo ao acervo. Nao se concebe uma LD para tratar conjuntos de registros mas sim para organizar conhecimento, seja ele cientifico ou ndo, de modo a pé-lo em circulago. A concepgao global que rege a elaboragao de uma LD engloba necessariamente a relagdo entre conhecimento e sujeito real, individuo que apresenta uma forma de divida, uma modalidade de necessidade informacional.£ essa relacdo qué determinara a forma da estrutura da LD. Entende-se por 10 yf Como linguagem, a LD compartlha das suas propriedades estruturais: compae-se { ~ [ASSOCTACAO PAULISTA DE BIBLIOTECARIOS - Ensaias APB, n. 43 essa via que a multiplicidade de LDD's e as varias formas de tratamento de conjuntos de partida semelhantes constituem realidade inquestionavel, a qual a AD deverd responder através da elaboragao de linguagens de compatibilizagao. ALD apresenta-se simultaneamente como estrutura e representacdo. Nesse sentido, de inicio, um_valor_do conhecimento - i é. soci¢dade - ¢ a partir dele, outra necessidade - para a qual visa o estabelecimento de ostas_ad E acl informacao, isto 6 a ‘organizacdo intermediaria capaz de fazer circular 0 conhecimento ¢, face 4s necessidades. ‘gspecificas de usuarios, transferi-lo, Entsnde-e nese contente 0 porqué-de so. assriara informacio_-- ¢ nao nte_o _conhecimente a “mento coumnicado é informas ; ‘ A : informagio é fluxo. O conhecimento comeca por algum tipo de informagio - 0 ato individual de recuperar 0 produto social - € se constitui através de formas variadas de tratamento em informagio - do individuo para a sociedade. Dado_o volume ¢ a complexidade dos estoques de conhecimento, instala-se_de_maneira_crescente_a Para fazé-lo impdem-se formas alternativas de organizagao do conhecimento que atendam necessidades de segmentos cada vez mais especificos da sociedade. Se num dado momento, a organizagio global do conhecimento em categorias gerais de informagao demonstrou ter um valor em si mesmo, atualmente persegue-se a utilizagao no limite da potencialidade da informario. Organizar informacéo para disseminé-la e transfe-la os jemas de informacio devem organizar os 1 i forma mais produtiva, seu objetivo. E nesse contexto global da comunicagao que se instala a AD. . Para isso, a AD propde metodologias para organizacao da informagao em categorias diferenciadas segundo formas de consumo variadas, para atender necessidades igualmente diversificadas de informagao. Toda atividade de documentacao trata em linhas gerais de compor organizages do conhecimento, que o represente ¢ o resgate E atividade de fundamental importancia porque opera com formas préprias de socializagao do conhecimento, na auséncia das quais, compromete-se o acesso do individuo as informagdes que the permitem compreender melhor a si mesmo, ao mundo, que the Permitem, enfim, se integrar a realidade, Nesse sentido, as operagdes técnicas de tratamento, de disseminagao e de recuperago da informagao estio sustentadas por imtencionalidade, cuja ocultagao apenas contribu, em muitos casos, para encobrir a fungao social, politica e econémica da atividade. ASSOCIACAO PAULISTA DE BIBLIOTECARIOS - Exsaias APB. n. 15 Em resumo, portando, a LD é constituida a partir de hipdteses sobre a organizagio do conhecimento que dém conta de determinada demanda de informagao. Constituem varidveis para a elaboragao da mesma: a instituiglo, a area de conhecimento em estoque, tipo de atividade e segmentos sociais envolvidas. Nesse sentido, a LD é uma linguagem construida a partir de hipéteses que transformam os estoques em fluxos, cuja fonte é uma instituigdo a recepgao é 0 sujeito efetivamente constituido. Bibliografia BENVENISTE, E. Problémes de Linguistique Générale. Paris: Gallimard, 1966. : DUCROT, 0., TODOROV, T. Dictionnaire Encyclopédique des sciences du langage. Paris: Seuil, 1972. : CINTRA, A.M. M; TALAMO, M. F. G. M.; LARA, M. L. G.; KOBASHI, N. Y. Para entender as linguagens documentérias. Sao Paulo: Polis/APB, 1994. 7 HJELMSLEY, L. Prolegémenos a uma teoria da linguagem. Sio Paulo: Perspectiva, 1975. LOPES, E. Fundamentos da Lingaistica Contempordnea. Sio Paulo: Cultrix, 1976. SAUSSURE, F. Curso de Lingitistica Geral, Séo Paulo: Cultrix/EDUSP, 1972. 2

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