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UFPB · Centro de Ciências Jurídicas · Ano 1 · Nº 2 · Abril de 2010 · Venda Proibida

MORREU A ÉTICA NA POLÍTICA?


Os limites morais do exercício do poder político evidenciam um debate filosófico que, ao longo dos séculos, nunca foi paci-
ficado. Ao mesmo tempo, a democracia brasileira tenta lidar com a corriqueira prática da corrupção no gerenciamento da
coisa pública. Ética e política são consolidáveis? Qual o papel da cidadania ativa em tal contexto?
No último dia 21, a capital federal co- Analogamente à chamada “teoria da guer-
memorou 50 anos de fundação. Num ra justa” (onde, na guerra, não vence
belo evento à base do “pão e circo”, com quem tem razão, mas se dá razão a quem
shows, pirotecnia e uma empreitada vence), mitiga-se a principiologia da ação
propagandística de divulgação nacional, em prol do êxito do resultado. É possível
a diversão popular e a admiração pelo resgatar, portanto, a dimensão maquiaveli-
arranjo arquitetônico da cidade serviram ana da “razão de Estado” (na famosa
como pretextos de um gesto maior de metáfora do leão e da raposa) e a “ética
esquecimento, ainda que eventual, da da responsabilidade” (e, aqui, com mais
real conjuntura política pela qual vem cautela), de Max Weber, como conceitua-
passando o centro do poder decisional ções racionais cujo pano de fundo é o de
do país. O Congresso Nacional brilhava circunstâncias fáticas que invocam uma
sob as luzes dos holofotes no encerra- orientação moral própria, pautada na per-
mento daquele dia festivo, o mesmo secução do “fim bom”, para além de um
Congresso que, nos demais dias do ano, mero regime de excepcionalidade. Os
é palco de escândalos e prevaricação e “mensalões” são escândalos políticos que
símbolo do desencanto pelas premissas se ligam, sobremaneira, a essa perspecti-
do sistema democrático. Haveria boas va. A partir do momento em que represen-
razões para não comemorar a vida de uma Brasí- discussões acerca da ética considerada em si tantes políticos beneficiam financeiramente ou-
lia que ainda esconde muito do que mostra. mesma já são controvertidas; quando se intenta tros representantes políticos para conseguir o
As ideias da “política” e, mais, do “político” são analisá-la numa perspectiva da práxis política, apoio a projetos governamentais, invoca-se a
costumeiramente encaradas com uma parcela corre-se o risco de levantar mais indagações do idoneidade do fim (o cumprimento das funções
latente de aversão. Há até uma certa contradição que efetivamente produzir respostas. Mas é uma do Estado) como atenuante da imoralidade dos
semântica quanto a esse tipo de posicionamento: tarefa extremamente funcionalista. meios.
o agir político, que nos legitima a cuidar de nós Por ética, pelo menos numa perspectiva hori- Mas não podemos indagar que a própria razão
mesmos (e essa é a sua função democrática), se zontal, entendem-se padrões mínimos de condu- de Estado (os fins de bem social, da persecução
transmuta em algo que vem em nosso prejuízo. E ta necessários à garantia da harmonia social, das prerrogativas estatais, portanto) pode estar
o prejuízo maior é a lesão à res pública. O além de uma visão axiológica sobre o que é bom sujeita a critérios de valoração? “Se o fim justifica
“político” é o indivíduo dissimulado e imoral que ou ruim. Ética, portanto, não seria apenas a ob- os meios, o que justifica o fim?”. E como justificar
age em benefício próprio ou por questões corpo- servância de preceitos legais, mas, inclusive, a uma ética própria da política no Estado Democrá-
rativas: é o antiético por excelência. Daí haver orientação do agir humano segundo critérios tico de Direito? A tarefa chega a ser antitética.
uma construção emblemática afirmando que gerais de justiça, equidade e respeito, por exem- Primeiro, porque se esvazia o sentido do Estado
“ética” e “política” são palavras que não podem plo. Na conjuntura do regime democrático, as de Direito, porquanto há o desrespeito às condi-
ser usadas na mesma frase. O pressuposto fático normas impostas pelo ordenamento jurídico ten- ções de exercício do poder político. Segundo,
desse tipo de afirmação é corriqueiro e objeto de denciam a uma proximidade maior com as ques- ocorre o desvirtuamento do próprio pacto demo-
um debate acirrado de filosofia política. tões morais: isso não implica em necessária crático, vez que a soberania é posta em patama-
Quem ouvisse uma versão moderna de um convergência. O §1º do art. 121 do nosso Código res e condições diferentes de exercício e a ideia
jingle que, em alguns de seus versos, diz “Varre, Penal fala de “relevante valor moral” como mino- de um fluxo de poder de baixo (povo) para cima
varre, varre, varre, vassourinha!/Varre, varre a rante da pena de homicídio doloso: confrontam- (representantes) se vê esfacelada. Ainda, a pró-
bandalheira!/Que o povo já ta cansado/De sofrer se a ética que impede o resultado (não matar) e a pria visibilidade do poder é posta à prova.
dessa maneira” poderia associá-lo a alguma ética que impele o resultado (valor moral). Exis- Observa-se, contudo, que a problemática mai-
mobilização recente pela orientação ética na tem éticas paralelas? A política busca apoio nes- or da realidade política brasileira não é orientar a
política nacional. Foi Jânio Quadros, na campa- sa pretensão? observância das questões éticas respectivamente
nha presidencial de 1960, quem entoou esses Delimitadas (ou não) essas considerações à razão de Estado, mas estabelecer um questio-
versos, prometendo promover uma “limpeza na propedêuticas, é interessante apresentar o argu- namento moral em relação à racionalidade políti-
administração pública”. A vida pregressa de nos- mento mais evidente para a justificativa de uma ca democrática que, na práxis contemporânea,
sa política, portanto, nos dá ensejo para construir esfera ética (para nós, antiética) própria da políti- está atrelada à mácula da crise de representativi-
esse tipo de argumento pragmático. Assim, se ca: o Estado estaria inserido numa problemática dade na gestão do interesse público (não deixan-
evidencia a atualidade de debates seculares: a histórica concreta que não poderia (e não deveri- do de abarcar, com afinco, o agir corruptivo e
política tem uma orientação ética própria? As a) se submeter a categorias morais abstratas. corrompido): é a desrazão política. O poder aca-
ba representando um fim em si mesmo.
Nesta edição Diante desse cenário político obscuro, em abril
de 2008, o Movimento de Combate à Corrupção
2 | Editorial | Direito e compromisso: a silhueta de um projeto intrínseco à norma Eleitoral (MCCE), formado por 44 entidades,
dentre elas a Associação dos Magistrados Brasi-
3 | Sociedade, conhecimento e práxis | Núcleo de Extensão Popular Flor de Mandaca- leiros e a Ordem dos Advogados do Brasil, mobi-
ru: desafios e perspectivas de uma visão política e atuante do Direito. lizou a sociedade civil para que aderisse à cam-
panha “Ficha Limpa”, que tem como objetivos a
4 | Espaço Discente | O princípio da precaução no Direito Ambiental: Brasil e Alemanha elaboração e a aprovação do Projeto de Lei Com-
5 | Espaço Discente | Aposentadoria compulsória de magistrados: corrupção premiada plementar de Iniciativa Popular nº 518/09 que,
6 | Espaço Discente | O Direito e os crimes na Internet em linhas gerais, pretende alterar a Lei Comple-
mentar nº 64 de 1990, dando maior celeridade
7 | Espaço Docente | “Sobre viagens, mapas e direito”, por Eduardo Rabenhorst aos processos judiciais eleitorais e aumentando
8 | Cinefilia! | “Muito além do jardim”, a subjetividade e a descoberta do novo, por Carlos as hipóteses de inelegibilidade, assim como os
seus prazos. Mas, caso o PLC 518/09 seja apro-
Nazareno vado, haverá mudanças palpáveis em nosso
8 | Por dentro da UFPB | A Clínica Escola de Psicologia da UFPB cenário político?
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CCJ EM AÇÃO — ANO 1 — Nº 2 PÁGINA 2
Segundo informações do próprio MCCE, o Os opositores entendem que o projeto de lei é É corrente questionar o regime democrático
projeto fundamenta-se no princípio constitucional inconstitucional no sentido material, pois desres- pela sua pouca eficiência em muitos sentidos. Um
da proteção, interpretado à luz do art. 14, § 9º, peita o princípio da presunção de inocência, inter- deles, justamente, é o do combate à política cor-
da CF. Tal artigo permite que, ponderada a vida pretado à luz do art. 5º, LVII, da CF: "ninguém ruptiva. A democracia não teria competência
pregressa dos candidatos, novos casos de inele- será considerado culpado até o trânsito em julga- suficiente para fazê-lo. O devido processo legal, a
gibilidade, assim como seus prazos de cessação, do de sentença penal condenatória". De fato, a garantia à ampla defesa e ao contraditório, enfim,
possam ser estabelecidos por lei complementar. redação do projeto pretende inviabilizar a candi- o respeito às garantias fundamentais são, em
Seguindo essas determinações, o projeto preten- datura das pessoas condenadas apenas em pri- contextos de efervecência política, vistas como
de tornar inelegíveis: meira instância ou que tenham recebido denúncia óbices que deveriam ter pouca ou nenhuma im-
criminal, ferindo assim o princípio supracitado. portância. Se diz que em regimes autocráticos
· Quem tenha sido condenado em qualquer Em posição contrária, o MCCE defende a consti- esse tipo de coisa não se vê, não existe, há efici-
instância, mesmo sem transitado em julgado, tucionalidade do projeto: o princípio da presunção ência. Não se vê, porém, porque não se pode. A
pelos crimes de homicídio, estupro, racismo, de inocência só deve ser aplicado no âmbito do democracia deve se fazer ver, a autocracia es-
tráfico de drogas e desvio de verbas públicas; direito penal; em matéria eleitoral prevalece o conde e se esconde. Corrupção não é patologia
· Quem tenha direito a foro privilegiado e foi princípio da prevenção. de regime ou de modelo de Estado, é, precipua-
denunciado pelos mesmos crimes menciona- O Supremo Tribunal Federal já se pronunciou mente, questionamento da figura ética do próprio
dos acima; em questão semelhante. No ano de 2008, o TRE indivíduo. A sociedade perde a fé no processo
· Quem tenha sido condenado pela compra de da Paraíba, através de um processo administrati- democrático, mas, embora não seja a democracia
votos ou por uso eleitoral da máquina adminis- vo (PA 19.919), provocou o TSE a modificar uma o melhor regime, é o único existente em que se
trativa; resolução referente ao registro de candidaturas, reforma e se transforma sem a necessidade de
· Quem renunciou ao cargo para se esquivar exigindo a inserção de algum mecanismo que violência. Diálogo, deliberações e ações tomadas
da abertura de um processo por quebra de pudesse impedir o registro de candidatos com a com respeito aos indivíduos e sem apegos even-
decoro parlamentar ou por desrespeito à ficha suja. Destarte, o TSE indeferiu tal possibili- tuais ao energismo desmedido são alternativas
Constituição Federal. dade. Contrários à resolução do TSE foram os saudáveis. A democracia é uma ideia a ser culti-
ministros Ayres Britto e Joaquim Barbosa, tam- vada, o povo é o seu idealizador, mas, às vezes,
bém do STF, à época. a própria ideia se vê protegida de quem a preten-
Ao ser indagado se a nova lei não pode sofrer A Associação dos Magistrados Brasileiros deu. Indignação, olhar reprovador sobre certos
algum desvirtuamento nas suas finalidades, con- (AMB), excitada pelo apoio dos ministros Ayres sujeitos e o ensejo ao protesto são direitos irrefu-
substanciando pretensões de injustiça, o MCCE Britto e Joaquim Barbosa, ingressou com uma táveis mas cuja delimitação ainda é uma zona
argumenta que todos os crimes descritos no pro- Arguição de Descumprimento de Preceito Funda- nebulosa.
jeto de lei são de natureza grave e de fácil com- mental (ADPF nº 144), exigindo que fossem cria- Existe um fator fundamental (talvez o mais
provação, além de que as ações que dão base dos mecanismos a fim de vetar a candidatura democrático possível) nessas pretensões de
para a condenação são de iniciativa exclusiva do daqueles que respondessem a processos crimi- consolidação da moralidade no cenário político: o
Ministério Público. Apesar de reconhecer as boas nais ou de improbidade, mesmo que não transita- poder do voto como exercício das prerrogativas
intenções da campanha, considerável parcela da dos em julgado. Por nove votos a dois (estes, dos da soberania. Essa é a “peça-chave” que nos
classe política posiciona-se contra a aprovação ministros supracitados), a ação foi julgada impro- permite começar a entender a condição da cida-
do projeto. Todavia, outros parlamentares deixa- cedente. É relevante ressaltar o posicionamento dania ativa como ideal de aprimoramento dialético
ram bem claras suas posições. No dia 7 deste do ministro relator da ADPF, Celso de Mello, que do regime democrático. Não se espera que uma
mês, deputados da base aliada declararam-se, pronunciou-se do seguinte modo: “O que se mos- lei represente uma reviravolta substancial das
diante dos demais membros da Câmara, contrá- tra importante assinalar, neste ponto, Senhor relações entre ética e política, até porque, sabe-
rios ao projeto. José Genoíno (PT-SP) foi enfáti- Presidente, é que, não obstante golpes desferidos mos, existe uma diferença gritante entre o “ser” e
co: “quem faz a limpeza e quem faz a escolha são por mentes autoritárias ou por regimes autocráti- o “dever ser”. A educação para a cidadania e a
os eleitores. O povo não precisa de tutor". Para cos, que preconizam o primado da ideia de que tomada de uma verdadeira consciência democrá-
Silvio Costa (PTB-PE), "é muito bonito defender todos são culpados até prova em contrário, a tica são ideais alcançáveis e muito mais desejá-
para a sociedade o ‘ficha limpa’; também o defen- presunção de inocência, legitimada pela ideia veis.
do, mas não sou demagogo. O projeto ficha limpa democrática, tem prevalecido, ao longo de seu
virou uma espécie de brincadeira e balé parla- virtuoso itinerário histórico, no contexto das socie- Por Douglas Pinheiro
mentar. Esse projeto é tão inconsequente e dades civilizadas, como valor fundamental e exi- (douglas_jp16@hotmail.com) e Magno Duran
mal redigido que dá poder a quem não tem gência básica de respeito à dignidade da pessoa (magnoduran@gmail.com) - 3º ano (tarde)
poder". humana”.

EDITORIAL
Direito e compromisso sobre o ser); b) fazem sentido em um conjunto um ponto pacífico sobre diversos critérios de
de coerência interna, mas também como orde- sua natureza, mas, de qualquer modo, ela
O esforço argumentativo que será desenvol- namento sistematizado como realidade de um demanda o compromisso com o sentido maior
vido para apresentação da relação direito- projeto, ou seja, só tem coerência como exteri- que traz cada regra. O compromisso seria o
compromisso terá características muito since- orização prescritiva do projeto ou do programa termo-chave para a diferenciação da
ras e intuitivas. Bem localizado num editorial, ordenado ou sistematizado por vá- “hermenêutica dos jogos” para a
podendo se aproximar de um ensaio. Enfim, a rios topoi (lugares comuns) e/ou fins definidos “hermenêutica dos sistemas” como
ligação que tento desenvolver ocorre no âmbi- (leis sobre um dever-ser especial); c) as regras “programas” que também incluem os valores e
to interpretativo, como um toque de compreen- dos jogos guardam um significado especial finalidades no âmbito cognitivo de construção
são sobre as regras e sua relação com seu que tenciona entre o significado dado pelo hermenêutico. Com o elemento “compromisso”
estudioso. Comecemos por um desenvolvi- jogador, de modo livre, e o significado da dinâ- existe sentido na expressão “vontade de cons-
mento reflexivo-estilístico-argumentativo (ou mica do próprio jogo, que lhe dá coerência e o tituição”, de Konrad Hess, pois tem o mesmo
seja, “criar para convencer”) delas: as regras. caracteriza como um sistema (leis de um de- sentido de lançar o intérprete para além do
As normas podem aparecer para nós como ver-ser que se constrói enquanto estrutura que lhe é imediato, para mostrá-lo que existe
fazendo sentido em três “sistemas” principais, normativa que se auto-define enquanto se um fim comum no qual todos devemos nos
são eles: 1) como algo decorrente da observa- constrói). engajar no intuito de sua realização. O que
ção de um conjunto de relações necessárias e Dessa construção teórica, as novas tendên- caracteriza o direito como unidade também o
empiricamente identificáveis (de forma heterô- cias de pensamento situariam o mundo jurídico caracteriza como ponto de inflexão de compro-
noma); 2) como fruto de criação humana para no segundo grupo, do uso do ordenamento misso com seu projeto maior - que diferencia o
a persecução de fins e valores e; 3) como ma- como jangada para o alcance emancipatório direito de meras regras do jogo e seus aplica-
nifestação, com significado próprio, de forma das sociedades. Tal conclusão levará neces- dores de meros jogadores.
dogmática (“jogos”). Destarte, em relação aos sariamente a uma afiguração de que os textos
três pontos destacados acima (que tratam são apenas “pontas de um iceberg” embebidas
sobre a gênese das normas), seus significados num ambiente que, em última análise, significa Por Yure Tenno - 3º ano (tarde)
tomam contornos próprios: a) as normas fa- a atmosfera em que elas fazem sentido, po- Em nome do grupo OBSERVATÓRIO DO
zem sentido em um conjunto descritivo (leis dendo ter um aparato submerso discutível ou CCJ

Jornal CCJ em Ação: uma iniciativa do grupo Observatório do CCJ · Editores: Alysson Guerra, Andrezza Melo, Ariadne Costa, Daniella Duarte, Douglas Pinheiro, Magno
Duran, Manuela Braga e Yure Tenno · Apoio Editorial: Carlos Nazareno · Revisão textual: Andrezza Melo · Diagramação: Douglas Pinheiro · Contato:
jornalccjemacao@gmail.com · Este jornal é uma produção independente. Todo o seu conteúdo é de responsabilidade dos seus idealizadores.
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SOCIEDADE, CONHECIMENTO E PRÁXIS - ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO NO CCJ


Núcleo de Extensão Popular Flor de Efrem Filho, desenvolve-se a “Assessoria a democratização do acesso à justiça. Contará
Mandacaru: desafios e perspectivas de Casos de Violação do Direito à Terra”. Tal com intervenção em comunidades, realiza-
uma visão política e atuante do Direito projeto visa assessorar jurídica e politicamen- ção de oficinas de sensibilização, formação
te os movimentos sociais do campo, especifi- em mediação, mapeamento de conflitos com
Mística, abraços, vídeos, cartazes, discus- camente os casos de violações de direitos lideranças locais, dentre outras realizações.
sões políticas e compromisso social. Estas humanos das Fazendas de Quirino e de Po- Por fim e não menos importante, desenvol-
são apenas algumas das palavras que po- cinhos. O estudo coletivo, o conhecimento ve-se o projeto “Assessoria Jurídico-política
dem resumir os encontros do NEP - Núcleo das áreas ocupadas, o acompanhamento da Comunidade Quilombola de Paratibe”. Tal
de Extensão Popular Flor de Mandacaru, um processual, a pesquisa científica e a elabora- extensão, que possui a peculiaridade de ser
dos projetos de extensão do CCJ, desenvol- ção de dossiês a serem remetidos a entida- um grupo auto-gestionado, conta com o apoi-
vido nas áreas de Sociologia Jurídica e Direi- des nacionais e internacionais consistem nos o do Professor Enoque Feitosa. Sendo uma
tos Especiais. principais pontos desta extensão. das mais antigas atuações do NEP, este
O NEP – Flor de Mandacaru surgiu da uni- projeto realiza atividades junto com a comu-
ão de pessoas já envolvidas em ações de nidade em questão, que resiste em meio da
cunho político: militantes do movimento estu- invasão da cidade e da especulação imobiliá-
dantil, mestrandos, extensionistas. O grupo ria. O fortalecimento da identidade local, o
se institucionalizou à UFPB em 2008, dando acompanhamento jurídico, o estudo da área
continuidade às suas atividades e desenvol- para a demarcação de terras e feitura de
vendo outros projetos: participação no Con- laudos antropológicos, a realização de conta-
gresso de Pluralismo Jurídico, atuação no tos com instituições oficiais e o resgate cultu-
Grito dos Excluídos, militância junto ao Qui- ral integram a pauta do Projeto Paratibe para
lombola de Paratibe, organização da Sema- este ano.
na da Consciência Negra, dentre outros. Em De uma forma geral, como um grupo orgâ-
2010, sua primeira atividade consistiu em um nico, o NEP exterioriza uma ideia essencial:
Seminário de Formação Política, realizado o aprendizado não deve se limitar à sala de
nos dias 9 e 10 de abril, no qual também aula ou à leitura de livros. Toda teoria deve
ocorreu a seleção de novos participantes. Momento final de confraternização no Seminário do estar relacionada com a realidade – a ação-
Integrado atualmente por alunos do curso de NEP - Flor de Mandacaru, realizado nos dias 9 e 10 reflexão é corolário de nossa consciência
Direito e de Serviço Social, bem como por deste mês como seres históricos e partícipes da socie-
professores, o grupo conta com o apoio de dade. Desta maneira, intervir no mundo –
líderes de comunidades e de representantes O segundo projeto, “Justiça Comunitária e ensinando, indagando e aprendendo – é a
de movimentos sociais. No ano em curso, Mediação de Conflitos”, que tem por coorde- melhor forma de conhecê-lo de verdade.
três projetos já estão em andamento, ligados, nadora a Professora Ana Lia Almeida, pre-
respectivamente, à questão da terra, da me- tende difundir debates e práticas relaciona-
diação de conflitos e dos quilombolas. das à justiça comunitária e mediação de con- Por Daniella Memória - 3º ano (manhã)
Sob coordenação do Professor Roberto flitos numa perspectiva crítica e popular da daniella.memoria@hotmail.com

ESPAÇO DATAB (Diretório Acadêmico Tarcísio Burity)

Olimpíadas Jurídicas DATAB mas, logicamente, sem romper o diálogo com os


outros cursos, apenas desvinculando-se do ponto de * RÔMULO Pinto de Lacerda Santana – Presiden-
vista institucional. Criou-se então o CALM (Centro te – 3º ANO MANHÃ
O DATAB realizará nos dias 15, 16, 22 e 23 de * VINICIUS SALOMÃO de Aquino – 3º Coordena-
Acadêmico Lyda Monteiro) em homenagem à secre-
maio do corrente ano mais uma Olimpíada Jurídica, dor de Eventos Acadêmicos – 2º Ano Manhã
tária do então presidente da OAB, morta por uma
competição com as modalidades de Futsal, Vôlei de carta bomba destinada a este, durante a ditadura
Casal, Dominó, Winning Eleven e Tênis de Mesa. As militar. De lá para cá muita coisa aconteceu. O que TURNO DA TARDE:
inscrições realizar-se-ão a partir do dia 26 de abril foi C.A. virou D.A., pela criação de um centro próprio.
com os membros do Diretório Acadêmico. O local do curso mudou. O nome foi alterado. O já * ALYSSON Soares Guerra – 2º Coordenador de
então D.A. Fechou por falta de pessoas que o condu- Eventos Acadêmicos – 3º ANO TARDE
As Olimpíadas Jurídicas se configuram como uma * BRUNO VALONES Calzavara de Araújo – 2º
forma de integração dos diversos alunos que formam zissem.
O D.A. reabriu em 2002, sob a gestão (2002/2003) Coordenador de Esportes – 3º ANO TARDE
o Centro de Ciências Jurídicas, inclusive os calouros. * CLEDISIO Ferreira de Farias Lima – Vice-
“Um D.A. Presente”, vindo, em 2003/2005, a
Para isso, são promovidos campeonatos de diversos “Renovação e Atuação”. Depois, 2005/2006, Presidente – 4º ANO TARDE
esportes, tanto para o público masculino como para o “Radicalizando a Democracia”; 2006/2007, “(Re) * IRONALDO Leal de Oliveira Júnior – 2º Tesou-
público feminino. Assim, há o objetivo de proporcio- Pensando Paradigmas”; 2007/2008, “Pegue o Bon- reiro – 4º ANO TARDE
nar momentos de lazer para os discentes, aliando o de”; e, finalmente, 2008/2009, “Sala de Justiça”.
TURNO DA NOITE:
trabalho da mente, conseguida na vida acadêmica,
com o trabalho do corpo, propiciado por oportunida- Relação dos integrantes do DATAB - Gestão
* BRUNO CARVALHO Guedes Pereira – 1º Coor-
des como essa, no projeto de construção de uma “Sala de Justiça”
denador Eventos Acadêmicos – 2ºANO NOITE
vida sempre saudável, com a mente e o corpo sãos. * ERICK Martins Norat Filho – 3º Coordenador de
TURNO DA MANHÃ: Esportes – 1º ANO NOITE
Histórico do CCJ e do DATAB * MIGUEL Felipe Almeida da Câmara - 2º Coorde-
* AIMÊ Alves Moreira – 1ª Secretária – 4º ANO nador Comunicação Social - 2º ANO NOITE
MANHÃ * VANESSA Limeira de Azevêdo – 3ª Coordena-
O Curso de Direito fazia parte do CCSA (Centro de * IVANA Rafaela Torres de Sousa – 1ª Coordena- dora de Comunicação Social – 2º ANO NOITE
Ciências Sociais Aplicadas), assim como os de Admi- dora de Comunicação Social – 4º ANO MANHÃ * VICTOR Luiz de Freitas Souza Barreto – 1º Co-
nistração, Ciências Contábeis e Economia, e, juntos, * JOSÉ VENILTON de Almeida Holanda Filho – 2º ordenador de Esportes – 2º ANO NOITE
compunham o D.A. Posteriormente, percebeu-se a Secretário – 3º ANO MANHÃ
necessidade de um espaço onde os estudantes do * RAFAEL Alcoforado Domingues – 1º Tesoureiro
curso pudessem debater o Direito especificamente, – 3º ANO MANHÃ
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ESPAÇO DISCENTE

O princípio da precaução no Direito Ambiental: Brasil e Alemanha


Nos últimos tempos, a preocupação com o gera outro documento conhecido por RIMA
equilíbrio ambiental tem sido debatida em (Relatório de Impacto Ambiental) e sua previ-
conferências e encontros mundiais sobre o são legal emana do artigo 9º, VIII, da Resolu-
meio ambiente. No entanto, a temática ecoló- ção 1/86 do CONAMA. No entanto, em ne-
gica somente começou a fazer parte das a- nhuma lei nacional, resolução do CONAMA
gendas internacionais há cerca de quarenta ou qualquer outro diploma regulamentador,
anos, pelos anos setenta do século XX, com a está prevista a adoção obrigatória de tecnolo-
Conferência de Estocolmo, em 1972. Por gia de ponta no desempenho de atividades
essa época, o Brasil, em plena ditadura mili- consideradas nocivas ou potencialmente cau-
tar, declarava abertamente não se importar sadoras de graves danos ambientais. A única
com a situação ambiental, sob o argumento previsão legal nesse sentido confere aos ór-
de que a poluição preocupante era de fato a gãos nacionais de proteção do meio-ambiente
pobreza, sendo que esta não poderia ser a capacidade de recomendar aos empreende-
sanada com restrições econômicas que im- dores o emprego de tecnologia disponível no
portassem em maior proteção ao meio ambi- mercado brasileiro. Após verificar a eficácia
ente. dos meios de controle da poluição propostos,
A falsa dicotomia estabelecida entre as cabe ao órgão responsável oferecer contra-
necessidades humanas e a preservação dos proposta com alternativas ambiental e econo-
recursos naturais esteve, por muitos anos, no para supor” (Convenção do Mar Báltico, 1992) micamente viáveis.
centro da questão ambiental, como pólos ou “sem esperar provas científicas a respeito Do regulamento em análise sobressaem
excludentes. Se por um lado, é dever do Esta- de tal dano” (Convenção de Bakamo, 1991) dois importantes fatores. Primeiro, que se
do agir no sentido de elaborar políticas volta- permeiam as convenções internacionais há trata de mera recomendação, ou seja, despro-
das para a satisfação das necessidades vitais décadas, numa confirmação irrefutável da vida de qualquer força coercitiva e, conse-
das pessoas e das coletividades, é igualmen- expansão do princípio da precaução. quentemente, inexigível perante o Direito.
te correto admitir, por outro lado, que essas Em decorrência da tomada de posição em Depois, que basta ao interessado adotar tec-
ações não implicam em relegar a preservação favor da precaução, os Estados viram-se na nologia disponível no mercado nacional, haja
dos recursos naturais a segundo plano, tam- situação de pensar (e adotar) instrumentos vista os elevados valores envolvidos em ope-
pouco a desconsiderá-la ou excluí-la das pre- capazes de efetivá-lo. Desse modo, surgiram rações de transferência de tecnologia.
ocupações de empresas e de governos. O técnicas aplicadas mundialmente, tais como o Enquanto órgão responsável por delinear
fato é que, pelo ritmo com que o ser humano Estudo de Impacto Ambiental, o Licenciamen- os critérios e normas para concessão de auto-
explora os bens naturais não-renováveis, to e o Zoneamento. rização ambiental, caberia ao CONAMA esti-
torna-se impossível prever com exatidão Nos países industrializados, consolida-se a pular a previsão de uso da melhor tecnologia
quantas gerações ainda terão a sorte de po- obrigação de uso da melhor tecnologia dispo- no mercado. Contudo, é alegado por muitos
der usufruir da plenitude das potencialidades nível como poderosa ferramenta de imple- que, em respeito ao princípio constitucional
do planeta. Dificilmente pode-se falar em mentação do referido princípio (Convenção da livre iniciativa de mercado, não é possível
compensação ao planeta pelos danos causa- para a Proteção do Ambiente Marinho do ao Poder Público especificar o equipamento
dos, sequer em retorno ao estado originário Nordeste Atlântico, 1992). antipoluidor e determinar sua aquisição e
da qualidade atmosférica ideal, por exemplo. A Lei Federal alemã de proteção contra utilização por parte do empreendedor. Igno-
Longe de representar romantismo e desco- emissões (Bundesimmissionsschutzgesetz), ram, entretanto, que o princípio de proteção à
nhecimento da realidade, o discurso dos am- datada de 1974, prevê o “uso da melhor tec- ordem econômica não é absoluto e está longe
bientalistas admite a inevitabilidade de degra- nologia disponível no mercado como condição de prevalecer sobre a vida.
dação ambiental em face das ações huma- sine qua non para concessão de autorização A imposição de uso da melhor tecnologia,
nas. No entanto, alerta para a necessidade de às instalações que possam produzir danos contudo, não é tema pacífico. No caso dos
sua mitigação, apontando uma diferença fun- consideráveis ao meio ambiente”. Impõe ao Estados periféricos, o discurso surpreende
damental entre degradação mitigada e explo- empreendedor interessado a adoção de medi- pela clareza, mas não pelas soluções aponta-
ração descontrolada, sendo a primeira tolera- das em consonância com o que há de tecno- das. Embora cientes das limitações financei-
da pelos ordenamentos jurídicos ambientais, logicamente mais moderno, ou o melhor do ras, não há como negar que a tradição imedi-
e a segunda, ou o descontrole irresponsável, estado da arte, com o fito de se precaver da atista leva-nos a ignorar completamente as
considerado como infração, entrando para o degradação passível de existir. Trata-se da vantagens das chamadas tecnologias limpas,
elenco de atividades ilícitas. aplicação do que se poderia compreender que num primeiro momento revelam-se custo-
Em razão da irreversibilidade dos males ou como o autêntico princípio da precaução, em sas e inviáveis, mas com o passar do tempo
danos perpetrados contra “Gaia”, desponta o termos de Direito Ambiental. demonstram alta rentabilidade, maiores taxas
princípio da precaução como o mais importan- Para Hans-Joachim Koch, o “Stand der de aproveitamento e redução nos índices de
te dispositivo inspirador de políticas de sus- Technik” consiste no mais importante, senão rejeitos. Não esqueçamos, porém, o papel
tentabilidade ambiental. Aperfeiçoado na Con- único instrumento de efetiva aplicação do inerente aos países industrializados, de pro-
ferência Mundial do Clima no Rio de Janeiro princípio da precaução. Segundo o professor, porcionar a transferência de tecnologias ver-
em 1992, esse postulado passou a ensejar, a implantação do comando de uso da tecnolo- des às nações em desenvolvimento. A prote-
desde então, diversas interpretações, embora gia em seu estado de arte significa optar por ção ambiental, enquanto meta global, importa
possa significar, em suas linhas mestras, a uma política ambiental responsável e compro- em ações e estratégias igualmente globais,
decisão dos Estados e organismos internacio- metida, que não se condiciona a atuar no ao contrário dos discursos evasivos e ideias
nais em “agir com cuidado e com previsão ao limite do razoável, quando os danos já são imobilizantes. Trata-se, em última instância,
tomarem decisões que concernem a ativida- iminentes e dificilmente evitáveis. Interessa de optar por uma política responsável, que
des que podem ter impacto adverso no meio notar que usar a tecnologia mais moderna não atua apenas no limite do razoável, à imi-
ambiente” (SANDS, Philipe. O princípio da disponível no mercado não se resume à mera nência do risco, mas que privilegie os progra-
precaução. p. 36). faculdade de operacionalização de instala- mas de desenvolvimento sustentável.
O princípio inovou ao determinar a adoção ções fabris. Pelo contrário, assume tal exigên-
de medidas preventivas, ainda que diante da cia o caráter de dever legal, comando devida-
falta de certeza científica absoluta acerca dos mente positivado na lei mencionada.
potenciais danos ecológicos. Trata-se, portan- No caso do Brasil, em atenção ao princípio
to, de dispositivo vinculado ao fenômeno da da precaução, a orientação seguida pelo sis-
incerteza, resultando na expressão jurídica da tema jurídico brasileiro confere destacada Por Victor Alencar Ventura - concluinte
obrigação ético-política de se agir prudente- preferência à realização do Estudo Prévio de do curso de Direito (UFPB)
mente. Hipóteses como “quando há razão Impacto Ambiental (EPIA). Esse instrumento vfventura@gmail.com
CCJ EM AÇÃO — ANO 1 — Nº 2 PÁGINA 5

ESPAÇO DISCENTE

Aposentadoria compulsória de magistrados: corrupção premiada


Vencido o momento da vingança privada, para o exercício da advocacia.
o Estado tomou para si o monopólio do Jus Atualmente, a Proposta de Emenda à
Puniendi. Apesar das peculiaridades do Constituição nº 89/2003 busca impedir a
conceito de justiça, há, entre os países que utilização da aposentadoria dos magistra-
buscam se firmar internacionalmente como dos como medida disciplinar e permitir a
sendo democráticos, a determinação legal perda de cargo, nos casos que estabelece.
de prerrogativas ao poder judiciário para De iniciativa da senadora Ideli Salvatti (PT-
solução de conflitos. Contudo, até a superi- SC), a PEC foi aprovada pela Comissão de
oridade do Estado para com os seus súdi- Constituição, Justiça e Cidadania do Sena-
tos, conforme o principio da supremacia do do Federal, tendo como relator o senador
interesse público sobre o privado, teve que Demóstenes Torres.
se adaptar aos novos tempos. A soberania A PEC modifica os arts. 93 e 95 da Consti-
das decisões não significa mais irresponsa- tuição Federal, para eliminar a figura da
bilidades e axiomas como The King Can Do aposentadoria, por interesse público, de
No Wrong, ou na expressão francesa Le membros da magistratura, bem como para
Roi Ne Peut Mal Faire: não combinam com prever a hipótese de perda do cargo de juiz
a ideia de Estado democrático de direito. por decisão de dois terços dos membros do
No direito pátrio, principalmente com o tribunal ao qual estiver vinculado, nos ca-
advento da Constituição Cidadã, a sociedade civil penalidade disciplinar a cassação da aposentado- sos de procedimento incompatível com o decoro
organizada e o próprio Estado, sobretudo através ria (art. 127, IV, da lei 8112/90), o magistrado, de suas funções, de recebimento de auxílio ou
dos Magistrados e do Ministério Público, têm bem como os Conselheiros dos Tribunais de contribuições de pessoas ou entidades, ressalva-
punido aqueles que acreditam que a coisa pública Contas, poderão ser “punidos” com uma aposen- das as exceções previstas em lei, e de inobser-
é um complemento do seu patrimônio privado. tadoria proporcional que vai de encontro ao cará- vância das proibições constantes do atual pará-
Mas o que fazer quando os próprios juízes são ter contributivo e solidário do regime previdenciá- grafo único do art. 95 da Lei Maior.
os responsáveis pelos crimes que deveriam com- rio atual (art. 40, EC 41/03). Tal emenda contem- Houve modificação da PEC para tornar aplicá-
bater? O artigo 22 da lei 8112/90 afirma que o pla a aposentadoria por invalidez permanente; vel a nova disciplina aos membros do Ministério
servidor estável poderá perder o cargo em virtude aposentadoria compulsória pelo implemento da Público, por se sujeitarem a um regime jurídico
de sentença judicial transitada em julgado ou de idade de setenta anos e a aposentadoria voluntá- análogo ao da magistratura, por expressa deter-
processo administrativo disciplinar no qual lhe ria, desde que cumpridos, ao menos, dez anos no minação constitucional (art. 129, § 4º, da Carta
seja assegurada ampla defesa. Além disto, há a serviço público e cinco anos no cargo efetivo em Política).
hipótese de perda do cargo por procedimento de que se dará a aposentadoria. Logo, se o magis- Para o Senador Demóstenes Torres, a PEC
avaliação periódica de desempenho (art.41, § 1º, trado não estivesse entre as hipóteses acima não fere o princípio da separação dos Poderes.
da Lei Maior). Com relação aos magistrados, eles citadas, a aposentadoria compulsória não seria Apenas possibilita ao Poder Judiciário um proces-
seguem um regramento próprio. A Lei Orgânica uma pena em absoluto. so administrativo mais célere que o judicial, pu-
da Magistratura Nacional (LOMAN), Lei Comple- Desde que foi criado, em 2005, o CNJ conde- nindo de modo mais justo, magistrados que co-
mentar nº 35/79, no seu artigo 28, nos diz que o nou 16 magistrados e afastou oito preventivamen- metem faltas graves.
magistrado vitalício poderá ser compulsoriamente te - a maioria por corrupção. Treze deles recebe-
aposentado ou posto em disponibilidade, nos ram a pena máxima: aposentadoria compulsória,
termos da Constituição e da citada lei. Apesar de com vencimentos mensais que podem chegar a Por Alysson Guerra - 3º ano (tarde)
a LOMAN estabelecer a possibilidade de demis- R$ 24 mil. Além disto, não há impedimento legal alyssonsg@msn.com
são de um magistrado após o estagio probatório
(artigos 26, I e II, e 42, VI), a regra tem sido a
aposentadoria compulsória com proventos pro-
porcionais.
O que nos torna diferentes?
Para o Professor Maurício Gentil, além de não O que nos impede de aceitar as diferenças? A diferenças, também exemplificado no art. 5º da
poder ser identificada como pena, a aposentado- ignorância. Durante séculos, as disparidades de Constituição.
ria compulsória seria uma afronta a Constituição cor e condição social conduziram para o O que a Constituição nos garante é a igualdade
de 1988 e ao próprio conceito de cidadania, por desenvolvimento do preconceito. Desde a Roma formal perante a lei, ao passo que consagra o
ferir os mais elementares preceitos da moralidade antiga, o título de cidadão era concedido apenas direito de invocar a atividade jurisdicional,
pública e administrativa que a Carta Magna de aos aristocratas patrícios (que eram os grandes garantindo o direito de ação, e tendo o Poder
1988 expressamente impõe (art. 14, § 9º, art. 15, proprietários de terras), excluindo, assim, os Judiciário, como princípio básico, a obrigação de
V, art. 37, caput e § 4º, art. 85, V). O dicionário escravos e plebeus da pretensão de qualquer efetivar o pedido de prestação judicial, sendo o
Aurélio conceitua a palavra “pena” como punição direito. A dominação dos mais fortes acabou mesmo requerido de forma regular. Mas o que
imposta pelo Estado ao delinquente ou contra- propagando a ideia falsa de que uns nasceram queremos elucidar aqui são as enormes
ventor. O sentido da existência de uma pena é a para mandar, outros para obedecer. Segundo disparidades no que concerne aos recursos
perda ou restrição de direitos do infrator para que acreditava Aristóteles, "a pior forma de disponíveis aos litigantes, que levam a decisões
ele responda pelos seus atos e sirva de exemplo desigualdade é tentar fazer duas coisas contraditórias onde a condição social é tida como
para a sociedade. Deste modo, a aposentadoria diferentes iguais". Esse entedimento nos mostra um fator de diferenciação (ou determinante).
compulsória remunerada e vitalícia não é pena, que tal realidade é muito antiga e, há tempos, Todavia, desejamos esclarecer que a
na essência do termo, mas sim, um prêmio ao discutida. intolerância, no tocante às diferenças, se
crime. O magistrado honesto, nos moldes da Levar em consideração a cor, a religião ou até manifesta na discriminação, ferindo um princípio
aposentadoria voluntaria, com proventos propor- mesmo a condição social como fatores de básico moral, o respeito ao outro. John Locke já
cionais ou integrais, talvez não tivesse os requisi- separação dos indivíduos de uma sociedade é dizia: "(...)A verdade não precisa da violência para
tos legais necessários para realizar o pedido de crer na demência e na insensatez. Fichte, filósofo ser ouvida pelo espírito dos homens, e não se
aposentadoria. Ou seja, se não conseguir se alemão, já afirmava que os grupos "formam uma pode ensiná-la pela boca da lei". Não queremos,
aposentar, roube descaradamente! Certamente coletividade identificável, estruturada, contínua, assim, desconsiderar o direito de liberdade de
este não é o objetivo da norma, mas, sim, possi- de pessoas sociais que desempenham papéis manifestação de cada indivíduo , mas apenas
bilitar que o magistrado possa exercer com inde- recíprocos, segundo determinadas normas, pregar o respeito mútuo como um fator de
pendência as suas funções. interesses e valores sociais, para a consecução convivência social.
O Ministério Público tem competência para de objetivos comuns". Apenas no dia em que houver respeito, não
pedir a instauração de inquérito judicial quando A diversidade é um fator de existirá mais cor, religião, sexo, idade, orientação
há indicio de prática criminosa nos processos complementariedade para uma sociedade tão sexual, ideologia, posicionamento político
administrativos abertos contra juízes nas correge- plural como a nossa. Negar essa condição é discriminatório; no dia em que a tolerância fizer
dorias internas dos tribunais. Se houver condena- negar a nós mesmos, a nossa própria identidade. parte da consciência de cada um, aí sim, não
ção, o juiz não terá direito a nenhum privilégio. A Constituição Brasileira de 1988, no art. 3º, IV, haverá limites para as diferenças.
Contudo, na prática, se trata de fato raro. A de- garante que se deve "promover o bem de todos,
mora na conclusão do processo administrativo, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
principalmente pelos excessivos de pedidos de idade e quaisquer outras formas de Por Caroline Carvalho - 1º período 2010.1
vistas, geralmente causa a prescrição do crime. discriminação". Isso nos garante legalmente a (manhã)
Enquanto que o servidor público poderá ter como legitimidade da igualdade e do respeito às carolinepc.carvalho@gmail.com
CCJ EM AÇÃO — ANO 1 — Nº 2 PÁGINA 6

ESPAÇO DISCENTE

Os Direitos Humanos e o mundo islâmico


Recentemente, em 2009, na Inglaterra, foi admiti- discrição. Além disso, aqueles que desejarem aban- de nós”.
da uma experiência jurídica interessante: ao menos donar o islamismo e abraçar uma nova crença prati- Também a prática homossexual é punível com
85 cortes islâmicas foram abertas naquele país. cam o crime de apostasia, punível com morte. morte. Em 2003, a Corte Europeia de Direitos
Esses “tribunais”, segundo o MailOnline News, resol- Paul Marshall, escrevendo para a revista The declarou que "sharia is incompatible with the
vem querelas sobre finanças e família. No entanto, Weekly Standard (10/04/2006, vol. 11. nº 28), mostra fundamental principles of democracy" (Refah Partisi -
eles não aplicam, primariamente, as normas do orde- que, nos anos 90, a República do Irã usou esqua- The Welfare Party - and Others v Turkey).
namento inglês, mas, sim, a Sharia, que é um corpo drões de morte contra os que deixavam o islamismo Os Direitos Humanos não andam de mãos dadas
de leis baseadas no Corão e na religião maometana. e abraçavam uma fé diversa, incluindo líderes protes- com crenças fechadas. A aplicação da Sharia traz
Embora entre tal sistema e o common law haja se- tantes. Afirma que o regime está atualmente empre- grande discrepância para com os Direitos Humanos
melhança no que tange à formação histórica (ambos gando uma campanha sistemática de rastreamento e internacionalmente reconhecidos. Ao menos no âm-
os sistemas tiveram influência religiosa, ambos os reconversão ou morte daqueles que abandonaram a bito europeu. Países de oficial religião islâmica ado-
sistemas são costumeiros), quanto ao direito material fé islâmica. tam a Declaração do Cairo de Direitos Humanos no
não poderia haver maior divergência. A Sharia, como No endereço virtual da Assyrian International News Islã (1990). Embora essa Declaração admita, por
legislação pretensamente divina, não admite mudan- Agency (http://www.aina.org/news/20090226172430. exemplo, à mulher a mesma dignidade do homem e
ça. htm), é relatado o caso de Maher Ahmad El- as mesmas obrigações básicas, não concede a ela
Um problema especialmente sério é o das sanções Mo’otahssem Bellah, um ex-muçulmano que, em os mesmos direitos, mas seus próprios direitos (art.
penais admissíveis pela Sharia, o chamado hudud, 2009, desejou ter reconhecida sua conversão pelo 6). Os muçulmanos criticam a Declaração Universal
que inclui esquartejamento, crucifixão, apedrejamen- Estado do Egito, país constitucionalmente islâmico e dos Direitos Humanos (1948), sob o pretexto de que
to e amputação. Embora na Inglaterra não se vá que reconhece a jurisprudência islâmica como fonte tal declaração tem raízes em crenças judeu-cristãs.
admitir tais práticas extremistas, ainda assim há do direito. “Nossos direitos no Egito, como cristãos Embora para os secularistas ocidentais isso não seja
sérios problemas no que diz respeito a direitos da ou convertidos, são menores que os direitos dos tão evidente, para os muçulmanos o é.
mulher, custódia dos filhos, herança, testemunho, animais”, afirma El Gohary. “Somos privados de
liberdade de crença e expressão. O testemunho de nossos direitos sociais e civis, privados de nossa
um homem é mais convincente que o da mulher. Ao herança e deixados para ser mortos pelos fundamen- Por Gyordano Montenegro - 3º ano (tarde)
homem é dado o direito de divorciar-se à sua própria talistas. Ninguém se importa em investigar ou cuidar abeceba@hotmail.com

O Direito e os crimes na Internet


contribuíram para que pessoas passassem a utilizá- instrumento para realização da prática. Entretanto,
la de modo indevido, por exemplo, ao obter dados seria uma utopia afirmar que a proteção legal exis-
pessoais de terceiros sem autorização dos mesmos tente é suficiente diante das problemáticas do cibe-
ou, ainda, ao simples prazer em “atacar o sistema”, respaço. Para ratificar, existem diversas ações espe-
efetivados pelos crackers (erroneamente confundidos cíficas e que não possuem nenhuma previsão, diante
com hackers, são pessoas que têm o intuito de reali- de suas peculiaridades, como o spamming (a
zar atos “criminosos” - como danos). Deste modo, disseminação do spam – envio de mensagens
ficou cada vez mais evidente a concepção de que indesejadas por correio eletrônico e sem
seria necessária a intervenção do ordenamento para consentimento – que veicula mensagens
reger as relações internas, e seus conflitos proveni- publicitárias, apesar de ter sido elaborado um código
entes, no ciberespaço. de ética para o marketing no email) ou o trojan horse
Os crimes na Internet podem ser concebidos como (cavalo de tróia) que rouba senhas, arquivos, dados,
Uma das principais criações desenvolvidas, no uma espécie de crime, cometido no ciberespaço, que entre outros, para outro computador, sem que a
século XX, pelo homem, foi a Internet. Extremamente pode ser praticado com o auxílio do computador ou vítima perceba.
arraigada ao cotidiano, difícil seria imaginarmos as contra ele (atingindo dados, programas e informa- Inúmeras pessoas crêem que a Internet ocasionou
nossas atividades sem o auxílio da mesma. No en- ções neles contidos). Eles possuem uma amplitude uma revolução por basear-se na interatividade e na
tanto, essa não foi a sua finalidade inicial, e sim, o preocupante, devido à disseminação da Web em democracia, na qual todos podem ser produtores e
uso no meio militar e, depois, no científico. diversos países, em diferentes setores e segmentos consumidores de informações. Assim, elas temem
A Internet surgiu no auge da Guerra Fria. Posteri- econômico-sociais. que a elaboração de leis regulamentadoras modifique
ormente, ela foi disponibilizada para as universidades É importante lembrar que o Estado só pode punir o essa realidade. Desta maneira, diversas ações que
norte-americanas, em um primeiro momento, onde foi indivíduo, principalmente sob a ótica penal, naquilo venham a prejudicar podem não ser puníveis por não
aperfeiçoada, e tinha como primeiros usuários os que for previsto como ilícito pela lei, em virtude do terem previsão legal. Defensores acreditam que isso
pesquisadores. Após um determinado período, ela princípio da legalidade. Por isso, os autores Furlane- é conseqüência da liberdade propagada na Rede,
foi, enfim, estendida para o domínio do público em to e Guimarães compreendem que o crime da infor- como foi mencionado, e que qualquer tentativa de
geral. Só chegou ao Brasil no fim dos anos 80 e mática é toda ação típica, antijurídica e culpável, controle ficará defasada pela rápida transformação
dentro do meio acadêmico. Ao longo da década de cometida contra ou pela utilização de processamento de costumes na Web, além da dificuldade de identifi-
90, principalmente, nota-se que a sua utilização foi automático de dados ou sua transmissão. cação do usuário que realiza a ação. Porém, é incon-
ampliada, disseminada e incorporada pela socieda- Destarte, os casos de prática da pornografia infan- cebível a idealização de que as “vítimas” não podem
de, pois ela acarreta diversas facilidades que culmi- til, na Internet, vêm sendo combatidos e punidos recorrer à justiça pela falta de tipificação para que a
naram em uma forte dependência do mundo digital. porque são previstos como ilícitos penais. O Estatuto Internet possa ser um ambiente livre de qualquer
Podem-se destacar como alguns desses fatores, por da Criança e do Adolescente (ECA) condena à pena norma. Isso faz com que se desconsiderem os danos
exemplo, o maior acesso aos computadores e a de 3 a 6 anos e à multa, no artigo 241-A, alterado causados aos prejudicados.
facilidade da transmissão de informações e da comu- pela lei 11.829/08, quem “Oferecer, trocar, disponibili- No entanto, existem esforços internacionais para
nicação, além da amplitude mundial que elas alcan- zar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por tentar regular de modo uniforme tais condutas espe-
çam. qualquer meio, inclusive por meio de sistema de cíficas e reconhecer esses delitos para coibi-los, tais
Sob o aspecto técnico, a Internet é uma grande informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro como a Convenção de Budapeste, realizada em
rede de redes. Para o autor Tanenbaum, a expressão registro que contenha cena de sexo explícito ou 2001. Ainda, no Brasil, diversos projetos de lei estão
rede de computadores é utilizada para expressar pornográfica envolvendo criança ou adolescente”. Ele sendo elaborados com vistas à regular a Web, mas
uma intercomunicação, ou seja, uma troca de infor- também pune, no §1°, com a mesma pena quem eles sofrem diversas críticas e revisões e não estão
mações, entre computadores autônomos. Assim, “assegura os meios ou serviços para o armazena- próximos de entrarem em vigor.
observa-se a amplitude da Internet já que ela conecta mento das fotografias, cenas ou imagens de que É notório que a formação da normatização de
milhões de pessoas em todo o mundo. Também, se trata o caput deste artigo”. Ressalta-se que existem crimes específicos não irá ser imediata, se ela vier a
destaca que ela propicia a imersão no ciberespaço, sites que possuem parceria com os Ministérios Públi- ocorrer. Por isso, mesmo que o Estado não puna, é
onde não há o reconhecimento de fronteiras físicas. cos de diversos estados e possibilitam a realização primordial que os usuários tenham a consciência do
Quando houve a propagação inicial da Internet, de denúncias sobre a prática de cibercrimes. Desta alcance de suas ações na Web. Assim, eles deveri-
muitos acreditavam que ela seria um meio que iria se maneira, a Rede Mundial também pode ser tida como am: ter mais receio em disseminar dados pessoais,
auto-regular, já que a ampla liberdade era uma de um meio de combate e repressão. Além desse crime, pensamentos e informações; possuir mecanismos de
suas principais características. Ainda, houve até um entre outros, são puníveis os atos que causem danos segurança atualizados (como firewalls, antivírus,
manifesto feito John P. Barlow, em 1996, que alega- à honra por meio da prática de calúnia, injúria ou políticas de seguranças nos servidores e sigilo em
va que a falta de regulamentação seria essencial difamação. informações cadastrais de usuários etc); ou seja, é
para a construção de um espaço livre e que, caso a Muitos desses atos que deturpam o uso da Rede necessária uma maior precaução para evitar que
normatização ocorresse, essa não poderia ser eficaz Mundial são abarcados, como foi explanado, pela ocorra a manifestação dos crimes na Internet.
devido à volatilidade do ciberespaço. Assim, esse legislação existente, pois podem estar correlaciona-
limite mínimo das ações dos usuários, aliado à sen- dos com crimes praticados no âmbito real, ou seja, Por Sarah Marques de Morais - 3º ano (tarde)
sação de anonimato, que seria facilmente mantido, são crimes de meio no qual a Web é utilizada como sarah.marques89@gmail.com
CCJ EM AÇÃO — ANO 1 — Nº 2 PÁGINA 7

ESPAÇO DOCENTE - Prof. Eduardo Ramalho Rabenhorst*

SOBRE VIAGENS, MAPAS E DIREITO


Por ser professor de filosofia do direito, habituei-me a ouvir dos alunos que minhas aulas são verdadeiras “viagens”.
Não tomo a observação como ofensa, pois, de fato, não fiz outra coisa na vida senão viajar, real ou metaforicamente.
Aliás, o tema da viagem é o mote do meu curso de pós-graduação neste ano, inteiramente dedicado aos Cultural Studi-
es. Daí que ao ser convidado (muito em cima da hora) para escrever aqui, não consegui me eximir da tentação de reto-
mar algumas reflexões sobre o assunto.
Em um mundo de intensa mobilidade, no qual tudo parece estar em movimento, não é de causar estranheza que o
próprio ato de viajar tenha se convertido em objeto de investigação teórica realizada por diversas disciplinas. De fato, o
que é viajar? Por que as pessoas viajam? Podemos realmente diferenciar as viagens das outras formas de desloca-
mento?
Viajar não é apenas ir de um lugar a outro. Enquanto forma de expressão de um aspecto da liberdade humana, a via-
gem contém a possibilidade de deriva que faz com que ela se converta em uma aventura. Contudo, o ato de viajar não
ganha sentido sem a intenção de um regresso ao ponto de partida. E é em razão deste “círculo” que a viagem se distin-
gue do simples deslocamento. Viagem exige volta, ainda que isso nem sempre possa acontecer (por isso mesmo a via-
gem não é boa alegoria para a morte...).
A viagem, logo, requer a existência de um ponto fixo de onde partimos e para onde retornamos. Por conseguinte, nô-
mades não viajam, já que estão sempre em trânsito. O mesmo acontece com aqueles que vivem as experiências dos
deslocamentos forçados (êxodo, emigração, banimento, deportação etc.). Por não serem resultantes de escolhas livres,
tais deslocamentos não são propriamente viagens. São formas de exílio ou de expatriação. Vagabundos também não
viajam. Daí que, ao contrário dos turistas, eles não costumam angariar muita simpatia...
Viajar é percorrer um caminho já trilhado por outros. Através da viagem, então, chegamos a um lugar conhecido de
antemão. Donde que as viagens demandam um conhecimento prévio do percurso geralmente expresso em mapas.
Quando ao contrário, nos deslocamos rumo ao incógnito, não estamos mais a viajar. Estamos a explorar o desconheci-
do. Não somos viajantes, somos aventureiros.
Mais afeita às ciências exatas, a cartografia também deveria interessar aos estudiosos do direito. Afinal, entre os ma-
pas e as leis existem grandes semelhanças, concernentes tanto às características culturais quanto aos modos de utili-
zação. Mapas e leis se assemelham porque os dois instrumentos, ao mesmo tempo em que representam a realidade,
também estabelecem limites e divisas. O direito igualmente organiza paisagens, colocando marcos, definindo espaços
e margens. Não causa surpresa então saber que os mapas foram considerados, a partir do século XV, instrumentos de
registro das descobertas européias, e transformados assim em prova do direito à posse das novas terras encontradas.
Os mapas, tal como as leis, estão situados na interface entre conhecimento científico, arte e a manipulação política.
Daí que as suas representações estão longe de ser objetivas ou neutras. A despeito de todos os instrumentos utiliza-
dos em sua confecção (ou talvez em razão deles) mapas e leis sempre distorcem a realidade. Mapas e leis são instru-
mentos mediante os quais uma sociedade se define no mundo e se apropria dele (lembremos aqui a célebre observa-
ção de Rousseau sobre o surgimento da propriedade privada).
Através dos mapas, fronteiras são traçadas, separando os que estão dentro daqueles que estão fora, o que nos per-
tence e o que pertence aos outros, e assim por diante (o que Boaventura de Sousa Santos chamou de perspectiva a-
bissal). Mapas e leis possuem autor e autoria, estão ligados a um lugar e a um momento, apresentam pontos de vista e
ângulos de visão. Mapas e leis, por fim, são modelos ou esquemas de representação que exigem intérpretes capazes
de traduzi-los.
Espero ter mostrado rapidamente como a geografia importa ao direito. Exercitando a imaginação, podemos sem gran-
des dificuldades entender que o jurídico também se apresenta numa dimensão topográfica. O direito tem uma história,
é verdade, mas ele também possui uma geografia. Por isso, tão importante quanto compreender quando um instituto
jurídico foi construído, é saber de onde ele surgiu, e eventualmente entender como ele transitou por diferentes contex-
tos geográficos. Há muito os juristas se interessam pela história do direito. Quem sabe algum dia eles possam ter al-
gum interesse pela cartografia, pois não são apenas as pessoas que viajam...

*Eduardo Rabenhorst é mestre e doutor em Filosofia, professor e diretor do Centro de Ciências Jurídicas da UFPB
CCJ EM AÇÃO — ANO 1 — Nº 2 PÁGINA 8

CHARGE

Por Carlos Nazareno*

“Muito Além do Jar-


dim” (Being There -
1979) dirigido pelo norte-
americano Hal Ashby
(indicado ao Globo de
Ouro), responsável, de
igual sorte, pelo antológi-
co “Ensina-me a Vi-
ver” (Harold And Maude
- 1971), ganhou 01 Os-
car em 1980 pela atua-
ção coadjuvante de
Melvyn Douglas. Conta
com uma memorável
interpretação de Peter
Sellers (indicado ao
Oscar e ganhador do
Globo de Ouro) e, ainda,
com a presença de uma
das maiores atrizes, em meu sentir, da história do cine-
ma, Shirlei McLaine (indicada ao Globo de Ouro).
Trata-se de um filme simples com abordagens subjeti-
vamente profundas.
POR DENTRO DA UFPB Peter Sellers é Chance, um jardineiro empregado que
vivia confinado em uma residência. Conheceu o mundo
Clínica de Psicologia instituições públicas, privadas, mistas, e apenas através da televisão (sua única janela para a
ONGs, funcionando às quartas-feiras, civilização e os acontecimentos da humanidade) e o seu
Inaugurada em 1979, a Clínica Es- 08h00 às 17h00; trabalho diário no jardim, única tarefa desempenhada
cola de Psicologia da Universidade · Projeto de Extensão Atendimento a desde a infância. Não existia qualquer registro da exis-
Federal da Paraíba vem, ao longo de crianças hospitalizadas (funciona no tência do mesmo, o qual já apresentava idade avançada
30 anos, desempenhando suas ações Hospital Universitário/vinculado à Clíni- e revelava, em sua personalidade, de forma explícita,
pautada pelo princípio da indissociabili- ca de Psicologia); uma inocência infantil.
dade do ensino, pesquisa e extensão, · Psicanálise e Saúde Mental Com a morte de seu patrão, Chance, analfabeto, preci-
com o objetivo primordial de atender às (funciona no Centro de Atenção Psicos- sa abandonar o único espaço físico que conhecera em
comunidades de baixa renda. A Clínica social - CAPS I – Cabedelo/PB/ toda sua existência. Desta feita, munido de uma peque-
do Departamento de Psicologia possibi- vinculado à Clínica de Psicologia); na mala, um guarda-chuva e um controle-remoto de
lita aos alunos e professores suprirem · Para Além da Psicologia Clínica televisão, Chance passa a ter contato pessoal com o
as necessidades didático-científicas do Clássica: Atenção à Saúde na Comuni-
mundo externo, mostrando o exato momento transitório
curso, oferecendo campo fértil para dade Maria de Nazaré (vinculado à
da evolução do personagem, ao som oportuno e ade-
estágio, pesquisa e extensão, funda- clínica de Psicologia);
quado de uma versão setentista do tema do filme “2001:
mentando, assim, a teoria aprendida em
A Clínica Escola de Psicologia vem Uma Odisséia no Espaço” do Kubrick. Intento: a busca
sala de aula.
Seu quadro funcional é composto por iniciando um diálogo com o Setor Jurídi- por um jardim para trabalhar.
professores que supervisionam os esta- co através do trabalho de Avaliação De uma forma peculiar, Chance acaba conhecendo
giários em diversas abordagens teóricas Psicodiagnóstica nos seguintes setores: um casal de milionários – Ben e Eve (personagens dos
oferecidas pelo Curso de Psicologia 5ª Vara Criminal, 1ª Vara da Infância e atores Melvyn Douglas e Shirlei McLaine), os quais,
(Psicanalítica, Abordagem Centrada na da Juventude, 7ª Vara da Família bem subitamente, se envolvem sobremaneira com a presen-
Pessoa, Existencial Humanista, Gestalt como com o Tribunal Regional Eleitoral. ça do mesmo. A vida daqueles que o cercam com maior
e Terapia Cognitiva Comportamental), proximidade volta a ter o brilho necessário. O externo
por técnicos de nível superior Núcleos de Pesquisa vinculados à percebe, nesse homem misterioso, inúmeras qualida-
(psicólogos), pelo apoio administrativo, Clínica Escola: des: bom humor, razoabilidade, intensidade, sensibilida-
bem como por colaboradores externos. de, sensatez, bondade e equilíbrio.
Além de outros pré-requisitos, é neces- - Núcleo de Estudos e Pesquisa em Em verdade, a excessiva simplicidade do personagem
sário que o aluno de Psicologia esteja Psicanálise e Saúde Mental (parceria da principal é uma de suas principais características, aliada
iniciando o 9º período do curso e que Clínica de Psicologia/UFPB com a Es- a uma sabedoria sobrenatural. Chance encanta a todos
tenha um supervisor clínico que o su- c ola Brasileira de Psic anális e/ com suas feições apático-cômicas, notadamente quan-
pervisione durante todo o período do Delegação Paraíba); do revela, através de poucas e raras palavras – ou, até
estágio. mesmo, mediante o seu silêncio, na medida do transcor-
A Clínica oferece os seguintes servi- - Núcleo de Estudos e Pesquisa em
rer da obra, o seu conhecimento da jardinagem (leia-se:
ços para a comunidade em geral e para Avaliação Psicológica – NEPAP;
vida).
a comunidade acadêmica:
- Núcleo de Estudos e Pesquisa em Dentro de todo subjetivismo de “Muito Além do Jardim”,
· Atendimento Psicoterápico Psicanálise e Arte. conseguimos enxergar que o ser o humano, em sua
(individual e em grupo): crianças, ado- essência, prescinde de um excesso de conhecimento
lescentes e adultos nas diversas abor- A Clínica-escola em sua atuação tem para alavancar, de forma positiva, a sua vida. Chance
dagens (Psicanálise, Abordagem Cen- se v oltado para os espaços mostra que a simplicidade, empregada com sabedoria,
trada na Pessoa); Cognitivo- “extramuros”. Atua nos espaços da é a chave para atingir aquilo que desejamos. E não
Comportamental, Gestalt e Existencial- comunidade externa à academia, busca importa o quanto dure para que os nossos anseios se-
Humanista, funcionando diariamente, parcerias com instituições, apresenta jam alcançados, caso ajamos nesse diapasão, saiba-
das 7h30 às 17h00; suas produções científicas em eventos mos que serão. Evidencia, de igual sorte, como deve-
· Serviço de Escuta Psicológica: internos e externos à UFPB, tudo isto mos encarar as mudanças hodiernas com naturalidade.
adolescentes e adultos, funcionando às com o objetivo de formar profissionais Com efeito, como se percebe na frase final do filme: “A
terças-feiras, das 08h00 às 17h00; integrados às reais necessidades da vida é um estado de espírito”.
· Avaliação Psicodiagnóstica: crian- Sociedade.
ças, adolescentes e adultos, funcionan- E falando no final...
do diariamente; HORÁRIO DE FUNCIONAMENTO: de
· Serviço de Escuta em Orientação 2ª a 6ª-feira das 7h30 às 17h00. Sem dúvida, uma verdadeira obra-prima.
Profissional e Projeto de Vida: adoles- Contato para informações: 3216.7338
centes e adultos, funcionando às quar-
tas-feiras, das 08h30 às 17h00; Por Alysson Guerra - 3º ano (tarde)
· Serviço de Escuta Institucional: alyssonsg@msn.com *Estudante de Licenciatura em Artes Visuais (UFPB)

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