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HALOCHE Claudine A condi cao tnd vek, Nee elt Tamtine | Cn toa ¢ A, LER. © DIREITO A CONSIDERAGAO. NOTAS DE ANTROPOLOGIA POLITICA E HISTORIA ‘Asim que a idéia de consideragao se formou nos csplritos, cada um pretendeu ter diteita a el [., ce ckixou de ser poravel que ela falkase impune: mente a alguém. (© reconhecimento € um dever que € preciso prestar, mas no um direto que se possa exigi Jean-Jacques Rowen lim 25 de agosto de 1725, a Academia de Bordeaux de uma dive sertagio do bargo Charles de Montesquieu. Tratava-se de um optisculo que nlio ‘eteceu, verdadciramente, a atengio de ninguém, uma monografia que, alm de possuir importantes elementos de reflexio sobre 0 mérito, 2 estima publica € 0 fe peito, tinha como temas a consideracio e a reputacio (Montesquieu, 1725: 1205). Montesquieu distingue uma de outta, A reputacio, por ser frigil ¢ contingente, necessitaria da visibilidade no espaco piblico, estaria ligada as honras © & gli Na consideragao, por sua vez, haveria uma diferenca entre o mérito de uma pessoas {que conduza vinculos fortes e auténticos com os outros, 0 respeito convenional «© codificado que. acompanhando-se de sinais visiveis de distinglo, supe ua fouma de reserva'. A idéia de consiceragio estaria, assim, estreitamente vinetlaca 1 Asetimaligis revel o diverse conteidos ds considera: de un ado o uid de vida, as macasexerionss de out, ans © omit as pads das quads mteriones. O tern? 130 conrespondeu, 2 princpio, ao cat, “a exame atento dos lls en sepia, Bs ae ment ‘he, eatima, Corn plana “onsidera’, passe da ida de “ul” Ade "oma Ae (6 de atsbuir ua quale» alguémn € eit ficient ss exists, CL Diciomatr hinorigue del langue fame 9) a Os tearados 7 lo precedente, como Trasado Loyseau, ou O Levi am de uma mesma preocupacio: a considera¢io. Hobbes se detém central e surpreendentemente conereto em errogativas judicitias, os empregos piblicos, os lc valor, da “importincia pablica de um homem”, ¢ que devem assegurila, cede honra, as demonstragées de estima em relago a uma mportamentos, posturas, posigies, “Falar com alguém com consideragli CORTESIA F CONSIDERAGAO Montesquieu, e considerasio e suas palavras: “Tos por nds mesmo constante necessidade de 3-28 no amor préprio, no amor por si mesmo. Em im como “ceder 0 passo ou o lugas, quando uma pretrogativa esti em jogo! reconhecendo-se a existéncia de um poder maior. arse c permanecet de ; dobrar o joelho ou peu diante de uma pessoa im passar na frente const 0 de regras, um disp: 1s homens, os corpos e ordens m: leragio. Nesses textos, € central a atengio a condutas corporais, gestos, postnas, €or ‘todas as honras que constituem e traduzem a consicleragio, a psicologia que envolve as condut: amor a. Tais valores Fundam € fem lugares, constrangem ap revi rit a econhecimeno cme Jean-Jacques Rousseau e,a seguir, pelo abade Emmanuel Jose portancia que se deve dar a0 te ed cas de claboragio « de teorizag contribui para explicd-las. Tata-se, em particular, dos processos que se tra nas Iutas pela consideragao, situadas no cerne da Revolugso Francesa e que leva- ram A codificasio, Declatagio dos Direitos do Homem ¢ regras que gover DESEJO DE PREEMINENCIA, DIREITO A CONSIDERAGAO 995). De modo geral, escreve Hobbes, ado por ele um sinal de honra ” (Hobbes, 1651: Impoe-se aqui a referéncia a Rousseau, quc localiza o desejo e, mais do que isso, ‘a necessidade de consideracao e de estima piiblica no momento em que os homens, sociedade, Poucas palaveas the bastam para narrar a ‘ada um comegou a olhar os outros ¢ a querer ser olhado por eles: a estima piblica comesou a cet valor”. Assim, constata que “o mais bonito, forte, dgil ou elogiiente” se tomaria “o mais considerado” (Rousseau, 1754: 210). habito de comparar, observar, perce € estabelecer diferengas em socie dade produziria “sentimentos de preferéncia” ¢ condusiria, porranto, a idéia de mérito. Penso que é precisamente nesse ponto que Rousseau prolonga a reflexio de Montesquieu: “Deu-se aqui 0 primeiro passo em diregao 4 desigualdade” (: 210), impondo-se esta conel reconhecimento. Ao desenvolver 0 tema da consideracio, Rousseau afirma que clas civel da vsibilidade, do desejo de set visto pelo maior ntimero de pessous. E-do colar, da nevessidade de ser al derado, ¢ mesmo para exists, que rnasce, de modo inevitivel a cesigualdade. Com isso, observa haver “uma espécie le homens pata os quais importam os olhares do resto do mundo, que se tornam es ¢ ficam contentes consigo mesmo pelo olhar dos outtos mais do que pelo préprio olhar”“ Nesse momento, Rousseau alirma a necessidade do olhar social ¢ ioridade de cada um. de natureza e no estado de socieda- dese encontra, portanto, incrita na nacureza do homem, no olhar, na necessidade de estima: a inevitévelrivalidade nascida da vida em sociedade nao pede demons- tragio, pois € algo evidente. “Assim que a idéia de consideragio se formou nos espiritos, cada um pretendeu ter dircito a ela [..] e deixou de ser possivel que ela faltasse impunemente a alguém” (; 210). Rousseau nos alerta contra a tentagao de ver na consideracio um direito. Com o exemplo do lago que une pai c filho, lem- bra que se deve ver ai tao-somente um dever, um dever de civlidade. Com o passar * Rousseau ress a dependénca social, sod ccenidade da do tempo, “o filho, totalmente independente do pai, deve-lhe apenas n pois o reconhecimento é um dever que € preciso prestar, mas no um direico que se possa exigt” (224) ruseau se esforga pata trazer & tona os mecanismos profundos dessa necey ms en lidade” sidade de reconhecimento e de consideragio: a ‘concorrénci dlesejo de superar seus semelhantes, 0 gosto nao tanto da exceléncia, ¢ sim da preeminéncia.E preciso perceber na consideragio “menos uma verdadeira neces sidade, ou um desejo profundo e legitimo”, ¢ mais 0 desejo de “se por acima dos outros”, “o desejo velado de tirar proveito em detrimento de outrem” (: 235-6) Esses “males, segundo Rousseau, alimentariam e estimulariam a desigualdade cente,levando & competigio ¢ 4 huta pelo reconhecimento. Mona Ozouf cham a arengio para o faro de “que uma igualdade abstrata ¢ impalpével[..] se torna em Rousseau a norma ideal tanto da vida coletiva quanto da vida pessoal, 20 pass que uma desigualdade dssimulada e constantemence reposts tendca se reconstitute odos os lugares (..1” (Ozouf, 1988: 148). ‘As lus pela consideracio constituem o cerne “dos debates que querem il primir as desigualdades ¢ os privilégios”. A consideragio ¢ igualmente central as reflexes de Sieyts, em seus combates contra as prerrogativas. Nase inigio, da desigualdade, os privilégios representam também um dos elementos considerasio, pois asseguram c garantem certas formas de expressio. Assim, lemos perceber em sua célebre interpelacio: “Eu reclamo nao a perda de mas a sua testituigéo” a exigéncia de um dieito a0 pr para ‘mesmo direito & consideragio, a0 reconhecimento’ Apesar de nio transigit sobre a igualdade de direitos, Sieyés reconheve a exiy téncia de uma desigualdade em matéra de talentos, Procura abordar a questo dos .do.o que chama de “posigio correta” di rio impede que cada um, seguindo sas fac sos mais ou menos favorivels, mente et les natura e adquiridas, seguindo ropriedade com tudo 0 que a préspera sorte ou o trabalho mais feeundo poste em ultrapassat 0 espago legal, clevar-se ou! compar & Aadyerte, 1 mais préxima de seus gostos ¢ mais digna de inve ” set apens (© podetia consi « ética a ser estimado. “Nao € 2 estima ¢ a0 amor de ao contritio, vocés s6 abedecem [...] a ama ‘Vé-se aqui a necessidade de distingu aqualifica de “absusda e quim necessivia ~ daquela nada & condigéo humana, |. “Ela ndo envaidece a algu ‘outros; trata-se de uma superioridade de fangGes, ¢ nio de pessoas’ probl democracias Erving Goffman ( ram por questoes ar G40 de si, dos rivos de interagio, da estratificasio soci de respeito desigualmente distribuidas. Esses temas foram reformulados nos anos 1985-1990, nos campos da antropo- ¢ da antropologia, da ciéncia ¢ da teoria politcas!. Michael Walzer ratam, com base em enfoques lemocriticas contemporineas, reocupadas com temas relativs ais minorias, is identidades pol 10 8 consideragio da e das diferengas nas democracias, trazem & discussio, de mira fundamental, a necessidade as estatégias de reconhecimento, com ica identitiria. a de reconhecimento, elemento comum em todos eles, seja nas sociede itirias do Antigo Regime, seja nas sociedades democréticas contem- idade entre as pol ‘de um direito a0 reconheciment 108 consideracao, afrmar vineulos espeito e de respeito ao outro, entre lade, atestando a importincia e, de modo mais preciso, oes reconhecimento: devemos reconhecer nele sminivel, porém continua e fundament ito concreto que decorra e se traduza em legislagdes expect s anos 1970, Edward Shils viu na deferéncia ¢ no respeito elementos essen icagio social. Na primeira, percebew inclusive “o fundamento da s. Em todas as sociedades, mesmo nas democracias’, existe una cagio da deferén ta de dignidade” sive, ln wir ce mancira a salvar a propria pele. «¢¢ defende & uma idéia de si mesma”: certa dignidade incia as regras de civili- al". Como sugere Post, dignidade, reputasao, di ria” sio termos empregados em épocas, contextos e fins freqilentemente diferentes (Walzer, 1983: 252). Pos entanto, um elemento fundamental: sempre aparecem como saduzindo a consideragio © que nio impede Walzer de perceber uma diferenga “entre a honra pela q aristocratas combatiam e a luta continua, me e incerta pela consideracio € ‘ respeito, aberta a todos, nas sociedades as” (258) © RECONHECIMENTO, UM DIREITO IMPRECISO E FUNDAMENTAL perversos do reconhecimento nas sociedades rue nao hé posigso fixa, porque ninguém sabe a por ele, “nfo hd igualdade de ‘Como conclui, “um reconheci € impor o reconhecimento de forma concreta ¢ imediata: impor, de fato, um direito ~ igual reconhecimento. dos anos 1990, Char de modo mais amplo, das reivindicagées poiticss contemporineas 1992). Ele vincula a necessidade de reconhecimento ao principio universal aldade dos sees humanos e também a0 fato de a identidade ter se tornado todo homem” (Taylor, 1992). recentes trabalhos de Jean Cohen, a0 \rdticas contemporaneas,revelam-se extremamente ago € 0 respeito sejam assegurados, ela insiste na necesscade de que se proteja a integridade, haja vista a importincia que o espago inte ‘tem para cada individuo (Cohen, 1996)", Assim, delende os direitos a esfera privada eo respeito as diferencas, sem que isso a faga nomel- inscreverem no ambito das socied a= tum reconhecimento valorizado. ide da diferenga como tal, como se isso bastasse pat ingado” (Cohen, 1996) sale particular, ‘mas também, em grande parte privado” (+191, 2035 ef também IMPOR UMA IGUALDADE DE RECONHECIMENTO ‘que nio se pode descartas, com facilidade, a questio levantada por Rousseau ¢ Sieyés: a busca da exceléncia e do mérico se distinguiria ou, a0 comteé- féncia (¢ mesmo se confundiria com ela), 2 A tara para “ser reconhecido traduz uma necessidade essencial, idacle do ser humano? 1 da consideragio toca fundamentalmente em quest6es ancropol6gicas «das 20 direito e a0 politico, decortentes dos direitos do homem e da pessoa nas ddades democcriticas contemporaneas. A consideracao eo res portadora de dite m por finalidadle a protego dos valores rela 146). Precisamos, portant 1 The sio trabutdrias ~ subjacentes as questbes decortentes passa necessariamente 0s préprios 1m a democracia, E possivel, € concretamente possivel, impos, por meio de am exigencias de reconhecimento ¢ respeito & dignidade sideragio © de reconhecimento? Nao se pode negligenciar ou esquecer que @ idade e con: um valor ético e politi ‘pe em jogo sentimentos le, 3 dignidade cao valor moral que um ho- E com freqiiéncia, impreciss, talvez devam permanecer assim nente, melhor garantir os modos de funcionamento democt ido amplo, o respeito poderia tra parado- ia de direito penal. “Respeitar uma pess se manifesta por sinais exteriores, a tio da honra se apresenta [.l-O respeito em si no poderia, de forma alguma, set objeto de uma sideragio sio valores con- ‘Ainda que as formas de Imente preocupado em di ado sobre os sentin sando-as demasiado longe, destré (Smith, 1759: 92). a desordens monstruosas; 1co toda liberdade, toda just 18

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