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Comunidade como Etica e Estética da Existéncia. Uma Reflexao Mediada pelo Conceito de Identidade Comunidad como Etica y Estética de la Existencia. Una Reflexién Mediada por el Concepto de Identidad Bader Burihan Sawaia Universidade Catélica de So Paulo ‘A queda das fontcras cissicas de comunicagdo entre 0s homens, concomitanemente a0 aparecimento de novos fundamentalists, obrigam-nos a ever 0 conceto de comunidad e de ses coreats dios, como a relago ene felicidade univer ¢ pessoal e eae diteto a igvaldade ¢& difeeaca, para enfertar a manipulagio demagegica da Comunidade como estaGyia separatist tanto no dscorso contra 0 idviduaismo come no contra a globaizagao hhomogencizador, Tal manipolagio 6 referenda pea asociago do coneito de connunidade a isin de identidade, ‘ual enatecia na plobalzagae como fundamvento das oganizagdes comunittiasenaeionais, Objetva-eanaisar ess {ssocigo,aletando ao rsco da Lgica Mentiriaslimontar 0 ves fundamentalist da prévis da Psicologia Social ‘Commits Para supett-to,prte-se aida deconnnidde como “ons encotros" ede idemtdade como “eroulidade” 1 debiltancnto de las fronters eliscas de comunicacié ent los sees humnos, juamente con la spain de nuevas organizaciones fandanenfalistas,mponen la evsin del concept de cnmuniday de sus conelsoséticos, como farelocin ene felieidadunivestly personal, yente el derecho ala igualdad ya la diferencia, a finde enfrentar ‘manipulaiondemagdzica de a comunidad con etratgzen de sere gacin, tant enel discus contrac individuals: fo como cotta a globalizacion masficador. Esta maniplacin es efrzaa poy st asocieion ala idea de destin, ‘lorifeaa, en a globalizacién, como el fundamen de organizasiones comuniaits y nacional, Fl propsto de est Goin va ornate trabajo es snalizr est lai, slertando en reli a ego de Togica idemtaria en In praxis de la Psicologia Social Com encuentro” y lade fential como esol” ‘0 mundo do final do século, denominado por muitos de neoliberal e pés-moderno caracteriza do por paradoxos. Um dos mais importantes, em termos de repercussio psicossocial. € 0 desenraizamento do mundo por meio de titanicos processos econdmico-técno-cientificos do. desenvolvimento capitalista (Lanni, 1996), provo- cando a queda das fronteiras cléssicas de comunicagdo e relacdo entre os homens, paralela- mente ao aparecimento de novas formas separatis tas ou ao ressurgimento de antigas, sob novas vestes. (0 lagos tradicionais que prendiam o homem 3s co- :munidades, as nagdes e 20s outros homens foram que~ bbrados, mas, em lugar da liberdade, ele foi aprisiona- cdo por cadeias fundamentalistas, quercoletivistas quer individualistas e narefsicas ‘Outro paradoxo, que na verdade esté contide & ccontém o primeiro, & 0 de ser um momento hist6 ‘co que valoriza a autonomia e 8 emancipagio, mas ‘Bader Buihan Sawai, Universidade Calica de Sd0 Paulo _Lacorepondcnciaretva.aeste acu debe sr enitdas Baer ‘Bashan Sawa, Pntia Universidade Cai de So Paulo, Rua Mone Alege, 984, CEP (5014-901, Brasil Te: (O11) 268, (O80, Fax (011) 280 7810, emi babasa xara pesp be iment ls sesgos fundamentalists —basados en tia. Se propone la idea de comunidad com “buenos promove impulsos anti-sociais e de exclustio, que concebe a ordem social como produto da subjetivacio e individuagiio de seus membros, mas cria formas sutis de massificagiio dos homens. ‘Muitos pensadores afirmam que a maior revolugao. do final do milénio & a do estilo de vida, tendo em. vista que o predominio da logica individualista e a revolugdo do consumo atingiu plenamente o cotidia- no, impondo uma estética existencial baseada na valorizagio da escotha individual. “O ideal de subordinacio do individuo as regras racionais ccoletivas, foi substivufdo pelo valor fundamental da. realizagiio pessoal, do respeito & singularidade sub- jetivae da personalidad incompardvel” (Lipovetsky, 1983, p.9). Nesse contexto, identidade, subjetividade & afetividade tornaram-se figuras centrais, com a responsabilidade de transformar o mundo. Mas, paradoxalmente, ao mesmo tempo que elege o homem livre como seu valor principal, com direito de ser absolutamente eu préprio, de fruirao miximoa vida, asociedade impede o ato de escolha, ao submeté-Lo.a ‘uma politica de subjetividade homogeneizadora e a uma ordem econdmico-politica excludente, onde as possibitidades sf, apenas, virtuais e imagéticas. 20 SAWAIA, (O que se tem é uma abertura ilimitada das fronteiras «de comunicagao e das possibilidades de identidades (Giddens, 1993), de valores ¢ de mereadorias,junta- mente com a da miséria © da exclusio. A ‘marginalizagao e o empobrecimento da maioria da populagao mundial se agrava sob a égide do jargio dda autenticidade e da individualidade, que transtor- ‘ma a pobreza e a exclustio em culpa individual e le- gitima no cotidiano © contratio dos prinefpios que apregoa: em lugar do respeito a diversidade, 0 predominio do relativismo efnico; em lugar da liberdade, formas sutis de aprisionamento do homem {quer na sua interioridade (nacisismo individuatista) {quet em associacbes separatistay/fundamentalistas (nareisismo coletivo ). ‘Muitos pensadores sociais estio alertando sobre © efeito perverso do enfraquecimento da tradigio € dda queda das fronteiras classicas entre os homens. Alguns, inspirados em Giddens (1990), um dos mais importantes sociélogos europeus da atualidade, clegem a falta de confianga como um dos proble- mas mais graves enfrentados pelas sociedades contemporanea, gerada pela enfraquecimento da tradica0 e de todos os eixos idemtiérios rigidos: ‘radigio, nagdo, comunidade, familia, e, até mesmo (6 sexo. Consideram que tal enfraquecimento pode ser positivo, pois estimularia 0 uso da reflexdio no ato da escotha até da propria identidade sexual, a qual deixaria de ser impositiva. Mas reconhecem, que isso ndo esté ocorrendo. O enfraquecimento da tradiedo associa-se ao medo do desconhecido, _gerando ansiedade, agresso, 0s quaisaliados falta ‘de confianga, gera softimentos de diversas ordens © mecanismos defensivos, fundamentalistas © apartheid, sendo um dos mais comuns a busca de pardimetros fixos de identidade. Neste contexto, a idéia da comunidade reatualiza, seu valor analitico e utépico, tomando-se, como sempre ocorreu em momentos de crise de valores coletivistas, catalisadora da idéia de solidariedadee de eciprocidade, mas com uma novidade decorrente dos paradoxos acima citados: Seu corpo teérico, sua rel6rica e sua praxis orbitam em torno da idéia de identidade, ‘Comunidade sempre foi conceito vago, eapaz de abarcar qualquer perspectiva, transformadora ou reacionéria, porém, na interface com a identidade, isto € ao definir-se por tragos identitérios, ela explicita de maneira flagrante a ambigiidade que sempre a caracterizou: Ser uma estratégia de 1uta * ypresso ada por Lipovetsky (1983.1). contra a exclusio e pela liberdade e, ao mesmo empo, o centro motivador da comunidade apartheid defensiva ou agressiva. Em nome da identidade, define-se rigidamente _ territorialidades, pertencimentos eexclusdes, favorecend a formagio de agrupamentos xen6fobos, intolerantes, que mio reconhecem © outro na diferenga, Morin (1990) desereve com exatidao esse tipo de associagiio 20 afirmar que as gangs so uma espécie de “contrato social de almas, sujeitas a regras coercitivas € ditatoriais” (p. 113), uma unio de individuos atomizados e reprimidos, pautados por fidelidade pessoal e agressdo a tudo que é estrangeiro, Recorre-se a comunidade identitéria como defesa da individualidade, da pluralidade e do ‘multiculturalismo, contra o engolfamento massificador da globalizagio, como fazem os ‘movimentos de defesa do direito & diferenga, que eclodtiram nos anos 80! Mas, paradoxalmente, clama-se por comunidade ‘como protecdo contra a inseguranga e o sofrimento gerados peto individualismo, pelo relativismo e pela explosio de opgdes, muitas vezes vividos como inseguranca, solidao e diffeuldade de relacionamento consigo mesmo e com 0 outro, Sentimentos que impulsionam os individuos & busca de lugares de certeza, como os grupos identitérios, em que os individuos reconhecem-se esio reconhecidos como iguais, nés contra eles, conforme afirma Melucei (1991): “Hé nas sociedades complexas 0 aparecimento de um integratismo que busca con- trolar a incerteza através de algum prinefpio de unidade” (p. 170). A identidade individual ow coletiva (comunidad identitétia) seria um dos mais utilizados. Esse raciocinio leva Sousa Santos (1997) a analisar 0s problemas do final do milénio através ‘da equagio entre a explosdio de opedes ¢ 0 desejo cada yez maior de raizes: “O exemplo mais clogiiente desta explosiio de raizes e opgSes pela intensifieagdo de umas e outras so os fundamentalismos e a investigagao sobre © DNA” (p. 113). O fundamentalismo identitério esté liga- da ao desejo de raizes, significa o perene, 0 s6lido {que dé sentido as opcdes a que somos obrigados a fazer, de tal forma que autonomia e liberdade confundem-se com agées orientadas por interesses particularistas, vividos como necessidade do nés comunitério, através do pertencimento aos chamados movimentos identitérios (Tourraine, 1996). COMUNIDADE COMO ETICA E ESTETICA 21 Identidade como Mediagao Teérica na Andlise da Prética Comunitéria As reflexes anteriores visaram demonstrar @ necessidade da Psicologia Social Comunitéria, nesse ‘momento em que as terrtoraldades esto redefinido- se, sever criticamente o conceito de comunidade em seu eorpo te6rico-metodoldgicoe pritico, Esta revisiio ‘deve referir-se&anslise do impacto social do mesmo © nio, apenas, ao seu desempenho heurfstico! epistemolégico interno, abordando-o como conceito ico-politico, Para realizar tal critica, o presente tex- {o optou pelo recorte da identidade Nilo 6 preciso estudos exaustivos para constatar a realidade da proposigao afirmada nas paginas ante- riores, de que aidentidade € uma das idéias forga da ‘modernidade contemporfinea. A busca da identidace, isto 6, da representagao e consirugio do eu como sujeito nico e igual a si mesmos ¢ 0 uso dela como referéncia de liberdade, felicidade e cidadania,tan- to nas relagées interpessoais como intergrupais © internacionais € um imperativo catex6rico. O senso ‘comum o demonstra sem sutilezas nas méximas mais, repetidas: “seja vocé mesmo”, “autenticidade & liberdade”, “o que conta € eu ser mais eu e minha felicidade individual”. Também pode-se constatar a {orga da identidade pelos livros que lideram a lista ddos mais vendidos. A grande maioriaé de auto-ajuda ede biografias de vitoriosos. Mas 0 seu indicador mais evidente é a explosio dos movimentos identitérios, eyo exemplo mais aterrorizante é 0 da limpeza étnica da Iugostavia. ‘Também ¢ fécil constatar que 0 uso da idéia de identidade & motivado por dois interesses antag6nicos. Um de defesa do direito & diversidade © outro de defesa do “uno” contra a diversidade, Amos configuram ret6ricas sociais em versbes tan- tosalvacionista, que apregoam a capacidade daidéia de identidade de evitar 0 engolfamento das diferengas pelo processo de globalizacio quanto apocaliptica-acusat6ria, que a culpabiliza por obs- taculizar a globalizagio e manter os homens atrelados a Tocalismos, Identidade é usada para resgataraindividualidade ‘como valor cardeal e com ela a multiplicidade e o movimento dos fendmenos. Mas adquire, também, ‘o sentido de permanéneia, de defesa de traco distin- tivo, como refigio da globalizagao e do conironto contra oestranho, como observa ann (1996) “Iden- tidades locais so recriadas a partir de earacteristi- ceas como raga, religio, etna, para se refugiar da slobalizagio homogeneizadora’ (p. 14). Aqui se tem 0 paradoxo moderno da identidade que & 0 mesmo da comunidade. O que no poderia ser diferente, na medida que uma tornou-se condigio da outra, De um lado, atribui-se & identidade a incumbéneia de desvelar a multiplicidade das individualidades, na cena publica, para negar a segregacfo e a diseriminagio, De outro, recorre-se ‘ela para entrentar, no plano individual e/ou social, ‘8 indeterminagao, multiplicidade e 0 medo do estranho, da incomensurabilidade © da relativa essencialidade das coisas Numa visio aparencial, a causa desse paradoxo pode ser imputada a concepgao ingénua de identidade como permanéncia/unicidade, presente ro senso comum € no corpo te6rico da Psicologia Sovial Comunitia, em detrimento da concepeio de identidade metamorfose/multiplicidade Ledo engano, Uma concepgao no anula a outra, © uma nao substitui a outra, Ambas indicam mo- ‘mentos do processo de idemtificagao. O problema reside na polarizago e cristalizagao de uma delas ce detrimento da outra, Quando isto ocorte, eai-se ou na esquizofrenia da “identidade volatil” que impede relagies ou na cristalizagdo da “identidade cliché” ¢ no seu correlato de ultra investimento na dliferenga, na marca que separa ¢ diserimina. Am- bas matérias prima do preconceito © do fandamentalismo e cujos horizontes & a solidao. © agravamento dos conflitos étnicos nao advém do prinefpio de preservaco de identidades frente & globalizagiio, mas do fato desse prinefpio transfor- mar-se em Tuta pelo poder, usando a retdrica da defesa da idemtidade (neste caso “identidade etique- ta”) para discriminar e excluir. Metucci (1992) fala em “identidade fundamentalista” ou “identita segregata” (p. 53) para se referir a esta qualidade discriminadora da referéncia identiria, que trans- forma a luta pelo direito &diferenca em condenagio A diferenca coletiva ou individual. ‘A “identidade etiqueta” delineia um terstério se- guro, que s6 € abandonado por outros espacos identitérios rigidos (Sawaia, 1995). Exemplo deta siio os “skinheads”, cuja “identidade funciona como tum dispositive de seguranga, de estabilidade, que 6 € abandonado quando constréem outras éreas de estabilidade e seguranca, as vezes representadas pela familia (quando se casam), pelo trabalho e, em alguns 080s, até pelo conversio religiosa” (Souza, 1998, p. 153). Pesquisa sobre os skinheads paulistanos (Costa, 1993, p. 76) apresenta ‘depoimentos que evidenciam o viver atrelado a esses espagos, como a de um que afirma estar pensando 22 SAWAIA fem se casar e se tomar crente, pois, esté ficando velho para ser skin, [Nesta perspectiva a relagdo com a alteridade trans- forma-se em luta contra o outro, como ocorreu com paric dos movimentos sociais, que substtuiram os revolucionstios dos anos 60". Eles irouxeram uma logidvel concepeiode cidadania, no mais assentada cexclusivamente na reivindicagao da igualdade, mas nat luta pelo direito & diferenga, usando a busca das rafzes identitérias como estratégia de Iuta politica contra a exclu, Mas muitos desses movimentos, ‘40 mesmo tempo que apresentaram avangos em ter- mos de conquistas sociais, ransformaram-se em co- munidades defensivas ou agressivas, inclusive fratricidas, interna eexternamente, Intemamente, por cexercerem uma ditadura sobre as necessidades © ‘emogées, impondo madelo rigido de pensar, sentir ‘air, Externamente, por tansformarem 0 outro, muitas vezes vizinho, em inimigo, como a limpeza éinica que comecou na Bosnia e, agora, espalha-se pelos Balcis,jusificando a exclusio do “estrangeito”, que supostamente ameagaria a identidade nacional Souza Santos (1994) define com elareza o perigo do monopélio regulador embutido na referény identidade, ao afirmar que ela é uma “questio semi- ficticiae set (p19) na modernidade contemporiinea, Assim, ele situa a identidade nas relagies de poder ¢ introdu a étiea e a cidadani nas suas diseussbes, apresentando-a como categoria poltica eestratégica nas elagies de poder. Referindo-sea mesma questo, mas do pontode vista da psicanaise, Freite Costa (1986) confirma a idia Ue identidade como fiegao necessétia & ago. Fiegtio no sentido da psicanslise, ou sea representagio que & vivenciada como verdade, Reforgando esta perspect va teérica, Berry (1992) relaciona a desvalia e ao des- amparo o aparecimento da fiegdo da identidade como unicidade. Segundo ela, a necessidade do sentiment

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