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A IMPORTANCIA DA INOVACAO E SEU CARATER GLOBAL E LOCAL 1.1-Introdugao A definigao de inovacao tecnolégica como a introdugao de novos produtos, processos, metodologias, mercados ou estruturas organizacio- nals, que renovam de forma irreversivel os cenarios econmicos da soci- edade, evidencia-se, sobremaneira, no impacto que a difusdo do compu- tador pessoal e a possibilidade de interconexao de computadores causa- ram no ambiente econdmico mundial. A retomada das concepcdes schumpeterianas encontrou no ambi- ente interconectado um interessante substrato para o seu desenvolvimento em virtude do potencial papel de agente potencializador da geracao de inovacées que o computador passara a exercer na dinamica econdmica De forma analoga, 0 novo direcionamento conferido pelo pensamento econdmico ao papel das micro, pequenas e médias empresas na transfor- macao de cenérios econdmicos guarda relacao direta com a retomada das idéias que colocam a inovacao no centro da anélise econémica por sua capacidade de adaptacao e reagao as mudangas ambientais que pas- sariam a ser mais freqientes a partir da interconexao de computadores ¢ redes, especialmente da popularizacao da internet. 33 Este capitulo busca estabelecer o substrato conceitual para a com- preensdo do papel da inova¢ao tecnologica na modificagao de cenarios econdmicos, tendo como instrumento mais relevante no proceso 0 sof- tware, por sua capacidade de contribuir para a geracao de inovacdes em outros instrumentos, mas também de gerar inovacGes em seu proprio pro- cesso de producao. A linha teérica adotada baseia-se na corrente neos- chumpeteriana de pensamento econémico, especificamente no estudo da inova¢ao como fator de competitividade de arranjos produtivos locais. 1.2 - A Inovaga0 como Motor do Crescimento Econémico Os avancos tecnolégicos da microeletronica ¢ das telecomunica- Ges, percebidos de maneira mais intensa a partir da segunda metade do século XX, contribuiram para que 0 acesso a informacao tenha se trans- formado no mais importante requisito para a competitividade e sobrevi- véncia de empresas de qualquer porte no ambiente econémico atual. A tendéncia mundial a globalizagao de mercados, acentuada a partir dos anos 1970, tem forte relacao biunivoca com a expansao das tecnologias da informacao e das comunicagées*, pois enquanto a tendéncia a uma economia global potencializa a difusao das novas tecnologias na comu- nicagdo, ao mesmo tempo as freqiientes inovagdes nas Tecnologias da Informacao e Comunicacdo (TICs) reforgam as tendéncias a uma econo- mia cada vez mais globalizada. (LUNDVALL: BORRAS, 2005, p. 612) Ressalte-se 0 sentido conferido neste trabalho ao conceito de glo- balizagao, diferenciado de um fendmeno inexoravel, que independe da vontade dos atores. O fendmeno é tratado como resultado da agao de decisoes politicas, principalmente em relacao a regulamentacao de mer- cados. Saliente-se também que 0 fendmeno ocorre de forma diferencia- da, tanto em produtos quanto em processos, estruturas, metodologias ou mercados distintos; logo se enquadra muito mais na suposicao de um * Admitese também, mals recentemente, a denominagéo de "Tecnologias Digital da Informasio eda Comunicacio (TDIC3)" Nest trabalho, no entant, foladotada a denominagio TICs para definr as empresas de tecnologia da informagao e das comunicacoes, por ser esta malsreleren- ‘ada pela teratura, incense, portanto, neste grupo as empresas de tecnologia digital 34 fenomeno induzido por determinados atores ou grupos de atores do que um fendmeno indutor do comportamento dos atores. A instalagao do chamado “paradigma globalizante” ocorre de ma- neira desigual, privilegiando regiées de maior poderio econémico ¢ tec- nolégico. (TREVINO; HERNANDES, 1999, p. 11). Sao fatores determinan- tes da diversidade de poder de competitividade dos atores no cenrio globalizado: a infra-estrutura fisica, pontuada pela interconexao de com- putadores e redes, o cabedal de informacoes e a capacidade de absor- 40 de novos conhecimentos tecnolégicos. A interconexao de redes ¢ computadores teve seu maior avango nos anos 1970, quando a International Standard Organization (ISO), de- senvolveu o modelo Open Systems Interconnection (OSI) de interconexao de sistemas abertos, que tinha 0 propésito de conjugar, em uma mesma arquitetura, segmentos de sistemas desenvolvidos por diversos fabrican- tes. Embora nao tenha vingado, o modelo OSI deu origem a arquitetura Transmission Control Protocol! Internet Protocol (TCP/IP), que rapidamente se tornou 0 modelo de protocolo de comunicacao padrao da internet. A popularizacao da internet como um sistema integrado de conexdo de redes e computadores dew origem a uma gama de produtos informati- cos apropriados para a sua operacionalizacao. Os programas de comuni- cagao no ambito da internet tornaram-se cada vez mais “amigaveis" para ‘usuarios sem capacitacao aprofundada em informatica, notadamente nas empresas nao atuantes no desenvolvimento de programas de computador. Este fendmeno contribuiu para acentuar ainda mais as discrepancias entre economias desenvolvidas ¢ regides com retardo tecnol6gico, pois as em- presas localizadas em centros tecnologicamente mais avancados tiveram prioritariamente condicées de se inserir no “mundo conectado’ A capacidade de absorcao de novos conhecimentos tem relacao direta com 0 arcabouco de conhecimentos de uma empresa, regido ou pals. Esta também é uma das caracteristicas dos paises que obtiveram 0 pioneirismo na navega¢ao na grande rede, A acumulacao de conheci- mentos tecnolégicos conferiu - e seguira conferindo ~ as nages mais 35 avancadas a habilidade necessaria para o incremento dos novos conhe- cimentos disponiveis nos espagos comuns de oportunidades que se reve- Jam no dinamismo evolutivo que tem caracterizado a internet, Desta ma- neira, a habilidade de aquisicao de novos conhecimentos sera cada vez ‘mais vital para a performance econdmica de individuos, empresas, regi- Ges e paises. (LUNDVALL: BORRAS, 2005) Além da habilidade na absorgao de novos conhecimentos, a cfic éncia na aplicacdo das informagées, em resposta aos impactos causados pelas turbuléncias do ambiente econdmico, tem importancia vital para a sustentaco competitiva nos mercados internacionais. As firmas, em par- ticular, tém buscado a adequagao aos requisitos impostos pelo novo pa- radigma com a freqitente insercdo de modificacdes em suas estruturas organizacionais ¢ dinamicas de produgo e mercado. Dentre as modifi- cagdes impostas pelas mutagdes no ambiente econdmico destacam-se: + a ampliacao do espago de abrangéncia das empresas para além dos limites de suas estruturas fisicas; + possibilidade de compartilhamento de tarefas por unidades fa- bris que nao necessariamente guardem proximidade geografica - anecessidade de agregacao de conteitdo tecnolégico em produ- tos e servigos como fator de competitividade; + a automatizacao de atividades que nao requeiram alto nivel de especializacao ou que sejam danosas a forca humana de trabalho; +a possibilidade de simulagao dos provaveis efeitos de ensaios des- trutivos ou perigosos ao homem, Os impactos destas mudangas no modus operandi do tecido empre- sarial contribuem para a concepcao de um novo paradigma econdmico, baseado na absorcao e utilizacao eficiente de informagoes, facilitado pela difusao ¢ integracao das redes de computadores. © chamado "mundo conectado”, no entanto, exclui contingentes populacionais que nao tém acesso a infra-estrutura necessaria para participar do compartilhamento de informagdes que a internet proporciona, Além disso, embora o au- mento da conectividade entre usuarios de computadores tenha impulsio- nado o fluxo de conhecimentos explicitos, a difusao de conhecimentos 36 tacitos depende fortemente de fatores concernentes & proximidade geo- gréfica por envolver relacionamentos de ordem social e cultural. (LUND- VALL:; BORRAS, 2005, p. 613). O livre acesso as formas codificadas de conhecimento tornou-as onipresentes, o que tem contribuido para que 0 dominio das formas tacitas de conhecimento se converta no elemento- chave para a sustentacao competitiva ¢ inovativa, (CASSIOLATO et al. 2008). Neste contexto, a compreensao da importancia para o desenvolvi- mento local das empresas voltadas ao desenvolvimento de solugdes in- formaticas merece especial atencao, em fungao nao apenas do carater permeavel do software, mas principalmente devido ao seu potencial de gerar instrumentos de difusdo e gerenciamento de conhecimentos. A capacidade singular do software de provocar inovacao tanto em outros ramos de atividade quanto em seu préprio processo de produgao credencia-o como um agente singular no contexto econdmico, ¢ por isso interessante objeto de investigacao, sobretudo por trabalhos que utilizam como substrato conceitual as correntes de pensamento que atribuem a inovacao tecnolégica o papel de motor do crescimento econdmico de paises ¢ regides. A visao econdmica do comportamento do software como principal agente indutor do paradigma informacional reativa 0 conceito de “des- ‘truicao criadora,” (SCHUMPETER, 1961). Esta constatagao ¢ evidenciada pelo enfraquecimento das estruturas organizacionais vigentes em razao do advento de novas conformacoes exigidas pelo paradigma informacio- nal, Coaduna-se, por isso, com as correntes que consideram a inovacao tecnolégica como motor de crescimento econdmico, embora a persis- tencia dos grandes conglomerados industriais como condutores das tra- jetérias tecnolégicas em nivel mundial ainda nao justifique a conotacao de “sociedades pés-industriais.” (TIGRE, 2008, p. 8) paradigma informacional surge como contraposi¢ao ao modelo keynesiano da produgdo em massa, principalmente quando as fontes materiais de energia, como 0 petroleo, comecam a entrar em colapso. A informagao, ao contrario, apresenta-se como uma fonte inesgotavel de matéria-prima, revelando-se, por isso, elemento distintivo do poderio dos 31 atores no cenario competitive. A assimetria informacional e a diferencia- 40 nas dimensoes das estruturas organizacionais e dos espectros de acao dos atores configuram-se, aliés, outras evidéncias da incapacidade das teo- rias neoclassicas de persistirem explicando os fendmenos econdmicos. A teoria neoclassica considera 0 mercado como 0 local em que os produtores buscam maximizar seus lucros e os consumidores suas prefe- réncias, considerando suas respectivas restricdes tecnolégica c or¢amen- taria, A aco maximizadora e conjunta de ofertantes e demandantes de- termina o preco de equilibrio, Os neoclassicos percebem um mercado atomizado em que os agentes possum racionalidade substantiva e reve- lam homogeneidade de comportamento. Em decorréncia, nenhum dos agentes tem poder de interferir isoladamente nos precos ou nas quantida- des dos seus concorrentes ¢ no resultado final (o equilibrio). A interferén- cia agregada, ou seja, todos os agentes interferem na mesma medida. A preponderancia do pensamento neoclassico ~ cujo foco de and- lise dirige-se para 0 equilibrio de curto prazo, englobando conceitos como escassez, alocac4o ¢ trocas - corroborou para que estudos que conside- ram a inovacao motor de crescimento de paises e regides atravessassem sum longo periodo de obscuridade. Lundvall (2001) afirma que os concei- tos neoclassicos “ainda que refletissem importantes fendmenos mundiais, trariam a tona apenas alguns aspectos do sistema econdmico” Apesar da dominagao da ortodoxia neoclassica, a colocacao da ino- vacao no centro da andlise econdmica tem ganhado rele corrente literéria fundamentada nas idéias de Schumpeter (1961), publi- cadas no inicio do século XX. Schumpeter (1961) atribuia o poder de modificar cenérios econémicos ao esforco compulsive do empreende- dor, um agente capaz de vislumbrar a oportunidade de, pela introdugao de inovagses tecnol6gicas, conquistar novos mercados ou consolidar-se no préprio mercado em que atua Na década de 1970, a visao schumpeteriana de que a modificacao dos cenarios econdmicos de paises e regides era restrita a individuos que tinham um talento natural para a percepcao de “janelas de oportunida- 38 de” foi substitufda por novas concepcées dos fatores de indugao do de- senvolvimento econdmico. As teorias que colocam a inovagao tecnolé- gica no centro da mudanca dos cenarios econdmicos de paises ¢ regides foram, no entanto, retomadas nesta época por autores que construiram uma linha de pensamento evolucionaria, chamada “neoshumpeteriana’, em contraposicao aos modelos neoclassicos de explicacao dos fenéme- A corrente neoschumpeteriana de pensamento econdmico intensi- ficow-se a partir de trabalhos de autores como Nelson e Winter (2005) Dosi et al. (1988); Freeman (2005a) ¢ Lundvall (2001). A retomada de es- tudos sobre a inova¢ao tecnolégica como motor de crescimento econd- mico contribuiu decididamente para um repensar sobre o papel das mi- cro, pequenas ¢ médias empresas" na transformacao de cenarios econd- micos. O olhar diferenciado para o papel das Micro, Pequenas e Médias Empresas (MPMEs) fundamentou-se em trabalhos empiricos que eviden- ciavam o potencial de transformagao de cenarios econémicos pela agao desta categoria de empresas. Além disso, a desintegracdo das grandes empresas durante o inicio dos anos 1970, ocasionada pela dificuldade de resposta das grandes plantas aos estimulos ambientais, em um cenério que jé se mostrava de acelerada mutabilidade, contribuiu para a transfe- réncia para as pequenas empresas 0 papel de agente modificador de ce- narios pela sua facilidade de adequacao as mutagdes ambientais. Nao é coincidéncia o fato de as correntes de pensamento neoschum- peteriano terem se intensificado no mesmo momento histérico em que se iniciou 0 processo de disseminaao da comunicaco em rede, A cres- cente complexidade das conexdes entre redes e usuarios contribuiu para ‘uma nova concep¢ao da inovagao com um fendmeno complexo, nao- linear, que nao tinha sua génese induzida unicamente pelas demandas dos mercados ou pelo avanco cientifico. Por outro lado, 0 cenario com- petitive mundial transformou-se em um ambiente em que a permanente introdugao de inovacées tecnol6gicas e organizacionais caracteriza-se * Riteratura mais recente tem consagrado a sgla MPMEs para referenciar micro, pequensas ¢ médias empresas, denominagso doravante uillzada neste trabalho, 39 como fator de sobrevivéncia nos mercados. Percebendo esta simbiose entre o avanco das TICs* e os meios inovadores, Castells (2003) ressalta o papel dos mecanismos inovadores no avanco da tecnologia da inovacao ao afirmar que a “concentragao de conhecimentos cientifico-tecnolégi- Cos, instituicGes, empresas e mao-de-obra qualificada sao as forjas da ino- vacao na Era da Informacao A intensa dinamicidade dos processos inovadores impede que es- tes sejam investigados sob perspectivas estaticas e de convergéncia ao equilibrio. © pensamento neoschumpeteriano é, por esta razao, chama- do de evolucionista. Define-se “mudanga técnica como um processo cla- ramente evolucionario, em que o gerador de inova¢ao continua produ- zindo entidades de producao superiores aquelas existentes anteriormen- te ¢ as forcas de ajustamento trabalham lentamente”. (EDQUIST, 1997) No livro de Edquist (1997), cita-se que, as tecnologias desenvolvidas sao superiores somente em um sentido relativo (e nao étimas num sentido absoluto), e o sistema nunca alcanca um estado de equilibrio. Para os evolucionistas 0 mercado é um espaco em que os agentes buscam deliberada e permanentemente se diferenciar de seus concor- rentes, objetivando auferir vantagens competitivas que Ihes proporcio- nem ganhos de monopélio, ainda que de forma temporaria. (POSSAS, 2002). A acao deliberada dos atores assegura-Ihes 0 poder de influir no ambiente competitivo em seu favor, auferindo os ganhos de monopélio que 0 pioneirismo na introdugao de novos processos ou produtos no mercado Ihes possa conferir. Neste prisma, empresas que contam com departamentos de pesquisa ¢ desenvolvimento de produtos inovadores detém maior poder de influéncia no direcionamento das correntes tec- nolégicas. Este tipo de dispéndio é proibitivo para a maior parte das mi- cro, pequenas ¢ médias empresas; logo, o porte da empresa é também um fator de assimetria na busca por ganhos de monopélio, As dificuldades de sustentacdo competitiva das MPMES, além dos altos custos decorrentes das atividades de Pesquisa & Desenvolvimento ‘Para uma contextuaizacdo histrica mals completa sabre a evolucdo dos melos de informarso, ‘ver Castells (2003) 40 (P&D), devem-se também ao elevado grau de incerteza presente durante o tempo decorrido entre a concepeao da idéia e a entrada do produto no mercado. £, no entanto, justamente essa assimetria de tamanho, comporta- mento, capacidade de relacionamento e poder de intervencao entre os agentes que confere ao mercado as caracteristicas de espaco em constante muta¢ao, contradizendo os postulados neoclassicos de equilibrio estatico, Um cenério econémico em constante mutacao, em que grandes empreendimentos conduzem as rotas tecnolégicas das atividades em cur- so, torna complexa a tarefa de se estabelecerem mecanismos que promo- vam ambientes propicios a inovacao para a criacao c sustentagao econd- mica de empreendimentos de menor porte. Essa relagéo de dominacao se exacerba na mesma proporcao da intensidade de desnivel tecnologi- co entre as empresas dominantes e as bases empresariais locais, prejudi- cando interagdes horizontais e, conseqiientemente, o préprio desenvol- vimento local Estes problemas podem ser atenuados pela criagao de mecanismos de mapeamento das capacidades locais que consubstanciem a gera¢4o de eficientes programas de capacitacao. A capacitacao da mao-de-obra quando voltada para a aproximacao do estado da arte da tecnologia, possibilita a absorcao e a difusdo eficientes dos conhecimentos resultan- tes da interacao com as grandes empresas, internas ou externas ao terti- torio. O nivel e a intensidade de capacitacao local, e o desnivel de desen- volvimento tecnolégico entre 0 arcabougo tecnolégico local e as empre- sas controladoras externas ao territério sao, por isso, variaveis relevantes em agées de promosao da inovacao em contextos locals. 1.3 - A Firma como Base do Processo Inovador As correntes econémicas evolucionistas colocam a inova¢ao tec- nolégica como elemento central do processo de desenvolvimento; ¢ a firma, conectada com 0 ambiente em que se insere, como elemento cen- tral do proceso de inovagao. A génese da inovacao 6, portanto, um fendmeno complexo que quase sempre decorre da interagao da firma com outras empresas, institutos de pesquisa, universidades e outras enti- a dades publicas ou privadas. (BAIARDI; BASTO, 2004), para “ganhar, de- senvolver ¢ intercambiar varios tipos de conhecimento, informacdes e outros recursos” (EDQUIST, 1997, p. 3) A atual compreensao da inovacao como resultante de um processo interativo de acumulacao de conhecimentos, conformado institucional- mente ¢ especifico de regides geograficas - é fortemente influenciada por estudos realizados no ambito da Universidade de Sussex, na Inglaterra conduzidos por Chris Freeman, e na Universidade de Yale, nos Estados Unidos. (CASSIOLATO; LASTRES, 2005). Os trabalhos desenvolvidos pela Universidade de Yale “demonstra- ram a extrema importancia, para a inovagao, da acumulagao de capaci- tagdes internas, fundamentais para que as empresas pudessem interagit com o ambiente externo” (CASSIOLATO; LASTRES, 2005, p. 35), porque quanto maior for o arcabouco de conhecimentos tecnolégicos de uma empresa, maior sera sua capacidade de compreensao de novas tecnolo- glas. O raciocinio se estende a processos de interacao local de empresas de uma mesma atividade: os arranjos produtivos e inovativos locais. Nestes casos, os processos de aprendizagem de novas tecnologias ocorrem a0 ‘mesmo tempo de forma individual e coletiva, dependendo da conforma- ¢40 e do potencial de absor¢ao do arranjo, em funcao das capacidades individuais das empresas de assimilar e difundir os novos conhecimentos, A hipétese que norteia este trabalho considera que o nivel de acu- mulagao de conhecimentos tecnolégicos, resultante de processos anteri- ores de interacao do tecido empresarial com o sistema local de inovacao. especialmente com as universidades, instituicdes de pesquisa e centros de capacitagao profissional, é elemento catalisador das interagées hori- zontais que compéem os processos de enredamento e, consequentemen- te, responsavel pela capacidade de geracao de inovacoes dentro do arran- jo, independentemente do nivel de agregacao tecnol6gica da ati lade. A quantidade e intensidade de conexdes de qualquer um dos no- dos de um processo de enredamento ¢ diretamente proporcional & sua importancia. Em relagao a firma, as interacées com outros atores consti- a2 ‘tuem canais de comunicacao que favorecem o fluxo de informagées, con- tribuindo para o aumento da percep¢ao e resposta rapida em relacao aos sinais do ambiente. Esta concepgao da firma como um organismo em permanente inte- ago com o ambiente (MORGAN, 1996) contrapée-se aos modelos neo- classicos de crescimento, pois altera 0 conceito de mercado como um espaco abstrato de intera¢ao para um ambiente institucionalmente estru- turado, modificado em fungao do comportamento das firmas e de suas interagdes com outros atores (BRITTO, 1999), e em permanente alternan- cia de equilibrio ¢ desequilibrio. (VISUS, 1999) Na concepgao evolucionista, a firma é agente ative no mercado, com poderes de influenciar em seu beneficio o ambiente e de reagir aos impulsos exteriores. A gestao de novos produtos, servicos, metodologias, estruturas ou qualquer tipo de aco inovadora deve, por isso, ser prece- dida e acompanhada de eficientes mecanismos de monitoramento dos efeitos que sua incorporagao poder provocar sobre a dimensao local e sobre a propria empresa. O conhecimento do processo de estruturagao das dinamicas locais, em fun¢ao da intensidade de conexdes entre os atores, torna-se, em conseqiténcia, requisito fundamental para a formata- ¢40 e implantagao de instrumentos voltados ao desenvolvimento local. 1.4 - A Inovagio e os Processos Interativos Locais A literatura apresenta uma grande diversidade de trabalhos de in- vestigacao envolvendo micros, pequenas ¢ médias empresas em confi- guragdes em que a proximidade geografica lhes permite maior mais intenso relacionamento com outras firmas atuando no mesmo nicho de mercado, (SCHMITZ; NADVI, 1999; CASSIOLATO; LASTRES, 2003; LA ROVERE, 2001). Tais escritos tm em comum o argumento de que as em- presas geograficamente préximas tém mais chance de sobrevivencia e de crescimento do que empresas similares localizadas fora dos territorios. ‘Alem da relacao de proximidade, a intensidade dos relacionamentos de ‘uma empresa dentro de uma aglomeracao contribui significativamente para sua competitividade ¢ sustentagao econdmica. A inovagao como 43 fator de competitividade decorre, em conseqiiéncia, muito mais das inte- ragoes de uma empresa com o ambiente em que se situa do que de uma a¢ao isolada, resultante de decisdes intra-firma, (BAIARDI; BASTO, 2004) Anecessidade de aproximacao geografica ¢ latente mesmo para ativida- des em que o processo de producao inclui intenso fluxo de informacoes com atores externos ao arranjo, como ocorre na industria de software. conhecimento das variaveis relacionadas as interagées da firma com 0 ambiente, embora tenha relevada importancia, nao é tarefa sim- ples, tendo em vista que muitas das interagdes ocorrem de maneira taci- ta, com raizes histéricas socioculturais que nem sempre estao diretamen- te relacionadas a atividade estudada. North (1990, Traducao nossa) ad- verte que “é mais facil descrever ¢ precisar regras formais criadas pela sociedade do que descrever e precisar os meios informais pelos quais os seres humanos tém estruturado suas interagdes.” No entanto, a necessidade de que os instrumentos de politica con- templem as singularidades dos arranjos produtivos locais justifica os tra- balhos de investigagao sobre a natureza e o processo de consolidacao das interacdes, que devem também envolver atores porventura localiza- dos fora do territ6rio, mas que desempenhem papéis relevantes para 0 progresso da atividade. A relevancia da insergao de atores externos im- portantes para o desenvolvimento local ¢ latente nas taxonomias de ar- anjos locais constantes de trabalhos como os de Markusen (1996). Essa visio ampliada do conjunto de atores protagonistas no desenvolvimento local deve incluir também a prépria acdo de instrumentos de politica aplicados a outras regides que porventura provoquem impacto nos ar- ranjos considerados, sem prejuizo da delimitacao geografica do arranjo como escopo de acao desenvolvimentista. (FAURE, 2003). A percep¢ao do ambiente econdmico estruturado a partir dos rela- cionamentos entre os atores possibilita o estudo de arranjos ¢ sistemas produtivos locais como “subsistemas interdependentes” (BRITTO, 2002) contribuindo para uma andlise sistémica do territério que contemple as dimensées econdmica, politica e sociocultural, tarefa que certamente se reveste de um alto nivel de complexidade. No entanto, um simples esfor- 4 0 de mapeamento das relacdes de produgao em um processo de enre- damento pode propiciar consideravel aumento na eficiéncia dos instru- mentos de apoio pela identificacao de determinados nodos em que se perceba a ocorréncia de mais conexdes e com maior intensidade. A pos- sibilidade de que os canais utilizados por estes nodos permitam maior transbordamento das agdes de apoio podera transformé-los em pontos preferenciais para a aplicagao de determinados instrumentos de politica, financeiros ou de capacitacao. A visdo de uma dinamica produtiva bem estruturada é um forte fa- tor de atragao para potenciais investidores externos por lhes proporcio- nar uma visio clara do ponto em que se inserirao no enredamento local em relacao aos futuros fornecedores e clientes locais. A importancia do fortalecimento das conexées locais esta também fortemente relacionada a0 compromisso dos novos empreendedores de permanecerem no lo- cal, mesmo que instrumentos de atracdo baseados em incentivos fiscais deixem de existr. O planejamento da dinamica econémica local evitaria a repeticao dos prejuizos ao desenvolvimento local resultantes das politicas de cria- 40 de pélos de desenvolvimento implementadas no Nordeste do Brasil em um passado recente (HADDAD, 2002), quando a adogao de estratégi- as de fortalecimento de grandes empresas, unicamente em fungao de seu poder de geracao de externalidades positivas, acabou provocando 0 sur- gimento de enclaves econémicos, aumentando ainda mais 0 processo de “desertificacao econdmica” dos municipios circunvizinhos. Atualmente, a preocupacao com o nivel de fortalecimento das co- nex6es horizontals locais revela-se mais pertinente quando se conside- ram as redes de subcontratagao, conformagdes em que uma grande em- presa localizada dentro do territorio ou fora dele exerce o poder sobera- no de definir a quantidade e a intensidade das conexées de producao de suas afiliadas locais. Neste caso, os agentes que porventura nao consigam atender os requisitos para pertencer a estrutura serao afetados de forma negativa pelos efeitos sinérgicos da rede, e por isso serao candidatos ao ocaso, pois os custos por estar fora de uma estrutura em rede crescem 45 exponencialmente na mesma propor¢ao em que se elevam as vantagens auferidas pelos que pertencem a conformagao (CASTELLS, 2003). fato que, obviamente, se nao houvesse a intervengao de politicas de apoio a0 desenvolvimento local condenaria as regides menos favorecidas a viven- ciarem 0 éxodo de suas poucas iniciativas empreendedoras para confor- macées mais dinamicas. Os riscos de migra¢ao de empresas para cenarios de maior dinamis- ‘mo econémico sao inversamente proporcionais ao estagio de desenvolvi- mento das economias; por isso constituem-se objeto de preocupacao no espectro de investigacao deste trabalho, que congrega agrupamentos de empresas que apresentam altas taxas de risco em seus processos de pesqui- sa.e desenvolvimento, em uma regiao com defasagem econémica consi- deravel em comparagao com os grandes centros do Pais: os APLs de pro- ducdo de software na regiao Nordeste do Brasil. Ademais, 0 paradigma informacional tem nitidamente acentuado as disparidades entre regides dindmicas ¢ regiées deprimidas; por isso, espacos geograficos historica- mente menos favorecidos, como o Nordeste do Brasil, si0 exemplos que se contrapéem a idéias de disseminacao das redes informaticas como plata- formas para a génese de uma nova estrutura econémica. (CASTELLS, 2003). No entanto, baseados especialmente no emblemético exemplo de reversao da condigao de economia com atraso tecnolégico acontecida em Bangalore, na India, intensificam-se projetos de adensamento de ar- ranjos de produgao e comercializacdo de software no Nordeste do Brasil 1.4.1-Arranjos produtos locais: ambientes propicios ao empreendedorismo inovador A literatura sobre o papel das pequenas empresas na transforma- ¢40 de cenarios econdmicos, aliada aos exemplos emblematicos da in- ser¢ao, no cenario competitive mundial, de arranjos de empresas de software, tem justificado a busca pela implantagao de projetos de parques tecnolégicos em torno da produgao de software no Nordeste do Brasil. Outra justficativa que alicerca a luta pela construcao de espacos favora- veis ao empreendedorismo inovador no Nordeste baseia-se no senso 46 comum sobre a versatilidade ¢ adaptabilidade das MPMEs as constantes mudangas, caracteristicas do cenario econdmico atual. A visto de empreendedorismo inovador hoje congrega aspectos conjunturais, em contraste com as idéias defendidas por Schumpeter (1961), ainda na primeira metade do século XX, de que a capacidade de provocar mutag6es no ambiente pela introducdo de inovagoes era inata a alguns empreendedores. Estes individuos perceberiam "janclas de oportunidades resultantes do estabelecimento de um novo conjunto de técnicas, normas © procedimentos tecnolégicos que provocariam mutacées na estrutura econémica, contribuindo para o surgimento de um novo paradigma. A capacidade de provocar mudangas paradigmaticas ¢ devida caracteristica de apropriabilidade da inovacao. Por ser esta um bem nao- rival, permite sua difusao entre novos empreendedores, tornando obso- letos processos industriais, produtos e estruturas presentes no paradigma até entdo vigente, O novo paradigma estabelecido vigorara até que a in- tensificagao da pesquisa do desenvolvimento de novos produtos ou processos o torne também obsoleto. Este fenémeno é chamado por Schumpeter de “destruicao criadora”, e é definido como algo que “revo- luciona a estrutura econdmica a partir de dentro, incessantemente des- truindo a velha, incessantemente criando uma nova empresario schumpeteriano dotado de um talento natural para perceber as oportunidades de introducao de inovacées e, por conseguinte, responsavel pelos saltos tecnolégicos. No entanto, 0 cenario econdmico moderno nao permite mais validar o conceito de empreendedor ideali- zado por Schumpeter (1961), principalmente quando se considera o des- compasso tecnolégico entre as economias em desenvolvimento e aque- las com retardo tecnolégico. Ademais, o presente cenario globalizado implica necessidade de permanente conectividade com estruturas flexiveis que permitam a répi- da difusdo do conhecimento. No campo das inovagdes tecnologicas essa modificagao se faz premente em vista da velocidade da informa¢ao - pro- porcionada pelo espraiamento das tecnologias de informagao ¢ comuni- a cages - que, gerando continuamente novas necessidades, provoca re- dugao dos ciclos dos produtos. Tals motivos tornam perigoso atribuir as pequenas e médias empre- sas uma condigao que Ihes confira vantagem, em um cenario de constan- tes mudangas, no aproveitamento das oportunidades de inovacao trazidas pelos novos paradigmas tecnol6gicos. principalmente quando se cogita a possibilidade de inser¢o das MPMEs localizadas em paises periféricos em ondas tecnol6gicas mundiais que atuam na fronteira do conhecimento. Em contrapartida as possiveis vantagens decorrentes da versatilida- de ¢ adaptabilidade as mudancas que as estruturas flexiveis das pequenas empresas possam proporcionar, pesa 0 fato de que o paradigma globali- zado constitui grande ameaca para o baixo nivel de profissionalismo das micro e pequenas empresas localizadas na periferia. (FERREIRA; OLIVEI- RA, 2003). Além disso, as organizagdes transnacionais, além de controla- rem em grande parte as areas que compéem 0 niicleo central do pro- gresso tecnolégico, detém, através da montagem de redes corporativas, a capacidade de realmente definir ¢ implementar estratégias de competiti- vidade de carater global. (LASTRES; CASSIOLATO; LEMOS, 1998). Por outro lado, esta constatacao nao condena os paises com retardo tecnol6- gico ~ nem suas empresas ~ a uma situacdo irreversivel de atraso em relagao as grandes poténcias. Em resumo, é fato que a dindmica dos mercados internacionais é ditada pelas grandes corporacées transnacionais, o que constitui barrei- ra ainsercao de outras empresas, principalmente aquelas localizadas em economias periféricas. Alem disso, “a heterogeneidade do universo des- sas empresas torna dificil a implementacao de politicas de inovacao a elas destinadas. (LA ROVERE, 2001). Ademais, a prépria natureza das MPMEs estabelece alguns obstaculos para a definicao de politicas apro- priadas para essas empresas”. Por exemplo, “a simples exigéncia de estar com as obrigacées fiscais para obter crédito exchui a maioria das MPMEs” (LA ROVERE, 2001), tornando-se um grande obstéculo para que essas empresas tenham acesso as linhas de crédito tradicionais. 48 Por outro lado, 0 inicio do processo de desconcentragao das gran- des empresas contribuiu para reverter o declinio que as pequenas em- presas apresentavam desde o inicio do século XX, imputando as MPMEs a responsabilidade pela maior parte dos empregos criados e pela renova- 40 econdmica de regides que antes apresentavam perda de dinamismo, atingindo percentuais superiores a 90% em paises tecnologicamente bem desenvolvidos, como a Alemanha, com 97,8%, a Espanha, com 99,9%, ea Franga, com 99,9%. (ALBUQUERQUE, 1998) Estes ntimeros implicaram nao apenas a intensificagao de estudos Voltados a compreensao das micro, pequenas ¢ médias empresas na trans- formacao de cendrios econdmicos, mas passaram a considerar o papel desempenhado por arranjos locais de empresas (CASSIOLATO; LAS- TRES, 2003; DODGSON, 2000; JULIEN, 1998; ALBUQUERQUE, 1998) como protagonistas do desenvolvimento local. A partir de entao, instrumentos politicos passaram a considerar de ‘maneira mais individualizada os arranjos locais de MPMEs. Lastres ¢ Cas- siolato (2008) relacionam algumas das acées que caracterizam politicas voltadas as MPMEs: = cultura empreendedora e empreendedorismo; « servicos de apoio; «= fontes e formas de financiamento: + simplificacdo da burocracia Infelizmente as MPMEs brasilciras nao foram suficientemente bene- ficiadas pelas politicas implementadas pelos governos passados. pois a estratégia adotada, de desregulamentacao dos mercados, colocou o pe- queno arcabouco tecnolégico do empresariado brasileiro em posicao desfavoravel frente aos seus concorrentes internacionais. Também a es- tratégia de tentar incrementar a base técnica de intimeros segmentos pro- dutivos com a importagao de bens de capital (AUREA; GALVAO, 1998). adotada pela vasta maioria dos paises periféricos, nao teve impacto posi- tivamente significative no arcabouco tecnolégico desses paises, pois a transferéncia de tecnologia pela importacao de bens de capital nao surti- 49 14 efeito significativo se as competéncias locais nao estiverem suficiente- mente aptas a estabelecer um nexo cognitivo entre a tecnologia a ser in- corporada e a base tecnolégica local. Essas deficiéncias poderao ser amenizadas com a implementacao de programas que busquem o conhe- cimento prévio do estoque de conhecimento local, facilitem a adogao das tecnologias adequadas ¢ promovam, entre os atores ¢ utilizando os instrumentos locais, o desenvolvimento das competéncias instaladas no territério. Além disso, os programas deverao buscar intensificar os relacio- namentos entre a tecnologia ¢ os atores locais que tenham maior influén- cia na produgao de inovacées. (LASTRES; CASSIOLATO; LEMOS, 1998). 0 direcionamento das estratégias politicas para a promo¢ao do de- senvolvimento local justifica-se pelo fato de as caréncias socioecondmi- cas serem mais fortemente percebidas pela sociedade no nivel local. Por conseguinte, espera-se que a formulagao de politicas que considerem tal dimensao tenha mais eficacia do que instrumentos massivos, pois a mobi- lizagao de recursos ocorreria de forma menos dispersa ¢ considerando as particularidades do territério. A capacidade dos arranjos produtivos locais de gerar processos sustentaveis e competitivos resultantes das ligacdes entre empresas ¢ do contato com 0 mercado (HUMPHREY: SCHMITZ, 1995) justfica a priori- zagao dessas conformacées pelos formuladores de politicas de desenvol- vimento local. Um APL em que os atores estiverem interligados por cone- xGes bem estruturadas estar mais propenso a apresentar vantagens com- petitivas de forma sistémica, proporcionadas por intensas relacdes entre 0s agentes. ‘A quantidade ¢ a intensidade de conexdes de um agente tém, por- tanto, forte correlaco com sua participacao na geracdo de vantagens competitivas do arranjo como um todo. O conhecimento do processo de formacao da dinamica econdmica de um arranjo produtivo local, em termos da quantidade e da intensidade das conexdes entre os atores, cons- titut-se, em conseqiténcia, requisito importante para a formulagao de ins- trumentos de politicas de desenvolvimento local 1.5 - A Firma e a Integracdo com o Sistema Local de Inovacio processo de enredamento - nos niveis setorial, local e nacional — que congrega empresas, instituicdes produtoras de conhecimento c enti- dades de apoio ao desenvolvimento local - é denominado “Sistema de Inovacao." (FREEMAN, 2005a). A intensidade das conexdes entre os ato- res de um sistema local de inovagao determina a sua capacidade de ab- sorver conhecimento e gerar inovages. Um ambiente inovador mente conectado induz um comportamento inovador por parte de varios empreendedores, apesar do risco inevitavelmente inerente as atividades inovadoras. (FREEMAN, 2005a). Vale salientar, no entanto, que na mes- ‘ma propor¢ao que um sistema de inovacao bem estruturado pode vir a se constituir a chave para o éxito de estratégias de catching up tecnolégico de economias deprimidas (por possibilitar a reducao do desnivel entre a capacidade local de absorcao e de adequagao de novas tecnologias ¢ 0 ‘estado da arte” mundial de uma determinada tecnologia), a desconexio entre atores essenciais no sistema de inovacao pode ser responsavel por sobreposicao de acdes e, conseqiientemente, por desperdicio de recur- sos. (MEYER-STAMER, 1995) O cenario de desconexao entre agentes implementadores de politi- cas € latente nas regides de menor dinamicidade econdmica do Brasil principalmente quando se confrontam os escopos de atua¢ao nacional ¢ subnacional, contrapondo-se nao raramente 0 caréter eminentemente ‘massivo das politicas nacionais os interesses particulares dos poderes politicos locais. Considerando-se que a ambiéncia propiciada pelos sistemas de ino- vacdo resulta de um processo hist6rico de fortalecimento de interacoes, © mapeamento dos fluxos de informacao que constituem a dinamica eco- némica ressalta-se como requisito para transformar os sistemas locais ¢ nacionais de inovaco em ambientes que provoquem impactos positives no comportamento dos agentes. A importancia das interagoes dos agen- tes para o comportamento dos sistemas locais de inovacao ressalta ainda 31 mais a necessidade de que a estrutura de apoio a inovagao seja mapea- da, (LASTRES; CASSIOLATO; LEMOS, 1998) A indugao de processos de interacao no Nordeste no Brasil, quan- do se concentra na tentativa de conscientizar os atores da importancia das aces colaborativas para o desenvolvimento local, ¢ normalmente obstaculizada pela baixa propensao a integracao horizontal em determi- nadas atividades, ocasionada por fatores ligados a raizes culturais no pro- cesso de formacao dos arranjos ou do préprio territério. Na maior parte das vezes, por isso, esse papel é muito dificil de ser desempenhado pelos proprios atores locais; 6 necessaria a interven¢ao, em maior ou menor ni- vel, do poderes publicos, por meio da formatagao de instrumentos de po- Iitica direcionados as singularidades decorrentes das condicionantes soci- oculturais presentes nos processos de estruturacao das dinamicas locais. Um outro entrave a intervencao governamental no apoio & promo- 40 da inovagao localizada reside no fato de o poder de “definir e imple- ‘mentar estratégias de competitividade de carater global’ (LASTRES; CASSI- OLATO; LEMOS, 1998) estar hoje nas maos das corporacées transnacio- nais - TNCs, por sua capacidade de insercao em diversos paises no formato de redes corporativas. Este fendmeno é responsavel por grande parte das dificuldades por que hoje passam as empresas nacionais que se aventuram no desenvolvimento e comercializagao de software, num cenatio dot do por satélites ou plataformas de desenvolvimento de solucoes informaticas. ina- Embora o poder das grandes corporagées de decidir os rumos das novas ondas tecnol6gicas seja inquestionavel, a desarticulacdo com a ci- éncia e a tecnologia, que caracterizou as politicas industriais implemen- tadas em muitos paises em desenvolvimento na década de 1990, foi res- ponsavel pelo aumento da dependéncia tecnoldgica de setores em que as atividades de P & D desempenham papel fundamental. Em conseqa- éncia, a maioria das pequenas ¢ médias empresas atuando na periferia gera ou adota inovagdes apenas quando percebe claramente oportuni- dades de negécio ligadas a inovacao (LA ROVERE, 2001), 0 que nao acon- tece uniformemente, pois 0 carter assimétrico da informagao confer empresas que dispdem de departamentos de P & D mais bem equipados 52 ~ e que em conseqiiéncia contam com mais eficientes servicos de moni- toracao das informagdes do mercado ~ maiores possibilidades de éxito em suas iniciativas inovadoras. Por outro lado, o simples acesso a informacao nao constitui condica0 suficiente para o sucesso empresarial. Ha necessidade de que 0 corpo téc- nico esteja capacitado para decodificar e reagir de forma eficiente as infor- macées captadas. £ fundamental para isso que a formacao do quadro este- ja num patamar em que se verifiquem suficientes niveis de capacidade de absorcao de informacdes exégenas. Significa dizer que os processos de for- ‘macao e de capacitacao profissional devem estar dirctamente relacionados as necessidades do setor, sob pena de mau aproveitamento, por parte do tecido empresarial, dos profissionais egressos dos programas de formagao, Numa visdo global, a assimetria de informacées, quando gerida de maneira desorganizada, pode se tornar um grave obstaculo para as estra- ‘tégias de insercao no cenario competitivo mundial (catching up) de eco- nomias com atraso tecnolégico. Em contrapartida, a forma¢ao de uma base tecnolégica proxima o suficiente do “estado da arte” do cenario mundial revela-se a estratégia mais coerente para a inserc4o competitiva das MPMEs localizadas em economias periféricas, pois além de democra- tizar 0 acesso ao conhecimento, potencializa tanto a capacidade de ab- sorgao de tecnologia como de geracdo de inovacoes tecnolégicas. A importancia da interacao da industria com o sistema local de ino- vaco, mais especificamente com a base cientifico-tecnolégica local, esta presente nos exemplos de parques tecnolégicos mais citados pela litera- tura, em termos de competitividade do tecido empresarial, como o Vale do Silicio, nos Estados Unidos (LEMOS, 2002), ¢ o Parque Tecnolégico de Bangalore, na india. Nestes casos, a proximidade com o setor produtor de conhecimento, resultante da agao de mecanismos de interacao com uni- versidades e institutos de pesquisa, revela-se importante fator indutor do sucesso da atividade. Ressalta-se, assim, a necessidade da formagao de ‘uma base de conhecimentos consistente para aproxima-la do estado da arte de determinada tecnologia, criando fronteiras permeaveis ao conhe- cimento (VASCONCELOS; FERREIRA, 2000), facilitando 0 acesso ¢ a in- 53 corporagao de informagées titeis tanto a absorcao de novas tecnologias quanto a geracao endogena de inovagées Do lado empresarial, a necessidade de monitoracao do ambiente competitive requer a capacitacao de profissionais competentes para gerar e administrar as informagées adquiridas. (VASCONCELOS; FER- REIRA, 2000). No entanto, a busca por inovacoes é ainda privilégio de empresas que possam investir em ambicntes ¢ grupamentos para pes- quisa e desenvolvimento - por conseguinte, proibitiva a maior parte do Conjunto empresarial, formada por micro e pequenas empresas. A decisao pelo fomento de agdcs colaborativas com a comunidade aca- démica revela-se, para as MPMEs, a op¢ao mais viavel para a sustenta- 40 competitiva Em situagées em que ¢ baixa a propensao ao estabelecimento de relagées de parcerias, como se percebe em agrupamentos de empresas com proximidade geografica que nao contaram. em seus processos de formacao, com consistentes lacos com instituicdes de ensino e pesquisa, 6 fundamental o papel do Estado como indutor, via construgao de politi- cas direcionadas as singularidades de cada atividade econémica, de pro- cessos de integra¢ao horizontal. Particularmente nas atividades voltadas produgao de software, os ecos da politica de afastamento do estado da arte mundial, implementada durante o periodo militar, ainda se fazem presentes, persistindo um des- compasso entre as atividades de P & D e o setor privado, em total contraste com os paises mais avancados. As discrepancias so mais acentuadas em setores em que ¢ maior o grau de agregacao tecnologica, que requer mai- ores esforcos de apropriacao do conhecimento gerado nas universidades A manutencao do Programa Temético Multiinstitucional em Ciéncia da Computacao (ProTeM-CC) entre os instrumentos de politica conside- rados estratégicos para o desenvolvimento da informatica no Brasil atesta a preocupacao do atual governo com a aproximacao entre a industria de software e os sistemas locais de inovaco, O Ministério da Ciéncia e Tec- nologia (BRASIL. MINISTERIO DA CIENCIA E belece como objetivo do programa: (CNOLOGIA, 2005) esta- Contribuir para mudar decisivamente o status da pes- quisa e formacao de pessoal qualificado em ciéncia da computacao no Pals. Alem disso, visa a promover efeti- ‘vamente um amplo processo de cooperacao nacional entre grupos de pesquisa e entre estes eo setor industri- al, através da realizagao de projetos temticos multiinsti= tucionais em tomo de temas ou problemas nacionals As necessidades de interacao entre as comunidades académica ¢ empresarial suplantam hoje a absorcao, pelo mercado, dos graduados nos cursos regulares das instituicdes de ensino. Neste ponto, a elevacao da oferta de cursos tem sido flagrante ¢ esta refletida no aumento da mao- de-obra especializada dispontvel. Behrens e D'Ippolito (2002) atestam a evolugao do ntimero de cursos de graduacao ofertados para temas en- volvendo as tecnologias da informacao e das comunicacées no Brasil, de 191, em 1991, para 528, em 1999, formando mais de 80.000 bacharéis a0 final desse periodo. No entanto, o coeficiente de absorcao deste contingente para ativi- dades de pesquisa e desenvolvimento na industria manteém-se pequeno. a0 contrario do que ocorre nos paises tecnologicamente mais desenvol- vidos, em que a apropriacao dos conhecimentos desenvolvidos nas uni- versidades e a insercao de pesquisadores nos centros de P & D da base industrial é considerado insumo fundamental para a competitividade. Ademais, os processos de interaco universidade-empresa, no atu- al cenario econdmico caracterizado por constante mutagao, devem pri- mar pela exceléncia na captacao, armazenamento, difusdo e utilizacao de informacées, 0 que exige um novo fluxo de conhecimentos entre os dois setores, bem mais dinamico do que a tradicional absorcao de for- ‘mandos pelo mercado de trabalho. Ha que se pensar por isso em alternativas para que 0 fluxo de co- nhecimentos entre as comunidades cientifica e empresatial se intensifi- 55 que. Para tanto, alguns fatores devem ser considerados: «a diferenca de cobranca por resultados entre os programas de desenvolvimento de projetos de pesquisa amparados por fundos governamentais, ¢ aqueles amparados por empresas privadas, que normalmente leva os estudantes de cursos de pés-graduacao a optar pelos primeiros; + 0 descompasso entre as habilitagdes criadas pelas instituigdes aca- démicas e a necessidade de mao-de-obra especializada por parte do empresariado local: + a ainda incipiente percep¢ao do empresariado da necessidade de fomentar a criagao de ambientes de pesquisa e desenvolvi- mento nas empresas ou de integrar processos inovadores com pesquisas académicas. Cabe aos formuladores de politicas de apoio a atividades industriais de alta agregacao tecnologica a responsabilidade pela supressao dos en- traves ao fluxo de conhecimentos entre o tecido empresarial ¢ a comuni- dade académica e com as préprias instituigdes governamentais. Esses obstaculos nao poderao ser superados sem que a formulacao de politicas direcionadas para o setor de software - ou para qualquer outro em que se perceba a possibilidade de desenvolvimento econémico pela apropri- a¢ao do capital intelectual formado nas universidades - considerem as complementaridades entre os atores e da base empresarial com o sistema local de inova¢ao. Caso contrario, a continuacao do status quo da ciéncia e tecnologia desarticulada com o desenvolvimento industrial continuara a ser restrita a debates politicos e académicos. 1.6-Conclusio © avango experimentado pelas tecnologias da informacao ¢ das comunicagoes, potencializado pela popularizacao da internet, nos anos 1970, redesenha cada vez mais a configuracao empresarial mundial em um ambiente em que a permanente introducao de inovacées tecnolégi- cas e organizacionais, materializada pela mudanca de postura e estrutura organizacionais do tecido empresarial e pela agregacao de contetidos tecnologicamente inovadores em produtos ¢ processos, caracteriza-se como fator de sobrevivéncia nos mercados. 0 inicio da interconexao de computadores e redes e a introducao do computador pessoal, em 1971, sao marcos da evolugao das tecnologi- as da informacao e das comunicacées, e nao por acaso contemporaneos a0 adensamento das correntes econdmicas que colocam a inovacao no centro do dinamismo econdmico pelo potencial de inovacées que a po- pularizacdo das tecnologias da informacao e das comunicagées propor- cionaram, A difuso das TICs favoreceu, sobretudo, as pequenas ¢ médi- as empresas, para quem era proibitiva a propriedade de computadores de grande porte, por suas vantagens de facil adaptagdo as mudangas ambientais ao novo paradigma. Apesar das propaladas facilidades de adaptacao e respostas as mu- tacées dos cenarios econdmicos, os pequenos empreendedores nao tém mais no seu talento natural o tinico requisite para sua inser¢do competi- tiva, como na época Schumpeter (1961) Ihes atributa a responsabilidade pela modificacao de cenarios. A insercao e a sobrevivencia em merca- dos competitivos dependem, hoje, de uma ambiéncia favoravel as inicia- tivas inovadoras. Ha casos emblematicos na literatura, no entanto, que comprovam o sucesso de pequenas empresas na modificacao de cenari- 08 econdmicos quando organizadas geograficamente em torno de uma atividade econémica Fundamentados nesses exemplos, estudos sao realizados analisan- do as singularidades que induzem o crescimento econdmico de arranjos produtivos ¢ inovativos locais, Uma das conclusdes basilares é de que um ambiente proficuo a geracao de empreendimentos inovadores deve ter um processo de enredamento consolidado que abranja, além do teci- do empresarial, instituigdes de ensino e pesquisa, instituicdes governa- mentais, servicos de consultoria e assisténcia técnica ¢ outras atividades que concorram para a geracao de inovacdes: o sistema produtivo local. 37

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