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Rev. Inst. Med. trop. Séo Paulo 35 (1): 23-27, janeiro fevereiro, 1993 AVALIACAO EM CAMUNDONGO DA EFICACIA DO ANTIVENENO ADMINISTRADO NO LOCAL DA INOCULAGAO INTRAMUSCULAR DO VENENO DE Crotalus durissus terrificus Lindioneza Adriano RIBEIRO(1), Caria Li AGOSTINI UTESCHER(), Silvia Lucia Paro VIETRA(2), ‘Sara FENSTERSEIFER(), Helena MUKUNO() & Miguel Tanés JORGE(1) RESUMO A eficécia do antiveneno crotélico por via intramuscular (im) no local da inoculagaio, também im, do veneno de Crotalus durissus terrificus foi avaliada em camundongos, Em trés experimentos inocularam-se duas DLSO do veneno por via im e administrou-se 0 antiveneno de trés formas: metade da DESO por via intraperitoneal (ip) e metade por via im, no mesmo local, imediatamente apés (1°) e 30’ap6s(2*) a inoculaglo do veneno; quatro quintos de DESO por via ip ¢ um quinto por via im, no mesmo local ¢ 30° apés a inoculagao do veneno (3%). O antiveneno ofereceu, por via , maior protegao aos camun- dongos (menor taxa de Sbito em 48 horas) do que quando foi administrado, em parte, por via im, no local da inoculago do veneno (p<0,05). Infere-se, portanto, que esta via no deve ser rotineiramente utilizada em seres humanos picados por serpente, UNITERMOS: Crotalus durissus terrificus; Veneno; Antiveneno; DL50, DESO INTRODUCAO Crotalus durissus sto respons4veis por cerca de, respectivamente, 8% e 14% dos acidentes por serpentes peconhentas no Estado de So Paulo ¢ no Brasilt® ¢ a subespécie Crotalus durissus terrificus por quase todos os casos de acidente crotélico atendidos no Hospital Vital Brazil (HVBY. Sao serpentes facilmente reconhecidas pela presenga de guizo ou chocalho na extremida- de da cauda'’, Possuem eficiente aparelho inoculador de peconha que funciona como “seringa da injegdo"?, Portanto, provavelmente, inoculam o veneno na vitima humana por via intramuscular (im) e/ou subcutanea (sc). Apés 0 inicio de sua produgio, por Vital Brazil, em 1901, 0 antiveneno ofidico foi reco- mendado para administrago por via sc'. Segundo FONSECA(1949), no tratamento do envenena- mento “pode ser necessério injetar (0 antivene- no) também no local da la”. ROSENFELD (1991), entretanto, contra-indica este procedimen- to em caso de acidente botrépico pois “conforme experimentalmente observado” aumenta a inci- déncia de necrose'®, Também nfo o preconiza para o tratamento dos envenenamentos por Crotalus ou Micrurus que no causam necrose local. Publicago da Organizagtio Mundial de Saide (1981) recomenda a administracao do antiveneno or via endovenosa'*. Em 1982 publicacio da Se- cretaria de Saiide do Estado de Sao Paulo ainda recomenda a administraco de parte do antiveneno por via subcutanea, mas no no local da picada", Atualmente, a via recomendada para a administra- ‘¢do do antiveneno é a endovenosa’**?, A tentativa de neutralizago de toxina nos teci- dos moles do paciente, antes que ela se distribua para o resto do organismo, é também considerada em outras situagdes clinicas. Assim, no tétano, quando a remogio cinirgica da lesio reconhecida Dados parcialmente apresentados no VI Congresso Brasileiro de Toxicologia - Sio Paulo - SP, Brasil, 1989. ‘Trabalho realizado na Seglo de Controle de Qualidade do Instituto Butantan, (1) Hospital Vital Brazil do Instituto Butantan, Sto Paulo, Q) Segiio de Controle de Qualidade do Instituto Butantan, Enderego para 1500. Caixa Postal 65. CEP 05504 Sio Paulo, SP, Brasil ia: Dra. Lindioneza Adriano Ribeiro, Hospital Vital Brazil, Instituto Butantan. Av. Vital Brazil, 2B RIBEIRO, L. A, AGOSTINI UTESCHER, C. L, VIEIRA, S. L. P.; FENSTERSEIFER, S.; MUKUNO, H. & JORGE, M. T. - ‘Avaliagfo em camundongo da eficécia do antiveneno administrado no local da inocolaglo intramuscular do veneno de Crotalus durissus terrificus. Rev. Inst. Med. trop. S. Paulo, 35 (1): 23-27, 1993. ou suspeita de ser o foco da produgo da tetanos- pasmina é impraticével, a instalagao local de antitoxina tetfnica ao seu redor tem sido preconi- zada como medida de tratamento'’, © presente trabalho pretende avaliar, em ca- mundongo, a eficdcia da administragao de antive- neno por via im, no mesmo local da inoculagio, também im, do veneno de C. d. terrificus. MATERIAL E METODOS do pelo Instituto Butantan (IB), distribuido pelo Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Satide (INCQS), com DL50 de 11,3 ug previamen- te determinada em camundongos de 18 a 20 g, por via im (DLSO im)", Antiveneno crotélico, lote 8806138, produzi- do pelo IB, com dose efetiva 50% previamente determinada por soroneutralizagao “in vivo” por administragdo ip, imediatameme (DESO Oh = 0,071 ml) ¢ 30 minutos (DESO 30' = 0,285) apés a inoculagdo de duas DLSO im do veneno referén- cia de C. d. terrifieus, em camundongos de 18 a 20 gramas'*, Sessenta ¢ dois camundongos brancos (Mus musculus) de 18 a 20g sem distinggo quanto a exo, provenientes do biotério central do IB. Seringa ¢ aguiha proprias para injecao intradérmica em humanos (“seringa e agulha de tuberculina”). Métodos ‘Ap6s antissepsia da pele, o veneno e 0 antive- reno foram inoculados na face externa da coxa, por via im e apenas o antiveneno, através da pare- de abdominal do camundongo, por via ip. 1, Antiveneno administrado imediatamente aps a inoculagao do veneno. Imediatamente ap6s a inoculagio de duas DLSO im do veneno na coxa de 36 camundongos, administrou-se em 20 deles, a DESO Oh do antive- reno (0,008 ml), 1/2 por via ip ¢ 1/2 por via im, no local da inoculagao do veneno e nos 16 restantes oy no se administrou antiveneno (controle da ativida- de do veneno). Os camundongos foram observados Por 48 horas e foi computado o niimero de sobrevi- ventes. 2. Antiveneno administrado 30 minutos apés a inoculagao do veneno, Trinta minutos apés a inoculago por via im, na face externa da coxa de 90 camundongos, de duas DL5O de veneno, a DESO 30° (0,028 ml) do antiveneno foi administrada conforme se segue: to- talmente por via ip em 30-camundongos; 4/5 por via ip ¢ 1/5 por via im, no local da inoculagio do veneno, em dez; 1/2 por via ip ¢ 1/2 por via im, no local da inoculagaio do veneno, em 20. Os 30 res- tantes nao receberam antiveneno (controle da ativi dade do veneno). Os camundongos foram observa- dos por 48 horas ¢ foi computado o mimero de sobreviventes. A anilise estatistica foi realizada através do teste do X. Compararam-se os resultados obtidos ‘com 0 antiveneno administrado somente por via ip com aqueles obtides com sua administragdo por via ip im, RESULTADOS 1, Antiveneno administrado imediatamente aps a inoculagao do veneno, Nao houve tendéncia a maior protego (menor taxa de mortalidade em 48 horas) dos camundon- {g0s que receberam parte do antiveneno no local da inoculago do veneno, quando comparado com 0 que se esperaria ao se administrar o antiveneno (DLSO) totalmente por via ip, ou seja, 50% de mortes. Sobreviveram oito dos 20 camundongos que receberam antiveneno ¢ nehum dos 16 que recebe- ram s6 0 veneno (Tabela 1). 2. Antiveneno administrado 30 minutos apés a inoculagso do veneno, Houve maior protego dos camundongos (me- nor taxa de mortalidade em 48 horas) que recebe- ram 0 antiveneno apenas por via ip (p < 0,05), com tendéncia a perda da eficdcia A medida que se ad- ministrou maior quantidade de antiveneno por via im e menor quantidade por via ip. RIBEIRO, L. A.; AGOSTINI UTESCHER, C. L; VIEIRA, S. L. P; FENSTERSEIFER, S; MUKUNO, H. & JORGE, M. T. - ‘Avaliagio em camundongo da eficscia do antiveneno administrado no local da inoculagio intramuscular do veneno de Crotalus durlssus terrificus. Rev. Inst. Med. trop. S, Paulo, 35 (1): 23-27, 1993. Tabela 1 Resultados da administragdo em camundongos de antiveneno crotdlico (DESO) 1/2 ip ¢ 1/2 im, imediata- ‘mente apés e no mesmo local da inoculagao im do veneno (2 DLS0) Ensaios Sobreviventes Obitos Total Grupo experimental 1 (n=20) 8 12 20 2DL50 im + DE 50 0h (12 ip + 1/2 im) Controte do veneno (n = 16) 0 16 16 2DL50 im 8 28 36 Sobreviveram 12 dos 30 camundongos que re- ceberam a DESO 30’ (0,028 mi) por via ip, dois dos 10 camundongos que receberam a DESO 30° sendo 4/5 por via ip e 1/5 por via im, no local da inoculagdo do veneno, nenhum dos 20 camundon- {g0s que receberam a DESO 30’, 1/2 por via ip € 1/2 por via im, no local da inoculagto do veneno € nenhum dos 30 camundongos que ndo receberam antiveneno (Tabela 2). DISCUSSAO Embora atualmente a via endovenosa seja a forma recomendada para a administraco de anti- veneno no tratamento de picadas por serpentes*>”"6 € a injego no local da picada seja desaconselha- da’, ndo existem estudos comprovando que o anti- veneno ofidico ndo neutraliza o veneno no local de sua inoculago ou, ao contrério, que & capaz de neutralizé-Io nestas condigSes. Pelo presente estu- do observa-se que quando se administra parte do ‘veneno por via im, no local da inoculago do vene- no trinta minutos apés este procedimento, a sobrevida dos camundongos € significantemente menor do que quando todo o volume ¢ administra- do por via ip. HA também uma tendéncia de haver menor sobrevida & medida que uma maior propor- ¢4o do antiveneno é administrada no local da pica- da, Isto indica que a administragao do antiveneno or via ip deve ser mais efetiva do que por via im, mesmo quando essa administragio é realizada no Tabela 2 Resultados da administrac3o em camundongos de antiveneno crotdlico (DES0) 30' apés a inoculagao im do veneno (2DL50), por via ip e por via ip ¢ im, no local da inoculag&o do veneno. Ensaios Sobreviventes Obitos Total Grupo experimental 1 (n=30) 2DL30 im + DE 50 30 ip 12 18 30 Grupo experimental 2 (n=10) 2DLS50 im + DE 50 30" 2 8 10 GS ip + 1/5 im) Grupo experimental 3 (n=20) 0 20 20 2DL50 im + DE 50 30° (2 ip + 12 im) Controle do veneno (n=30) 0 30 30 2DL50 im 4 16 90 RIBEIRO, L. A.; AGOSTINI UTESCHER, C. L; VIEIRA, S. L. P; FENSTERSEIFER, |UKUNO, H. & JORGE, M. T, - ‘AvaliagSo em camundongo da eficécia do antiveneno administrado no local da inoculacio intramuscalat do veneno de Crotalus urissus terrificus. Rev. Inst. Med. trop. S. Paulo, 35 (1): 23-27, 1993. local da inoculagao do veneno, Isto ocorre prova- velmente porque, quando administrado por via ip, absorgdo do antiveneno & mais répida. Observe- ‘se que mesmo para a administra¢ao imediatamente aps a inoculagdo im do veneno, quando, evidente- mente, os tecidos do camundongo nfo haviam tido tempo para reabsorvé-los, a administrago do anti- veneno no mesmo local ¢ também por via im, no parece levar a uma maior sobrevida dos camun- dongos. Embora nao tenha sido utilizada a via endovenosa ¢ sim a ip, os resultados devem ser semelhantes pois, pelo menos em experimentos com camundongos, a administragao do antiveneno crotilico por via ip € quase to efetiva quanto por via endovenosa além de ser de mais facil realiza- a0". Apesar das causas de morte no envenenamento do camundongo poderem ser diferentes daquelas que levam o homem ao dbito e o presente estudo 86 ter avaliado 0 envenenamento crotélico, infere- se que est correta a opiniao vigente de que a ad- ministrago do antiveneno no local da picada no deve ser recomendada. SUMMARY Evaluation in mice, of the antivenom efficacy injected at the same place of the intramuscular inoculation of the Crotalus durissus terrificus venom The efficacy of the Crotalus durissus terrificus antivenom administration by intramus- cular (im) injection at the same place of the im inoculation, of the C. d, terrificus venom was evaluated in mice. In three experiments two DL5O of the venom were inoculated and the antivenom was administered in three differents ways: half of the EDSO by intraperitoneal (ip) administration and half by injection, at the same place, immediatelly after the venom inoculation and thirty minutes af- ter the im venom inoculation; four fifth of EDSO by ip administration and one fifth by injection, at the same place and thirty minutes after the venom inoculation. The antivenom that was administred by intrap- etitoneal route provided a higher protection to mice (a lower death rate in a 48 hours period) than when it was administred in parts, by intramuscular injection, at the same place of the venom inocula- tion (p<0,05). Therefore, it is concluded that this 26 should not be used in human beings bitten by snakes. ‘REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS, 1, BRAZIL,V. - A defesa contra 0 ophidismo, do Paulo, Pocai & Weiss, 1911. 2. FONSECA, F. - Animals pegonhentos. 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A.; AGOSTINI UTESCHER, C. L; VIEIRA, S. L. P.; FENSTERSEIFER, S; MUKUNO, H. & JORGE, M. T. - ‘Avaliago em camundongo da eficécia do antiveneno administrado no local da inoculaglo intramuscular do veneno de Crotalus urissus terrificus. Rev. Inst. Med. trop. S. Paulo, 35 (1): 23-27, 1993. 4 de Crotalus durissus terrificus por via intraperitoneal ¢ intravenose. In: CONGRESSO DA SOCTEDADE BRA- SILEIRA DE MEDICINA TROPICAL, 24, Natal, 1990. Programa e resumes. 1990. p.96-97. VIEIRA, S. L. P.; UTESCHER, C. L. A; RIBEIRO, L. A. & JORGE, M.T. - Determinagao da dose letal 50% (D150) do veneno padrio de Crotalus durissus terrificus inoculado por vis intramuscular. Rev. Soc. bras. Toxleol,2 (sup): trab. 2.46, 1989. 15, 16. WEINSTEIN, L. - Tetanus. In: FEIGIN, R. D. & CHERRY, J. D. Textbook of Pediatrle Infectious Dis- ‘eases. 2.0. Philadelphia, Saunders, 1987. WORLD HEALTH ORGANIZATION - Progress inthe char- acterization of venoms and standardization of antivenoms. Geneva, 1981. (Who Offset Publication No. 58). Recebido para publicagio em 14/5/1992 ‘Aceito para publicacko em 18/11/1992 or

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