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Colegio CATEDRA "ou Gabel nda Sans ena fa pnt ANDRE LAKS Introdugao a “filosofia pré-socratica” Paulus PRE-SOCRATICOS: OS ANTECEDENTES ANTIGOS termo “pré-socritico” € uma criagio moderna. A pr meira ocorténca identificada até entZo gura em um ‘manual de histria universal da flosofia publicado em 1788 por JAA. Bbethard (0 destinatrio de uma famosa carta de Kant), do «qual uma segio se intitla“Flosofia pé-socrtca”("Vorsokrati che Philosophie’) Mas aidia de que exista uma ruptura maior entre Sécrates¢ 0 que Ihe precedeu remonta & Antiguidade. £ indspensivel, para compreender os debates modernos que se desenrolaram em tomo dos PréSocriticos, de remontar aos an- tigos présocriticos, que eu proponho chamas, por convengio, “pré-soerdtcos” (sem maliscula ecom um hife), para distin os da categoria hstoriogrfiea que les contribuiram a forja, ‘mas na qual eles nose deixam inteiramentesubsumnit Se incon: tescives similiudes fazem dos antigos "pré-socriticos” os ances tai narurais dos nosses modernos Pré-Socritcos as diferengas entre uns e outros nfo sio, com efeito, menos importants, ex particular pela natureza das questes das quais eles foram res- pectvamente objeto. ‘A Antiguidade conheceu duas maneira de coneeber alia divisbria entre o antes e o depois de Sécrates: ou Sécrates aban- donou uma flosofa da natwreza em proveito de uma flosoia do homem (@ a perspeciva que eu chamarei socrticocceroniana, hae "bead, 79678), 7A serbia por Pag, em Pguet/La face, 18 p28 — Pak Socnimens: or aeracenentes an005 {que inclui igualmente Xenofonre), ou bem ele passou de uma filosofia das coisas a uma filosofia do conceito(é a tradicio plato nicovaristotélica). Embora uma ponte tena sido providenciada ‘entra essas duas tradigBes, principalmente por Plato no Fédon (um texto tio complexo quanto decisivo para a posteridade dos Pré-Socriticos), clas divergem nfo somente no seu teor, mas também, e mais ainda, nos seus efeitos: enquanto a primeira no ‘enfoca senéo certa ruptura, da segunda, ao invés, deriva, para além dela, fio de tuma continuidade mais profunda. Essa diss ‘metra, que pode ser objeto de diversas especificacbes, & essen cial para compreender 0 destino moderno dos Pré-Socriticos, CConvém que Ihe explicitemos os termos. ‘A tradicio socritico-ciceroniana esta fortemente ligada, em sua origem, ao processo de Sécrates (399), € & necessidade em {que esta se encontrou, para responder & acusagio de impieda- eda qual ele era, entre outras, objeto, de marcar sua diferenga com relagio a um empreendimento conhecido, desde os anos 430 pelo menos, ob o nome de “investigacéo sobre a natureza” (ers pluses hist). (© Ridon implica, sem divida ofato de que, na data dramé- tica em que se desenrola o didlogo (que se pretende que tenha se desenrolado no proprio dia da morte de Socrates), a formula “investigasio sobre a natureza” era ainda percebida como uma cexpressio thenica, ¢ no se exclu que tal fosse ainda o caso na data da redagio do diélogo, uma quinzena de anos mais tarde, aproximadamente, O Sécrates do Fédon fala, com eftito, do “de. sejo de todo extraordinério” que ele tinha experimentado em sua jjuventude, “do saber que ert chamado investigaco sobre 2 natu +e2a" (grifo nosso), do qual ele esperava que Ihe viesse 0 conhe- ‘iment "das causas de cada coisa, do porqué cada uma nasce, do porque ela perece, e do porqué ela &."*A precisio “que era ‘evocada” implica, talvez, algo mesmo como uma novidade lrnonucio 4 “uoson sn soeninca” —— De fato, nenhum dos textos que fazem referéncia ata “in ‘estigacio sobre a natureza” se refere a um periodo anterior 30 ‘iio tergo do século V.E também por volta dessa época, € iso info se dé evidentemente por acaso, que 0 tiulo “Sobre a nature 22” se difunde e vem a ser aplicado, em alguns casos de maneira ‘anacrénica, a antigas obras que se enquadram (ou que tendem a se enguadirar) nesse género.’ No capitulo XX do tratado hipocritico Antiga Medicina (no {ual se encontra a primeira ocorréncia conhecida do termo abs trato philosophia; retornaremos a este ponto), um médico part rio dos métodos tradicionais toma suas distancias com relagio 405 escritos “sobre a natureza, considerados demasiado espe- ‘ulativos, em razio das pressuposicées (ou “hipéteses”) que eles sfo levados a adotar,eIhes opée a investigacio médica como tnt «a fontelegitima para o conhecimento da natureza do homer:* © discurso dessa gente vain directo da florofia, como Empédo les on outros autores sobre anarurezaescreveram, remontando Aorigem, sobre o que é ohomem, como ele primeiramente nas ceue a partido que ele adguiru consiséncia, Mar ev esto que tudo 0 ue foi escrito sobre a natureza por certo extudioso ou ‘erzo médico se encontra menos em relaglo com a arte médica ‘que com a pintura, eeu estimo que para ter algum conhecimen tw preciso sobre a natueza,ndo existe nenhiuma outa fone que lo seja a medicina..Eu digo que este estado (tain ten ho rién)conhece com exatdio 0 que & 0 homem, as causas de sua formagio ¢ todo o rest. "Tals o orto do sgt aa Sobre a atueey aque de Meliso, ‘eParmine, de Epi de lemon de Ginga de Pca «de oo ‘os Geo, Sees ements sped pst, 19 (1,87, Kan Se he ‘doa ver Schralerede 90. “Paras dtp do tad, gu objeo de can, ver a concede ou a, 190,45. A reerncis Epler do spn fren ema oem, "Save o venti de esranks compari eat leo ate pth ver ap — Put socadnicos os areceneses Anco A segunda passagem é um fragmento de Euripedes que se atrbui de bom grado a uma tragédia perdida, Antiope, da qual se sabe que continha um debate entre dois irmiios, Amphion e Zethos, célebre na Antiguidade, sobre a utilidade e o valor da ‘miisica,e, por extensio, do estudo: (c core fala) Bem aventurado aquee que, tendo adquirido 0 co hecimento que proporcions 0 estudo (Ws histras maths) ‘no aspra nem &inflicidade dos idadios nem 4s aes injustas, ‘mas observa o ordenamento sem envelhecimento da nanuteza| ‘mortal, como ela se formou, a parti de onde e como, De tas pessoas, nunca se aproximao pensamento de aces vis ‘Aterceira passagem & tirada de uma argumentagio dialéica andnima conhecida sob o titulo de Argumentosduplas:” Ea penso que abe no mesmo individuo es mesmas artes © po- ‘der discutirem poucas plavras eo conecer verdade das cosas, saber julgarcorreamentee o ser capaz de falar em pilico, 0 onhecer as artes do dacutsoe oensinar a resets da natures de tetas ae oss, como elas acontacem como vasceram, Seguindo esses trés textos, que remetem & passagem do Fé don ¢ se remetem uns aos outros, 0 “estudo sobre a natueza ‘comporta duas caracteristias principais. De uma parte, ele visa uma totalidade (ele se reporta a “todas as coisas” ou 20 “todo” De outra parte, ele adota uma perspectiva claramente genética (cle explica o estado de coisas existentesretracando a historia de seu devir deste as rigens) RF Sa nose db no Gigs, grace doco cove rn lest te) Ss rowed gent et [Kb 87,130 A pqs ¢pament aad or noe 0 Kan 972 223 ur tn ay sn p a, Dann colt "Dutlg rt Eames xaos eee. Barge. suger deen ron Pog ins ade sed ‘nno0vo A “sons msoenincn” Distingue-se muito bem as tapas que, a0 termo de um pro cesso de cristalizagdo répida, viiam a transformar os autores de tratados sobre “a natureza de todas as coisas” em “navuralistas” ‘u “isicos” (physikot)* Xenofonte, em uma passagem dos Memo. rdveis que faz eco aquela do Fédon, recorce ainda a uma férmula ‘ircunstanciada quando, no contexto de uma defesa de Socrates, 4 qual voltaremos logo mais, sustenta que “Sécrates nunca se ‘ocupava, como a maior parte dos homens, da natureza da totali- dade das coisas (er tés tn pantén phusss), examinando 0 que é 0 {que os estudiosos denominavam ‘mundo’ (hops ho kalountenos Ihupo ton sophistn kosmos ekhe}), € por quais necessidades cada tum dos fendmenos celestes vem a ser” No Lisias de Platio, a mencio da “totalidade” figura (nomeada por outro termo, ho lon, do qual o grego dispde para designar o conjunto das cosas), mas dissociada da “natureza”: os “sibios”, que sustentam, com Homero, “que é necessirio que o semelhante seja 0 amigo do semelhante”, sio apresentados como “falando ¢ escrevendo so- bre 2 natureza e sobre o tudo” (hoi pert phuseds te kat tou holow ialegomenoi kai graphontes). Mas depois do Fédon, a referéncia A natureza tende a se tornar auténoma, Assim, Socrates se inter roga no Feb: EE se alguém cogita em condusi investigasées sobre a nature- 2a (pert phe. zen), voo® sabe que ele investiga por toda a sua vida o que se reporta a este nosso mundo, como ele nase, ‘como ele €afetado e como ele age? ta per ton kormon onde, hapé te gegone ht hop pasthe at hop poe)" ia pefio mrralia” "ko", que dco reo. Mas opm evitar ao" em rao do dominio coher. Memb 11. "mune" Pome puece tmbém como uma eres tenis come o inca eprom may or pe Se ea) ue ‘oma por abe "Fl, 59. Aeros org eens 0 Tie 4 he i pews pcs sa, Pat Soenimoas: of attaceneeras aos Esse tornarse auténomo conduz soleira das substanti- ‘vagbes de Aristtles, que emprega com muita frequéncia, e de ‘maneira sindnima, “os autores (de tratados) sobre a natureza (hoi pert phuseos), “os nacuralistas” (hoi phuskoi), ow ainda “os f- silogos” (hot phusiologo)* De fato, existe, entre os pensadores pré-socriticos, uma linhagem de obras que correspondem a essa descrigio, cujo ‘esquema fundamental remonta muito provavelmente a Anaxi- ‘mandto.” Tratase de uma histéria geral do universo e de suas partes consttutiva, desde seus inicios até um termo que parece ter sido, no mais das vezes, para além do estado atual do mundo, (0 momento de sua destruicio (seria, pois, mais exato falar de “cosmo-gono-phthories”, que de simples cosmogonias). A nar- rativa comportava certa niimero de elementos mais ou menos obtigatérios. De Anaximando a Filolau e Demécrit, passando por Anaximenes, Parménides (na segunda parte de seu poerna), Empédocles, Anaxigoras, Diégenes de Apolénia, e de outros de ‘ainda menor importancia, as grandes narrativas “sobre a nature- za” compreendem uma explicagio da maneira como o universo, ‘0s astros e a terra se formaram, e, logo depois, otratamento de ‘problemas mais ténicas ou especializados como a delimitaglo das zonas celesese terrestes, 2 inclinacio dos polos, a distancia a grandeza dos astros, a luminosidade da lua, os fenmenos meteorologicos € terrestres, como chuvas ¢ granizos, sismos € rmarés, a apariglo dos seres vivos e sua reprodusio, a diferencia ‘fo semual dos embrides, o mecanismo da vida fisiol6gica, sono ‘e morte, sensagio e pensamento,e, eventualmente, o desenvol: ‘vimento da vida em sociedade, Em resumo, uma cosmogonia ¢ ‘uma cosmologia, uma zoogonia ¢ uma zoologia, uma antropo- psec pcm er encontrado inde iso Ban hppa, sah 26ersphinpe 85405: hepa 8953.3). "sentido aoe Ka, 1994 9) Anima he Ogi of Grek aoa, Teo aan para pear que © enpeendimeo Se Takes 0 freemaewe caer ei. ernonoo A “atosora absocaies” —— logia ¢ uma fsiologia (na acepeo moderna do termo), poden: do eventalmente se prongar em uma histria da ciao esse conjunto, certos textos antigos rettm estencialmente ‘o aspecto cosmolégico, ¢falam de “meteorologia’ e de “meteo. rélogos”: os metcora, que antes que a distingSa aristotéica entre ‘uma regido supralunar e uma regito infralunar nio tendesse a hes confinar 20 dominio inico dos fendmenos “meteorolégicos (© geol6gicos), designavam todo fendmeno que se produzia “nas alturas",representando por sinédoque o todo da enquete sobre a natureza. Na cena inicial do Protigora de Plato, o auditério di 1ige ao sofista Hipias “certas questdes astrondmicasarespeito da nnatureza e das alturas"" E é unicamence em relagio as “alturas” {que o autor do tratado hipocrético Das carne que sobre esse pon {ose opie ao autor da Antiga medina) tinha demarcado o campo da medicina com relagio aquele da investigacio dos naturalistas unio preciso falar das alturas (pert tom meteoron) sen o sa clente para mostrar, a propésito do homem e dos outros vive: tes, como elesnasceram ese formaram, aque éa alma, oque €3 satide ea doenca o que & 0 mal eo bem no homem, por quale axes ele more." Mas € claro que a série de questdes que Sdcrates enumera ‘no Féon, que teriam suscitado a paixio de seus anos de juvent de, provém também das matérias abordadas pelos naturalisas, no quadro de um programa totalizante 0 caso de que os animais se formem quando o quente ¢o 0 Soffer uma forma de apodrecimento, como alguns o dizem? nl 193 stent que ararrati d exelent ceo ame ‘1 um momento abptria do peo (p45. 6, prpint de Ansan). (cena parce antes ter fo pre © mas adam de Sexiest ron, que store armen para “heaps aise Fe ‘Davee, 12,0 J) Pr Socninicot os sracenenres wyrios {pelo sangue que nds pensamos ou peo are pelo fogo? Ou por ‘nenhuma dessas coisas, mas €0 eérebro que proporciona as sen sag6es da audio, d visio, do olfato, enguanto dessestimos rhascem a memoria e a opinido,e da meméria e da opinio, quan do elas se estabelecer,o saber? Eu examinava também, invers ‘mente, as destruigbes desses procesios eo que acontece no céu De maneira significativa, as matérias conservadas por Sé- crates concernem 4 fisiologia do conhecimento, como se Socra: tes tivesse antes mais se interessado por questBes que possuiam, pelo menos virtualmente, um alcance epistemol6gico, que por aquelas rferentes i estrutura do universo. (© naturalismo, nascido na JOnia, e principalmente em Mi- leto, no século Vi, fo! introduzido em Atenas por Anaxigoras, ‘chamado por Péricles em 456-455 para fazer parte do seu circulo ‘mais proximo,! Ele se tornou logo objeto de suspeita. Um ou: ‘ro fragmento de Buripedes, de procedéncia incerta, mas que se apresenta como 0 contraponto do elogio da vida de estudo pro- ‘nunciado por Anfionte na Antiope, dio tom: (Quem ¢ a tal ponto desdenhoso a respeito dos deusese atingido pelo destino para dante desse especiculo [aguele do cu), nfo instruiesua alma na crenga no deus, nem gfistar para loge de sas tortuosas ses dos que fala das atures, aqueles cuja lingua terne ‘iano fz endo langar conjecturas sabre as coisas escondidas, sem compreensio alguma?* O debate acerca do caréterindcuo ou das desfeitas da meteo- rologia no tinha nada de tedrico. O decreto de Diopeites, que permitia perseguir aqueles que se ocupavam das alturas sob acusagio de impiedade, data de 438-437, Anaxdgoras, través de webct "Eu adeco sg sono defend por Mansel 19791980 espetas mene p55). "913 Soe rronuco A “rosario socnisen” —— quem se visava Péricles, fi sua primeira vtima no ano seguinte, por ter sustentado que os astros nio passavam de pedras igne as, Didgenes de Apoldnia parece ter sido, também, indesejivel fem Atenas, onde sua doutrina parece ter gozado de um grande sucesso, e no é impossivel que ele tena sido objeto de acusa fo, alguns anos depois de Anaxigoras.” Ora, por mais curio- 50 que isso possa parecer, pelo tanto que isso no se enguadra na imagem que nos fazemos de Sécrates com hase na Apologia de Séerates de Platio € nos memoriveis de Xenofonte, Sécrates ‘ra suspeito de compartlhar a curiosidade dos nacuralistas so bre os mecanismos do universo e, portanto, sua impiedade. documento-chave a esse respeito & consttuido pelas Nuvens de Aristfanes, epresentadas em 423 a.C., que a Apologia de Sécra tes denuncia explicitamente como o primeiro ataque via de re ‘gra contra Sécrates, aproximadamente 25 anos antes do proces- so de 399." De fato, as Nuvens, antecipando os dois termos da acusasso. 1 que Séeratestinha que responder ~ a corrupcio da juventude © introdugio de deuses desconhecidos da cidade -, apresen: tavam um Sécrates indissociavelmente “sofista”, mostrando-se ‘apaz de fazer do argumento “mais fraco” 0 argumento “mais forte’, e “naturalista", portando através de um cesto suspenso fragmentos parodicamente arrancados & doutrina de Diégenes de Apolénia, que afirmava que o at das auras era dotado de ‘uma inteligéneia tanto maior quanto mais seco ele era. ‘A Apologia denuncia o amilgama como o fruto de uma pura calinia: ninguém vin Sécrates se ocupar “do que esti sob a terra eno céu’.” Os Memoniveis de Xenofonte o repetem: No ca fons de inormaco €Dibgents att. 57. Os for sf dc se er ak, 98 p68, "Pak, de Sate, 1 14 ° Ne, 2526 Remon» Dich 89 (48) a enc d ingens So ‘Seated Nien com gala Diane Ve amber, Vane Wer, 9D eC es 0 ab Socnineos os syraceneressencas Ninguém viu Sécrates agr ov 0 ouviu dizer qualquer coisa de Jmpio de iteligioso,Pois ele nunca se ocupava, como a maio- ria da natureza de todas a costs, xaminando o que dso € 0 {que os sibioschamavam 2 “ordem do mundo” (kosmos). por {gus necessidades cada um dos fenbmenos celeste advém.* Longe de se envalver com as “coisas dvinas’, como o faziam, cs naturalistas,o inceresse de Sécrates ¢ resolutamente voltado para as “coisas humanas" (ta anthrépina), 0 bem do homem € a pritica da virtude, Tanto em Xenofonte quanto na Apologia de Platdo, Sécrates ocupa o ugar de primeiro “humanista” — um hu ‘manismo que se distingue por sua recusa resoluta de toda espect lagio fisica. € 0 que diz, também, de maneira ao mesmo tempo ‘mais tradicional e menos transparente, a formula bem atestada segundo a qual Sécrates se ocupava nfo de fisica, mas de ética.” ‘A oposicio simples e retoricamente eficaz entre “naturals: _mo™ pré-socritico e "humanismo” socritico viva, em primei- ro lugar, marcat uma diferenca tipol6gica entre duas formas de orientagio intelectual, Mas ela oferecia ambém a via para uma interpretacio historiografica, em virtude da qual uma orienta ‘gio suede & outta. O Fédon desenvolve, além do mais, uma ima- ‘gem mais complexa da relacio entre Socrates ¢ a antiga fisica ‘que aquela que a Apologia e os Memordves, por razGes compreen- siveis,evitaram menciona, a saber, que Sécrates teria ele mesmo conhecido, em seus primeiros tempos, uma fase naturalista. Nés J encontramos a frase: “Quando eu era jovem, eu sentia um deseo totalmente extraordindtio por esse saber que denominam, cestudo da natureza. Pois me parecia grandioso conhecer as cau sasde cada coisa, por que cada uma nasce, porque perece, €." 'A tradigio doxogrifica oferece contornos mais precisos a essa assertiva, quando ela faz de Socrates 0 discipulo de Arquelau, cle proprio um naturalist situado na vertente de Anaxigoras, mas ‘que teria também tratado de éica (esse timo trago estando tal- ‘nDibgne ac, 16 1 202, Cf abn inf». 0.1 Inrmoovrfo A"muosoms rxé-soceiice” —— ‘vez destinado a faciliar a passagem) * Plato era perfeitamente ‘apaz de construir uma ficgio biogrifica para as necessidades da causa.” Por outro lado, raver a ideia de tum Sdcratesfisco nfo seja desprovida de plausbilidade, nio somente de um ponto de vista intrinseco (no comecamos todos nés de alguma parte an tes de nos separarmos dela?), mas também porque ela permite ‘compreender que Aristofanes poderia ter atribuido a Sécrates 2 outrina de Didgenes, mesmo se em 423 Sécrates, entdo com 46 anos ¢ jf eélebre pelo que ele era, no mais se interessava certamente por especular sobre a causa dos fendmenos naturais, © importante, do ponto de vista da hstoricizapdo dos pré-socré- tieos, €, em todo caso, que, se 0 Sécrates do Féon nio pratica 4 especulacio fisica, nfo é somente porque isso Ihe € estranho, ‘mas também e sobrerudo porgue ele jé se tinha dessa afstado ‘As duas épocas da historia do pensamento que distinguiram as hhistrias da filosofia, antes de Socrates e depois dele sio antes de ‘mais nada duas €pocas da vida de um s6 e mesmo Sécrates, que foi naruralista antes de ser ele prdpro. (© uso quase historiogrifico dos Pré-Socriticos, dissociado de consideragées biografcas, 6 pela primeira vez plenamente atestado no prologo do 5° livo das Tusculanas de Cicero, que, em razio de sua grande difusto (¢ aparente simplicdade), foi sem divida o texto historicamente mais influente para a consti- tuigdo do conceito moderno de Pré-Socriticos. Esse prologo contém um vibrante elogio da filosofa, en ‘quanto filosofia pritica. N3o somente a flosofia sustenta que a virtude basta & felicdade (uma assereio da qual Cicero tinha ‘otal razdo para apreciar os méritos, na situacdo particularmen: te diffcl em que ele se encontrava no momento da redacio da obra), mas ela esté, também, na origem do conjunto dos bene: ficios do qual usufrui 2 humanidade. £, com efeito, a flosofia ™ Digest I 16. Vander Wier, 90,p cinder A es ate ue Soave "ogee" = Um empl cierto enconto gu pone ene um who Parméner ‘eum jor Serta Pardes, 26 a — Pat Socnsmeos: of avmuesnneres sxrc0s aque se deve a formagio das cidades, com todos os liames sociais, cultura, legais e morais que a vida politica supde.* Nao ha se rio os incultos para ignorar que “aqueles que pela primeira vez. ‘organizaram a vida dos homens eram filsofos” "A historia da filosofia, em uma tal perspectiva, &coextensiva com a historia da ivilizagio. Cicero distingue trés etapas. Quando da fase primitiva do desenvolvimento das sociedades, os fil6sofos existern, mas sob ‘outro nome, aquele de “sibios”. Eses sio no somente os “Sete sibios", dos quais exstia uma lista tradicional, e mais ou menos fixa, mas também figuras miticas ou quase miticas tais como Ulisses, Nestor, Atlas, Prometeu, Cefeu ou, ainda, Licurgo. Ea Ditigoras que é atrbuido a alcunha de ter sido o primeiro aintro- duzir 0 terma “flosofa’, por cuja via a sabedoria adquire outro rrumo, Como Pitégoras 0 explica ao tirano Leon, intrigado pelo neologismo, enquanto os sébios se encontram engajados em sua atividade civlizadora, os fl6sofos se aplicam 3 “teoria”,observan cdo por observar, sem ser guiados por nenhum motivo que no ‘sea a satsfagdo que essa observacio lhes proporciona. A analo- aja € célebre: do mesmo modo que uma prova esportva reine, além dos atleras que lutam pela gloria dos mercadores eclien- tes attaidos pelo comércio, os espectadores que vieram admirar a competicio, existe também, nesta vida, além dos ambiciosos e dos negociantes, o pequeno grupo daqueles que, “tomando todo ‘resto por nada, examinam cuidadosamente a natureza das coi 38": sio eles os puros “tebricos” aos quais chamam “filésofos” Na apresentagdo que deles nos faz Cicero, Pitigoras alia ainda em si "sabedoria" e “flosofia’ ele nfo forneceu antes a Leon a explicagdo requerida que ele foi legislar na Grande Gré- Cher, Tsuna, V3. Digenes Laco I, 12(= Herkldes Ponca, 97, ‘Wein leo nao se ese ag ding plata ente uma "sedate Sern pili do deus «ums aspen 8 mabe on Fos) qe se Iernonvcto A “sons pabsocndsca” —— ‘ia. Mas, por natureza, a atividade te6rica tem vocacio paraa ex: ‘lusividade, Os fl6sofos posteriores a Pitigoras ndo sio mais do ip eee ee eee ‘a Sécrates que caberd de os reintroduzir no campo da filosofia, aque ele conduz, assim, segundo uma formula eélebre, “do c&u para a tera” onde ela se encontrava enraizada em sua origem, ‘mas da qual ela tinha nesse interim se afastado, Embora Cicero no hesite em identifcar 0 conjunto dos fil6sofos pos-sapienciais e pré-socri ‘mesmo a astrénomos, a periodizacio sugeria certo alargamento do conceito de “natureza”. Com efeto, por mais numerosos que sejam, entre os pensadores anteriores a Socrates, aqueles que correspondem is caractersticas da “investigagio sobre a natu reza", isso nifo é o caso de todos. Nem Parménides ou (ainda ‘menos) seus discipulos Melisso e Zendo, nem Heréclito sio na turalistas no sentido descrito acima: em graus diversos, cada ‘um & sua maneira, seu propésito € muito mais de recolocar em, ‘questio a legitimidade de tal investigasio. Entretanto, o concei to de “natureza” é sufcientemente complexo para que pensado. res que nio se dedicavam de modo algum, ou nio essencialmen: te 4 “investigacio sobre a natureza” pudessem ser considerados ‘como “naturalistas’. Xenofonte jé explicava que uma das razdes, da hostlidade de Sdcrates a respeito dos “naturalistas” se devia, as incertezas das quais seu pretenso saber estava carregado,¢ 80 bre as quai testemunhava sua divergencia de posigfo quanto & {questio de saber qual éo mimero dos sere.” Ora, de maneira a pri ‘meira vista surpreendente, io aqui considerados como “natura lista" no somente aqueles que praticam a investigacSo sobre a natureza, mas também aqueles que negam a existEncia de todo ‘movimento, ¢logo dos processos “naturais” da geraclo e da cor icos a meteorologistas, ou Newline Moonie, 38. gua gu no Sofie de to 242 3 (Quanto srs exis em ual desc horas, Se oc 3, Mae eX, te, ser 5 so gut Angra dev ftp aritten, C ova. 8¢ 2, pra ate dong a, 2% Pat Socainco: os werucanesrs sticos rupedo tatase de Parménidese de seus dicipulos elata). “Ex tre aucles gue se povcupam com a natureza de todas as cosas, ns pensam que o que € € unicamente uno, outros que ee é infinito fem nimero; € alguns que tudo se modifica sempre, outros que nada poderaalguma ves se modifica, alguns que tudo nasce pe rece, eutos que nada podera alguna vex nascere perce." Para que os eleatas possam se tornar “naturalist”, é prec s0 que o sentido do term “natureza” no recubra exatamente aquele do Fédon. E ficilreconstruir a logica do deslizamento que faz passa de um sentido extreito a um sentido mais geral. "Na tureza”(physis) pode em grego remeter nfo somente 20s proces 0s de génese e de corrupsio, isto €, a fase visivel ou oficial da {nvesigaso sobre a natureza, mas também &“natureza” que se desenrolae subsite através desesprocessos~0 que Aristtees chamars "principio" (rkké) ou “substrato”(hupokcimenon) “do gual siofitos todos os seres, do qua eles provém iicialmente e 20 qual eles retornam finalmente” ” Basta desde ento interpre tar ontologicamente essa “natureza"originiia, reconhecendo cla “o que é verdadeiramente” (por oposigi as coisas ou aos ompostos que a partir dela vieram a ser, para que o estudo da narureza poss inchur até mesmo a tse dos que recusam 20 “que é isto €, A “natureza” em ui sentido, todas as determi nagées da “natura” em um sentido mats restsio, F bem essa concepsio ontol6gica da natureza que Xenofont, ou sua font, pe como base do debate entre naturalists, uma vez que esse hii se volta para o céu e para os fendmenos naturas, mas para ‘omimero ea qualidade dos seres. assim que os pré-sociticos So também os primeiros ontologistas. 'A Antiguidade nunca adotou ofcialmente a clssificagio apresentada aqui: os naturalitas permaneceram, em regra ge ral, naturalists stricto sensu, mesmo Sea tradilo antiga reporta sao nai men Able Men 06.10 Bar“ cama "princi eb tanaeat em 1, Oro subarea” euzdo emb i CF 9842 3, ‘ernoovto A “uosona ensocnsica” —— que os escrtos de Parménides e mais ainda os de Melisso se in- tirulavam “Sobre 2 natureza”, como aqueles dos “naturalistas”™ Aistételes, mesmo dispondo de um conceito de natureza sufi ‘dentemente diferenciado para justifcar a passagem de um senti do a0 outro de phys, respeita em toda parte a distingio entre a ‘maioria dos antigos filésofos, constiuida pelos “naturalistas’, € (9 outros, que recusam a natureza (os eleatas de maneira geral) ‘ou nio aceitam o conceito senio defendendo a si mesmos (Par _ménides). A exigéncia de afirmar, de seu proprio ponto de vista, limites nividos para a fisica, distinguindo-a tanto da dialética das matematicas quanto da flosofa primeira, oimpelia a manter adiferenca, mesmo se ele nfo forjou denominagio genérica para © segundo grupo. Somente 0 cético Seato Empirico, em uma ppassagem que se refere a demarcagio aristotéica, dé 20s Blea tas 0s nomes de “imobilistas”(sasitai)¢ de “no-naturalistas” (aphusikoi).” ‘A tradigio socritico-ciceroniana se caracteriza pelo fato de que ela situa a ruprura entre Sécrates e seus predecessores no nivel de um certo conteido, ou sendo ligado a uma atitude cpistemoldgica definida: antes de Sdcrates, a natureza, 0 céu e, dde maneira mais geral, o ser, em uma perspectiva puramente te6rica; com Sécrates, o homem, sua aco e a moralidade, na perspectiva de uma filosofia essencialmente pritica. A tradicio platdnico-aristotélica, por contraste, situa a ruptura no nivel do. ‘método, isto é, dos instrumentos que permitem pensar 08 con- tetidos: dirse-4 que ela atibui a Sécrates um pensamento de segunda ondem, por oposicio a0 pensamento de primeira or dem caracteristico de seus predecessores. Esse deslocamento na direcio de questoes epistemologicas, que 6 evidentemente to _grosseiro de uma reinterpretacio dos pré-socriticos quanto do proprio Sécrates, & pela primeira vez posto em aco no Fédon de Platfo, que, do modo como 0 esboca, com a teoria dos con- oes Pris Socninooe ot merecepees 005 tnirios e da causa formal, s categorias diretrizes da fsica aris totélica tais como elas sio desenvolvidas no primero livro da Fisica, pavimenta também o caminho para a historia essencial: ‘mente continuista dos inicios da flosofia que Aristételes contara no primeiro livro da Metafisica, tudo se passando como se, na sequéncia de um processo jf encerrado e da morte iminente de Socrates (como eu o lembrei acima, 0 Fédon se desenrola no dia ‘mesmo da sua execugio), tornava-se possivel desenvolver uma visio flosoficamente mais equilibrada que Ihe autorizavam as necessidades da defesa "Nanarrativa que ele faz de seu proprio desenvolvimento in- telectual, «que constitui uma longa digressio no seio do titimo de seus angumentos em favor da imortalidade da alma, Socrates levoca as crcunstincias que the conduziram a desenvolver uma teoria da causa formal, uma vez constatados os impasses da fisica pela qual ele tinha primeiramente se apaixonado e sua propria incapacidade de identificat a causa final (6 a metafora da “segun dda navegagio").” Ora, por mais profunda que ela se, a ruptura ‘com a antiga fisica nio se efetua aqui sendo no fundo de um projeto filoséfico compartithado. ‘Cebes acaba de formular uma object contra o tiltimo argu mento de Socrates: estabelecer que a alma preexiste ao nosso nas cimento, observa Cebes, no permite de modo slgum conciuir acerca de sua imortalidade. Pode acontecer que a alma, mesmo tendo preesistido, sja no final das contas corruptvel,¢ que sua entrada em um corpo marque o inicio de um processo de dete rioracio que conduziriaineluravelmente & sua destruicio, ¢ isso ‘mesmo se tivéssemos que admitir que ela perdura certo tempo. Responder a objeclo, reconhece Socrates, nfo é uma tarefa pequena, Isso supe, “de maneira geral, uma pesquisa aprofun- Gada sobre a causa da genese e d2 corrupcio". Mas a “invest ‘gacdo sobre a natureza’, da qual tal € oficialmente o objeto (ela on, 9 aS vent, memareos epande 2 nterpreaco qu dso ofeece Meta 2, Rac) Naat dein or Ivrnopucko A “uosona rx-socemica” —— fala do “que nasce e perece””), ndo € competente na matéria, Longe de explictara causa (ation) dos processos de geracioe de corrupcio, ela nio faz senio tratar das condigies materiais que ‘lo necessiras 4 sua efetivacio, o que PlatZo denomina tecnica- mente as “causas conexas” ou “causas coadjuvantes" (sunita). ™ De fato, somente a causa que Aristoteles denominaré “aquilo em vista do que” (a causa final) responde ao que Sécrates compreen: de aqui sob o nome de causa. Eis por que ele depositou por um ‘momento suas esperancas em Anaxigoras, o ‘nico naturalist se distingur, no texto do Fédon, da massa andnima dos outros por ter sustentado que “a inteligéncia organizou o mundo e é causa de todas as coisas"." O problema é que essa afirmacio, fem Anaxigoras, ndo é, na leitura que dela faz Socrates, seguida de nenhum efeto, se é verdade que a formacio do mundo & af cexplicada por aquilo que Socrates, servindo-se de um plural de desdém, chama de “ares, teres, guas, e outras numerosas enti dades estranhas".* ‘A segunda navegasio, voltada “para a investigagio da causa," nao leva, entretanto, diretamente & causa final. Ela toma a via de um procedimenta hipotético que se apoia em uma teoria da causa formal (as Formas como causa). O argumento através do qual Socrates estabeleceré, para inalmente responder a Cebes,aincorruptibilidade da alma, consiste em dizer que nem. ‘uma Forma ela mesma, como afrieza, nem alguma entidade de- ppendente da presenca de tal Forma, como a neve, nfo poderiam acolher nelas uma Forma contra (nesse caso, o calor). De duas coisas uma: elas deverdo “seja perecer, seja se retirar": perecer, sea entidade em questio & perecivel, como a neve; retirarse, se 8 entidade em questio € por esstncia ou definiglo subtraida da “Ron 966 “Flo 94 w 2 Pat Socnimcs: os aerecsoneres Anieo8 ‘morte. Ora, essa iltima hipétese se alica& vida, cyjo conceito, segundo Sécrates, implica analtcamente a “imortalidade”, A alma, que é dela o principio, seré ela também imorsl, e portan- to “incorruptivel’ Esse argumento, que podemos chamar “biolégico” (como se fala do argumento ontolégico), invoca bem, em uma de suas cexapas, exemplo de comportamento pritico, derivado da “ética” se Sécrates permanece na prisio nio é por causa de seus ossos € de seus misculos, que no sio seno condigdes necessirias, ‘mas porque ele pensa que isso um bem." O emprego desses filosofemas distintvamente platénicos faz que a passagem dos pré-socréticos a Sdcrates coincida com aquela de um Socrates puramente socritico a um Sécrates distintamente platénico.” ‘© argumento principal, a0 qual esse exemplo esté subordina do, nio diz respeito aos afazeres humanos. Ele esbosa antes os ccontornos de uma nova fisica,cuja marca distintva sera de ser teleologicamente estruturada.“* No horizonte da "segunda nave ‘ga¢30" do Fédon se situa 0 Timeu, que, restabelecendo o vincu. To com o projeto cosmologico dos “naturalistas", constitui um ‘momento decisivo da “naturalizagio” do Sécrates da Apologia (O mito escatolégico final do Rédon, com a descricio geogrifico- ‘cosmol6gica do mundo em que as almas se repartem depois da ‘morte, incluindo uma hidrologia & qual Aristételes pode se refe rir em suas Meteooliicas,”€ uma perfeita expresso da “natura lizagdo platdnica de Socrates, ‘Aristoteles no seguiu Platio nesta via, que apaga indubi- ravelmente o que Sécratestinha de distinto em proveito de uma “Ron she “Sobre platonic de Scrat nore abi do Rn, er Be Arla que aca frmal pode encercom crude ccnp aha Seman a cricn+Ansaora so €atorads, oo Ematuranete trac: guna ¢uma ds cravs do patna Mar ot da rade fr “SMoralpau, 9938-39643 Inmooucio A “rwasona mn socniricn” —— pproblemética que ndo 6 a sua. Ble nfo retoma dele tampouco a ‘deia de que 0s pré-socratics e Sécratesestfo engajados em uma ‘mesma pesquisa, cujo objeto €, ndo © que nasce e perece, mas, ‘mais geralmente, a investigacio das causas. justamente o que thes vale o nome de “primeiros filésofos", ou mais exatamente de “primeitos a filosofar", que Arist6teles thes outorga no pr imei livro da Metafisica.* Este livro, ue se abre com uma caracterizagio do saber su Perior como “sabedoria’, é, a partir do capitulo 3, consagrado 4 identficar, entre os predecessores de Aristételes ("os primei rs fildsofos”, mas também Sécrates ¢ Plato), a emergéncia das ‘quatro causas cuja Fisica tinha apresentado 0 quadro sistemtico: primeiramente a causa material, da qual Aristteles se pergunta ‘se podemos ou nio jéatribuir a nogio aos poetas e a0 grupo dos que ele designa como “os tedlogos” (os autores de teogonias, como Hestodo ou os Orficos), depois, na ordem, a causa motri2, {que podemos “suspeitar” ter sido concebida por Hesiodo antes ‘mesmo que por Parménides, a causa final, em Anaxsigoras e Em pédocles (cap. 3 € 4), ¢ a causa formal nos Pitagéricos e Platzo (cap. 5 ¢ 6). Em se tratando dos “primeiros fiésofos", trara-se ‘menos de descobertas que de antecipacées. A causa final, em Empédocles, chama-se “Amizade”; em Anaxigoras, ela esti im: plicada pela fungio diretora do intelecto; a causa motriz, ainda luma vez, chama-se “Amor” em Hesiodo ¢ em Parménides. E 08 “corpos” mesmos que os fisicos tomam como principios nio so senio a prefiguracio do substrato e da potencialidade. Em uma pperspectiva, nfo existe, de Tales até Platio, nenhuma solucio de continuidade.” Mesmo mencionando que Sécrates "tratou = A epsom 985 bes aplease # nova manera de Sowtr io aida por Tales (cL 98) b 20), se entende com rele # Plt, de gue Insts dis mui dane que o eminamenea ve is “depois dso Jos Gas és flier" (87 2 29) A poeta cored expres, tno bh, fetes tno omer cr pe Of de qc onomede “Shrutsvausraroconcit de uma “nae? (phe soba gi" mars do prio le” etree quand ses oer SSIES |__- Pat Socainent of anrucenenres ancos de questdes éticas ¢ em nada da natureza em seu conjunto”,* Aristécees, longe de situar sua contribuicio a historia da filosofia nessa escolha mesma, dela sugere a contingéncia, “investigan- do a seu propésito (a saber, a propésito das questOes éticas) 0 universal”, 0 que Sécrates foi 0 primeiro a fazer foi se interessar pelas definicbes.” Esta novidade é ela propria concebida como a ppremissa& teoria platdnica das Formas, a ultima teoria dos prin cipiosa ser exposta por Arstoteles antes da retomada do capitulo 7, cftica dos capitulos 8 ¢ 9 € a conclusio (cap. 10), 0 que di a Sécrates um estatuto de intermedidrio, mais que de iniciador. Essa interpretagdo de Sécrates, que se encontra na passa- ‘gem paralela do livro Mi da Metafsice (embora Aristoteles deter- ‘mine a contribuigio de Demécrto, em matéria de investigaglo em prol de definigées, e, mais antigamente, dos Pitagéricos"), & jgualmente mobilizada no primeiro livo de Parts dos anima.” A questio € aquela do método em biologia, e em particular do papel da definicfo. Destacando ironicamente, ainda que implic tamente, a distineia que separa a pretensio dos “naturalistas” de suas realizacoes, Aristoteles defende a ideia de que existem duas espécies de causas das quaiso naturalista deve dar conta sob pena de falar “a navureza", a causa final (que no contexto recobre a causa formal) ¢ a necessidade (também chamada “matéria”).” Aristételesexplica que a azo pela qual seus predecessores nun «a puderam considerar causa final senio pelo efeito de um feliz acaso (eles nio fazem senio "deparat-se com” ela), € que toda pritica da definiclo da essénciaIhes era ainda estranha: mesmo Demécrito, a quem sucede de engajarse em um trabalho de definigio, o faz porque ele foi conduzido a isso “arrastado pela posula, suid alm da grsbe ¢ dis corps, um meso prac Insel 38 1216, pods nee eaoorio como osenbole de conta “ob ies womba "fa, 107 17-1, Sabet eo 0 que espe «Sorts € © Inenopupo A “meson snksoeninen” propria coisa” (de mancirairrefletida), eno “porque isso fosse Recessirio & fisica” (de maneira consciente). Socrates, por sua ver, fez progredir bem a teoria da definigio, mas como cle se {guia a inclinago comum aos flésofos de sua época "pela virtude € pela politica’, afisica nfo se beneficiou dela. Desse ponto de vista, a fsica arstotélica, que, gracas a uma teoria da definicdo ¢ da esséncia explicita, dé lugar causa final formal) juntamente ‘com a causa material, apresenta'se como uma sintese da antiga fisica pré-socritica e de um impulso socritico - de natureza es sencialmente epistemolégica, ‘A imagem que sobressai em Aristteles é, pois, complexa. De um lado, existe bem uma sequéncia fisica /ética(e politica). Mas a atencio dada a pritica concorre menos para inaugurar ‘uma nova época da filosofia que para caracterizar o interesse € © esprito de uma geracio (a expressio “os fl6sofos”, hoi philso- pPhountes, no plural, poderia bem, no presente easo, no excluir (08 Sofista). O proprio Sécrates bem poderia compattilhar esse interesse comum, a ética nfo € sendo o dominio, ou a matéria, fem que se investe uma preocupagio de uma ourra oxdem. Fé sofo da definigdo, Socrates se inscreve na continuidade de uma tradigdo que cle mais contribui para regenerar do que a pér um termo. Em tal perspectva,a cesura socritica ¢0 mesmo tempo ‘mantida e relativizada, [Nao hi, sem vida, manifestagio mais tangivel dessa rela tivizacio da cesura socritica na historiografa filoséfica antiga, {que o lugar que ¢ arribuido a Socrates nas Vidas ¢opiniee dos f- lisofsiustes de Didgenes Laércio. O fato mesmo que Didgenes Laércio distribua o conjunto da filosofia grega em duas linhagens ~allinhagem “j6nica", que ele faz derivar de Anaximandro (e de ‘Tales, c a linhagem “itlica", 2 qual preside Pitigoras (¢ Ferét- des de Siros)- interditava toda cesura de tipo ceeroniana, que supe um desenvolvimento unilinear da histéria da flosofia,” " Digenes Ear, 1:15. Em se watando a isla da floofa psa (Gtr) um exo (ino) eum ete Tea), eng a mpinds [rome en nh i st cur cote Ma pe Ihe conker ce Tima no gut concere tsi sem que se poe autora to por Degen Lat, engine sua dso premeste pogii, {veo snr dopo tie Ls Ose nenagen eles “dena Bogen s flea Sos sess, tem como pelo nr dee fertncn a enplenla do Enneoe nti» re Cet com eo, arcade or dace pat Sepa ecg, sso emis "Diogenes aco, 18 Ligue cecen"a prt de ented i. pare dls” pnco decors sre vod Sono e perio de nx te no ale ma sence A srmagiout com una corto inplct: Siar no €otmenot (Gece, man ames dle Zeno Inmoougho A "mosona wet series” —— = Bberhard, de uma “flosofiapré-socritica” confirma o fato, bem ‘testado, als, dea historiografia moderna da filosofia antiga se ‘conseruir primeiramente contra os esquemas herdados de Dié- {genes Laércio, considerando, certamente, que 0 modelo cicero- ‘ano desempenhou um papel decisivo nesta reconfiguragio.

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