Do lirismo bem-comportado Do lirismo funcionrio pblico com livro de ponto expediente protocolo e manifestaes [de apreo ao sr. diretor. Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionrio o cunho vernculo de um vocbulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construes sobretudo as sintaxes de exceo Todos os ritmos sobretudo os inumerveis
Estou farto do lirismo namorador
Poltico Raqutico Sifiltico De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.
De resto no lirismo Ser contabilidade tabela de cossenos secretrio do amante exemplar com cem modelos de [cartas e as diferentes maneiras de agradar s mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bbados O lirismo difcil e pungente dos bbedos O lirismo dos clowns de Shakespeare
No quero mais saber do lirismo que no libertao.
(Manuel Bandeira, in: Estrela da vida inteira, p. 128-129) Os sapos
Enfunando os papos, Urra o sapo-boi: Saem da penumbra, Meu pai foi rei Foi! Aos pulos, os sapos. No foi! Foi! No foi! A luz os deslumbra. Brada em um assomo Em ronco que a terra, O sapo-tanoeiro: Berra o sapo-boi: A grande arte como Meu pai foi guerra! Lavor de joalheiro. No foi! Foi! No foi! Ou bem de estatutrio. O sapo-tanoeiro Tudo quanto belo, Parnasiano aguado, Tudo quanto vrio, Diz: Meu cancioneiro Canta no martelo. bem martelado. Outros, sapos-pipas Vede como primo (Um mal em si cabe), Em comer os hiatos! Falam pelas tripas: Que arte! E nunca rimo Sei! No sabe! Sabe! Os termos cognatos. Longe dessa grita, O meu verso bom L onde mais densa Frumento sem joio. A noite infinita Fao rimas com Verte a sombra imensa; Consoantes de apoio. L, fugido ao mundo, Vai por cinquenta anos Sem glria, sem f, Que lhes dei a norma: No perau profundo Reduzi sem danos E solitrio, A formas a forma. Que soluas tu, Clame a saparia Transido de frio, Em crticas cticas: Sapo-cururu No h mais poesia, Da beira do rio Mas h artes poticas (Manuel Bandeira)
Momento num caf
Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no caf Tiraram o chapu maquinalmente Saudavam o morto distrados Estavam todos voltados para a vida Absortos na vida Confiantes na vida.
Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente Este sabia que a vida uma agitao feroz e sem finalidade Que a vida traio E saudava a matria que passava Liberta para sempre da alma extinta. (Manuel Bandeira)