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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 697.138 - SC (2004/0155850-0)

RELATOR : MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO


RECORRENTE : PAULO CESAR BALDISSERA E CÔNJUGE
ADVOGADO : ALDINO ÂNGELO TROMBETA E OUTRO
RECORRIDO : JOÃO ROMAN E OUTROS
ADVOGADO : AIRTON LUIZ ZOLET E OUTROS

EMENTA

Compra e venda de fazenda. Ação declaratória de nulidade de


cláusulas contratuais. Retenção por benfeitorias: renúncia.
Cláusula penal.
1. Não há vedação para que seja contratada a renúncia do direito de
retenção por benfeitorias, afastada a aplicação do Código de Defesa
do Consumidor, porquanto operação de compra e venda entre
particulares, destacando o acórdão que não existe desequilíbrio entre
as partes.
2. Nos termos postos pelo acórdão, que não desafiou especificamente
a questão da redução, nada impede que as partes estabeleçam
cláusula penal em torno da devolução das importâncias pagas,
considerando a realidade dos autos e a ausência de impugnação
quanto à redução do percentual.
3. Recurso especial não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima


indicadas, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça,
por unanimidade, não conhecer do recurso especial e, por maioria, vencidos os Srs.
Ministros Humberto Gomes de Barros e Nancy Andrighi, não aplicar a pena do art.
17 do Código de Processo Civil, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs.
Ministros Nancy Andrighi, Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro e Humberto
Gomes de Barros votaram com o Sr. Ministro Relator. Sustentou oralmente o Dr.
André Balbinot, pelos recorridos.
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Brasília (DF), 7 de abril de 2005 (data do julgamento).

MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO


Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 697.138 - SC (2004/0155850-0)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO:


Paulo Cesar Baldissera e cônjuge interpõem recurso especial com
fundamento na alínea "a" do permissivo constitucional, contra acórdão da Terceira
Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, assim
ementado:

"AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE


CLÁUSULAS CONTRATUAIS - COMPROMISSO DE COMPRA E
VENDA DE IMÓVEL ENTRE PARTICULARES - INAPLICABILIDADE
DAS DISPOSIÇÕES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR -
RENÚNCIA AO DIREITO DE INDENIZAÇÃO E RETENÇÃO POR
BENFEITORIAS E PREVISÃO DE PERDA DE PARTE DO VALOR
PAGO A TÍTULO DE CLÁUSULA PENAL - POSSIBILIDADE -
RECURSO DOS AUTORES DESPROVIDO E RECURSO DOS RÉUS
PROVIDO EM PARTE
- Tratando-se de contrato celebrado em igualdade de
condições entre pessoas físicas, submetido inteiramente às regras do
Direito Civil, deve-se respeitar a liberdade contratual, a qual 'só deve
ser limitada até onde impuserem as exigências supremas do bem
comum e da justiça'.
- É possível a renúncia a direito patrimonial disponível,
como o correspondente à indenização e retenção por benfeitorias pelo
promissário-comprador, somente sofrendo limitação tal cláusula pelas
regras que vedam o enriquecimento sem causa, não verificado na
hipótese.
- Não se pode ter por ilícita ou abusiva, a priori , toda
estipulação que, a título de cláusula penal, fixe a perda de parte dos
valores pagos pelo comprador para o caso de este dar causa à
resolução do ajuste, já que, uma vez declarada em juízo a rescisão do
contrato de compromisso de compra e venda de imóvel por culpa do
promitente-comprador, fará jus o alienante à indenização por perdas e
danos, que podem ser previamente estipuladas pelas partes, sujeito o
quantum , sempre, ao controle judicial, seja pela incidência das normas
do Código de Defesa do Consumidor, seja pela aplicação do disposto
nos arts. 920 e 924 do CC/1916 ou arts. 412 e 413 do CC/2002" (fl.
243).

Sustentam os recorrentes violação dos artigos 516 do Código Civil de


1916, 1.219 do Novo Código Civil e 51, inciso XIV, da Lei nº 8.078/90, haja vista que
o acórdão recorrido afirma que "os Recorrentes não tem direito a indenização ou
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retenção pelas benfeitorias efetuadas, porquanto válida seria a 'cláusula quinta' dos
contratos sob revisão" (fl. 262).
Ressaltam, ainda, que as benfeitorias foram edificadas durante a
posse mansa e pacífica dos imóveis, obtida por força dos contratos e na mais
absoluta boa-fé, e que, "muito embora o V. Acórdão em exame afirme que o direito
a indenização por benfeitorias não pode ser considerado uma norma pública, cuja
renúncia, pode, assim ser aceita, data vênia, é ela sim, de ordem pública, razão
porque, qualquer dispositivo que a contrarie não produz efeitos (fl. 263).
Aduzem negativa de vigência dos artigos 81, 920 e 924 do Código Civil
de 1916; 413, 421 e 422 do Novo Código Civil e 51, inciso IV, e 53 da Lei nº
8.078/90, tendo em vista que "entendeu a R. Decisão recorrida, em julgar possível
os Recorridos, reterem 50% dos valores pagos pelos Recorrentes, a título de perdas
e danos pela não concretização do negócio" (fl. 268). Afirmam, também, que "esse
fato, está propiciando aos Recorridos um verdadeiro enriquecimento sem causa "
(fl. 270) e que "é nula, conforme ali expresso, a cláusula contratual que estabeleça
obrigação considerada abusiva, incompatíveis com a força da boa fé, e do fim social
do contrato" (fl. 272).
Colacionam julgados de outros Tribunais em abono da sua tese.
Contra-arrazoado (fls. 292 a 309), o recurso especial (fls. 260 a 273)
não foi admitido (fls. 313/314), tendo seguimento por força de agravo de instrumento
provido (fls. 162/163 apenso).
É o relatório.

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EMENTA

Compra e venda de fazenda. Ação declaratória de nulidade de


cláusulas contratuais. Retenção por benfeitorias: renúncia.
Cláusula penal.
1. Não há vedação para que seja contratada a renúncia do direito de
retenção por benfeitorias, afastada a aplicação do Código de Defesa
do Consumidor, porquanto operação de compra e venda entre
particulares, destacando o acórdão que não existe desequilíbrio entre
as partes.
2. Nos termos postos pelo acórdão, que não desafiou especificamente
a questão da redução, nada impede que as partes estabeleçam
cláusula penal em torno da devolução das importâncias pagas,
considerando a realidade dos autos e a ausência de impugnação
quanto à redução do percentual.
3. Recurso especial não conhecido.

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO:


Os recorrentes ajuizaram ação declaratória de revisão de cláusulas
contratuais alegando que compraram dos réus bens móveis e imóveis, uma
fazenda, e que o contrato inclui cláusulas abusivas, leoninas. Por seu turno, os réus
ajuizaram ação de rescisão, cumulada com reintegração de posse.
A sentença julgou procedente, em parte, a ação revisional para
declarar a nulidade da cláusula quinta do contrato, "no tocante aos direitos de
indenização e retenção, para garantir tais direitos aos autores, pelas benfeitorias
realizadas, na forma do artigo 516 do Código Civil; bem como para excluir a
capitalização do aditivo e fixar os juros remuneratórios em 12% ao ano" (fl. 148).
Julgou, ainda, totalmente procedente a ação de rescisão, cumulada com
reintegração, "para declarar a rescisão dos contratos de fls., pelo descumprimento
por parte dos réus, que não efetuaram o pagamento de parte da segunda parcela.
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Em conseqüência, determino a reintegração dos bens móveis e imóveis aos
autores, respeitado o direito de retenção reconhecido aos requeridos, na forma do
artigo 516 do Código Civil" (fl. 152).
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina negou provimento à apelação
dos autores e proveu, em parte, a dos réus para validar a cláusula quinta do
contrato, que prevê a renúncia ao direito de indenização e retenção por benfeitorias
pelos promissários-compradores, alterando, em conseqüência, a distribuição dos
ônus da sucumbência. Para o Tribunal de origem, o contrato foi firmado entre
particulares, não se aplicando o Código de Defesa do Consumidor, esclarecendo
que o "direito à indenização por benfeitorias não pode ser considerado uma norma
de ordem pública, cuja renúncia não poderia ser aceita por afrontar a ordem jurídica.
Tanto é assim que a lei permite e a jurisprudência tem confirmado que o locatário
renuncie a tal direito nos contratos de locação" (fl. 249). Afastou o acórdão a
alegação de enriquecimento sem causa por parte dos vendedores, "eis que os
investimentos feitos no imóvel pelos autores, referentes à preparação e
melhoramento do solo e construção de cercas e locais para confinamento do gado,
foram pelos mesmos usufruídos, pois continuam na posse da fazenda até a
presente data" (fls. 250/251). Destacou, ainda, que, "embora tenham sido
regularmente constituídos em mora em março de 1996, há mais de sete anos, os
autores continuaram a explorar o imóvel sem qualquer contraprestação e impedindo
os proprietários de o fazerem, situação que deve perdurar até o encerramento da
ação de rescisão contratual" (fl. 251). No que concerne à perda da metade dos
valores pagos pelos compradores na hipótese de rescisão do contrato, prevista na
cláusula sexta, entendeu o acórdão que não se aplica o Código de Defesa do
Consumidor, advertindo que não há vedação para se contratar "cláusula penal para
a hipótese de descumprimento por qualquer uma das partes" (fl. 252),
caracterizando a cláusula impugnada "pré-fixação pelas partes das perdas e danos
decorrentes da não-concretização do negócio" (fl. 252).
O primeiro ponto do especial diz com a questão da retenção por
benfeitorias. Argumenta a parte autora e recorrente que o art. 516 do Código Civil
de 1916 prevê a retenção pelo possuidor de boa-fé, o que está caracterizado neste
feito, não sendo possível negar-se o exercício de tal direito. Sem dúvida não se
aplica o Código de Defesa do Consumidor na hipótese, tratando-se de operação de
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compra e venda de fazenda entre particulares. Com isso, o que se vai examinar é o
cabimento de cláusula contratual que preveja renúncia ao direito de retenção por
benfeitorias. Entendo, como posto no acórdão, que não há nenhum dispositivo de lei
federal agredido pela referida cláusula. Há o direito de retenção previsto no art. 515
do Código Civil, mas não existe qualquer vedação a que as partes disponham em
sentido contrário. Está na autonomia da vontade de comprador e vendedor
estabelecer se possível a retenção. Não se diga que há desequilíbrio entre as partes
neste caso, porque não há, assinalando, expressamente, o acórdão que "partes
contrataram em igualdade de condições, tratando-se de pessoas esclarecidas e,
pelo valor do contrato, de condição financeira considerável e paritária, não havendo
necessidade de intervenção estatal para garantir o equilíbrio da convenção" (fl.
249). Com esse cenário, estão ausentes quaisquer circunstâncias que poderiam
conduzir à nulidade da cláusula.
O segundo ponto diz com a retenção de 50% dos valores pagos pelos
recorrentes. Não tem pertinência a invocação de abusividade. Já se viu que o
acórdão demonstrou existir equilíbrio entre as partes contratantes e que não incide
na relação jurídica o Código de Defesa do Consumidor. Vejamos a questão sob o
ângulo dos artigos 412 e 413 do Código Civil vigente, mencionados pelo acórdão.
No primeiro, está disposto que a cláusula penal não pode exceder o valor da
obrigação principal. Sob esse aspecto, o acórdão nada cuidou. O segundo,
comanda que a "penalidade deve ser reduzida eqüitativamente pelo juiz se a
obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for
manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e finalidade do negócio" .
Por outro lado, o Tribunal local, especificamente sobre a apelação na
ação de rescisão, assinalou "que o contrato foi inadimplido pela ré e, por tal motivo,
deu causa à rescisão contratual, inarredável a incidência da determinação do art.
1.092 do CC/1916, já que aplicável à rescisão contratual cumulada com as perdas e
danos sofridas" (fl. 286). Com isso, entendeu cabível o pedido de indenização por
perdas e danos, "cujo valor deverá ser apurado quando da liquidação da sentença"
(fl. 286), concluindo por dispor que os autores deverão "devolver 50% dos valores
pagos pelos réus, podendo reter o restante a título de indenização pelas perdas e
danos decorrentes da não concretização do negócio, por aplicação da cláusula
Sexta dos ajustes" (fls. 286/287).
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Ocorre que este especial sequer cuidou da questão relativa à
indenização, autorizando o entendimento de que somente está atacando o acórdão
relativo à ação declaratória de nulidade, não à ação de rescisão. Com isso, não se
tem como enfrentar o tema da redução do valor da cláusula penal, que deverá ser
examinado em conjunto com a indenização deferida. No que se refere ao acórdão
da declaratória de nulidade, nos termos postos pelo voto condutor, isto é, a
possibilidade de previsão de cláusula penal, é evidente que tal é possível, não
havendo dispositivo de lei federal que impeça as partes de estabelecer cláusula
penal em torno da devolução das importâncias pagas.
Não conheço do especial.

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QUESTÃO DE ORDEM

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Sra. Ministra


Presidente, estou de acordo com o Sr. Ministro Relator e avançaria, até, em fazer uma
declaração, porque a meu sentir, o recorrente, adotou duas atitudes típicas do Art. 17
do CPC, quais sejam: proceder de modo temerário - incisos V - e usar o processo para
conseguir objetivo ilegal - inciso III. Evidentemente, este recorrente está querendo
usar esse suposto direito de retenção para colher os frutos do bem à custa da
sobrecarga do Poder Judiciário.
Proponho a aplicação de uma sanção por litigância de má-fé. É
preciso que o Tribunal tome medidas exemplares para evitar a perda de tempo à custa
do direito de alguém que vendeu e não recebeu.

VOTO-VENCIDO (Em Parte)

MINISTRO HUMBERTO GOMES DE BARROS: Sra. Ministra


Presidente, fico vencido em parte.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2004/0155850-0 RESP 697138 / SC

Números Origem: 18970035346 20010168588 200401028710


PAUTA: 07/04/2005 JULGADO: 07/04/2005

Relator
Exmo. Sr. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO
Presidenta da Sessão
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. ARMANDA SOARES FIGUEIREDO
Secretário
Bel. MARCELO FREITAS DIAS
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : PAULO CESAR BALDISSERA E CÔNJUGE
ADVOGADO : ALDINO ÂNGELO TROMBETA E OUTRO
RECORRIDO : JOÃO ROMAN E OUTROS
ADVOGADO : AIRTON LUIZ ZOLET E OUTROS
ASSUNTO: Civil - Contrato - Compra e Venda - Imóvel - Compromisso

SUSTENTAÇÃO ORAL
Sustentou oralmente o Dr. André Balbinot, pelos recorridos.

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"A Turma, por unanimidade, não conheceu do recurso especial e, por maioria, vencidos os
Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros e Nancy Andrighi, não aplicou a pena do art. 17 do
Código de Processo Civil, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator." Os Srs. Ministros Nancy
Andrighi, Castro Filho, Antônio de Pádua Ribeiro e Humberto Gomes de Barros votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Brasília, 07 de abril de 2005

MARCELO FREITAS DIAS


Secretário

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