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A cabeca do brasileiro. Alberto Carlos Almeida Capitulo 7 O brasileiro ama o Estado capitulo”7 “Vocé vai me seguir aonde quer que eu v4 Vocé vai me servir, vocé vai s¢ curvar Vocé vai resisti, mas vai se acostumar Vocé vai me agredir, vocé vai me adorar Vocé vai me sorrir, vocé vai se enfeitar E ver me seduzir Me possuir, me infernizar” “Vocé vai me seguir? de Chico Buarque Que politico defende a privatizagio da Petrobras ou do Banco do Brasil? A resposta é simples: nenhum! E por que ninguém faz isso? A resposta ja nao é tao simples. H4 quem argumente que a elite politica se beneficia da natureza estatal dessas duas grandes empresas. Mas os defensores desse ar- gumento esquecem que nos dias atuais a geréncia das estatais se tornou profissional, e muitos de seus precos - é 0 caso dos derivados do petréleo ~ estéo submetidos ao mercado global. Haverd quem diga que o desenvolvimento do Brasil depende do contro- le estatal do petréleo e do sistema bancdrio. Nada mais falso quando se constata que a Microsoft ~ esta sim a mais estratégica de todas as empresas ada e nem por isso o desenvolvimento dos Estados Unidos mundiais - é p ou de qualquer outro pais esta em risco. (E se 0 Google fosse estatal?) Ou- tros dir4o que, 20 manter a administragio estatal da Petrobras e do Banco do Brasil, o governo pode controlar varidveis importantes da macroeconomia. £ uma pena que isso nao impega as fugas de capital, como a que obrigou 0 abandono da politica de controle do cambio em janeiro de 1999. Poucos afirmardo, porém, que a privatizagao da Petrobras ¢ do Banco do Brasil en- contraria barreiras na opiniao publica. A verdade € que um dos valores mais fortes da sociedade brasileira é 0 seu amor pelo Estado. De fato, o brasileiro gosta, ¢ muito, do Estado. No 7 178 surpreende que 80% considerem que a justiga deva estar na érbita estaral. O espantoso é que mais da metade da populagéo adulta, 51%, acredita que também os bancos devem estar sob controle estatal. Propor¢ao que aumen- ta para 68% quando se abre a possibilidade de um controle conjunto de Estado e iniciativa privada. Em uma lista de 12 setores da economia mais dois servigos tipicamente governamentais,* € apenas na telefonia mével (celular) e na fabricagao de car- ros que se acredita que as empresas particulares devem ptedominar. Trata-se de alimentar um verdadeiro Leviata. Para os brasileiros, o Estado deve predominar na justica, na previdéncia social, na satide, na educag’o, no saneamento bisico, no fornecimento de agua, nas estradas ¢ rodovias, no recolhimento de lixo, na producio de energia elétrica e nos bancos. Ufa!!! No surpreende a enorme dificuldade para im- plantar e manter 0 controle privado de estradas lucrativas, por exemplo. Com freqiiéncia encontramos politicos prontos a defender o fim dos peddgios ou sua redugio a niveis que tornariam inviavel & iniciativa privada administrar estradas. Em Santa Catarina, por exemplo, parte da elite politica local enalte- cea auséncia de pedégio, como uma grande vantagem econémica, capaz de atcair mais turistas a viajar de carro pelo estado. Quem nao gosta de pedagio prefere o controle estatal das estradas. A voz do povo € a voz de Deus... tam- bém de alguns politicos. carn aprescntados 12 sezores da economia c dis ervigos governamentais para que 2 populacio manifestasse sus preferéncta quanto a0 controle piblico ou privao: educago, sade, posenradora c previdéncia soil justia, rerupore,extradase rodovias, fomecimento de gua, cecolhimento de lino, energia eltric,tlefnia fx elefo ‘ia celular, bancos, produgéo de auroméveis ¢ sancamento bisico. Tabela 1 Estado, eu te amo Governoe cm Sia Mee) Pore Mais dependentes de iniciativas governamentais, os brasileiros pobres acre- ditam que cabe ao Estado intervit mais na economia e na vida dos individuos. O que nao & dificil de entender: baixos niveis de escolaridade resultam em ren- da mais baixa; ¢ renda mais baixa leva a um sentimento de incapacidade e im- poténcia. Essa situagio de caréncia em que vivem os leva a considerar 0 Estado uma espécie de “grande pai protetor”, aquele que fern os recursos e vai olhar por ele, pobre. Opiniée oposta 4 dos nio-pobres. 179 80 Nas familias com renda mensal de até 800 reais — ¢, portanto, considera- das pobres -, o percentual dos que acham que o governo deve controlar as empresas em todos os ramos da economia é bem mais clevado do que entre os nao-pobres. As maiores diferengas (26 e 15 pontos percentuais, respectiva- mente) entre pobres ¢ nao-pobres ¢ na administrag4o dos bancos ¢ no reco- Ihimento de lixo, enquanto as menores distancias de opiniao estio no fornecimento de 4gua ¢ esgoto. Tabela 2 Proporgao dos que acham que o governo deve controlar as empresas de um determinado setor - os pobres séo menos liberais O fato é que, apesar das variagées, os resultados sao consistentes. Sistemati- camente mais favoraveis 4 acdo econémica governamental, os pobres também se associam menos para defender seus prdprios interesses e acabam achando que esse papel cabe a0 governo, por meio de sua agao econdmica. Na compatagio dos setores da economia citados, a maior diferenga entre pobres € ndv-pobres ¢ justamente no setor dos bancos. Qu seja, 0 apoio social & manutengio da atividade bancéria nas maos do governo é muito forte ¢ enraiza~ do. Nao é por acaso que isso ocorre exatamente na atividade que lucra com 0 dinheiro ¢ nao com a produgio de bens. Hd uma coincidéncia entre maior acio do governo e preconceito em relagio ao dinheiro. Por tudo isso, a privatizagio do Banco do Brasil est4 bastante blindada junto ao “povio”, Para isso contam também a forga ¢ o poder das agéncias do banco, espalhadas pelas dreas mais remotas e menos desenvolvidas do pais, o que contrasta com a dificuldade de se encontrar na cidade de Sio Paulo, a mais rica e desenvolvida do pais, caixas automdticos de nosso banco estatal comercial mais importante. Como a pobreza est mais presente no Nordeste, os nordestinos s4o também mais estatizantes do que os habitantes das demais regides do pais. Para quase todas as éreas da economia, é no Nordeste que a populacio mais apdia 0 contro- le estatal. Para os 14 segmentos propostos no questiondrio, uma média de 62% da populagao adulta daquela regio defende que o Estado controle a administra- 40 de diversos deles. Essa proporgio & quase 10 pontos percentuais menor na regio menos estatizante do pais, o Centro-Oeste. Essa caracteristica do Centro- Oeste explica, ao menos parcialmente, por que, apesar de o PT ter eleito um governador no Mato Grosso do Sul, é justamente nos estados daquela regiao que Lula tem sistematicamente tido votagées relativamente menotes do que seus adversdtios nas eleic6es presidenciais. Tabela 3 Proporgao dos que acham que o governo deve controlar as empresas de determinados setores (por regides do Brasil) ey Fj ee erat) cre Pear 182 Média Embora a pobreza no Brasil tenha uma clara segmentacio regional, ela também se encontra democraticamente espalhada: entre os habitantes das ca- pitais e os que residem nas demais cidades, entre homens e mulheres, entre jovens ¢ idosos ¢ entre os que fazem parte da populacéo economicamente ativa (PEA) e os que esto fora dela. Talvez por isso 0 apoio 4 presenga do Estado na economia seja tio semelhante em todos esses grupos. De fato, homens ¢ mu- Iheres, jovens e velhos, PEA ¢ nio-PEA, todos apéiam de maneira praticamen- te idéntica o controle estatal da economia. ‘A grande segmentagéo que divide o pais sio a renda ea escolaridade. Como os mais pobres sio também os menos escolarizados, sao eles que mais desejam a interferéncia do Estado. As diferengas entre os sem instrugéo formal —analfabe- tos — € os que completaram o nivel superior sio chocantes. Divididos por nivel de escolaridade, praticamente 1/3 dos adultos sem ins- truco é de opinido que os carros devem ser fabricados por empresas estatais, percentual que desce para apenas 7% entre os que cursaram o nivel superior. © Banco do Brasil fica mais uma vez protegido pela baixa escolaridade. E nesse grupo social que 77% acham que os bancos devem ser estatais, opinido compar- tilhada por somente 23% dos que tém curso superior. 183, Tabela 4 Proporgao dos que acham que 0 governo deve controlar as empresas de determinados setores (por nivel de escolaridade) 184 Media Os dados sio muito claros. Embora a aprova¢io ao estatismo brasileiro seja forte em todos os niveis de escolatidade, ela diminui 4 medida que a educacao formal aumenta. O proselitismo a favor da privatizacéo encontra maior apoio social entre os de renda ¢ escolaridade mais elevadas. Nao por acaso, os mapas de votagao dos tucanos paulistas mostram a grande forga do PSDB na regiéo oeste da cidade de Sio Paulo. O mesmo fendmeno explica por que é téo dificil encontrar liberais no PFL notdestino. Como é posstvel ser verdadeiramente liberal se a base eleitoral ¢ forternente estatista?.A elite politica vem do povo e o representa, para o bem ou para o mal. Depois de analisado o perfil anciliberal da populacio adulta brasileira, 0 que surpreende nao é a auséncia de liberalismo no PFL, mas sim que nos anos 1990 o pais tenha passado por um abrangente programa de privatizagio. Como isso pode ter acontecido? As privatizagdes s6 foram possiveis porque o governo Fernando Henrique contava com um enorme apoio social baseado na estabili- dade monetiria ¢ no aumento do consumo. O consumo na politica é diferente do consumo na economia. Quando se vota (0 equivalente do dinheiro no mer- cado), esti se escolhendo um pacote completo. O politico ou partido eleito aplica um programa de governo que pode conter coisas com as quais 0 eleitor concorda e outras das quais ele discorda. Na economia nao ha compra de pacotes. O alimento pode ser de um tipo ¢ a bebida de outro. Tudo é fragmentado. Na politica, os cleitores estatistas fica- tam com Fernando Henrique porque ele tinka levado o Brasil & estabilidade 185 186 monetiria, ampliando significativamente o poder de compra dos mais pobres. Diante desse quadro, 0 eleitor deu carta-branca para que 0 governo atuasse ¢m coutras dreas, inclusive a das privatizag6es. Essa é a ligéo nero um do maquia- velismo politico aplicado & opinio publica: se quiser fazer algo que contrarie 0 pensamento dominante ou algum valor social bésico, primeiro encontre apoio em algo que 0 eleitorado valorize muito. O brasileiro considera o Estado mais ineficiente do que a iniciativa privada Na média, a populagio adulta brasileira quer mais Estado e menos iniciati- va privada. Paradoxalmente, essa mesma populagio avalia, na média, pior as instituig6es piiblicas do que as privadas. Mais do que isso, confla mais nelas do que no setor ptiblico. Na avaliagao de desempenho de 13 instituig6es* diversas, as quatro que se sairam melhor sio todas elas privadas: Igreja catélica (com 84% de apro- vagio — soma do étimo com o bom), pequenas e médias empresas (83% de avaliagio potitiva), imprensa (80%) e grandes empresas (69%). Pode-se afirmar que cerca de 70% ou mais da populacéo brasileira véem todas as quatro de forma positiva. “{aivaigoer to’ Igreja calica, pequenas € m 7 grandes empresas, Policis Feder rane ioe ick Milter, Miniséri Pablico, Policia Civil, paridos politicos, Congresto Justia egoverno feder Tabela 5 Avaliagdo das instituigdes Igreja Policia | Governo Crs orn everes Me caia eric) Congreso 188 No extremo oposto, o da avaliagio negativa, destacam-se trés instivuigées piblicas e uma instituigio de direito privado com finalidade pablica. Os parti- dos politicos tém a menor avaliagio positiva - apenas 28% dos brasileiros con- sideram que eles tém desempenho étimo ou bom. Em seguida estio 0 Congresso (36% de avaliacio positiva), a Justica (4496) € 0 governo federal (51%). A faixa de variagio do julgamento positive dessas instituigées vai apro- ximadamente de um minimo de 25% a um maximo de 51%. Outras cinco instituigées tém avaliagéo positiva intermedidria: Policia Federal, militares, Po- licia Militar, Ministério Piiblico e Policia Civil. Todas elas associadas 4 manuten- 40 da ordem publica ¢, no caso dos militares, & defesa nacional. O brasileiro confia mais nas instituigées privadas do que nas publicas Nao bastasse a enorme diferenga entre a avaliacio de instituigdes publicas ¢ particulates, a confianga também varia muito e é maior quando se trata da iniciativa privada. Nada menos que 60% da populacio brasileira confiam (soma de “confia” com “confia muito”) na Igreja catélica, mas esse percentual cai para 46% quando se trata das pequenas e médias empresas. A Policia Fede- ral merece 0 voto de confianga de 41% dos adultos brasileiros, enquanto 0 Ministério Pablico tem somente 30%. E interessante notar que as quatro instituigses mais bem avaliadas sio todas privadas. Porém, essa avaliagio se divide quando se trata de confianga: dentre as quatro mais confidveis h4 duas piblicas ¢ duas privadas. A Igreja catélica € as pequenas ¢ médias empresas estio entre as institui¢Ges mais bem avaliadas e confidveis. ‘A falta de confianca é exclusividade de instituigées publicas, com excegio dos partidos politicos que sio puiblicos em sua finalidade. As quatro menos confidveis s4o os partidos (6%), o Congresso (14%), a Policia Civil (23%) ¢ a Policia Militar (25%). Partidos e Congresso — justamente duas das institui¢bes encarregadas de gerir o Estado tao amado pela popula¢do — so os piores tanto no que diz respeito & avaliagao quanto no que se refere & confianca. ‘Tabela 6 Confianga nas instituigoes tarcio [ irensa | Potci® J Severo Cor Pe Prreicc) a Cees trac) empresas Jp “ 2 2 a ” % Seren) TEC 2 ao Cri) Aare) ere ey ere a intermedidria encontram-se 0 governo federal empresas (28%), a imprensa (28%) € 05 No grupo de confiang (26%), a Justica (28%), as grandes militares (29%). A imprensa e as grande de desernpenho, mas caem na confiangs. Apesar da danga das cadeiras entre avaliagao ¢ co stituigées particulares gozam de melhores indicadores s empresas se destacam na avaliagao nfiabilidade, nota-se que do que as piblicas. 189 Especialmente quando se comparam as pequenas ¢ médias empresas com os partidos ¢ o Congresso. Sistema judicidrio, policia ¢ Justiga também receberm avaliagdo negativa e sio considerados pouco confidveis na visio da populagéo brasileira. Ainda assim o brasileiro é estatista. Seria isso um fendmeno coletivo de esquizofrenia? Pessoalidade ineficiente versus impessoalidade bem avaliada Na avaliagdo de instituigses quanto ao desempenho e a confiabilidade, as privadas venceram com facilidade as publicas. Todavia, quando se trata de controlar diferentes setores da economia, o brasileiro prefere 0 Estado 8 ini- ciativa privada. O mais interessante € que a avaliagéo do desempenho das instituigées nao influencia, ou afeta muito pouco, o desejo de que um deter- minado setor esteja sob controle estatal. Um exemplo é a drea de fornecimento de energia elétrica, Como pode ser visto na Tabela 6, a avaliagio das grandes empresas pouco afeta, quando o faz, 0 dlescjo de boa parte da populagio de que o sctor fique sob a responsabilidade do Bstado. Mesmo entre os que consideram 0 desempenho das grandes empresas Stimo, 70% defendem que o governo seja o provedor do servico. Respeitada a variagdo da margem de erro de uma pesquisa, trata-se do mesmo percentual dos que consideram o desempenho das grandes empresas péssimo (68%). Seja 2 avaliagio “ruim” ou “boa”, o percentual cravado é 0 mesmo! Tabela7 Avaliagdo de desempenho e estatismo Se existisse correlagdo entre avaliacao e estatismo, 0 resultado seria 0 oposto. Ou seja, 0 percentual dos defensores do Estado no controle do setor energético 86 aumentaria na medida em que piorasse a avaliagio de desem- penho das grandes empresas. © que leva a concluir: “Nés, brasieiros, que- remos 0 Estado, independentemente de seu desempenho ou do desempenho da iniciativa privada.” Cruzando os percentuais de todas as instituigBes avaliadas, em todos os setores da economia, tanto em relagéo ao desempenho quanto & confiabilida- de, chegamos a um total de 364 cruzamentos. Ou seja, 0 equivalente a duas vezes 13 (instituicées) por 14 (setores econdmicos). A Tabela 7 mostra ape~ nas um desses cruzamentos. Na média, houve pouca influéncia da confiabili- dade e do desempenho sobre o estatismo. Nio ha esquizofienia. O que hi no Brasil € uma forte ideologia pré-esta- tal, uma cultura que diante da escolha entre Estado ¢ iniciativa privada no fornecimento de servigos da preferéncia ao primeiro, No carnaval carioca de 2003, por exemplo, a escola da samba Beija-Flor sagrou-se camped com um enredo em que apresentava o boneco do presidente Lula, entéo recém-eleito, 191 192 em seu tiltimo carro alegérico. Encerrava o desfile fazendo a apologia de um lider, de um presidente, do Estado. No Brasil, o Estado & a fonte de todos os males, mas também das solugdes. Quando © esporte olimpico fracassa, invoca-se-a falta de patrocinio publico como uma das causas mais importantes. Quando a percepgio da violéncia ou da criminalidade aumenta, 0 Estado é o grande responsavel. Mas o mesmo pai que falha ao cuidar dos filhos traz a solugo de seus problemas. Para os mais pobres ¢ de baixa escolaridade, o Estado é a grande esperanga. Esperanga de obter um documento ou de conseguir um emprego estdvel.que possibilite elevar as condi- gées de vida. Esperanga de um prefeito que, se eleito, pavimente a rua ou me- lhore o servigo de atendimento médico de sua regido. Nao se cré que as solugées para os principais problemas, ou pelo menos para alguns deles, venham da sociedade ou do mercado. Ainda que as empresas sejam mais bem-vistas do que as instituigdes piblicas, néo ser4 delas que os menos escolarizados conseguitio obter oportunidades de melhorar de vida. ‘A Petrobras € 0 Banco do Brasil séo os dois grandes simbolos do Brasil esta- tal, Privatizd-los é 0 mesmo que tirar a esperanca do Brasil grande, do Brasil desenvolvido. Transformar o Banco do Brasil em uma institui¢io particular é jogar todos os pequenos poupadotes nas garras impessoais da iniciativa privada. Argumento freqiiente daqueles que fazem previdéncia privada no Banco do Bra- sil € que, ao contririo das instituigdes particulares, é o tinico a oferecer de fato seguranca 20 poupador. Empresas quebram, jé 0 governo... 'A Petrobras & sinénimo de patriménio nacional. E 0 coragéo da economia brasileira, jd fornece o combustivel ea energia que movem grande parte de nos- sa produgio. Privatizi-la, na opiniio de muitos, seria entregar a economia nas méos de investidores estrangeiros. Nada pior € mais arriscado para o pais. E.a ideologia estatista que sustenta todos esses argumentos. Nada mais difi- cil para um estatista do que imaginar que 0 bem-estar, tanto individual quanto dasociedade, depende do investimento privado. Nada mais penoso do que pen- sar que a sociedade se desenvolverd & medida que as relagbes se tornarem mais impessoais ¢ as pessoas forem avaliadas em fungao de seu mérito e de sua capa- cidade. Nesse caso, os bancos particulares seriam tio seguros para a poupanga quanto a economia de um pais ¢ a competéncia de sua administracio. A ptodugio privada de energia, seja petrolifera ou nio, seria mais efi- ciente ¢ os custos.finais para o consumidor acabariam sendo menores, ainda que o custo fosse o risco de faléncia da empresa. Esse é 0 mundo do mercado ¢ da impessoalidade. Esse é 0 reino das bem-avaliadas pequenas ¢ médias empresas e das grandes empresas. Para quem deseja menos Estado, resta apenas 0 consolo de que esse é 0 des- tino da opiniéo pablica no Brasil. E um proceso longo, porém inexordvel: tam- bém nesse aspecto, 4 medida que a escolaridade aumentar, 0 apoio social & presenca do Estado na economia tenderd a tornar-se cada vez menor. 193 capitulo 8 Mais Estado, menos mercado, e viva a censura! capituloy®: Primeira pagina dos principais jornais brasileiros: “A Varig quebra ¢ 0 governo no socorre.” Surpreendente? Nao, se lembrarmos que a Pan Am foi faléncia ¢ néo contou com a ajuda do governo norte-americano para se reerguer. Sim, se imagi- narmos o day after da bancarrota: protestos de funciondrios da Varig, reagbes no Congreso, oportunismo da oposigao — incluindo supostos liberais -, afirmando que o governo estaria insensivel ao desemprego c & ctise social, e um sem-niimero de pessoas que invocariam 0 argumento afetivo da Varig como simbolo da aviacio nacional, Seria, sim, surpreendente a Varig quebrar scm que o governo a socorres- se. Um desfecho que nao conta com o apoio do povo brasileiro. SOCORRO PARA COMPANHIAS AEREAS GovERNO CORTA IMPOSTOS PARA REDUZIR OS CUSTOS DAS EMPRESAS EM ATE R$ 1 BILHAO ; © Ministro Do DESENVOLVIMENTO, Industria e Comércio Exterior, Sérgio ‘Amaral, anunciou ontem um pacote de ajuda do governo ao setor aéreo, 0 que deverd permitir redugdo de custos para as companhias entre R$ 800 ¢ 1 bilhdo. Foram tomadas sete medidas, que vao do perdio de dividas a redugo de impostos e de custos de operagio de seguros, além da garantia de igualda- de de condicées entre empresas brasileiras ¢ estrangeiras no recolhimento de contribuigées como o PIS ¢ a Cofins. O COVERNO PERDOOU AS DIVIDAS REFERENTES ao PIS/Cofins de 1988 a 1999, questionadas na Justica pelas companhias. Segundo Amaral, a medida vai reduzir 0 passivo das empresas entre R$ 400 milhées e R$ 600 milhdes. Para o MINISTRO, a Varig deverd ser a principal beneficiada, uma vez que a empresa esti negociando um empréstimo com o BNDES ea redugio de seu passivo deve contribuir para acelerar 0 processo. (O Globo, 5/9/2002) Um jornalista do New York Times faz reportagem sobre o presidente Lula, afirmando que o habito de beber prejudicaria suas fungdes. O governo reage tentando expulsar o jornalista do Brasil. Surpreendente? Sim, se invocarmos © princ{pio constitucional da liberdade de imprensa, consagrado em 1988, na Constituigéo cidada de Ulisses Guimaries. Nada surpreendente, porém, se ana- lisarmos 0 que pensa o brasileiro médio sobre a censura: ele a apdia. Nada menos do que 83% dos brasileiros acham que o governo deve socorter as empresas em dificuldade (Tabela 1) ¢ 31% (Tabela 2) acham que deve haver censura para programas de TV que fazem criticas ao governo. Afirmar que 0 presidente da Republica consome dlcool em excesso nao é uma critica a0 gover- no, é mais grave, é menos corriqueiro, menos comum. Na época em que 0 jor- nalista Larry Rother publicou sua matéria no NYT e 0 governo reagiu, houve uma avalanche de cartas aos principais jornais brasileiros defendendo a decisio do Palicio do Planalto. Eram as pessoas comuns expressando um ponto de vista favordvel & censura. A reacdo oposta, forte, veio de uma pequena elite esclarecida ¢,em grande medida, de jornalistas. Tabela 1 Empresas falimentares, venha a nds 0 reino do Estado Dee ee eed Tabela 2 Apolo & censura, por pouca coisa eee eee A No Brasil, a escolaridade mais uma vez leva a diferengas de mentalidade. - Entre os individuos sem instrugéo formal, 56% apéiam a censura de criticas 20 governo; pata os que completaram até a 4* série do ensino fundamental, esse percentual cai, mas continua elevado: 45%. Do outro lado da moeda, estio os jornalistas e os que tiveram a rara oportunidade de obter um diplo- ma universitério, Nesse grupo, apenas 8% sio favordveis 4 censura. Néo surpreendem, portanto, a tentativa de expulséo do jornalista norce-america- sistido em manter a deciséo inicial. Havia no €0 fato de o governo ter quem apoiasse essa decisio, embora esse grupo nio influenciasse nem con- trolasse os meios de comunicagio. 199 200 Tabela 3 Quanto mais baixa a escolaridade, mais favoravel 4 censura PREECE ero CGC Renee CL) O apoio A censura é bem menos consensual do que a defesa do uso de recursos piiblicos para o socorto a empresas em dificuldades. Mais uma vez a escolaridade € determinante na aprovagio desse socorro. Hé, todavia, uma diferenca importante quando se compara essa situagéo com a da censura. Como jé observamos em outras circunstancias, para cada degrau que se avan- ga na educagéo formal, cai bastante a defesa da censura. Mas no é 0 que acontece com o socorro econdmico estatal. As trés faixas mais baixas de escolaridade, que abrangem desde aqueles que nio obtiveram grat algum até os que completaram o ensino fundamen tal, apdiam, quase na mesma proporgio, a ajuda governamental a empresas ein dificuldades. Esse apoio s6 se reduz quando se passa para o ensino mé completo e pata o nivel superior. Ainda assim, nada menos do que 63% das pessoas com curso superior defendem 0 socorro do Estado as empresas. Boa noticia para as empresas falimentares. Tabela 4 Quanto mais baixa a escolaridade, mais favoravel ao socorro as empresas falimentares Re ee O brasileiro é antiliberal. Nao apenas quanto ao socorro a empresas, mas em relagéo a muitos aspectos da vida econdmica. Um percentual bastante elevado, 85%, acha que o governo deve controlar o prego de todos os servi- gos bisicos; 70% consideram que ele deve manter 0 controle de prego de todos os produtos vendidos no Brasil a volta da velha SUNAB: ¢ pouco mais da metade considera que o controle governamental deve se estender aos niveis salariais e a aspectos minimos da vida empresarial, como 0 niime- to de banheiros de uma firma.* O desejo da populagéo brasileira ¢ ver 0 Estado regulando toda a atividade econdmica. FTizao Beall una el dcinindo o nimenp minimo de funciondros que corsa una empress obriguds a er ‘banhei- ro feminino ¢ masculine. 201 202 Tabela 5 O antiliberalismo do brasileiro Or ray Pr nl peeeeee Mec ane presas. Fausto valor fo s empresas J enuicao enc Por era inanaiad oe . °F de todos os ae ard cy como ff devem treinar Cea er een Pres Crees heiros J obra eos efastem —f trabathadores PEC} pe ae te Haveria duas maneiras de se promover uma politica econdmica liberal: a endégena e a exdgena. Na endégena, os governantes responderiam aos anseios da populagio reduzindo sua interferéncia sobre 0 mercado. Na exégena, impo- sigées externas, como alguns imperativos da globalizagio, a exaustao de deter- minadas politicas de combate a inflagio © outros equivalentes imporiam a adocio de uma politica econdmica liberal. Na primeira modalidade, o liberalis- mo é adotado por bem, com o consentimento da populagéc. Na segunda, ele € aceito no “vai ou racha”: ou nos tornamos mais liberais ou mio se consegue con- trolar de maneira permanente a inHlagio. O antilibera pregos de servig 10. © controle de smo é muito forte ¢ enraizado na popul .s bisicos tem, por exemplo, grande apoio entre todos os grupos sociais, A soma dos perceetuais “concorda pouco” e “concorda tmito” € pratica- mene ng segientos: seit na comparagie: entre as grandes regibes do Brasil, nos grupos de escolaridade alta ou baixa, entre jovens¢ velhos, homens ¢ mulheres, habitantes das capitais e das demais cidades, populacéo economicamente ativa ou fora do mercado de trabalho. Isso revela que as diferengas entre os grupos nao é de preferéncia, mas de in- tensidade. Isto é, todos preferem que o Estado regule a economia, porém os mais escolarizados defendem com menos entusiasmo esse ponto de vista, O mesmo padrao de variagao se aplica As demais situagées apresentadas na Tabela 5. Como em capitulos anteriores, esse cendrio se acentua quando analisamos 0s dados da Tabela 6, que reforga o perfil j4 observado: os nordestinos querem maior controle estatal, ¢ 0 mesmo pode ser dito para os que moram fora das capitais, os que ndo pertencem & populacdo economicamente ativa, os mais ve- thos eo menos escolarizados (vejam-se os nimeros em negrito na Tabela 6). ‘A vatiacéo entre as faixas de idade e de escolaridade ¢ quase idéntica. Pouco me- nos da metade dos que tém entre 18 e 24 anos (45%) querem muito o controle estatal. O mesmo percentual de apoio & presenga do Estado na economia é en- contrado entre os que tém nivel superior completo. Na faixa de idade mais velha, esse percentual sobe para 6496, e & de 66% para os de escolaridade mais baixa. 203 Tabela 6 O antiliberalismo aplicado ao controle de pregos eee eM Ce ae aT Se considerarmos 0 que pensa parte importante da populagao do pais, pet- cebemos que ela esté em desacordo com o que diz. a Constituigao brasileira. Os principios constitucionais de liberdade de expresséo ¢ de livre-iniciativa nao se- duzem o brasileiro. A liberdade de expresséo conta com 0 apoio da maioria, mas pelo menos 1/3 é contririo a ela. O que indica que sua legitimidade é bascante limitada, situacao que piora bastante se, para se manifestas, ela impuser alguns prejuizos — ainda que pequenos € passageiros ~ populacio. E 0 caso das greves contra 0 governo, forma de expressio que encontra oposigao de aproximada- mente 44% da populagio ¢ 0 apoio de 55%. Tabela 7 Um pais dividido no apoio as greves eo Trata-se de um pais claramente dividido. E dividido pela escolaridade: quanto mais alta maioe 0 apoio as greves como manifestagio de protesto contra govern. Enquanto 50% das pessoas sem escolaridade Formal acham que as greves devemn ser sempre proibidas, a proporgao é de apenas 6% para ante- os que compl-tarain 0 nivel superior, Como em outras situagies vis siormente, o percentual cai gradativamence para cada degrau que se sobe na educagio formal, 205 208 Tabela 8 Aumente-se a escolaridade da populagao € as greves terao maior apoio Cee a © apoio & liberdade de expressdo diminui ainda mais quando se trata de manifestagées que além de causar algum prejuizo, mesmo que pequeno ¢ passa- geiro, tem um valor simbélico na midia que as aproxima do que se convencio- nou chamar de “baderna”. E 0 caso do bloqueio de estradas. Quase 4 da populagao brasileira (72%) acham que deve set proibido e praticamente metade considera que a proibicao deve se aplicar a qualquer outra situacao semelhante. O argumento da liberdade de expresséo ainda causa estranheza. Tabela 9 Um pais unido contra o bloqueio de estradas Cre ee oun CeO Qual é 0 problema em fazer greves ou bloquear estradas para protestar contra algurna medida governamental? Nos dois casos, sf manifestag6es premidas pela urgéncia, que nao podem ser duradouras. Adicionalmente, as chances de que al- guma delas cause um dano irreparavel a alguém sio muito pequenas. E possivel que a probabilidade de ser atingido por um raio, ¢ 0 dano causado por isso, em uma das intimeras chuvas tropicais que caem sobre o pais seja maior do que al- guém precisar ficar esperando em uma estrada bloqueada por manifestantes. 0 ocorra, quando se vé a liberdade de expressio como um valor Ainda que i supremo (nao precisa nem ser tio supremo), estar preso por uma ou duas horas num bloqueio de estrada ou nao ter atendimento numa repartigio publica em greve pode levar o prejudicado a raciocinar da seguinte forma: “Vale a pena es- perar em nome de um dircito fundamental: de protestar. Aré porque eu, 0 prejudicado por essa manifestagao, posso precisar algum dia fazer © mesmo para expressar minha opiniao contraria a alguma decisio governamental.” © mesmo vale para 0 caso do jornalista do NYT. Em situagées come essa, 0 que seria methor: aceitar matérias sobre supostos desvios do presidente, ainda gue elas possam incorrer em erros, ou reprimir com dureza esse tipo de jornalis- mo? Seat expulsio do jornalista Larry Rother tivesse sido consumada, 0 governo asinalizandy claramente que repottagens daquele cipo seriam punidas com Figut. A fiberdade de expressao faz com que o debate aperteigne & conduta das 207 208 partes em disputa. Mas, para isso, temos que estar dispostos 2 aceitar reporta- gens de mau gosto ou eventualmente imprecisas. Certa ou néo do ponto de vista factual, a situagio com o NYT pode ter contribuido para que o presidente cottigisse determinados comportamentos, Caso isso tena acontecido, todos ganharam, inclusive - ¢ principalmente 0 proprio presidente. O fato é quea populagio brasileira ainda estd longe de pensar de forma mais elaborada acerca de temas como liberdade de expressio ou controle da econo- iia, Essas duas coisas estio relacionadas. Em geral, quem quer mais regulagio econdmica quer também mais censura. E se a legitimidade de nossa Constitui- gfo € pequena quanto liberdade de expressio, pior ainda no que diz respeito 3 Iiberdade para agir no ambito econdmico. A populagio brasileira ainda prefere 0 Estado regulando a economia, produzindo bens e provendo servigos,(como vimos no Capitulo 7). Diante da pergunta sobre 0 que é melhor, um Estado forte para atacar e resolver os problemas da populasio ou um Estado fraco que permita que a sociedade, os individuos e as empresas resolvam seus problemas, certamente o brasileiro médio ficaria com a primeira alternativa, ( que nos leva 20 outro lado da moeda: a pouca disposiséo para exercer os préprios direitos, como o de protestar contra 0 governo, inclusive parando a produgio. Como uma parte importante da populagio ndo esté disposta a isso, nao se encontra apoio na defesa desse direito. Além disso, nao se concebe que outras pessoas possam precisar fazer greves ou bloquear estradas para alcansar seus objetivos. Em suma, mais Estado regulador dos direitos civis (liberdade de expressio & um deles) ou da economia é apenas urn dos lados da moeds. O ou: tro é nao poder exercer plenamente seus direitos. A escolaridade superior como divisor de aguas Como analisado em capitulos anteriores, os dados mostram que hi dois pai- ses claramente divididos. Um é arcaico ¢ ultrapassado, e defende pontos de vista abandonadas pelas populagées dos paises desenvolvidos. Se o Brasil qui- ver mmostrar-se como uma nagao realmente desenvolvida, cerd que varrer do mapa esse modo de pensar. O outro pais € moderno ¢ atualizado, quer mais limites para as agées do Estado, quaisquer que sejam elas, néo acredita que expulsar um jornalista do NYT ou socorrer empresas falimentares ajude a resolver nossos problemas internos. Sabe que, pelo contrétio, s6 atrapalha. ‘Acredita, a0 menos em parte, que a sociedade pode encontrar as solugées € que, para isso, 0 Estado nio deve intervir. Os dois paises ~ 0 arcaico e 0 moderno ~ convivem. O que os separa é a escolaridade supetior. Jé se demonstrou por intimeros estudos que o nivel su- perior é crucial para explicar a desigualdade de renda no Brasil. Como a ofer- ta de mao-de-obra qualificada (com superior completo) é pequena, esses individuos sio mais bem pagos; 0 contrério do que ocorre com os trabalhado- tes sem qualificagio. Em néimero excessivo, 0 poder de barganha dessa massa acaba sendo pequeno e, por isso, os salérios tendem a ser baixos. O principal emblema dessa posicio no mercado de trabalho séo as mulheres que traba- tham como empregadas domésticas. Mas a desigualdade educacional nao gera apenas desigualdade de renda. Como provado aqui pela primeira vez, ela cria também uma enorme diferenga de mentalidades. Entre nés, a forma como se vé 0 mundo, se pelas lentes liberais ou pelas intervencionistas, esté fortemente condicionada pelo nivel de educa- 40. Aqui, o liberalismo nao é a cultura dominante; pelo contrério, s6 entra na cabega das pessoas depois que elas passam pelos bancos universitirios. Diferente de nés, e sem precisar do ensino superior para isso, Inglaterra € Estados Unidos moldaram a mentalidade de suas populagées por meio da reli- gido. A religido protestante dos paises anglo-sax6es ¢ democritica, ou 20 menos 6 foi no periodo em que as culturas nacionais européias foram formadas: ricos ¢ pobres, todos freqiientavam as igrejas. Foi no interior das igrejas protestantes que ingleses norte-americanos passaram a acreditar que um Estado mais fraco era melhor do que um Estado mais forte. No catolicismo latino que moldou a mentalidade de portugueses € bra sileitos, 0 Estado sempre teve um papel crucial, assim como a concep¢io mais ampla de que o mundo é organizado de forma hierdrquica, com supe- 209 210 riores ¢ inferiores, e que aos superiores caberd, entre outras coisas, resolver os problemas dos inferiores. O padre absolve o pecador. Somente o padre esté investido desse poder. O Estado resolve os problemas da sociedade; so- mente ele tem recursos para isso. Para mudar essa mentalidade hierérquica e prd-estatal é preciso escolarizar a populacéo. Ter o ensino médio completo ajuda muito, leva a mudangas impor- tantes quando se compara os qué estio um degrau abaixo na escolaridade for- mal. Contudo, transformagées maiores ocorrem depois da passagem pelos cursos universitarios. E ai que se percebe um grande aumento no percentual dos que querem menos Estado e, por isso, maior atuagao da sociedade organizada. O fendmeno pouco tem a ver com as idéias as quais as pessoas sio submetidas na universidade e mais com a posicao que elas passam a ocupar no mercado de yr na mao. trabalho depois que conseguem ter © canudo de grau supe! Em um pats desigual como o Brasil, um diploma superior dé a qualquer um maior poder de barganha no mercado de trabalho. E no decorrer do curso uni- versivirio que se passa a perceber que a melhora de vida, a ascensso social, a busca de um estdgio melhor dependem muito do empenho individual, das no- tas nas disciplinas, da assiduidade nas aulas e de atitudes semelhantes. Além disso, 0 dia-a-dia na faculdade mostra também que pouco se precisa do Estado. © empenho de cada um e as oportunidades de empregos em empresas privadas serfo fatores determinantes para o sucesso. Basta que o Estado assegure condi- goes de crescimento econémico que as chances surgiréo. A desigualdade cumpre um papel importante nessa histéria. No Brasil, tet cenda para colocar uma ctianga numa escola de qualidade - como os colégios jesuitas, por exemplo — é assegurar que, no futuro, ela tera um menor niimero de competidores ~ apenas os que tiveram acesso a educagio semelhante. E se chegar a um curso superior (0 que é um corolitio), sera como uma carta de al- forria, que a afastaré da competigio ferrenha por postos de trabalho menos qualificados, ermpregos de baixa remuneragio. Em paises igualitirios a l6gica é diferente. Em primeiro lugar, a disparida- de de renda e de escolaridade é bem menor. Assim, © nivel superior nao asse- gura, necessariamente, tamanha vantagem nessa competi¢éo ¢ nem mesmo renda mais elevada do que os que nio cursaram universidade. Em segundo lugar, hd um nimero bem maior de escolas de qualidade, piblicas ¢ particu- lates, preparando as pessoas para competir pelas mesmas posigées bern remu- neradas do mercado de trabalho. No Brasil, no entanto, o enorme poder de barganha dos que atingiram © nivel superior contribui para o florescimento da mentalidade liberal. Uma ver formados, sio eles que nao precisam do governo para ter acesso 4 satide e & educagéo; néo precisam do governo para melhorar sua posigéo em postos de trabalho. Precisam apenas de si mesmos. Assim, a mentalidade liberal nasce, entre nés, com um carimbo elitista. Alguém é liberal porque tem forca, poder de barganha. Na Inglaterra e nos Estados Unidos, 20 contritio, a mentalidade liberal sur- ge como resultado de algo democritico. Como a base de ambas as sociedades era igualicdsia principalmente a norte-americana, ser liberal é apenas 0 resultado de pensar que o ponto de partida de todos os individuos é semelhante, Cabe 20 Estado deixar que eles possam competir € melhorar de vida. Tanto quanto a trajetéria pessoal, os problemas piiblicos também podem ser resalvidos pela as sociacéo dos individuos, pela sociedade. Nos Estados Unidos, a populagio como tum todo prefere um Estado mais fraco. No Brasil, a maioria da populagio, que tem escolaridade baixa, prefere am Estado mais forte. A mentalidade antiliberal ¢ dominante. Mas, a0 co- Jocarmos uma lupa, observamos a divisio de mentalidade entre a escolarida- de baixa ¢o nivel superior. © canudo universitario da poder e aqueles que o tém preferem um Estado mais fraco. 2a

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