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EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Letras
LICENCIATURA EM

Português/Espanhol

TEORIAS DA LEITURA E
FORMAÇÃO DO LEITOR
Evanir Pavloski

PONTA GROSSA - PARANÁ


2012
CRÉDITOS
João Carlos Gomes
Reitor

Carlos Luciano Sant’ana Vargas


Vice-Reitor

Pró-Reitoria de Assuntos Administrativos Projeto Gráfico


Ariangelo Hauer Dias – Pró-Reitor Anselmo Rodrigues de Andrade Junior

Pró-Reitoria de Graduação Colaboradores em EAD


Graciete Tozetto Góes – Pró-Reitor Dênia Falcão de Bittencourt
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Núcleo de Tecnologia e Educação Aberta e a Distância
Leide Mara Schmidt – Coordenadora Geral Colaboradores em Informática
Cleide Aparecida Faria Rodrigues – Coordenadora Pedagógica Carlos Alberto Volpi
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Sistema Universidade Aberta do Brasil Adilson de Oliveira Pimenta Júnior
Hermínia Regina Bugeste Marinho – Coordenadora Geral
Cleide Aparecida Faria Rodrigues – Coordenadora Adjunta Colaboradores de Publicação
Silvana Oliveira – Coordenadora de Curso Márcia Monteiro Zan – Revisão
Marly Catarina Soares – Coordenadora de Tutoria Glaucia Marilia Hass – Revisão
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Colaborador Financeiro
Luiz Antonio Martins Wosiack Colaboradores Operacionais
Edson Luis Marchinski
Colaboradora de Planejamento Rafael Fernandes Siqueira
Silviane Buss Tupich Samuel Clemente de Souza
Thiago Barboza Taques

Todos os direitos reservados ao Ministério da Educação


Sistema Universidade Aberta do Brasil

Ficha catalográfica elaborada pelo Setor Tratamento da Informação BICEN/UEPG.

Pavloski, Evanir
P338t Teorias da leitura e formação do leitor / Evanir Pavloski.
Ponta Grossa : UEPG/NUTEAD, 2012.
87 p. : il.


Licenciatura em Letras - Educação a distância.


1. Leitor – formação. 2. Leitiura. I. T

CDD: 808.068

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA


Núcleo de Tecnologia e Educação Aberta e a Distância - NUTEAD
Av. Gal. Carlos Cavalcanti, 4748 - CEP 84030-900 - Ponta Grossa - PR
Tel.: (42) 3220-3163
www.nutead.org
2012
APRESENTAÇÃO INSTITUCIONAL
A Universidade Estadual de Ponta Grossa é uma instituição de
ensino superior estadual, democrática, pública e gratuita, que tem por
missão responder aos desafios contemporâneos, articulando o global
com o local, a qualidade científica e tecnológica com a qualidade so-
cial e cumprindo, assim, o seu compromisso com a produção e difusão
do conhecimento, com a educação dos cidadãos e com o progresso da
coletividade.
No contexto do ensino superior brasileiro, a UEPG se destaca
tanto nas atividades de ensino, como na pesquisa e na extensão Seus
cursos de graduação presenciais primam pela qualidade, como com-
provam os resultados do ENADE, exame nacional que avalia o desem-
penho dos acadêmicos e a situa entre as melhores instituições do país.
A trajetória de sucesso, iniciada há mais de 40 anos, permitiu
que a UEPG se aventurasse também na educação a distância, mo-
dalidade implantada na instituição no ano de 2000 e que, crescendo
rapidamente, vem conquistando uma posição de destaque no cenário
nacional.
Atualmente, a UEPG é parceira do MEC/CAPES/FNED na exe-
cução do programas Pró-Licenciatura e do Sistema Universidade
Aberta do Brasil e atua em 40 polos de apoio presencial, ofertando,
diversos cursos de graduação, extensão e pós-graduação a distância
nos estados do Paraná, Santa Cantarina e São Paulo.
Desse modo, a UEPG se coloca numa posição de vanguarda, as-
sumindo uma proposta educacional democratizante e qualitativamen-
te diferenciada e se afirmando definitivamente no domínio e dissemi-
nação das tecnologias da informação e da comunicação.
Os nossos cursos e programas a distância apresentam a mesma
carga horária e o mesmo currículo dos cursos presenciais, mas se uti-
lizam de metodologias, mídias e materiais próprios da EaD que, além
de serem mais flexíveis e facilitarem o aprendizado, permitem cons-
tante interação entre alunos, tutores, professores e coordenação.
Esperamos que você aproveite todos os recursos que oferecemos
para promover a sua aprendizagem e que tenha muito sucesso no cur-
so que está realizando.

A Coordenação
SUMÁRIO
■■ PALAVRAS DO PROFESSOR 7
■■ OBJETIVOS E EMENTA9

A LEITURA NO BRASIL: MITOS E FRONTEIRAS 11

■■ SEÇÃO 1 - Antecedentes históricos da leitura no Brasil 13


■■ SEÇÃO 2 - Os analfabetismos no Brasil do século XXI 20
■■ SEÇÃO 3 - O brasileiro não lê! (O quê?) 26

T EORIA DA RECEPÇÃO – DIÁLOGOS COM OS TEXTOS 33

■■ SEÇÃO 1 - Os caminhos da leitura e as veredas da teoria 35


■■ SEÇÃO 2 - As dimensões da leitura 41

E STÉTICA DA RECEPÇÃO – DIÁLOGOS COM OS TEXTOS


LITERÁRIOS 63

■■ SEÇÃO 1 - O que é literatura? As perspectivas de autores, teóricos e


receptores65
■■ SEÇÃO 2 - As especificidades do diálogo literário 71
■■ SEÇÃO 3 - As faces do diálogo literário 77

■■ PALAVRAS FINAIS 84
■■ REFERÊNCIAS85
■■ NOTA SOBRE O AUTOR 87
PALAVRAS DO PROFESSOR
  Seja bem-vindo ao Curso de Letras, na modalidade Português/
Espanhol e, em especial, ao conteúdo de Teorias da Leitura e Formação
do Leitor.
A leitura representa não apenas um caminho para a aquisição de
conhecimento, aperfeiçoamento da linguagem e catarse, mas também
uma parte integrante da formação de indivíduos dotados de senso crítico,
princípios éticos e cidadania. Entretanto, dados estatísticos revelam
problemas crônicos no Brasil no que se refere à leitura de textos literários
ou não, como, por exemplo, deficiências no processo de alfabetização e o
analfabetismo funcional. Tais problemas podem ser enfrentados por meio
de uma consciência mais plena do processo da leitura como um todo:
suas dimensões, as inferências e as expectativas envolvidas na leitura
de diferentes gêneros textuais, a estrutura composicional que forma a
tessitura dos textos e as diferentes etapas que compõem o processo de
desenvolvimento da capacidade de leitura dos sujeitos.
Diante disso, esta disciplina foi organizada com o objetivo de
promover o estudo e a reflexão sobre o real panorama da leitura no
Brasil e os desafios que o cercam. Nesse sentido, privilegiou-se, em um
primeiro momento, a análise de dados estatísticos e de textos críticos
sobre a questão.
Em seguida, buscamos delinear os principais conceitos das
chamadas teorias da recepção, tendo em vista um aprofundamento crítico
da própria definição de leitura e das suas múltiplas faces. Contudo, o foco
principal da disciplina repousou sobre a interação com textos verbais e os
diversos elementos que permeiam a sua organização e que condicionam
a sua interação com o leitor.
Finalmente, reservamos uma unidade específica para o estudo das
especificidades do texto literário e da experiência estética na qual o leitor
mergulha ao percorrer as páginas de contos, fábulas, crônicas, poemas e
romances.
Dessa forma, buscamos evidenciar as especificidades estruturais e
dialógicas que perpassam o processo da leitura e apontar características
relevantes que podem contribuir para uma formação mais efetiva de
leitores mais competentes e mais conscientes.
Assim, esperamos que o diálogo silencioso com os textos aqui inseridos
ecoe para outras dimensões textuais e possibilite, eventualmente, a dissipação
de outros silêncios sustentados pelo desconhecimento e pela exclusão.
OBJETIVOS E EMENTA

Objetivos
■■ Promover a discussão sobre as causas históricas, sociais e educacionais dos
problemas de alfabetização e leitura de jovens e adultos no Brasil.
■■ Analisar, no horizonte das teorias da recepção, os problemas e desafios
enfrentados em sala de aula para a formação de leitores, tendo como corpus
de análise dados apresentados por autores e institutos interessados (INAF, IPM,
IPEA, etc.).
■■ Aprofundar os conhecimentos teóricos sobre os processos dialógicos
envolvidos na leitura de textos ficcionais ou não.
■■ Problematizar os limites da escrita literária e do cânone ocidental enquanto
elementos integrantes do processo de formação de leitores.
■■ Aprofundar o conhecimento teórico sobre as relações que se estabelecem
entre o leitor e a obra literária, as quais caracterizam um processo dialógico de
ordem histórica, cultural e interpessoal (comunicação diferida).

Ementa

Análise de dados estatísticos e textos críticos sobre o panorama da leitura no Brasil.
Estudo das teorias da leitura e do papel do leitor no processo de significação de
textos verbais e não verbais. Discussão sobre a produção, circulação e recepção

de obras literárias, tendo em vista o papel ativo dos leitores sobre essa dinâmica.
UNIDADE I
A leitura no Brasil – mitos
e fronteiras

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
■■ Analisar os aspectos histórico-sociais que contribuíram para um quadro
deficitário da leitura no Brasil.
■■ Distinguir os conceitos de analfabetismo e analfabetismo funcional
no contexto brasileiro, relacionando-os com índices estatísticos sobre a
alfabetização e a leitura no último século.
■■ Perceber as diferentes modalidades de leitura presentes nas sociedades
modernas e problematizar a noção de que o povo brasileiro simplesmente não lê.

ROTEIRO DE ESTUDOS
■■ SEÇÃO 1 - Antecedentes históricos da leitura no Brasil

■■ SEÇÃO 2 - Os analfabetismos no Brasil do século XXI

■■ SEÇÃO 3 - O brasileiro não lê! (O quê?)


Universidade Aberta do Brasil

PARA INÍCIO DE CONVERSA



Ao se abordar o tema da leitura, seja ela ficcional ou não, no contexto
cultural brasileiro, depara-se com a enunciação de um pensamento que,
devido a sua recorrência, já se impõe como parte do senso comum: “o
povo brasileiro não gosta de ler!”.
Contudo, ao analisarmos mais profundamente a questão,
percebemos que supostas “verdades imediatas” sobre a leitura no país
escondem generalizações e simplificações que não se sustentam sob o
foco de um olhar mais crítico. Afinal, a que modalidade de leitura ou
gênero textual nos referimos? O que apontam os indicadores estatísticos?
Quais as transformações impulsionadas pelas novas mídias digitais?
De que maneira(s) o próprio conceito de leitura tem sido rearticulado e
reinterpretado?
E mesmo que, adotando os parâmetros tradicionais de leitura,
verifiquemos que os índices nacionais se mostram inferiores aos de outros
países, cabe-nos problematizar os aspectos históricos que contribuíram
para a formação de tal quadro.
Assim, na presente unidade discutiremos o panorama da leitura
no Brasil, partindo do que o senso comum carrega de verdade e o que
pode (e, possivelmente, deve) ser questionado.

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UNIDADE 1
Teorias da leitura e formação do leitor
SEÇÃO 1
ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA LEITURA NO BRASIL

Primeiramente, tomemos como critério inicial de análise os


indicadores estatísticos de alfabetização no país, uma vez que não é
possível apreciar a difusão da leitura e o seu possível apreço por um
determinado grupo social sem mencionar a formação educacional dos
membros desse grupo.
Ao apresentarmos uma discussão sobre o analfabetismo no Brasil,
o primeiro ponto a considerar é que se trata de um problema crônico em
nossa história e que se confunde com a própria colonização do território.
Inicialmente, não havia um sistema educacional constituído na
sociedade colonial, ficando a cargo dos jesuítas portugueses o exercício
de práticas pedagógicas descontínuas e que tinham como objetivo
primordial a transmissão da língua do colonizador e dos preceitos
religiosos da Igreja Católica. Tal desestruturação associada a um processo
colonizador caracteristicamente exploratório manteve a educação formal
(e, consequentemente, a alfabetização) distante das prioridades da
metrópole. Em outras palavras, a dinâmica social privilegiava as relações
comerciais e as práticas mercantilistas, atividades que não exigiam uma
capacidade leitora desenvolvida.

Em sua interessante obra História


da instrução pública no Brasil (1500-
1889), José Ricardo Pires de Almeida
comenta o fato de que no Brasil
Colônia “havia um grande número
de negociantes ricos que não sabiam
ler” (ALMEIDA, 2000, p. 37).

A progressiva formação de uma elite colonial, cujos filhos nasceram
em terras brasileiras, fomentou a estruturação de um sistema educacional
organizado.
Entretanto, a educação formal se restringia a uma camada ínfima
da população e priorizava o ensino das letras clássicas, especificamente

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UNIDADE 1
Universidade Aberta do Brasil

o latim, como forma de consolidar uma elite culturalmente submissa


à aristocracia portuguesa. Segundo Luiz Carlos Villalta, tais diretrizes
redundam em uma prática educacional “claramente reprodutivista,
voltada para a perpetuação de uma ordem patriarcal, estamental e colonial
[...] uma não-pedagogia, acionando no cotidiano o aparato repressivo
para inculcar a obediência” (VILLALTA, 1997, p. 351).
No decorrer do período colonial, o tupi-guarani se tornou a língua
franca no Brasil, isto é, a língua utilizada cotidianamente pela maioria da
população. Nesse contexto, convencionou-se o uso da língua portuguesa
apenas na esfera burocrática (certidões, promissórias, etc.), o que atribuiu
um status privilegiado àqueles que dominavam tanto a modalidade oral
quanto escrita do idioma. Dessa forma, o letramento se estabiliza como
um dos vários elementos da dinâmica de poder e de exclusão na sociedade
da época.

(Poema em tupi-guarani. Fonte:


FERNANDES, Adaucto. Gramática Tupi,
Rio de Janeiro: Coelho Branco, 1960).

Em 1758, a língua portuguesa foi declarada o idioma oficial do


Brasil. No mesmo período, a responsabilidade pela formação educacional
dos nativos e colonos foi transferida das mãos dos jesuítas para a máquina
administrativa da Metrópole. Contudo, a carência de infraestrutura, a falta
de qualificação e a baixa remuneração dos professores impossibilitaram a
melhoria da educação e a ampliação do número de alfabetizados.
Consequentemente, o poder cultural e econômico se mantinha como
privilégio de uma minoria elitizada que podia financiar os estudos de seus

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UNIDADE 1
Teorias da leitura e formação do leitor
filhos na Europa enquanto a vasta maioria dos indivíduos permanecia
iletrada. Tal configuração fez com que a formação educacional da
massa desprivilegiada se concentrasse sobre ensinamentos práticos que
possibilitassem o exercício de ofícios necessários na época (artesãos,
agricultores, etc.) e que não demandavam um ensino formal e mesmo
a alfabetização. O conhecimento e a cultura eram vistos, sob essa
perspectiva, como refinamentos distantes da realidade cotidiana e das
urgências da subsistência1.
A situação não se modificou substancialmente durante o período
imperial, mesmo com a abertura das primeiras faculdades no Brasil.

Com a corte no Rio de Janeiro, foram instaladas as primeiras


instituições de ensino superior no Brasil, eram faculdades voltadas
para a formação da burocracia estatal que emergia. Essas instituições
de ensino, portanto, privilegiaram as camadas superiores da sociedade,
europeizando e produzindo uma educação que visava à manutenção
do status quo. As classes populares, que precisavam do ensino primário
para aprender a ler e escrever a língua portuguesa, continuaram
negligenciadas. (PARANÁ, 2008, p. 41)

ALMEIDA (2000) menciona que, em 1886, o percentual da


população escolarizada era de 1,8%, índice sensivelmente inferior ao
de outros países latino-americanos como, por exemplo, a Argentina
(em torno de 6%). “Prova disto é que, no Império, admitia-se o voto do
analfabeto, desde que, é claro, este possuísse bens e títulos” (PINTO et
al, 2000, p. 512).

Ainda no final do século XIX, e com o advento da República, a


preocupação com a nascente industrialização influenciou a estrutura
curricular: tendo em vista a formação profissional, as Humanidades
não eram consideradas prioritárias, fortalecendo-se o caráter utilitário
da educação. Houve, então, a necessidade de rever o acesso ao ensino
para atender às necessidades da industrialização. (PARANÁ, 2008, p. 41)

1 É interessante perceber que essa visão instrumentalista da educação e do conhecimento


parece ter ressurgido com nova roupagem na contemporaneidade. Esse pragmatismo se revela
na grande quantidade e variedade de cursos em nível técnico ofertados atualmente e na ênfase
no papel das instituições de ensino na formação de profissionais para o mercado de trabalho.
Isso não significa, obviamente, que a leitura foi relegada a um segundo plano. Podemos
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UNIDADE 1
apenas questionar a completude desse processo formativo e os modelos de profissional e leitor
a serem gerados por ele.
Universidade Aberta do Brasil

É pacífico afirmar que parte dos ideais progressistas difundidos em


todo o mundo ao longo do Oitocentos foi responsável pelo fortalecimento
do caráter utilitarista e excludente que então caracterizava o sistema
educacional brasileiro. Essa conjuntura se alterou apenas em meados do
século XX, quando projetos de ampliação da rede de educação foram
colocados em prática. Sem dúvida, tais medidas representaram uma
melhoria nas condições do ensino no país. Não obstante, o avanço parece
ter ocorrido mais em termos quantitativos do que qualitativos. Em outras
palavras, o número de instituições de ensino aumentou, mas a qualidade
da instrução oferecida aos alunos se manteve passível de críticas. Ainda
assim, determinadas transformações e inclusões se revelaram expressivas
como, por exemplo, o reconhecimento de variantes linguísticas, sociais e
econômicas nas salas de aula e a ênfase no trabalho com textos literários.
No entanto, mesmo tais aspectos revelam facetas problemáticas como
a disseminação de formas de preconceito e a instrumentalização da
literatura como fonte exemplar da norma culta da língua.

A leitura do texto literário, no ensino primário e ginasial, visava


transmitir a norma culta da língua, com base em exercícios gramaticais
e estratégias para incutir valores religiosos, morais e cívicos. O objetivo
era despertar o sentimento nacionalista e formar cidadãos respeitadores
da ordem estabelecida. (PARANÁ, 2008, p. 45)

Durante o período da ditadura militar, os estudos comportamentalistas2


foram utilizados como suporte teórico-metodológico para o ensino nos
níveis fundamental e médio. Acreditava-se que uma proposta pedagógica
alicerçada sobre práticas de memorização e repetição seria mais adequada
ao regime autoritário instituído, uma vez que cerceava o desenvolvimento
de reflexões críticas por parte dos estudantes. Assim, estabelecia-se
um contraponto às conquistas alcançadas com a ampliação da rede
educacional, ou seja, novos espaços de aprendizagem foram construídos,
mas antigos objetivos estatais ainda os ocupavam.

2 O behaviorismo é um conjunto de teorias psicológicas cujos postulados defendem a noção


16 de que os indivíduos podem ser condicionados ou ensinados a partir do trinômio: estímulo,
UNIDADE 1 resposta e reforço. Esse cabedal teórico teve grande influência na segunda metade do século
XX não apenas na psicologia, mas também na pedagogia e filosofia.
Teorias da leitura e formação do leitor
Tradução livre: “Eu espero
que todos vocês se tornem
pensadores independentes,
inovadores e críticos que farão
exatamente o que eu disser”.

Além disso, a visão de que a educação formal deve se destinar


à qualificação profissional foi não apenas reafirmada, mas também
aprofundada pelo governo militar em instituições de todo o país. Para
tanto, ainda no final da década de 60 foi inaugurado o projeto MOBRAL
(Movimento Brasileiro de Alfabetização), que ofertava a possibilidade de
alfabetização para indivíduos acima da idade escolar prescrita.
Todavia, os fracos parâmetros de avaliação comprometeram a
efetividade do programa e, consequentemente, produziram um grande
número de indivíduos oficialmente alfabetizados, mas, na verdade,
semianalfabetos. O resultado desse processo foi a divulgação de índices
de letramento por parte dos militares que, até os dias atuais, são colocados
em questão.

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UNIDADE 1
Universidade Aberta do Brasil

QUADRO 13
Evolução do Índice
de Analfabetismo no Brasil
(1940-1977)
Ano Índice
1940 56,1%
1950 50,7%
1960 39,6%
1970 33,6%
1971 30,7%
1972 26,6%
1973 25,5%
1974 21,9%
1975 18,9%
1976 16,4%
1977 14,2%

Com isso, um novo conceito pode ser aplicado ao panorama da


leitura no Brasil: o analfabetismo funcional. Tal definição é empregada
para caracterizar aqueles indivíduos que, apesar de serem considerados
alfabetizados pelos critérios instituídos, não conseguem extrair a
mensagem de um texto dissertativo simples.
A abertura democrática na década de 80 marcou o início de
uma busca pela modernização do ensino brasileiro, tanto em termos
conceituais quanto metodológicos. A influência dos estudos bakhtinianos,
por exemplo, consolidou uma visão da linguagem como um elemento de
natureza sociológica, dinâmico e historicamente construído. A adoção
dessa nova perspectiva redundou, consequentemente, na caracterização
da leitura como processo dialógico no qual o leitor participa ativamente.
Diante dessa reestruturação de paradigmas, documentos oficiais
foram redigidos priorizando um modelo de ensino-aprendizagem alicerçado,
entre outras bases, no compartilhamento de experiências, no papel ativo
3
Cf. BELLO, José Luiz de Paiva. Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL. História da
dosnoalunos
Educação na construção
Brasil. Período doMilitar.
do Regime conhecimento
Pedagogia e
emnos multiletramentos.
Foco, Vitória, 1993.

3 Cf. BELLO, José Luiz de Paiva. Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL.


18 História da Educação no Brasil. Período do Regime Militar. Pedagogia em Foco, Vitória, 1993.
UNIDADE 1
Teorias da leitura e formação do leitor
Considerando o percurso histórico da disciplina de Língua
Portuguesa na Educação Básica brasileira, e confrontando esse
percurso com a situação de analfabetismo funcional, de dificuldade de
leitura compreensiva e produção de textos apresentada pelos alunos
– segundo os resultados de avaliações em larga escala e, mesmo, de
pesquisas acadêmicas – as Diretrizes Curriculares Estaduais de Língua
Portuguesa requerem, neste momento histórico, novos posicionamentos
em relação às práticas de ensino; seja pela discussão crítica dessas
práticas, seja pelo envolvimento direto dos professores na construção
de alternativas. (PARANÁ, 2008, p. 47-48)

Obviamente, os desafios a serem enfrentados ainda se revelam


graves e abundantes. Contudo, a tentativa de renovação dos modelos
educacionais tradicionais e a própria consciência da necessidade dessas
transformações já representam avanços para uma estrutura que, ao
longo do tempo, foi manipulada por mecanismos de poder e discursos
excludentes.
A partir de tudo o que foi exposto na presente seção, percebemos
que um possível afastamento da população brasileira do diálogo com textos
escritos está intimamente relacionado a uma organização educacional
deficitária e excludente que, desde o período colonial, privou a vasta
maioria da população de uma formação acadêmica que viabilizasse uma
relação mais próxima com a leitura e a escrita. Assim, se considerarmos
verdadeiro o aforismo de que “o brasileiro não gosta de ler”, devemos
considerar também os aspectos histórico-culturais que moldaram (e
talvez continuem moldando) esse posicionamento.

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UNIDADE 1
Universidade Aberta do Brasil

SEÇÃO 2
OS ANALFABETISMOS NO BRASIL DO SÉCULO XXI

Como vimos anteriormente, o impulso modernizador que atingiu


o sistema educacional brasileiro nas últimas décadas do século passado
representou, na pior das hipóteses, um processo de conscientização do
caráter urgente de certas transformações estruturais e conceituais.
Todavia, um panorama formado a partir de tão longa trajetória
histórica não poderia ser rearticulado em poucos anos, mesmo com as
melhores das intenções e o mais diligente dos projetos.
Dessa forma, analisaremos na presente seção dados estatísticos
que, baseados nos censos demográficos realizados em 2000 e 2010,
lançam alguma luz sobre os índices atuais e os progressos alcançados
nos últimos trinta anos.
Com base no trabalho Um olhar sobre indicadores de analfabetismo
no Brasil, publicado em 2000, vislumbraremos, primeiramente, as
alterações quantitativas da alfabetização no país ao longo do século
passado.

Analfabetismo na faixa de 15 anos e mais no Brasil 1900-2000 (Fonte: IBGE)


População de 15 anos ou mais

Ano População total (em População analfabeta (em Taxa de analfabetismo


milhões) milhões) (%)
1900 9.728 6.348 65,3

1920 17.564 11.409 65,0

1940 20.640 13.269 56,1

1950 30.188 15.272 50,6

1960 40.233 15.964 39,7

1970 53.633 18.100 33,7

1980 74.600 19.356 25,9

1991 94.891 18.682 19,7

2000 119.533 16.295 13,6


(Fonte: IBGE – Censo demográfico – 2000)

20
UNIDADE 1
Teorias da leitura e formação do leitor
Diante do quadro acima, é inegável a evolução nos índices de
alfabetização no país no curso de cem anos. Entretanto, é preciso
considerar que a queda dos percentuais do número de analfabetos está
diretamente relacionada ao crescimento populacional da nação, o qual
se mostra mais acelerado do que o decréscimo na taxa de analfabetismo.
Como afirma Jose Marcelino de Rezende Pinto:

Em primeiro lugar, observa-se que a taxa de analfabetismo na


população de 15 anos ou mais caiu ininterruptamente ao longo do
século, saindo de um patamar de 65,3% em 1900 para chegar a 13,6%
em 2000. Contudo, como já alertava Anísio Teixeira (1971), em trabalho
de 1953, não basta a queda da taxa de analfabetismo; é fundamental
também a sua redução em números absolutos. E neste aspecto há muito
ainda a ser feito. Como dado positivo, temos o fato de que, finalmente,
na década de 80, conseguimos reverter o crescimento constante até
então verificado no número de analfabetos e, como dado negativo, o de
que, em 2000, havia um número maior de analfabetos do que aquele
existente em 1960 e quase duas vezes e meia o que havia no início
do século 20. Como do ponto de vista da mobilização dos recursos o
que interessa é o número absoluto de analfabetos, percebe-se a grande
tarefa que temos pela frente, facilitada, é claro, pelo fato de a riqueza
social produzida hoje pelo Brasil ser muito maior que a de 1960 ou a do
início do século. (PINTO et al, 2000, p. 512)

É interessante perceber que a distribuição desse número de


analfabetos no território nacional não é, de forma alguma, equilibrada,
uma vez que há regiões do país onde os índices atuais se mostram mais
críticos. Essa heterogeneidade está irremediavelmente vinculada ao
desenvolvimento econômico dessas localidades, uma vez que o histórico
de pobreza e de exploração característico desses espaços refreou
(inclusive, por questões políticas) o desenvolvimento educacional.

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UNIDADE 1
Universidade Aberta do Brasil

Não obstante a clara evolução demonstrada na primeira tabela, o


Brasil ainda ocupa uma posição inglória no ranking dos países listados a
partir do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano4) e da correspondente
taxa de analfabetismo. Sem dúvida, as políticas públicas de educação
desenvolvidas no país desde a colonização do território são diretamente
responsáveis por essa colocação.

Índice de desenvolvimento humano e taxa de analfabetismo da


população de 15 anos ou mais – 2000

País IDH Posição Taxa de analfabetismo (%)


Noruega 0,942 1º 0,0
Austrália 0,939 5º 0,0
Áustria 0,926 15º 0,0
Espanha 0,913 21º 0,0
Argentina 0,844 34º 3,2
Chile 0,831 38º 4,2
Costa Rica 0,820 43º 4,4
Trinidad e Tobago 0,805 50º 1,7
México 0,796 54º 8,8
Colômbia 0,772 68º 8,4
Brasil 0,757 73º 13,6
Peru 0,747 82º 10,1
Cabo Verde 0,715 100º 26,2
(Fonte: IBGE – Censo demográfico – 2000)

4 O IDH é uma grandeza comparativa que serve para medir o desenvolvimento dos países
22 pertencentes à ONU (Organização das Nações Unidas). O índice é composto por dados como o
UNIDADE 1 produto interno bruto, a renda per capita da população, a expectativa de vida e os níveis educacionais.
Teorias da leitura e formação do leitor
Assim, percebemos que o crescimento econômico do país, a
distribuição de renda e a qualidade de vida são parâmetros complementares
ao desenvolvimento humano de um país e que, apesar dos inegáveis
avanços, o Brasil ainda tem um pedregoso e longo caminho a ser seguido.
Tal conclusão é confirmada pelo resultado do censo demográfico
realizado em 2010. Nesta nova coleta de dados, os índices de analfabetismo
mostraram, uma vez mais, aparente redução. Em reportagem publicada
pelo jornal Folha de São Paulo em 16 de novembro de 2011, apontou-se
que o índice caiu de 13,6% em 2000 para 9,6% em 2010, o que representa
um declínio de quatro pontos percentuais.
Entretanto, no mesmo período, o país caiu mais de dez posições
no ranking de IDH publicado pela ONU em 2011. Atualmente, o Brasil
ocupa a 84ª posição, permanecendo atrás de países como Zimbábue, país
com PIB (Produto Interno Bruto) equivalente a 5% do produto brasileiro.
Finalmente, é importante recordar que os índices estatísticos são
construídos a partir de parâmetros e critérios específicos que definem o
próprio conceito de alfabetização. É justamente nesta faceta da questão
que a noção de analfabetismo funcional assume grande importância.

Se, por um lado, o Brasil tem hoje plenas condições, do ponto de


vista de seus recursos econômicos e da qualificação dos seus docentes,
para enfrentar o desafio de alfabetizar seus mais de 16 milhões de
analfabetos, por outro lado, o próprio conceito de analfabetismo sofreu
alterações ao longo deste período. Assim, enquanto o conceito usado
pelo IBGE nas suas estatísticas considera alfabetizado a “pessoa capaz
de ler e escrever pelo menos um bilhete simples no idioma que conhece”,
cada vez mais, no mundo, adota-se o conceito de analfabeto funcional,
que incluiria todas as pessoas com menos de quatro séries de estudos
concluídas. Usando este segundo critério, mais adequado à realidade
econômica e tecnológica do mundo contemporâneo, o nosso número de
analfabetos salta para mais de 30 milhões de brasileiros, considerando
a população de 15 anos ou mais. (PINTO et al, 2000, p. 513)

Mas qual é a origem e a definição de alfabetismo funcional?

23
UNIDADE 1
Universidade Aberta do Brasil

O termo alfabetismo funcional foi cunhado nos Estados Unidos


na década de 30 e utilizado pelo exército norte-americano durante
a Segunda Guerra, indicando a capacidade de entender instruções
escritas necessárias para a realização de tarefas militares. A partir de
então, o termo passou a ser utilizado para designar a capacidade de
utilizar a leitura e escrita para fins pragmáticos, em contextos cotidianos,
domésticos ou de trabalho, muitas vezes colocado em contraposição
a uma concepção mais tradicional e acadêmica, fortemente referida a
práticas de leitura com fins estéticos e à erudição. Em alguns casos,
o termo analfabetismo funcional foi utilizado também para designar
um meio termo entre o analfabetismo absoluto e o domínio pleno e
versátil da leitura e da escrita, ou um nível de habilidades restrito às
tarefas mais rudimentares referentes à “sobrevivência” nas sociedades
industriais. Há ainda um conjunto de fenômenos relacionados que
podem ser associados ao termo analfabetismo funcional, por exemplo,
o analfabetismo por regressão, que caracterizaria grupos que, tendo
alguma vez aprendido a ler e escrever, devido ao não uso dessas
habilidades retornam à condição de analfabetos. Especialmente na
França, o termo iletrisme foi utilizado para caracterizar populações
que, apesar de terem realizado as aprendizagens correspondentes, não
integram tais habilidades aos seus hábitos, ou seja, em sua vida diária
não leem nem escrevem, independentemente do fato de serem capazes
de fazê-lo ou não. (RIBEIRO, 1997, p. 145)

Como vimos, se adotarmos o conceito proposto de analfabetismo


funcional, o número de indivíduos no Brasil com competências de leitura
deficitárias aumenta drasticamente.

24
UNIDADE 1
Teorias da leitura e formação do leitor
INAF aponta que 26% do país domina leitura e escrita

Só 26% da população brasileira na faixa de 15 a 64 anos de


idade são plenamente alfabetizados. Destes, 53% são mulheres e 47%
são homens. Neste universo, 70% são jovens de até 34 anos. Esses
índices tão altos de analfabetismo funcional no Brasil devem-se à baixa
qualidade dos sistemas de ensino (tanto público, quanto privado), ao
baixo salário dos professores, à desvalorização e desmotivação dos
professores, à progressão continuada (ou aprovação automática) e à
falta de infraestrutura das instituições de ensino (principalmente as
públicas).

Fonte: Instituto Paulo Montenegro (IPM) – IBOPE – set2005

Diante dos dados apresentados, nos deparamos com outra


perspectiva da problematização da enunciação do senso comum sobre
o desprezo da leitura por parte dos brasileiros. Sem dúvida, a baixa
instrução educacional ou as lacunas deixadas por ela criam dificuldades
consistentes na interação com textos verbais, o que redunda, em muitos
casos, em um afastamento da leitura enquanto hábito. Tal reação não deve
ser interpretada como uma resistência ideológica aos objetos textuais em
si, mas como um dos resultados de um processo de formação de leitores
ainda problemática.
Entretanto, devemos questionar: a que tipo de leitura nos
referimos? Seria exclusivamente à interação com obras literárias
consideradas eruditas ou canônicas? Ou a noção de que o brasileiro não
lê se estenderia a todos os gêneros textuais? A próxima seção objetiva a
discussão não apenas desses limites e dos seus desdobramentos para o
quadro da leitura no Brasil, mas também das possíveis aplicações das
teorias da leitura para a sua transformação dessa realidade.

25
UNIDADE 1
Universidade Aberta do Brasil

SEÇÃO 3
O BRASILEIRO NÃO LÊ! (O QUÊ?)

Tendo em vista os questionamentos com os quais encerramos


a seção anterior, devemos considerar, primeiramente, que o termo
leitura é muito amplo e suas manifestações na contemporaneidade
são caracteristicamente múltiplas. Cotidianamente, somos levados a
desenvolver os mais diferentes processos de decodificação e interpretação
de signos verbais. Ao verificarmos um itinerário de ônibus, ao consultarmos
uma lista telefônica, ao tomarmos ciência de algum aviso deixado no
quadro de avisos da empresa para a qual trabalhamos ou ao examinarmos
as opções de um cardápio, estamos desenvolvendo estratégias específicas
de leitura que não podem ser desconsideradas. Desse modo, o ato de ler é
uma ação indissociável da vida em sociedade para a camada alfabetizada
da população.
Não obstante, as modalidades de leitura citadas privilegiam
objetivos pragmáticos que se diferenciariam daquelas aparentemente
contempladas pelo pensamento que serve de título para esta seção.
Podemos supor então que tal sentença se referiria ao ato da leitura
como hábito ou prática de apreciação estética. Novamente, encontramos
contrapontos a essa noção.
Em primeiro lugar, pesquisas recentes demonstram que a tiragem
de revistas no Brasil é uma das maiores do mundo. Em apenas quatro
anos, de 1996 a 2000, o número de exemplares vendidos por ano no país
saltou de 325 para 443 milhões. Em grande medida, esse crescimento
impulsionou o lançamento de novos periódicos sobre os mais variados
assuntos que buscam atender diferentes camadas da população.

Venda de Revistas
Venda de Revistas(milhões
(milhões dede exemplares)
exemplares)

Período Bancas Assinaturas Total


qtd % qtd % qtd %
1994 122 22,0 108 22,0 230 22,0
1995 186 52,5 155 43,5 341 48,3
1996 164 -11,8 161 3,9 325 -4,7
1997 169 3,0 158 -2,5 326 0,3
1998 180 6,5 150 -4,5 330 1,2
1999 242 (*) 160 (*) 402 (*)
2000 273 12,8 170 6,3 443 10,2
(*) informação não disponível por utilização de fontes diferentes
Fonte: 1994 a 1998 - ANER - 1999 e 2000 - DINAP

26
UNIDADE 1
Teorias da leitura e formação do leitor
Considerando a periodicidade dos textos publicados, os dados acima
demonstram que a leitura pode ser considerada como um hábito comum
de uma parcela significativa da população, independentemente de
possíveis juízos de valor sobre a qualidade ou a relevância dos conteúdos
das revistas.

Além disso, a tiragem de jornais


impressos no Brasil cresceu em
torno de 4,2% nos últimos dois
anos, segundo dados do Instituto
Verificador de Circulação (IVC). Tal
crescimento revela uma tendência
inversa àquela que se verifica em
nível internacional: a digitalização
dos conteúdos dos periódicos.
Obviamente, essa expansão da
circulação de jornais em todo o país indica um crescimento do público
leitor interessado.
Nesse sentido, a propagação da internet e a relativa democratização
de seu acesso não representaram um entrave definitivo para a sobrevida dos
periódicos impressos. Ao contrário, a rede internacional de computadores
tem atuado como um espaço
complementar para a busca de
informações e conhecimento.
Consequentemente, um novo
público leitor foi gerado, assim
como novos gêneros textuais e
novos modos de leitura. As redes
sociais, os blogs, os fotologs, os
podcasts, etc., conquistaram um
vasto número de seguidores ávidos e fiéis que diariamente acessam os
conteúdos que lhes interessam e, seja como lazer ou estudo, leem.

27
UNIDADE 1
Universidade Aberta do Brasil

As páginas da WEB exprimem ideias, desejos, saberes, ofertas de


transação de pessoas e grupos humanos. Por trás do grande hipertexto
fervilham a multiplicidade e suas relações. No ciberespaço, o saber
não pode mais ser concebido como algo abstrato ou transcendente. Ele
se torna ainda mais visível – e mesmo tangível em tempo real – por
exprimir uma população. As páginas da Web não apenas são assinadas,
como as páginas de papel, mas frequentemente desembocam em uma
comunicação direta, por correio digital, fórum eletrônico ou outras
formas de comunicação [...] Assim, contrariamente ao que nos leva a
crer a vulgata midiática sobre a pretensa “frieza” do ciberespaço, as
redes digitais interativas são fatores potentes de personalização ou de
encarnação do conhecimento. (LÉVY, 1999, p. 162)

A amplitude das possibilidades


digitais citadas por Pierre
Lévy no trecho acima de sua
obra Cibercultura não exclui,
obviamente, a leitura de obras
literárias. Além da abundância
de textos que já fazem parte do
domínio público disponíveis na
rede, é possível entrar em contato
não só com jovens escritores autores que adentram o mundo das letras,
mas também com autores consagrados que passam a publicar suas obras
em meio digital.
Entretanto, a apreciação de textos literários não se restringe ao
ambiente virtual. Dados estatísticos recentes apontam que a maioria
da população brasileira poderia ser caracterizada como de leitores
frequentes. Retratos da Leitura do Brasil foi o título dado a uma pesquisa
encomendada pelo Instituto Pró-Livro e executada pelo Instituto Brasileiro
de Opinião Pública e Estatística (Ibope) e coordenada pelo Observatório
do Livro e da Leitura (OLL).
O estudo foi aplicado em 5.012 pessoas em 311 municípios de todo
o país de 29 de novembro de 2007 a 14 de dezembro do mesmo ano, o que
representou mais de 172 milhões de pessoas, ou seja, 92% da população.
O método adotado para definir o leitor ou não leitor foi a declaração do

28
UNIDADE 1
Teorias da leitura e formação do leitor
entrevistado de ter lido ao menos um livro nos últimos três meses.
A pesquisa constatou que 95 milhões de pessoas, ou seja, 55%
da população são leitores, enquanto 77 milhões, 45% dos entrevistados,
foram classificados como não leitores.
O estudo apontou também que o brasileiro lê, em média, 4,7
livros por ano. Em algumas regiões o número é ainda maior, como é o
caso do Sul, onde foi apurado que
são lidos 5,5 livros por habitante
ao ano. No Sudeste o número foi
de 4,9, no Centro-Oeste 4,5, no
Nordeste 4,2 e no Norte 3,9. A
pesquisa confirmou também que
as mulheres leem mais que os
homens, 5,3 contra 4,1 livros por ano.
A primeira edição da pesquisa foi realizada em 2000 e 2001 em
44 municípios brasileiros. Na época, o estudo constatou que 49% da
população eram de indivíduos leitores.
Obviamente, é possível afirmar que o avanço quantitativo de leitores
no país foi tímido e que há ainda muito a ser feito. Todavia, os índices
apresentados acima, assim como os outros dados expostos anteriormente,
demonstram a superficialidade de alegações generalizadoras e fatalistas
como as de que “o brasileiro não lê ou não gosta de ler”.
Ao invés de tomarmos como base de análise um cenário ilusório de
completo desinteresse da população brasileira pela leitura, acreditamos
ser mais produtivo o estabelecimento de metas e projetos tendo em vista
um panorama mais realista da prática leitora no país. Nesse contexto,
os maiores desafios sejam, possivelmente, o de reduzir o número de
analfabetos funcionais, o de aumentar o número de leitores frequentes e
o de possibilitar àqueles indivíduos que já leem a competência e o acesso
a outros gêneros textuais. Para tanto, as teorias da leitura e da formação
de leitores parecem oferecer uma contribuição extremamente relevante.

29
UNIDADE 1
Universidade Aberta do Brasil

Nesta unidade discutimos a questão da leitura no Brasil e os aparentes


mitos que a cercam. Tendo em vista a noção do senso comum segundo a qual os
brasileiros não leem, buscamos apresentar dados e informações mais concretas
sobre as verdades e as simplificações que embasam tal pensamento.
Inicialmente, abordamos a trajetória histórica do ensino e da formação de
leitores no país com o objetivo de entendermos melhor os aspectos socioculturais e
políticos que influenciaram a relação do povo brasileiro com a leitura.
Em seguida, apresentamos dados estatísticos sobre o progresso da
alfabetização no Brasil no século passado, enfatizando a formação de uma nova
forma de déficit na competência leitora de textos verbais: o analfabetismo funcional.
Finalmente, buscamos demonstrar que o contato da população brasileira com
a leitura pode ser considerado multifacetado e heterogêneo, mas que, ainda assim,
ocorre de forma constante. Tal relação foi verificada não apenas pela tiragem de
jornais e revistas, mas também pela prática leitora tanto no universo digital quanto
na literatura impressa.
Diante de tudo que foi exposto, pudemos traçar um panorama mais adequado
da situação da leitura no país e sinalizar para as possíveis contribuições das teorias
da leitura, sobre as quais passaremos a discorrer na próxima unidade.

01) Analise a tirinha abaixo tendo em vista o histórico da formação educacional


no Brasil e os índices recentes do analfabetismo no país. De que forma o analfabetismo
funcional pode ser relacionado ao texto abaixo?

30
UNIDADE 1
Teorias da leitura e formação do leitor
02) Leia o texto abaixo e analise o posicionamento de Ulisses Tavares em
relação à leitura no Brasil. A partir do que foi estudado nesta unidade, discuta os
argumentos apresentados e se posicione sobre a visão expressa pelo autor.

Sexo, dinheiro e sucesso? Só lendo!


Ulisses Tavares

Você é jovem? Mora no Brasil? Está lendo este artigo numa boa, sem soletrar
palavra por palavra? Já leu mais de um livro inteirinho este ano? E, finalmente,
entendeu tudo que estava escrito no livro? Respondeu sim a estas perguntinhas?
Ufa! Que bom, parabéns, posso, então, ir direto ao ponto:
Primeiro, você faz parte de uma elite.
Segundo, você está com a faca e o queijo para conquistar tudo que quiser na vida.
Terceiro, você precisa ler mais, muito mais.
Agora, antes que você pare de ler isto aqui por achar que estou gozando com
sua cara, relaxe que eu explico.
O Brasil faz parte de uma lista horrorosa dos 12 países com mais analfabetos
entre os 14 e os 21 anos. Pior que nós, apenas Paquistão, Indonésia, Nigéria e
Etiópia, que raramente aparecem em boas notícias nos jornais.
Ah, você já sabia disto por que lê jornais também?
Nesse caso, você é minoria superespecial mesmo: apenas 1 entre 100 mil
jovens brasileiros dá uma espiada em jornais regularmente.
E o restante faz o quê? Exatamente: assiste televisão (não o noticiário, claro),
ouve rádio (só os programas com músicas e brincadeirinhas para idiotas) ou fica
caçando mulher pelada na internet.
Ainda está lendo este texto, e compreendendo tim-tim por tim-tim?
Encha o peito de orgulho: você está fora de uma lista ainda mais nojenta que
aquela lá de cima.
A Unesco faz um teste que avalia alunos de 15 anos em 40 países sobre
compreensão da linguagem escrita. Um teste mamata: ler uma historinha de poucas
linhas e depois dizer o que entendeu. É bom lembrar que os testados têm no mínimo
oito anos de bumbum na carteira da sala de aula.
Na grande avaliação deste ano, adivinhe quem tirou o último lugar? Coisa chata
mesmo, bró: o adolescente brasileiro ficou com o troféu do mais burro do mundo.
Não disse que você era minoria das minorias?
Mas, sem querer pentelhar e já pentelhando, como diria o intelectual Chavez
da televisão: existem quilômetros de livros para você devorar depois que entrar na
facú, se quiser continuar fora da manada e não levar uma vida de gado. (...)

Texto completo disponível em:


http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=1235

31
UNIDADE 1
32
Universidade Aberta do Brasil

UNIDADE 1
UNIDADE II
Teoria da Recepção –
diálogos com os textos

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
■■ Discutir os conceitos contemporâneos de leitura e a proeminência dos textos
verbais na contemporaneidade.
■■ Distinguir os conceitos de leitura de mundo e leitura de textos.
■■ Problematizar as leituras pré-concebidas de mundo que, por meio dos mais
diferentes discursos, moldam pensamentos, atitudes e comportamentos.
■■ Discorrer sobre as origens históricas das teorias da recepção e as influências
que permeiam os seus horizontes de estudo.
■■ Analisar os cinco processos que compõem o ato da leitura e, por meio de
exemplos, aprofundar as suas dinâmicas.

ROTEIRO DE ESTUDOS
■■ SEÇÃO 1 - Os caminhos da leitura e as veredas da teoria

■■ SEÇÃO 2 - As dimensões da leitura


Universidade Aberta do Brasil

PARA INÍCIO DE CONVERSA



Em termos históricos, o papel do leitor no diálogo com textos
verbais e não verbais assumiu, apenas recentemente, posição central em
determinadas linhas de estudos da semiótica, da semiologia e dos estudos
literários. Tal negligência pode ser entendida pela proeminência das
teorias formalistas que, até meados do século XX, dominaram as análises
textuais. Em outras palavras, valorizava-se a composição e a estrutura
do objeto textual, mantendo-se em segundo plano o elemento que, em
última análise, lhe atribui existência e significação: o leitor.
De acordo com essa perspectiva, a atuação do leitor seria
essencialmente avessa a padrões descritivos e a delineamentos concretos
devido à infinita multiplicidade cognitiva e psicológica dos indivíduos
que interagem com um determinado texto. Em certo sentido, essa visão
se assemelha à distinção proposta por Saussure entre langue (língua) e
parole (discurso), sendo este último conceito excessivamente amplo e,
portanto, não analisável.
Entretanto, um aspecto fundamental do processo da leitura era
desconsiderado por essa linha de pensamento: a organização interna do
texto prevê modos de leitura específicos que, apesar de plurais, restringem
as possibilidades de significação por parte do leitor. A interação é mediada
e direcionada pelo texto, formando, consequentemente, imagens possíveis
e analisáveis de leitores reais.
Diante disso, a presente unidade objetiva discutir modalidades
diferentes de leitura e os pressupostos teóricos que permitem que o leitor
seja analisado como um dos seus elementos fundamentais.

34
UNIDADE 2
Teorias da leitura e formação do leitor
SEÇÃO 1
OS CAMINHOS DA LEITURA E AS VEREDAS DA TEORIA

Nos dias atuais, a proposta de refletir sobre a leitura nos leva


irremediavelmente a uma discussão sobre a recepção de textos verbais,
ênfase facilmente compreendida ao considerarmos a indispensável
utilização da linguagem verbal na contemporaneidade e a sua
padronização como critério avaliativo da formação educacional de um
indivíduo. Essa clara proeminência embasou não apenas os dados
expostos anteriormente, mas a própria inclusão da unidade anterior neste
livro.
Contudo, antes de nos
dedicarmos às teorias de leitura
condizentes com esse quadro
atual, é importante salientar que
a interação com textos verbais
não corresponde nem a uma
única nem original modalidade
de leitura. Em uma perspectiva
semiótica mais ampla, a recepção
desse gênero de texto surge
consideravelmente depois da formação de uma capacidade leitora e
analítica, tanto em termos históricos quanto individuais. Como saliente
Eliana Yunes:

As relações do homem com o mundo, inegavelmente, estão


mediadas por sua percepção e construídas pela linguagem. É bem
verdade que a natureza desta linguagem é de caráter social, pois a
condição de sua existência é a própria exigência de troca e comunicação.
A forma de designação do mundo pouco a pouco torna-se o próprio
mundo. Mas, eis que, na própria oralidade que antecede a escrita, se
insinua o gesto de criar sentidos. No mesmo ato em que se nomeia
a natureza, o homem o interpreta; ou seja, desde o primeiro olhar o
homem significa, isto é, atribui imaginariamente funções e designações:
o homem lê. (YUNES, 2002, p. 53)

35
UNIDADE 2
Universidade Aberta do Brasil

Dessa maneira, as imagens que compõem o mundo são


transformadas em elementos de significação pelos indivíduos em fases
anteriores ao advento da escrita (em sua dimensão histórica) ou ao
letramento (em sua dimensão cognitiva). Essa modalidade de leitura,
ainda que menos arbitrária do que aquela que se debruça especificamente
sobre o texto verbal, é influenciada por aspectos culturais, históricos,
econômicos e psicológicos que compõem o universo referencial do sujeito
leitor, produzindo formas diversas de significação a partir de diferentes
receptores. Tais variantes se manifestam nas tentativas de representação
do mundo e dos seres, as quais, desde a pintura rupestre até o hipertexto,
revelam-se cada vez mais como leituras e discursos socialmente
construídos.

Desde os primórdios, quando expressou nas paredes das cavernas


seus temores e desejos, grafando imagens de animais, quando
codificou sinais nas trilhas de caçadas, quando atribuiu às formações
de nuvens presságios e expectativas, o homem procedia a uma escrita
não alfabética que sinalizava uma leitura precedente. Nessa hipótese
de valorização da precedência da leitura, embora já se veja consignada
uma participação indescartável do leitor na produção do texto, corre-se
o risco de imaginar que, na codificação de uma mensagem, o sentido
esteja apenas imobilizado, uma vez que preexistiria à escrita. Este
gesto acarretaria em seguida a imobilidade da leitura, como de fato
ocorreu ao longo dos séculos, segundo as ideologias dominantes –
quando nasceram os “autorizados” a ler, isto é, a decodificar os signos
e a interpretar os sentidos já definidos a priori (...) Nos dias de hoje,
isto se nos afigura como possível paradoxo para os que defendemos na
recepção a condição de historicidade, que intervém na leitura e cria
sentidos pelos usos. (YUNES, 2002, p. 54)

36
UNIDADE 2
Teorias da leitura e formação do leitor
Assim, a escrita cristaliza a leitura de mundo por meio de sua própria
materialidade e restringe o seu potencial significativo a paradigmas
discursivos pré-estabelecidos socialmente.

Do mesmo modo como a escrita não suprimiu a oralidade, a


cultura midiática não extinguiu a condição do leitor dos que interagem
no magma secundário da oralidade que permanece intenso na cultura
alfabetizada. Contudo, está hoje condicionada pelo reducionismo
imposto à linguagem pelas ideologias próprias da mídia. O mundo
já aparece interpretado consoante as vozes que o manipulam, dos
telejornais às telenovelas, dos comentários às entrevistas que alienam
contextos para naturalizar práticas. (YUNES, 2002, p. 53-54)

Nesse sentido, a realidade é interpretada e formatada por


discursos específicos que, muitas vezes influenciados por interesses
políticos e econômicos, condicionam modos de comportamento, anseios,
expectativas, padrões estéticos, ideais e ideologias. Em outros termos,
a leitura de mundo individual é filtrada por parâmetros de significação
externos.

37
UNIDADE 2
Universidade Aberta do Brasil

Ainda assim, os signos nos rodeiam incessantemente, possibilitando


diferentes interpretações e evidenciando o caráter híbrido das significações
dominantes e amplamente disseminadas, aspecto que as tornam objetos
passíveis de análise.

Uma curta caminhada por uma rua movimentada de qualquer


cidade média do país serve para nos mostrar a infinidade de
informações a serem lidas em sinais luminosos, placas publicitárias,
roupas, calçadas, muros, informações diversas que vão compondo, no
seu mosaico, o desenho da esfinge a nos interpelar ‘Decifra-me ou te
devoro!’ (CARNEIRO in YUNES, 2002, p. 64)

Dessa forma, percebemos que, seja por reação a discursos


interpretativos pré-concebidos, seja pela importância que a leitura de
mundo mantém na contemporaneidade, há outras modalidades de
recepção e interpretação da realidade que devem ser exploradas no
processo de formação de leitores.

Dizendo de outro modo: resgatar a capacidade leitora dos


indivíduos significa restituir-lhes a capacidade de pensar e de se
expressar cada vez mais adequadamente em sua relação social,
desobstruindo o processo de construção de sua cidadania que se dá pela
constituição do sujeito, isto é, fortalecendo o espírito crítico. (YUNES,
2002, p. 54)

Se no processo de leitura de mundo a figura participativa do leitor


se revela essencial, o mesmo ocorre com os diálogos com os textos
verbais que complementariam o processo de significação da realidade.
No entanto, apenas na segunda metade do século XX, surgiram teorias
específicas com o propósito de analisar a figura do leitor em interação
com textos na forma escrita.
Em sua obra A leitura, Vincent Jouve analisa essa importante
mudança de paradigmas nos estudos sobre a leitura.

38
UNIDADE 2
Teorias da leitura e formação do leitor
É durante os anos 1970 que os profissionais
da análise de textos começam a estudar
a leitura. A obra literária que, até então,
era entendida na sua relação com uma
época, uma vida, um inconsciente ou uma
escrita é repentinamente considerada em
relação àquele que, em última instância,
lhe fornece sua existência: o leitor. Os
teóricos percebem que as duas questões
mais importantes que eles se colocam – o
que é literatura? como estudar os textos?
– significam perguntar por que se lê um
livro. A melhor forma de entender a força e a perenidade de certas obras
não equivale, de fato, a se interrogar sobre o que os leitores encontram
nelas? O interesse pela leitura começa a se desenvolver no momento
em que as abordagens estruturalistas começam a sofrer certo cansaço.
(JOUVE, 2002, p. 11)

39
UNIDADE 2
Universidade Aberta do Brasil

Jouve aponta a expansão da linguística pragmática como o aspecto


que impulsiona o interesse de estudiosos em se debruçar sobre a leitura
e o papel desempenhado pelo leitor. Segundo ele, a concepção de
linguagem e a valorização dos elementos que compõem o discurso que
advém das teorias pragmáticas são diretamente responsáveis por essa
nova linha analítica.

O que se sobressai dos estudos


pragmáticos, portanto, é a importância
da interação no discurso. Se a linguagem
serve menos para informar do que para
agir sobre o outro, um enunciado não pode
ser entendido somente pela referência a
seu emissor. É o binômio formado por aquele (o locutor) e aquele a
quem se fala (o alocutário) que convém levar em conta. É evidente,
portanto, a influência da pragmática sobre os estudos dos textos. Se
no falar cotidiano a linguagem procura sempre produzir um efeito,
esse fenômeno só pode ser exacerbado numa obra literária na qual a
organização dos termos deve muito pouco ao acaso. Assim, entender
uma obra não se limita a destacar a estrutura ou relacioná-la com seu
autor. É a relação mútua entre escritor e leitor que é necessário analisar.
(JOUVE, 2002, p. 13)

Em um primeiro olhar, a proposta das teorias da recepção parece


carente de parâmetros e/ou objetos concretos de análise. Transcrevemos
abaixo uma passagem na qual Jouve se remete a esses questionamentos:

40
UNIDADE 2
Teorias da leitura e formação do leitor
Mas o que é estudar a leitura? Se o objeto da crítica é a obra, qual
é o das teorias da recepção? O desempenho do leitor? O texto que lhe
serve de suporte? A interação entre os dois? Mas será que a leitura se
reduz a uma troca bipolar? A relação com a obra não tem também a
ver com as práticas culturais, os modelos ideológicos, as invariantes
psicanalíticas? Levar em conta esses diversos parâmetros não nos traz
de volta ao campo tradicional dos estudos literários? Analisar a leitura
significa se interrogar sobre o modo de ler um texto, ou sobre o que
nele se lê (ou pode se ler). Ora, se a observação do “como” da leitura
confere às teorias da recepção certa especificidade, o problema de seu
“conteúdo” leva frequentemente a se questionar sobre o ou os sentidos
do texto. (JOUVE, 2002, p. 13-14)

Diante disso, passamos agora a apresentar os conceitos e definições


que fundamentam os estudos da recepção em ambas as esferas citadas
pelo autor.

SEÇÃO 2
AS DIMENSÕES DA LEITURA

A leitura é caracteristicamente uma atividade plural e complexa, na


qual podemos distinguir cinco processos específicos.

- Processo neurofisiológico;
- Processo cognitivo;
- Processo afetivo;
- Processo argumentativo;
- Processo simbólico.

Processo neurofisiológico

“A leitura é antes de mais nada um ato concreto, observável, que
recorre a faculdades definidas do ser humano. Com efeito nenhuma leitura
é possível sem um funcionamento do aparelho visual e de diferentes

41
UNIDADE 2
Universidade Aberta do Brasil

funções do cérebro. Ler é, anteriormente a qualquer análise de conteúdo,


uma operação de percepção, de identificação e de memorização dos
signos. Diferentes estudos mostraram que o olho não apreende os signos
um após o outro, mas por pacotes. Assim, é frequente “pular” certas
palavras ou confundir os signos entre si. O movimento do olhar não é
linear e uniforme; ao contrário, é feito de saltos bruscos e descontínuos”
(JOUVE, 2002, p. 17).
Vejamos um exemplo:

De aorcdo com uma pqsieusa de uma uinrvesriddae ignlsea,


não ipomtra em qaul odrem as lrteas de uma plravaa etãso, a úncia
csioa iprotmatne é que a piremria e útmlia lrteas etejasm no lgaur
crteo O rseto pdoe ser uma bçguana ttaol que vcoê pdoe anida ler sem
pobrlmea. Itso é poqrue nós não lmeos cdaa lrtea isladoa, mas a plravaa
cmoo um tdoo.

“O deciframento do leitor é mais fácil quando o texto comporta


palavras breves, antigas, simples e polissêmicas. Por outro lado, como
a capacidade de memória imediata de um leitor oscila entre oito e
dezesseis palavras, as frases mais adaptadas aos quadros mentais do
leitor são as curtas e estruturadas. Quando um autor não respeita esses
grandes princípios de legibilidade, todos os deslizes semânticos tornam-
se possíveis; assim o texto “lido” não é mais realmente o texto “escrito”’
(JOUVE, 2002, p. 18).
Na literatura, tais princípios de legibilidade são, muitas vezes,
ignorados ou subvertidos com o objetivo de causar efeitos estéticos
particulares. Nesse sentido, a dificuldade de compreensão de
determinados termos e as ambiguidades consequentemente geradas
atendem a uma intenção artística. Transcrevemos abaixo um breve trecho
da obra Ulisses de James Joyce que ilustra essa manipulação estética da
dimensão neurofisiológica dos textos.

42
UNIDADE 2
Teorias da leitura e formação do leitor
Prosseguiu solenemente e galgou a plataforma de tiro. (...)
Então, percebendo Stephen Dedalus, inclinou-se para ele, traçando
no ar rápidas cruzes, com grugulhos guturais e meneios de cabrita.
Stephen Dedalus, enfarado e sonolento, apoiava os braços sobre o topo
do corrimão e olhava friamente a nieneante cara grugulhante que o
bendizia, equina de comprimento, e a cabeleira clara não tosada,
estriada e matizada como carvalho polido. (...) A fomida cara sombreada
e a soturna queixada oval lembravam um prelado, protetor das artes, da
Idade Média. (JOYCE, 1967, p. 03)

É justamente nesta dimensão da leitura que certos problemas de


aprendizagem se manifestam, como, por exemplo, a dislexia, que pode
ser definida como um distúrbio neurofisiológico caracterizado pela
dificuldade no reconhecimento de signos na soletração e na produção
escrita. As principais manifestações da dislexia são as seguintes:

√ Um atraso na aquisição das competências da leitura e escrita.

√ Dificuldades acentuadas ao nível do processamento e


consciência fonológica.

√ Dificuldades na memória verbal imediata.

√ Leitura silábica, decifratória, hesitante, sem ritmo, com bastantes


incorreções e erros de antecipação.

√ Velocidade de leitura bastante lenta para a idade e para o nível


escolar.

√ Omite ou adiciona letras e sílabas (ex: famosa-fama; casaco-


casa; livro-livo; batata-bata; biblioteca/bioteca; ...).

√ Confusão entre letras, sílabas ou palavras com diferenças subtis


de grafia ou de som (a-o; o-u; a-e; p-t; b-v; s-ss-ç; s-z; f-t; m-n; v-u; f-v;
g-j; ch-j-x; v-z; nh-lh-ch; ão-am; ão-ou; ou-on; au-ao; etc.).

√ Confusão entre letras, sílabas ou palavras com grafia similar,


mas com diferente orientação no espaço (b-d; d-p; b-q; d-q; a-e;…).

43
UNIDADE 2
Universidade Aberta do Brasil

√ Inversões parciais ou totais de sílabas ou palavras (ai-ia; per-


pré; fla-fal; me-em; sal-las; pla-pal; ra-ar;…).

√ Problemas na compreensão semântica e na análise compreensiva


de textos lidos.

√ Dificuldades em exprimir as suas ideias e pensamentos em


palavras.

√ Lacunas na construção frásica.

√ Ilegibilidade da escrita, letra rasurada, disforme e irregular,


presença de muitos erros ortográficos e dificuldades ao nível da
construção frásica.

Vejamos alguns exemplos da dislexia na escrita de alguns alunos do


ensino fundamental. Percebemos que a própria distribuição espacial do
texto se mostra comprometida, ou seja, os autores não conseguem manter
a escrita linear.

Aluno com 09 anos cursando a 3ª série

44
UNIDADE 2
Teorias da leitura e formação do leitor
Aluno com 09 anos cursando a 4ª série

Aluno com 11 anos cursando a 5ª série

Processo cognitivo

“Depois que o leitor percebe e decifra os signos, ele tenta entender


do que se trata. A conversão das palavras e grupos de palavras em
elementos de significação supõe um importante esforço de abstração. Essa
compreensão pode ser mínima, dizendo respeito apenas à ação em curso.
O leitor, totalmente preocupado em chegar ao fim, concentra-se então no
encadeamento dos fatos. É o que geralmente ocorre durante a leitura de
jornais, revistas e romances policiais ou de aventura. Quando os textos
são mais complexos, o leitor pode, ao contrário, sacrificar a progressão em
favor da interpretação: detendo-se sobre este ou aquele trecho, procura
entender todas as suas implicações” (JOUVE, 2002, p. 18-19).
A primeira modalidade cognitiva de leitura citada por Jouve seria
o que a teoria denomina de progressão, enquanto a segunda, mais atenta
à representatividade dos detalhes do texto, corresponderia ao conceito

45
UNIDADE 2
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de compreensão. Transcrevemos abaixo um exemplo de cada uma das


modalidades.

Leitura de progressão:

Elizabeth II e ex-dirigente do IRA dão aperto de mãos histórico


O encontro, inconcebível há alguns anos, aconteceu no segundo dia
de visita da rainha à Irlanda do Norte

A rainha Elizabeth II e o ex-dirigente do IRA Martin McGuinness


deram um histórico aperto de mãos nesta quarta-feira em Belfast, um
ato considerado como um novo marco no processo de paz na Irlanda do
Norte, anunciou o Palácio de Buckingham.
O antecipado aperto de mãos entre a soberana britânica e o atual
vice-ministro principal da Irlanda do Norte aconteceu a portas fechadas
durante um evento cultural no teatro lírico da capital norte-irlandesa,
14 anos depois do acordo de paz da Sexta-Feira Santa que acabou
com 30 anos de violência entre protestantes leais à Coroa e católicos
republicanos.
O encontro, inconcebível há alguns anos, aconteceu no segundo dia
de visita da rainha a esta província britânica, na presença de seu marido,
o duque de Edimburgo, do ministro principal da Irlanda, o unionista
Peter Robinson, e do presidente da Irlanda, Michael D. Higgins.
Ao final do ato, desta vez diante das câmeras de televisão, a rainha
e McGuinness voltaram a apertar as mãos, enquanto o ex-dirigente do
IRA dizia algumas palavras.
“Adeus e vá com Deus”, afirmou, ao que parece em gaélico, segundo
os jornalistas presentes.
Questionado sobre o aperto de mãos inédito, um porta-voz do
primeiro-ministro David Cameron afirmou: “Acreditamos que é correto
que a rainha se reúna com todas as partes”.
O porta-voz recordou que a recente visita da rainha Irlanda “levou
as relações entre os dois países a um nível completamente novo”.
Elizabeth II fez em maio de 2011 uma histórica visita de reconciliação
à Irlanda, a primeira de um monarca britânico desde a independência da
república em 1922.
McGuinness, 62 anos, passou de dirigente do Exército Republicano
Irlandês (IRA) a líder no processo de paz que resultou no acordo de 1998.

Fonte: www.gazetadopovo.com.br Acesso em: 27/06/2012

46
UNIDADE 2
Teorias da leitura e formação do leitor
É possível perceber que o texto, dado o seu caráter informativo e a
sua organização dentro dos moldes jornalísticos, privilegia uma leitura
que se orienta pela sucessão dos fatos descritos, ficando em segundo
plano qualquer elemento estético ou retórico que a reportagem apresente.

Leitura de compreensão:

MEUS PÉS

Ela, que vivera sempre perseguindo amores intensos, mesmo
agora que estava enferma, não conseguia conciliar o sono sossegado
sem sentir, no seu pescoço ou no peito, o braço de um homem.
Entretanto, quando seu estado se agravou, ela implorava:
-Segure meus pés! Não posso suportá-los tão tristes!

KAWABATA, 1964, p. 494

Já neste segundo exemplo, notamos que a significação do texto


depende menos do encadeamento de eventos narrados do que de uma
compreensão de suas partes constituintes. O apelo da personagem em seu
leito de morte e a referência à tristeza dos pés se remete ao uso do verbo
perseguir na primeira linha do conto. Diante disso, é possível afirmar que
a tristeza dos pés se justifica pela impossibilidade que essa personagem
atingiu de perseguir novos amores. Em termos composicionais, o autor
manipula os sentidos conotativos e denotativos dos termos como forma
de instigar o processo cognitivo de seus leitores.

Processo afetivo

“O charme da leitura provém em grande parte das emoções que


ela suscita. Se a recepção do texto recorre às capacidades do leitor, influi
igualmente, talvez, sobretudo – sobre sua afetividade” (JOUVE, 2002, p.
19).
Ainda que esse processo se desenvolva na leitura de qualquer
gênero textual (um indivíduo pode ler, por exemplo, uma determinada

47
UNIDADE 2
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revista para encontrar informações sobre seu ator favorito), ele se torna
mais evidente quando nos concentramos sobre a recepção de textos
ficcionais.

As emoções estão de fato na base do princípio de identificação,


motor essencial da leitura de ficção. É porque elas provocam em nós
admiração, piedade, riso ou simpatia que as personagens romanescas
despertam o nosso interesse [...] O papel das emoções no ato da leitura é
fácil de se entender: prender-se a uma personagem é interessar-se pelo
que lhe acontece, isto é, pela narrativa que a coloca em cena [...] Assim,
querer expulsar a identificação e, consequentemente, o emocional –
da experiência estética parece algo condenado ao fracasso. (JOUVE,
2002, p. 19, 20)

Esse comprometimento afetivo do leitor com os construtos ficcionais


do texto encontra respaldo analítico nos estudos psicanalíticos. Sigmund
Freud afirma que sem a dimensão afetiva da leitura seria profundamente
difícil para o leitor interagir efetivamente com o texto e retirar dele uma
experiência particular.

Em relação ao que nos acontece na vida, comportamo-nos, todos,


geralmente, com uma passividade igual e permanecemos submetidos à
influência dos fatos. Mas somos dóceis ao apelo do poeta: pelo estado
no qual ele nos deixa, pelas expectativas que desperta em nós, ele pode
desviar nossos sentimentos de um efeito para orientá-los em direção a
outro. (FREUD apud JOUVE, 2002, p. 20)

Vejamos um exemplo no qual a dimensão afetiva da leitura é


claramente privilegiada.

GÊMEOS

As leis não pesam o espírito. Nem a linguagem pode falar tudo.


O que não se entende a tempo ainda é tempo. O que não está no corpo
ainda é corpo. O que não está no mundo ainda é mundo.
Vanessa está grávida de gêmeos. O menino morreu aos quatro

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UNIDADE 2
Teorias da leitura e formação do leitor
meses de gestação e a menina permanece viva. Os irmãos estão juntos
no ventre, dividindo o mesmo espaço, as mesmas cordas, o mesmo
degrau, o mesmo tecido. Não há como interromper a gestação do
primeiro sem influenciar na saúde da segunda. Não há como tirar
aquele que partiu para proteger a que ficou.
Vanessa continua alimentando os dois com a igualdade do
início da gravidez. Reconhece ambos como palpitações vivas, nervosas,
definitivas. Os ruídos que escuta são dois nomes. Tenta adivinhar quem
está chutando, quem está empurrando seu passo mais para adiante,
quem está socando as camadas da pele como vento espantando as
cortinas.
Lá dentro a irmã conversa com o irmão do jeito que pode; o
irmão conversa com a irmã do jeito que sonha. A mãe confia que os
dois sairão gritando, de mãos dadas, apesar da avaliação do médico
de que um deles não sobreviveu, apesar da onipotência do exame e
da descrença dos conhecidos. A mãe não perdeu a esperança porque
alterou o rumo dos móveis, duplicou a cama, apequenou o salário,
esticou os ossos do velho armário, teve trabalho, andou ao seu extremo,
preparou roupas, experimentou em si o amor de ler o que escreveu, o
amor de entender que o mistério é esperar que cada gomo seja suco
diferente nos dentes.
Ela acorda quando um deles berra por ajuda e fome na noite de
sua carne. E, insegura, não tem certeza de quem chama. Não tem mais
certeza da própria voz. Não diz nunca que um morreu, com medo do
que mora na sua boca. Ela reconhece por adivinhação e não precisa ver
para testemunhar.
Quanta coragem de Vanessa em segurar em seu útero os dois
berços: um, anoitecido, e o outro, amanhecido, sem favorecer ou mimar
um deles.
Quanta coragem em seus tornozelos inchados, suas mãos
rosadas e seu sobrepeso de telhado e chuvas.
Quanta coragem em rezar debaixo das cobertas, debaixo dos
zumbidos dos besouros, debaixo do formigueiro. A mãe Vanessa curva
seus ombros para que seus filhos não passem frio, como toda mãe se
derrama em raízes para subir o rosto lentamente.
Quanta coragem em assegurar o direito à vida aos gêmeos, para

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UNIDADE 2
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que só assim eles possam ter direito à morte.


Metade do que ela come vai para os dois, a comida em dois
pratos, quatro olhos. Metade da vida que vive vai para os dois. Metade
da vida que não vive vai para os dois. Metade de seus cabelos vai para
os dois. Metade de seus joelhos vai para os dois. Metade de sua sede
vai para os dois. Metade de seu riso vai para os dois. Metade de seus
segredos vai para os dois. Metade de seu lamento vai para os dois.
Metade da metade da metade ainda é muito quando a palavra
é intenção de música. Quando a palavra não depende da melodia ou
letra para ser ouvida.
A gravidez é uma respiração sangue a sangue, mais atenta, mais
rápida do que a respiração boca a boca. A respiração já é luz no escuro.
Vanessa está grávida de gêmeos. Um morreu e o outro vive.
Não importa agora se somente uma das crianças nascerá. O parto
aconteceu bem antes, na confiança. A criança que nascer será sempre
duas, porque o amor da mãe foi sempre dois, sempre maior do que a
realidade permitiu.

(CARPINEJAR, 2006, p. 33)

Ao adotar como temas de sua crônica questões universais como a


maternidade e a morte, Fabrício Carpinejar proporciona uma experiência
caracteristicamente afetiva do leitor com o texto, aspecto fortalecido, sem
dúvida, pela poética da linguagem e pela tragicidade da narrativa.

Processo argumentativo

“O texto, como resultado de uma vontade criadora, conjunto


organizado de elementos, é sempre analisável, mesmo no caso das
narrativas em terceira pessoa, como “discurso”, engajamento do autor
perante o mundo e os seres. A intenção de convencer está, de um modo
ou de outro, presente em toda narrativa [...] Qualquer que seja o tipo
de texto, o leitor, de forma mais ou menos nítida, é sempre interpelado.
Trata-se para ele de assumir ou não para si próprio a argumentação
desenvolvida” (JOUVE, 2002, p. 21).
Ao aceitarmos o pressuposto de que todo e qualquer texto tem uma

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UNIDADE 2
Teorias da leitura e formação do leitor
dimensão argumentativa, certos julgamentos e idealizações em relação
a determinados gêneros textuais são, inevitavelmente, relativizados.
Assumindo o conceito amplo da semiótica, segundo o qual tudo o que
pode ser lido e interpretado pode ser considerado um texto, percebemos
que noções como as de imparcialidade e objetividade se caracterizam
como inalcançáveis diante da inerente argumentação de todo objeto
textual.
A fotografia, por exemplo, é entendida por muitos como uma captura
circunstancial e meramente estética da realidade. Indubitavelmente, essa
caracterização pode ser verdadeira quando atribuída a certa gama de
fotos, como aquelas que preenchem os álbuns de recordações. Entretanto,
se refletirmos sobre os textos produzidos por fotógrafos profissionais,
perceberemos que a mesma concepção não pode ser estendida a eles sem
uma enganosa simplificação. Tal atitude seria comparável à de atribuirmos
a um bilhete deixado sobre a mesa da sala o mesmo potencial estético de
um texto literário. A fotografia profissional ou artística é um recorte da
realidade produzido a partir de elementos pré-definidos por seu autor
(proximidade, incidência de luz, valorização do plano de fundo, etc.) e
que pode servir a propósitos argumentativos específicos. Observem os
exemplos a seguir que têm como tema comum o preconceito racial.

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Parece-nos evidente que os textos acima expressam um


discurso claramente contrário à discriminação racial nas sociedades
contemporâneas, utilizando, inclusive, a evidenciação do ponto de vista
racista como forma de questioná-lo (foto 03).
Mesmo quando a fotografia não é construída a partir de objetivos
argumentativos determinados, o texto, uma vez completo, pode ser
apropriado por diferentes vozes e adaptado aos discursos que elas
representam. Vejamos um exemplo bastante esclarecedor:

Rebelde Desconhecido

Esta foi a alcunha atribuída a um jovem anônimo que se tornou


famoso internacionalmente ao ser filmado e fotografado resistindo
solitariamente a uma linha de tanques durante a Revolta da Praça de
Tian’anmen, em 1989, na República Popular da China. A foto foi tirada
por Jeff Widener e, na mesma noite, foi capa de centenas de jornais e
revistas em todo o mundo.
No Ocidente, a imagem se tornou um símbolo de coragem, de
desprendimento e da luta pelos direitos civis. Na China, entretanto, a
fotografia foi usada para exaltar a índole humanitária dos soldados do
Exército Popular de Libertação, que se negaram a seguir com o comboio
de tanques se isso significasse ferir um jovem civil.

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UNIDADE 2
Teorias da leitura e formação do leitor
Em relação aos textos jornalísticos, os conceitos de objetividade
e imparcialidade são também comumente adotados. Novamente,
entretanto, a exaltação de tais ideais se mostra equivocada, tendo em
vista a dimensão argumentativa dos textos e da leitura. Em verdade,
praticamente todos os elementos que compõem um periódico jornalístico
apresentam, em maior ou menor grau, um caráter argumentativo, o qual
pode se manifestar tanto por meio da linguagem quanto pela veiculação
de uma visão específica de mundo ou de uma análise do próprio mercado
editorial. Desde na manchete que é escolhida para ocupar a capa da
publicação até nas fotografias que acompanham as notícias, é possível
apreender uma leitura prévia de mundo. Em outras palavras, a decisão de
qual reportagem é a mais relevante a ser destacada ou qual atrairá mais
leitores representa também uma argumentação sobre a realidade e sobre
o interesse dos consumidores.
No caso das revistas, o atual direcionamento temático já indica
uma reflexão sobre os diferentes públicos leitores e sobre a pertinência dos
assuntos tratados para a maior parcela possível de consumidores desses
grupos. Não obstante, as revistas de variedades, semelhantemente aos
jornais, também delineiam pontos de vista específicos e moldam, mesmo
que de forma velada, uma dimensão argumentativa.

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UNIDADE 2
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É importante salientar que, como vimos, a argumentação é


um aspecto inalienável dos objetos textuais. Assim, as considerações
e exemplos citados não constituem, necessariamente, mecanismos
de acusação ou de reprovação da escrita jornalística. Consideramos,
inclusive, que a veiculação de um ponto de vista ou a exposição aberta
de argumentos por parte das publicações não são, em essência, atitudes
danosas.
O fator preponderante, nesse
contexto, é a capacidade de
leitura crítica dos receptores
para que eles possam concordar
ou discordar dos argumentos
apresentados pelos textos. Tal
preparação remete, uma vez
mais, ao analfabetismo funcional
no Brasil, problema que restringe
a autonomia crítica de muitos
leitores e faz com que, para esses
indivíduos, opiniões e visões
alheias se tornem, muitas vezes, verdades inquestionáveis.
Na literatura, a dimensão argumentativa das obras assume contornos
muito diferentes, de acordo com os respectivos gêneros e propostas
autorais. Um romance de tese, por exemplo, vincula ao desenvolvimento
do enredo uma série de argumentos que se propõem a construir uma
teoria ou uma reflexão específica. Em contrapartida, outros textos mantêm
a sua retórica latente em sua organização, desafiando o leitor não apenas
a percebê-la, mas também a assumi-la ou confrontá-la.
A passagem abaixo, retirada da obra O auto da barca do inferno, de
autoria do dramaturgo português Gil Vicente, demonstra a clareza com a
qual os argumentos são evidenciados em certos textos.

À barca, à barca segura! \ Guardar da barca perdida \ À barca, à barca


da vida \ Senhores, que trabalhais pela vida transitória, \ memória, por Deus,
memória \ deste temeroso cais! \ À barca, à barca mortais! \ Porém, na vida
perdida \ se perde a barca da vida. \ Vigiai-vos, pecadores, \ que depois da
sepultura \ neste rio está a ventura \ de prazeres ou dolores! \ À barca, à
barca, senhores, \ barca mui nobrecida, \ à barca, à barca da vida!
(VICENTE, 2004, p. 104)

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UNIDADE 2
Teorias da leitura e formação do leitor
O trecho citado representa a chegada de quatro cavaleiros medievais
que, tendo morrido nas cruzadas pela libertação de Jerusalém, chegam
a um braço de mar que separa o mundo dos vivos e dos mortos. A canção
que essas personagens entoam é a principal mensagem moral do texto
de Gil Vicente: os atos na vida terrena provocam consequências para a
vida imortal após a morte, ou seja, ao longo da existência, os indivíduos
constroem os seus próprios caminhos para a salvação ou para a danação.
Em contrapartida, as últimas linhas do romance Bartleby, de
Herman Melville, se mostram mais herméticas à compreensão dos
leitores.

Parece desnecessário dar prosseguimento a essa história. A


imaginação fornece prontamente a imagem miserável do enterro de
Bartleby. Mas antes de me despedir do leitor, deixe-me dizer que, se
esta pequena narrativa interessou-o suficientemente para despertar
curiosidade sobre quem era Bartleby e que tipo de vida ele levava
antes de o presente narrador conhecê-lo, posso apenas responder
que partilho completamente dessa curiosidade, mas sou totalmente
incapaz de satisfazê-la. Embora quanto a isso eu não saiba ao certo se
devo divulgar um pequeno boato que chegou aos meus ouvidos alguns
meses depois do falecimento do escriturário. Nunca pude verificar as
fontes da história, portanto não posso dizer quão verdadeira ela é. Mas
considerando que este relato vago não deixou de ter um estranho e
sugestivo interesse para mim, embora triste, pode funcionar da mesma
maneira com outras pessoas. Então vou mencioná-lo brevemente.
O relato foi o seguinte: Bartleby havia sido um funcionário na
Seção de Cartas Extraviadas em Washington, da qual fora afastado
repentinamente por conta de uma mudança na administração.
Quando penso sobre esse boato, não posso expressar adequadamente
as emoções que tomam conta de mim. Cartas extraviadas! Isso não se
parece com homens extraviados? Pense num homem cuja natureza e
má-sorte fizeram tender a uma pálida desesperança - pode qualquer
trabalho parecer mais adequado para aumentar essa desesperança do
que lidar continuamente com essas cartas extraviadas e classificá-las
para as chamas? Pois elas são incineradas anualmente em abundância.
Algumas vezes, o pálido funcionário encontra um anel dentro do papel

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dobrado - o dedo a que se destinava, talvez, esteja apodrecendo debaixo


da terra; uma nota bancária enviada em rápida caridade - aquele a
quem iria aliviar já não come nem passa fome; perdão para aqueles
que morreram em desespero; boas novas para os que morreram sem
assistência em calamidades. Com mensagens de vida, essas cartas
corriam para a morte.
Ah, Bartleby! Ah, humanidade!
(MELVILLE, 1982, p. 98, 99)

Nesta obra, a partir do exemplo trágico do protagonista Bartleby –


jovem humilde e retraído que deliberadamente decide se excluir da vida
– Melville discute a desesperança e a angústia que, em última análise,
cerca a vida de todo ser humano. Com a associação, em primeiro plano,
da imagem da personagem às cartas extraviadas (que cheias de vida
corriam para morte) e, finalmente, da imagem de Bartleby com toda a
humanidade, a dimensão argumentativa do texto se completa.

Processo simbólico

“O sentido que se tira da leitura (reagindo em face da história, dos


argumentos propostos, dos jogos entre os pontos de vista) vai se instalar
imediatamente no contexto cultural onde cada leitor evolui. Toda leitura
interage com a cultura e os esquemas dominantes de um meio e de uma
época. O leitor passa a encarar o universo de suas relações e de suas
experiências de uma forma diferente daquela anterior à leitura” (JOUVE,
2002, p. 22).
Em termos mais sintéticos, Jouve afirma que todo leitor apreende
algo dos textos com os quais dialoga e insere essa informação ou ponto
de vista em sua vida cotidiana, seja de forma construtiva (concordância)
ou destrutiva (discordância) em relação ao que foi extraído da leitura. Em
certo sentido, esse movimento poderia ser considerado como um retorno
da leitura de texto para a leitura de mundo, a qual seria de alguma forma
transformada pela experiência anterior.
É pacífico afirmar que o caráter simbólico inerente à recepção é
condicionado por múltiplas variantes, como, por exemplo, a ideologia,
o credo, a situação econômica, a herança cultural, dentre muitas outras.

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UNIDADE 2
Teorias da leitura e formação do leitor
Dessa forma, a teorização plena das possibilidades de significação
simbólica a serem extraídas de um texto se revela impraticável. Contudo,
a organização do próprio texto permite listar, de maneira especulativa,
as prováveis significações construídas por leitores diferentes. Tomemos
como exemplo uma notícia ficcional que seria retirada de um jornal de
grande circulação em uma capital do país e os processos simbólicos
desenvolvidos por leitores hipotéticos.

“MENINA DE 14 ANOS SOFRE TENTATIVA DE ESTUPRO


NA MADRUGADA DO CENTRO DA CIDADE”

Leitor hipotético 01: “Pobre garota! Que experiência horrível!”


Leitor hipotético 02: “O que uma garota de 14 anos fazia na rua
de madrugada?”
Leitor hipotético 03: “Onde estavam os pais dessa garota?”
Leitor hipotético 04: “Onde estava a polícia neste momento?”
Leitor hipotético 05: “O centro está muito perigoso! Melhor não
ir para lá à noite.”
Leitor hipotético 06: “A cidade está muito violenta! Vou me mudar
para o interior.”
Leitor hipotético 07: “Provavelmente, ela provocou!”
Leitor hipotético 08: “Se estivesse na Igreja ou em casa, isso não
teria acontecido!”

Obviamente, esses posicionamentos poderiam se misturar na


visão de um mesmo leitor ou haver possibilidade de significação não
vislumbradas neste simples exemplo, mas fica evidente a subjetividade e
os comprometimentos pessoais que envolvem o processo simbólico.
Na recepção de textos literários, a multiplicidade dos processos
simbólicos também é uma toante. No entanto, a extensão dos textos, a
organização estética dos elementos e a figuração de uma narrativa bem
delineada podem restringir a um quociente analisável o número de
significações prováveis.
Acreditamos que o exemplo abaixo se enquadra nesse grupo de
textos cuja organização direciona de forma mais concreta a leitura em sua
dimensão simbólica. A passagem foi retirada da obra Terra Papagalli, de

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UNIDADE 2
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autoria de José Roberto Torero e Marcus Aurelius Pimenta. Neste romance


satírico, um narrador em primeira pessoa chega ao Brasil nas caravelas de
Pedro Álvares Cabral e discorre para um interlocutor identificado apenas
no final do texto as suas aventuras em terras tupiniquins. Ao longo da
narrativa, esse protagonista narrador emite julgamentos e prescreve
alguns mandamentos para aqueles que venham se aventurar na colônia
portuguesa.

De vez em quando [os nativos] davam com as flechas nas nossas


ancas, mas era isso antes gracejo que ameaça, pois já folgavam conosco
e só alguns ainda nos olhavam com má cara. Isso passado, entendemos
que já não tinham disposição de nos matar, principalmente por estarem
muito admirados dos barretes, pentes e espelhos que havíamos trazido
da nau, e desse episódio tiro, senhor conde, o primeiro dos conselhos
que têm que aprender aqueles que querem vir para estes lugares:

Primeiro Mandamento
Para bem viver na Terra dos Papagaios

Na Terra dos Papagaios é preciso saber dar


presentes com generosidade e sem parcimônia,
porque os gentios que lá vivem encantam-se com
qualquer coisa, trocando sua amizade por um
guizo e sua alma por umas contas

(TORERO et PIMENTA, p. 58)

Parece-nos claro que o mandamento citado pelo narrador não se


restringe ao século XVI, dado o caráter generalista do título atribuído e a
ausência de um recorte temporal determinado. Assim, por meio da ironia,
o narrador do texto possibilita ao leitor o reconhecimento da validade
desse pensamento na contemporaneidade, considerando os frequentes
relatos de corrupção e suborno que cercam a esfera pública brasileira.
Tendo em vista o último processo descrito, poderíamos questionar:
a subjetividade e as variantes sociais e psicológicas não permitiriam uma
infinidade de leituras possíveis? O status artístico da produção literária,

58
UNIDADE 2
Teorias da leitura e formação do leitor
ao mesmo tempo em que a singulariza, não expande infinitamente o
horizonte de significação das obras? Na próxima unidade, focalizaremos
especificamente a recepção dos textos literários e os aspectos formais que
permitem leituras plurais, mas não qualquer leitura.

Na presente unidade, discutimos, primeiramente, o conceito de leitura


e a precedência dos textos verbais na contemporaneidade. Como vimos, tanto
historicamente quanto individualmente, a leitura de mundo precede a leitura de texto.
Nesse sentido, problematizamos a atuação de discursos específicos que restringem
a capacidade de significação dos indivíduos e moldam padrões comportamentais e
ideológicos considerados normais ou desejáveis.
Em seguida, discorremos brevemente sobre a origem das teorias da
recepção e as influências que as permeiam. Percebemos como o desgaste dos
modelos teóricos formalistas motivou a busca por novos paradigmas de análise que,
inevitavelmente, chega à figura daquele que atribui existência aos textos: o leitor.
Na segunda seção, caracterizamos os cinco processos que compõem o
ato da leitura: neurofisiológico, cognitivo, afetivo, argumentativo e simbólico. Além
dos conceitos e das definições, buscamos esclarecer, por meio de exemplos, a
materialidade desses processos e a complexidade que os cerca, tanto no tratamento
de textos ficcionais quanto não ficcionais.
Depois dessas considerações sobre a leitura de forma geral, deslocaremos
na próxima unidade o nosso foco para as especificidades da recepção de obras
literárias e as trilhas que compõem o encantador bosque da ficção.

01) Analise as fotografias abaixo, tendo em vista que intenção argumentativa


pode ter embasado as suas respectivas produções. Que outros discursos poderiam
se apropriar dessas imagens com o objetivo de fortalecer os seus argumentos? (citar
pelo menos dois exemplos para cada fotografia)

59
UNIDADE 2
Universidade Aberta do Brasil

(Ataque ao World Trade Center – 2001) (Guerra do Vietnã – 1955-1975)

02) Tendo em vista o que foi estudado nesta unidade, analise a passagem
retirada de uma entrevista com a pesquisadora da leitura Eliana Yunes. De que forma
a linguagem veiculada pela mídia de uma forma geral pode alterar ou influenciar
comportamentos? A entrevistada enfatiza claramente a importância de que a leitura
permaneça independentemente da forma. A que tipo de leitura Yunes se refere?

SESC-Rio: Você considera a televisão “inimiga” da leitura, como muitos


afirmam? Com o avanço das novas mídias, principalmente no mundo virtual, a
tendência é a de que o livro, fisicamente falando, desapareça?
YUNES: São duas perguntas, mas elas de fato, têm conexão: a TV com certeza
redistribuiu o tempo de “lazer” e ampliou o circuito de informação. Mas há um tempo
para cada coisa debaixo dos céus, diz Eclesiastes. Trata-se de como a vida doméstica
valoriza e usa os meios de formação e informação. O cinema não morreu com a TV,
nem vai morrer com o DVD. A fotografia não matou a pintura, nem a gravura. A leitura
interage com todos estes suportes e linguagens e o livro não vai desaparecer, nem
frente ao e-book; os pergaminhos e rolos (hoje desenrolamos textos na internet)
passaram a cadernos e brochuras sem que bibliotecas desaparecessem. Não é
para temer novas modalidades de comunicação. O que interessa é a narrativa, a
literatura, o texto, esteja onde estiver, pois é o pensamento e o sentido, a linguagem,
que nos faz humanos.

(Fonte: Livro, leitura, literatura... Eliana - Entrevista realizada com Eliana Yunes.
Revista do SESC-Rio, ano 1, n° 5, novembro de 2008)

60
UNIDADE 2
Teorias da leitura e formação do leitor

61
UNIDADE 2
UNIDADE III
Estética da Recepção –
diálogos com os
textos literários

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
■■ Analisar as diferentes definições de literatura defendidas por autores e
teóricos ao longo dos séculos.
■■ Aprofundar o conceito de literatura sustentado pelas teorias da recepção.
■■ Estudar os aspectos formais e interacionais que singularizam a escrita e a
leitura literária.
■■ Distinguir as múltiplas entidades, tanto abstratas quanto empíricas, que
participam do ato da leitura.

ROTEIRO DE ESTUDOS
■■ SEÇÃO 1 - O que é literatura? As perspectivas de autores, teóricos e receptores

■■ SEÇÃO 2 - As especificidades do diálogo literário

■■ SEÇÃO 3 - As faces do diálogo literário


Universidade Aberta do Brasil

PARA INÍCIO DE CONVERSA



Cada gênero textual possibilita modalidades diferentes de leitura.
Os indivíduos não leem um guia de TV da mesma forma que leem uma
reportagem sobre economia. Tais modalidades permitem a detecção e a
estruturação de estratégias de leitura específicas que podem priorizar a
ideia geral de um texto, a localização de uma determinada informação, a
esquematização dos elementos principais ou a percepção de detalhes ou
sutilezas.
Entretanto, quais as estratégias que podem ser utilizadas para a
recepção de obras literárias? O caráter não proposicional (aparentemente
didático) da literatura não restringe as possibilidades de interação com
os textos? A dimensão estética de uso da linguagem e de organização
dos elementos formais não redunda em uma ampliação imensurável das
possibilidades de significação?
A busca pelas respostas a esses questionamentos passa,
inevitavelmente, pela discussão dos aspectos que particularizam a escrita
e a leitura literária. Em outras palavras, um retorno ao debate secular
sobre o que é literatura e quais são seus constituintes.
Nesta unidade, analisaremos a perspectiva das teorias da leitura
sobre esses temas e o cabedal teórico oferecido por elas para uma análise
mais consistente do diálogo entre autor e leitor por meio dos textos.
Se, devido ao impulso renovador que caracteriza a produção literária,
não é possível estabelecer estratégias definitivas para a sua recepção,
o conhecimento de suas particularidades pode fornecer caminhos mais
seguros para a sua interpretação.

64
UNIDADE 3
Teorias da leitura e formação do leitor
SEÇÃO 1
O QUE É LITERATURA? AS PERSPECTIVAS DE
AUTORES, TEÓRICOS E RECEPTORES

Ao longo dos séculos, diferentes abordagens teóricas se propuseram


a definir de forma efetiva o conceito de literatura. As teorias da leitura não
se furtaram a esse empreendimento e, segundo os seus próprios critérios,
propuseram uma possível descrição. Porém, antes de nos atermos a essa
concepção, consideramos importante desenvolver uma breve descrição
dos posicionamentos daqueles diretamente envolvidos na longa tradição
diretamente envolvidos na longa tradição literária: os escritores, os teóricos e,
literária: os escritores, os teóricos e, finalmente, os leitores.
finalmente, os leitores.

“A arte literária é mimese (imitação); é a arte que imita pela


palavra." (Aristóteles)

“A arte é o espelho e a crônica da sua época.” (William


Shakespeare)

“A Literatura obedece a leis inflexíveis: a da herança, a do meio,


a do momento." (Hippolyte Taine)

"A Literatura é arte e só pode ser encarada como arte." (Doutrina


da arte pela arte, século XIX)

65
UNIDADE 3
Universidade Aberta do Brasil

“Sem leitura não se pode escrever. Tampouco sem emoção, pois a


literatura não é, certamente, um jogo de palavras. É muito mais.
Eu diria que a literatura existe através da linguagem, ou melhor,
apesar da linguagem.” (Jorge Luis Borges)

"A distinção entre Literatura e as demais artes vai operar-se nos


seus elementos intrínsecos, a matéria e a forma do verbo."
(Alceu Amoroso Lima)

"A Literatura, como toda arte, é uma transfiguração do real, é a


realidade recriada através do espírito do artista e retransmitida
através da língua para as formas, que são os gêneros, e com os
quais ela toma corpo e nova realidade. Passa, então, a viver outra
vida, autônoma, independente do autor e da experiência de
realidade de onde proveio." (Afrânio Coutinho)

Como podemos notar, não há uma definição da literatura que concilie


todos os seus criadores primários. Da mesma forma, os aspectos a serem
valorizados como fundamentais na escrita literária variam sensivelmente
nas perspectivas aqui citadas. Como vimos, alguns autores exaltam o
caráter mimético da obra literária; outros atribuem especial atenção aos
elementos formais do texto; e outros ainda valorizam as emoções que,
libertadas pela leitura, suplantariam a própria linguagem verbal. Além disso,
a historicidade das obras e o processo de apropriação de sentido desenvolvido
pelo leitor são características vistas como essenciais por pensadores como
William Shakespeare, Hyppolite Taine e Alceu Amoroso Lima.

Inegavelmente, essa multiplicidade de definições e
posicionamentos é um dos fatores responsáveis pela imensa diversidade
de estéticas e de modelos de figuração narrativa ao longo do tempo. A
dialética resultante desse constante processo de renovação instigou,
inevitavelmente, a produção de arcabouços teóricos e esquemas analíticos
quase tão diversos. Aprofundemos um pouco mais essa discussão com a

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UNIDADE 3
Teorias da leitura e formação do leitor
passagem abaixo, retirada da obra Teoria da literatura: uma introdução,
de autoria do teórico e crítico britânico Terry Eagleton.

Se a teoria literária existe, parece óbvio que haja alguma coisa


chamada literatura, sobre a qual se teoriza [...] Muitas têm sido as
tentativas de se definir literatura. É possível definir a literatura como
a escrita “imaginativa”, no sentido de ficção – escrita esta que não é
literalmente verídica. Mas se refletirmos, ainda que brevemente, sobre
aquilo que comumente se considera como texto literário, veremos que
tal definição não procede. A literatura inglesa do século XVII inclui
Shakespeare, Webster e Milton; mas compreende também os ensaios de
Francis Bacon, os sermões de John Donne e a autobiografia espiritual
de Bunyan. A literatura inglesa do século XIX geralmente inclui os
ensaios de Charles Lamb (mas não os de Bentham), os textos históricos
de Lord Macaulay (mas não os estudos de Marx) e a produção filosófica
de John Stuart Mill (mas não a teoria evolucionista de Darwin). [...]
A distinção entre fato e ficção, portanto, não parece nos ser
muito útil, e uma das razões para isto é a de que a própria distinção
é muitas vezes questionável. Tal oposição não poderia ser estendida,
por exemplo, ao papel desenvolvido pelos poetas da Antiguidade ou à
representatividade do Bardo para os celtas. No inglês de fins do século
XVI e princípios do século XVII, a palavra “novel” foi usada tanto
para os acontecimentos reais quanto para os fictícios, sendo que até
mesmo as notícias de jornal dificilmente poderiam ser consideradas
factuais. Os romances e as notícias não eram claramente factuais, nem
claramente fictícios, uma vez que a distinção que fazemos entre essas
categorias simplesmente não era aplicada. [...]
Talvez a literatura seja definível não pelo fato de ser ficcional
ou imaginativa, mas porque emprega a linguagem de forma peculiar.
Segundo essa teoria, a literatura é a escrita que, nas palavras do crítico
russo Roman Jakobson, representa “uma violência organizada contra
a fala comum”. A literatura transforma e intensifica a linguagem
comum, afastando-se sistematicamente da fala cotidiana. Se alguém se
aproximar de uma mulher em um ponto de ônibus e disser: “Tu, noiva
ainda imaculada da quietude”, temos consciência imediata de que
estou em presença do literário. Sei disso por que a tessitura, o ritmo

67
UNIDADE 3
Universidade Aberta do Brasil

e a ressonância das palavras superam os seus significados abstratos


– ou, como os linguistas diriam de maneira mais técnica, existe uma
desconformidade entre os significantes e os significados. Trata-se de
um tipo de linguagem que chama a atenção sobre si mesma e exibe
sua existência material, causando uma sensação de estranhamento no
falante que se coloca como receptor do texto. [...]
Tal visão formalista pode também ser considerada problemática,
uma vez que a ideia de que existe uma única linguagem “normal”,
espécie de moeda corrente igualmente usada por todos os membros
da sociedade, é uma ilusão. Qualquer linguagem em uso consiste de
uma variedade muito complexa de discursos diferenciados segundo
a classe, região, gênero, situação, etc., os quais de forma alguma
podem ser simplesmente unificados em uma única comunidade
linguística homogênea. O que alguns consideram norma, para outros
poderá significar desvio. Além disso, se considerarmos a historicidade
linguística inerente a todo texto, até mesmo o texto mais prosaico do
século XV pode nos parecer poético hoje devido ao seu arcaísmo.
Finalmente, a história da literatura nos mostra que nos últimos séculos
o experimentalismo linguístico e a aproximação do discurso literário à
fala coloquial tornaram-se não apenas recursos estéticos, mas também
mecanismos de crítica social e problematização cultural. [...]
Por outro lado, poderíamos dizer que a literatura é um discurso
“não pragmático”; ao contrário dos manuais de biologia e recados
deixados para o leiteiro, ou seja, ela não tem nenhuma finalidade prática
imediata, referindo-se apenas a um estado geral das coisas. Quando
o poeta nos diz que seu amor é como uma rosa vermelha, sabemos,
pelo simples fato de ele colocar em verso tal afirmação, que não lhe
devemos perguntar se ele realmente teve uma namorada que, por
alguma razão estranha, lhe parecia ser semelhante a uma rosa. Assim,
a literatura pode empregar uma linguagem peculiar para indicar que
se trata de uma maneira de falar sobre a mulher, e não sobre alguma
mulher da vida real em particular. Esse enfoque na maneira de falar,
e não na realidade daquilo de que se fala, é por vezes considerado
como uma indicação do que entendemos por literatura: uma espécie de
linguagem autorreferencial, uma linguagem que fala de si mesma. [...]
Mas também essa definição de literatura encerra problemas.

68
UNIDADE 3
Teorias da leitura e formação do leitor
Entre outras coisas, teria sido uma surpresa para George Orwell saber
que seus ensaios devem ser lidos como se os tópicos por ele examinados
fossem menos importantes do que a maneira pela qual os examinou.
Em grande parte daquilo que é classificado como literatura, o valor
verídico e a relevância prática do que é dito é considerado importante
para o efeito geral. [...]
Assim, a definição de literatura fica dependendo da maneira pela
qual alguém resolve ler, e não da natureza daquilo que é lido. Há certos
tipos de escritos – poemas, peças de teatro, romances – que, de forma
claramente evidente, pretendem ser “não pragmáticos” nesse sentido,
mas isso não nos garante que serão realmente lidos dessa maneira.
Eu poderia muito bem ler a descrição que Gibbon[1] faz do império
romano não por achar que ela será uma fonte fidedigna de informações
sobre a Roma antiga, mas porque gosto do estilo de prosa de Gibbon
ou porque me agradam as imagens da corrupção humana, qualquer
que seja sua fonte histórica. Dessa forma, será que minha leitura dos
ensaios de Orwell como literatura só será possível se eu generalizar o
que ele diz sobre a guerra civil espanhola, interpretando-os como um
tipo de observação cósmica sobre a vida humana?

(EAGLETON, 2001, p. 01-11)

Assim, percebemos que Eagleton se remete ao conceito de


literatura defendido por parte das teorias da leitura, o qual se estrutura
primordialmente a partir do reconhecimento do caráter literário de
determinadas obras por parte de públicos leitores específicos. Tal
concepção não se reduz ao nível sincrônico de recepção, mas se entende
diacronicamente ao longo do fluxo do tempo.

Se é certo que muitas das obras estudadas como literatura nas


instituições acadêmicas foram “construídas” para serem lidas como
literatura, também é certo que muitas não o foram. Um segmento de texto
pode começar sua existência como história ou filosofia, e depois passar
a ser classificado como literatura; ou pode começar como literatura e
passar a ser valorizado por seu significado arqueológico. Alguns textos

69
UNIDADE 3
Universidade Aberta do Brasil

nascem literários, outros atingem a condição de literários, e a outros


tal condição é imposta. Sob esse aspecto, o que importa pode não ser a
origem do texto, mas o modo pelo qual as pessoas o consideram.
Os julgamentos de valor parecem ter, sem dúvida, muita
relação com o que se considera literatura e o que não se considera
– não necessariamente no sentido de que o estilo tem que ser “belo”
para ser literário, mas sim que tem que ser do tipo considerado belo.
Surge então o conceito de cânone literário e as gradações de nível de
qualidade utilizadas por alguns para caracterizar textos como “alta” ou
“baixa” literatura. É importante salientar que a maneira pela qual os
leitores se relacionam com uma obra e os pressupostos que orientam
a formação da chamada literatura canônica são aspectos passíveis de
condicionamento por transformações históricas e sociais.
Nesse sentido, podemos pensar na literatura menos como uma
qualidade inerente, ou como um conjunto de qualidades evidenciadas
por certos tipos de escritos que vão desde Beowulf até Virginia Woolf,
do que como as várias maneiras pelas quais as pessoas se relacionam
com a escrita.

(EAGLETON, 2001, p. 11-12)

Em síntese, caberia aos leitores de uma determinada época e grupo


social o reconhecimento dos textos que seriam caracterizados como
literários ou não. No século XX, podemos apreender dois fenômenos
que atribuem maior concretude a essa perspectiva. O primeiro deles é
o enfraquecimento do poder discursivo da crítica literária especializada
que, durante muito tempo, determinou os padrões da chamada “alta”
literatura e consolidou o cânone ocidental. O segundo dos fenômenos é a
indiscutível expansão da indústria cultural no mercado editorial mundial,
o que possibilitou um crescimento exponencial de títulos e a propagação
de objetos literários que, independente de juízos de valor estéticos,
alcançaram um número maior de leitores. Diante disso, a apreciação do
que é considerado literário parece cada vez mais centrada na recepção
dos diferentes públicos leitores.
Salientamos que não é nosso objetivo, neste momento,

70
UNIDADE 3
Teorias da leitura e formação do leitor
problematizar os prós, os contras ou os desdobramentos dessa tendência
contemporânea. Não obstante, enfatizamos que tal configuração atual
reflete os pressupostos teóricos dos estudiosos da recepção e integra o
ponto de vista dos leitores na questão sobre a essência da literatura.
Todavia, que outros aspectos contribuem ou interferem para o
dialogismo entre leitores e obras consideradas pelos próprios receptores
como literárias? Uma vez reconhecido o status literário de um texto, que
outros elementos também devem ser considerados? São justamente essas
reflexões que procuraremos aprofundar na próxima seção.

SEÇÃO 2
AS ESPECIFICIDADES DO DIÁLOGO LITERÁRIO

“A grande particularidade da leitura em comparação com a


comunicação oral é seu estatuto de comunicação diferida. O autor e
o leitor estão afastados um do outro no espaço e no tempo [...] Autor e
leitor não têm espaço comum
de referência. Portanto, é
fundamentando-se na estrutura
do texto, isto é, no jogo de
suas relações internas, que o
leitor vai reconstruir o contexto
necessário à compreensão da
obra” (JOUVE, 2002, p. 23).
Dessa forma, as teorias
da recepção não deixam
qualquer dúvida em relação ao
papel essencialmente ativo do
leitor. Ainda que o afastamento
temporal e espacial seja
aparente, a leitura não deixa de
representar um diálogo entre dois indivíduos por meio do texto. E, assim
como na comunicação oral, o interlocutor deve participar ativamente da
composição de ideias e da construção dos sentidos.

71
UNIDADE 3
Universidade Aberta do Brasil

Umberto Eco utiliza a metáfora do bosque para se referir aos


caminhos que compõem o universo textual:

Bosque é uma metáfora para o texto narrativo, não só para o texto


dos contos de fadas, mas para qualquer texto narrativo [...] Usando
uma metáfora utilizada por Jorge Luis Borges [...] um bosque é um
jardim de caminhos que se bifurcam. Mesmo quando não existem num
bosque trilhas bem definidas, todos podem traçar sua própria trilha,
decidindo ir para a esquerda ou para a direita de determinada árvore e,
a cada árvore que encontrar, optando por esta ou aquela direção. Num
texto narrativo, o leitor é obrigado a optar o tempo todo. (ECO, 2002, p. 12)

Diante disso, caberia questionar se um determinado leitor pode


atribuir o significado que desejar ao texto lido. Se o papel ativo do
receptor, em última análise, constrói a significação do objeto, toda leitura
pode ser considerada legítima?

Dado o caráter específico da comunicação literária, podemos nos


perguntar se cada leitor não tem o direito de interpretar o texto como
quer. Na medida em que, cortada de seu contexto, a obra é raramente
lida como seu autor queria, não é lógico desistir de ressaltar qualquer
intenção primeira e ver apenas no texto o que se quer ver? Se não
se pode reduzir a obra a uma única interpretação, existem entretanto
critérios de validação. O texto permite, com certeza, várias leituras,
mas não autoriza qualquer leitura. A organização dada pelo autor
ao texto permite variações de leitura, mas ainda assim constitui uma
programação que deve ser respeitada pelo leitor [...] Dessa forma, o
leitor não pode fazer qualquer coisa. (JOUVE, 2002, p. 25)

Esse direcionamento estrutural da leitura é apenas uma dentre outras


regras que permeiam a interação proporcionada pela obra literária. Tais
normas não só permitem a fruição da leitura, mas também a realização dos
processos inerentes a ela que foram vistos na unidade anterior. Nesse sentido,
a recepção desses textos apresenta uma característica particular em relação
a outras modalidades textuais: o pacto ficcional. Como afirma Umberto Eco:

72
UNIDADE 3
Teorias da leitura e formação do leitor
A norma básica para se lidar com uma obra de ficção é a seguinte:
o leitor precisa aceitar tacitamente um acordo ficcional, que Coleridge
chamou de ‘suspensão de descrença’. O leitor tem de saber que o que
está sendo narrado é uma história imaginária, mas nem por isso deve
pensar que o escritor está contando mentiras. De acordo com John
Searle, o autor simplesmente finge dizer a verdade [...]
Quando entramos no bosque da ficção, temos de assinar um
acordo ficcional com o autor e estar dispostos a aceitar, por exemplo,
que um lobo fala [...]
A obra de ficção nos encerra nas fronteiras de seu mundo e, de
uma forma ou de outra, nos faz levá-la a sério.

(ECO, 2002, p. 81, 83, 84)

Dessa forma dois universos distintos (o universo experimental e o


universo ficcional) se complementam na obra de arte. O objeto literário
não representa a realidade, uma vez que a amplitude e a complexidade
desta ultrapassariam os limites da narratividade e da coerência interna
do próprio texto. A obra literária organiza a grandiosidade caótica do
real, comprimindo-a em uma ordem narrativa concreta. É justamente
essa ordenação que constitui o caráter subversivo da escrita literária. Em
outros termos, a literatura subverte a realidade ao organizá-la e torná-la
apreensível e analisável.

A ilusão do ficcional

A complementaridade entre
os universos experimental
e ficcional
73
UNIDADE 3
Universidade Aberta do Brasil

A subversão
organizadora da
realidade

Tendo em vista essa integração entre realidade empírica e espaço


ficcional, examinemos um pequeno conto de Julio Cortázar que flerta
com os limites desses universos.

Continuidade dos Parques

Começara a ler o romance dias antes. Abandonou-o por negócios


urgentes, voltou à leitura quando regressava de trem à fazenda; deixava-
se interessar lentamente pela trama, pelo desenho dos personagens.
Nessa tarde, depois de escrever uma carta a seu procurador e discutir
com o capataz uma questão de parceria, voltou ao livro na tranquilidade
do escritório que dava para o parque de carvalhos. Recostado em
sua poltrona favorita, de costas para a porta que o teria incomodado
como uma irritante possibilidade de intromissões, deixou que sua mão
esquerda acariciasse, de quando em quando, o veludo verde e se pôs a
ler os últimos capítulos. Sua memória retinha sem esforço os nomes e
as imagens dos protagonistas; a fantasia novelesca absorveu-o quase
em seguida. Gozava do prazer meio perverso de se afastar, linha a

74
UNIDADE 3
Teorias da leitura e formação do leitor
linha, daquilo que o rodeava, a sentir ao mesmo tempo que sua cabeça
descansava comodamente no veludo do alto respaldo, que os cigarros
continuavam ao alcance da mão, que além dos janelões dançava o ar do
entardecer sob os carvalhos. Palavra por palavra, absorvido pela trágica
desunião dos heróis, deixando-se levar pelas imagens que se formavam
e adquiriam cor e movimento, foi testemunha do último encontro na
cabana do mato. Primeiro entrava a mulher, receosa; agora chegava
o amante, a cara ferida pelo chicotaço de um galho. Ela estancava
admiravelmente o sangue com seus beijos, mas ele recusava as carícias,
não viera para repetir as cerimônias de uma paixão secreta, protegida
por um mundo de folhas secas e caminhos furtivos, o punhal ficava
morno junto a seu peito, e debaixo batia a liberdade escondida. Um
diálogo envolvente corria pelas páginas como um riacho de serpentes,
e sentia-se que tudo estava decidido desde o começo. Mesmo essas
carícias que envolviam o corpo do amante, como que desejando retê-lo
e dissuadi-lo, desenhavam desagradavelmente a figura de outro corpo
que era necessário destruir. Nada fora esquecido: impedimentos, azares,
possíveis erros. A partir dessa hora, cada instante tinha seu emprego
minuciosamente atribuído. O reexame cruel mal se interrompia para
que a mão de um acariciasse a face do outro. Começava a anoitecer.
Já sem olhar, ligados firmemente à tarefa que os aguardava,
separaram-se na porta da cabana. Ela devia continuar pelo caminho
que ia ao Norte. Do caminho oposto, ele se voltou um instante para
vê-la correr com o cabelo solto. Correu por sua vez, esquivando-se de
árvores e cercas, até distinguir na rósea bruma do crepúsculo a alameda
que o levaria à casa. Os cachorros não deviam latir e não latiram. O
capataz não estaria àquela hora, e não estava. Pelo sangue galopando
em seus ouvidos chegavam-lhe as palavras da mulher: primeiro uma
sala azul, depois uma varanda, uma escadaria atapetada. No alto, duas
portas. Ninguém no primeiro quarto, ninguém no segundo. A porta do
salão, e então o punhal na mão, a luz dos janelões, o alto respaldo de
uma poltrona de veludo verde, a cabeça do homem na poltrona lendo
um romance.

(CORTÁZAR, 1971)

75
UNIDADE 3
Universidade Aberta do Brasil

No texto de Cortázar, as fronteiras entre o real e o ficcional são


dissolvidas, fazendo com que personagem e leitor compartilhem o
mesmo espaço de referência. Em um primeiro olhar, tal possibilidade soa
caracteristicamente fantástica. Todavia, se considerarmos os preceitos
das teorias da recepção, essa suplantação dos limites entre os universos,
ainda que em termos abstratos, torna-se viável.
Em O ato da leitura (1999), Wolfgang Iser afirma que, ao longo do
processo de leitura, o texto se torna o correlato da consciência de seu
receptor, o que permite o seu trânsito na narrativa. Em outras palavras,
ao iniciar o diálogo com a obra, o leitor retira a sua consciência do mundo
experimental e a insere no universo criado e organizado pelo texto. O
leitor adentra o espaço ficcional e interage com os diversos elementos
que o constituem.
Em contrapartida, a leitura é, como vimos, o ato que dá materialidade
aos textos. De certa forma, o processo de recepção também atribui
existência, mesmo que efêmera, aos seres que povoam as obras. Assim,
ao interagir com as narrativas, o leitor traz para o universo experimental
a projeção das personagens que lhe são apresentadas pelos textos. Esse
movimento de inserção dos construtos ficcionais no horizonte referencial
empírico se revela importante, inclusive, para a validação de critérios
de verossimilhança e coerência, aspectos relevantes para determinadas
modalidades de recepção.
Diante dos dois processos descritos, é razoável afirmar que há uma
continuidade entre os parques da realidade e da ficção.
Mas, o leitor que se senta com a obra aberta sobre seu colo é a
mesma entidade que caminha pelas trilhas da narrativa e interage com
as personagens? Se a consciência do receptor se evade do universo
experimental para o mundo gerado pelo texto, não haveria a formação
de uma nova consciência moldada pela obra? Fenômeno semelhante não
ocorreria na escrita do objeto textual?
É sobre os conceitos e definições que propõem respostas para
esses questionamentos que dedicaremos a última seção deste livro.

76
UNIDADE 3
Teorias da leitura e formação do leitor
SEÇÃO 3
AS FACES DO DIÁLOGO LITERÁRIO

Dentre as questões propostas no final da seção anterior, iniciaremos


nossa discussão com aquela que se apresenta como a mais instigante e,
talvez, a mais recorrente nas teorias da recepção: quem é o leitor? Vincent
Jouve afirma que:

O leitor é ao mesmo tempo o leitor real, cujos traços psicológicos,


sociológicos e culturais podem variar infinitamente, e uma figura
abstrata postulada pelo narrador pelo simples fato de que todo texto
dirige-se a alguém. Mediante o que diz e do modo como diz, um
texto supõe sempre um tipo de leitor – um narratário – relativamente
definido. Pelos temas que aborda e pela linguagem que usa, cada texto
desenha no vazio um leitor específico. Assim, o narratário, da mesma
forma que o narrador, só existe dentro da narrativa: é apenas a soma
dos signos que o constroem. (JOUVE, 2002, p. 37)

Essa entidade abstrata que se projeta do leitor empírico para dentro


das narrativas recebeu diferentes tratamentos teóricos. Descreveremos
abaixo aqueles apontados por Jouve como os principais ensaios de
teorização: o leitor implícito de Wolfgang Iser, o leitor abstrato de J.
Lintvelt e, mais recentemente, o leitor modelo de Umberto Eco.

O leitor implícito de Iser remete às diretivas de leitura deduzíveis


do texto e, como tais, válidas para qualquer leitor. A ideia é a seguinte:
na leitura de um texto, o modo pelo qual o sentido está construído é
o mesmo para todos os leitores; é a relação com o sentido que, num
segundo momento, explica a parte subjetiva da recepção. Em outros
termos, cada leitor reage pessoalmente a percursos de leitura que,
sendo impostos pelo texto, são os mesmos para todos. [...]
O “leitor implícito” corresponde, no sistema de Lintvelt, ao “leitor
abstrato”, sendo este a imagem do destinatário pressuposto e postulado

77
UNIDADE 3
Universidade Aberta do Brasil

pela obra literária e, por outro, como imagem do receptor ideal, capaz
de concretizar o sentido total da obra numa leitura ativa. [...]
Na perspectiva pragmática de Eco, o leitor modelo é definido como
“um conjunto de condições de sucesso ou de felicidade, estabelecidas
textualmente, que devem ser satisfeitas para que um texto seja
plenamente atualizado no seu conteúdo potencial. Temos, novamente,
uma figura de leitor instituída pelo texto: o receptor, ativo e produtivo,
que o melhor deciframento da narrativa implica. O leitor modelo, em
outros termos, é o leitor ideal que responderia corretamente (isto é, de
acordo com a vontade do autor) a todas as solicitações - explícitas e
implícitas – de um dado texto. [...]
Os leitores implícito, abstrato e modelo, além de suas diferenças,
comprovam o mesmo princípio: a inscrição objetiva do destinatário
no próprio corpo do texto. Simples imagens de leitor postuladas pela
narrativa ou receptores ativos que colaboram no desenvolvimento da
história, esses leitores se baseiam na ideia de que, estruturalmente,
existe em qualquer texto um papel proposto para o leitor. (JOUVE,
2002, p. 43, 44, 45, 46-47)

Não raras vezes, um narrador se dirige abertamente a esse leitor


abstrato que interage com o texto. Tal procedimento desnuda não só
a consciência de um público leitor para o qual a obra se remete, mas
também as inferências e as reações que a organização textual busca
provocar. Observem os exemplos abaixo:

A vida e as opiniões do cavalheiro Tristam Shandy


(Lawrence Sterne - 1760)

Eu sei existirem no mundo leitores, bem como muitas outras


boas pessoas que não são absolutamente leitores, - que não se sentem
muito a gosto quando não são postas ao corrente de todo o segredo,
do começo ao fim, de quanto diga respeito a uma pessoa. É por pura
submissão a tal estado de espírito, e por uma relutância da minha
natureza em desapontar qualquer alma vivente, que tenho sido desde
já tão minucioso. [...] Aqueles, todavia, que preferem não remontar
tão longe nestas particularidades, o melhor conselho que posso dar é
pularem o restante deste capítulo, pois declaro antecipadamente tê-lo
escrito apenas para os curiosos e os indiscretos.
(STERNE, 2006, p. 47-48)

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UNIDADE 3
Teorias da leitura e formação do leitor
Dom Casmurro
(Machado de Assis - 1899)

Pois sejamos felizes de uma vez, antes que o leitor pegue em si,
morto de esperar, e vá espairecer a outra parte; casemo-nos.

(ASSIS, 2002, p. 138)

Grande sertão: veredas


(Guimarães Rosa - 1956)

A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos,


cada um com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem
se misturam. Contar seguido, alinhavado, só mesmo sendo as coisas
de rasa importância. De cada vivimento que eu real tive, de alegria ou
forte pesar, cada vez daquela hoje vejo que era como se fosse diferente
pessoa. Sucedido desgovernado. Assim eu acho, assim é que eu conto.
O senhor é bondoso de me escutar [...] Desculpa me dê o senhor, sei
que estou falando demais, dos lados. Resvalo. Assim é que a velhice
faz. Também, o que é que vale e o que é que não vale? Tudo. Mire veja:
sabe por que é que eu não purgo remorso? Acho que o que não deixa é
minha boa memória. A luzinha dos santos-arrependidos se acende é no
escuro. Mas, eu, lembro de tudo.

(ROSA, 2006, p. 98, 99, 144)

Diante desses exemplos, seria coerente refletir sobre essa voz


que interpela e argumenta com o leitor inscrito no texto. O narrador
em primeira pessoa é necessariamente o autor? Não há, ao processo de
construção do texto, a projeção abstrata do seu produtor para o universo
criado pela narrativa?
A resposta para esta última pergunta é afirmativa. Tal projeção
redundaria em outra entidade denominada pelas teorias da leitura de
autor-modelo. Como salienta Umberto Eco (2002), o autor-modelo seria o
es em alemão ou o it em inglês, ou seja, uma abstração, muitas vezes sem
gênero definido, que nos introduz ao universo ficcional e nos integra ao
enredo.

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UNIDADE 3
Universidade Aberta do Brasil

Poderíamos dizer que esse it – que no começo da história ainda


não se evidencia ou talvez esteja presente apenas em uma série de
pequenos traços – no final de nossa leitura se identificará com o que
a teoria estética chama de estilo [...] Por outro lado, o autor-modelo
é uma voz que nos fala afetuosamente (ou imperiosamente, ou
dissimuladamente), que nos quer a seu lado. Essa voz se manifesta
como uma estratégia narrativa, um conjunto de instruções que nos
são dadas passo a passo e que devemos seguir quando decidimos agir
como o leitor-modelo. (ECO, 2002, p. 21)

Dessa forma, percebemos que o que Eco define como autor-modelo


são, na verdade, as estratégias narrativas e organizacionais que moldam
a recepção do leitor-modelo. O autor-modelo não seria nem a voz do
autor inscrita no texto nem a voz do narrador, mas a forma pelo qual o
enredo é narrado. É justamente por isso que a percepção desse modo
de narrar redunda, muitas vezes, na caracterização de um estilo próprio
desenvolvido por determinado autor.
Há textos nos quais a articulação dessas entidades é revelada e
serve como mecanismo de problematização dos conceitos de autoria e de
narratividade. Eco cita como exemplo a obra Narrativa de Arthur Gordon
Pym, de autoria de Edgar Allan Poe.

Duas partes dessas aventuras foram publicadas em 1837 no


Southern Literary Messenger. O texto se iniciava com “Meu nome
é Arthur Gordon Pym” e, desse modo, apresentava um narrador em
primeira pessoa, porém trazia o nome de Poe como autor empírico.
Em 1838, a história inteira foi publicada em forma de livro, mas
sem o nome do autor no frontispício. Havia um prefácio assinado
por A. G. Pym, que apresentava as aventuras como fatos e dizia aos
leitores que, no Southern Literary Messenger, “o nome do sr. Poe foi
acrescentado aos artigos, porque ninguém teria acreditado no relato, de
maneira que não haveria problema em apresentá-lo “sob a aparência
da ficção”. (ECO, 2002, p. 24)

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UNIDADE 3
Teorias da leitura e formação do leitor
Por meio dessa manipulação autoral e narrativa, Poe relativiza não
apenas as relações, muitas vezes, estabelecidas arbitrariamente entre
autor, narrador e estratégias narrativas, mas as próprias concepções de
escrita imaginativa e relato autobiográfico.
À guisa de conclusão, acreditamos ter evidenciado a existência de
múltiplas entidades que, com características e objetivos próprios, povoam
o ato da leitura. Nesse sentido, a presença de tantas vozes, tanto empíricas
quanto abstratas, reforça, inegavelmente, o caráter dialógico da leitura,
aspecto que procuramos enfatizar desde o início da nossa discussão.

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UNIDADE 3
Universidade Aberta do Brasil

Nesta última unidade, analisamos as especificidades da leitura literária,


enfatizando os elementos que a constituem e os pressupostos teóricos que objetivam
a sua análise.
Primeiramente, discutimos os conceitos defendidos por autores e teóricos na
tentativa de fornecer uma definição concreta do que é a literatura. Como vimos,
a dialética formada por tais discussões forma um caleidoscópio de perspectivas e
abordagens que ainda não encerrou a sua expansão. Nesse contexto, delineamos o
conceito defendido pelas teorias da recepção, segundo o qual os leitores assumem
a primazia na fixação e caracterização do conceito de literatura.
Em seguida, esquadrinhamos alguns elementos que atribuem à recepção
de textos literários a sua especificidade e, de certa forma, a sua complexidade.
Neste momento, enfatizamos a importância de aspectos como o pacto ficcional, a
organização do texto como direcionamento de leitura e a complementaridade do
universo experimental e da figuração mimética.
Finalmente, dedicamos a última seção à caracterização das diversas entidades
abstratas e empíricas que participam ativamente da leitura, aspecto que a define
como uma atividade essencialmente dialógica.

01) Leia o conto abaixo de autoria de Jorge Luis Borges, considerando que
se trata de um texto que explora o tema da figuração artística da realidade. De que
maneira(s) o texto problematiza não apenas a representação do real, mas também
as concepções realistas radicais? Qual a importância da falsa referência bibliográfica
inserida no final do conto? Como a presença desse dado pode influenciar o leitor-
modelo? A inclusão dessa referência pode ser vista como um elemento argumentativo
do texto? Qual seria esse argumento?

DO RIGOR NA CIÊNCIA (Jorge Luis Borges – 1960)

Naquele Império, a Arte da Cartografia alcançou tal Perfeição que o mapa


de uma única Província ocupava toda uma Cidade, e o mapa do império, toda uma
Província. Com o tempo, esses Mapas Desmesurados não foram satisfatórios e os
Colégios de Cartógrafos levantaram um Mapa do Império, que tinha o tamanho do
Império e coincidia pontualmente com ele. Menos Afeitas ao Estudo da Cartografia,
as Gerações Seguintes entenderam que esse dilatado Mapa era Inútil e não sem
Impiedade o entregaram às Inclemências do Sol e dos Invernos. Nos desertos
do Oeste perduram despedaçadas Ruínas do Mapa, habitadas por Animais e por
Mendigos; em todo o País não há outra relíquia das Disciplinas Geográficas.

(Suárez Miranda: Viajes de Varones Prudentes, livro quarto, cap. XLV, Lérida, 1658)
(BORGES, 1999, p. 247)

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UNIDADE 3
Teorias da leitura e formação do leitor

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UNIDADE 3
Universidade Aberta do Brasil

PALAVRAS FINAIS

Como vimos anteriormente, o teórico e escritor Umberto Eco se
apropria da metáfora do bosque, utilizada primeiramente por Jorge Luis
Borges, para analisar os textos narrativos. Entretanto, tal associação
figurativa poderia ser utilizada para se referir a todo texto verbal ou não
verbal, independentemente do gênero ao qual ele pertence.
Diante de um texto, buscamos, inicialmente, uma entrada pela qual
ingressaremos em seus meandros e trilharemos os seus caminhos possíveis.
Para alguns que ainda vivem sob a sombra da ignorância e do analfabetismo,
o bosque se revela hermético e hostil, fazendo com que muitos descrevam
suas trajetórias à margem dele. Para outros, o analfabetismo funcional torna
os passos inseguros e hesitantes, ocasionando, muitas vezes, a fuga para
veredas mais descampadas ou a escolha de uma rota fixada previamente por
terceiros.
Durante muito tempo, o bosque se manteve como propriedade
alheia e rigidamente mapeada, na qual o leitor, apartado de sua consciência
intrusa, vagava por trilhas teoricamente abertas pelos especialistas teóricos
da vegetação textual. Contudo, outras luzes passaram a incidir por entre a
espessa cúpula de ramos formalistas e estruturalistas, descortinando outras
direções e outras saídas.
Aos poucos, o leitor enveredou por rotas antes proibidas e, com
crescente liberdade, apropriou-se do bosque e dos seus caminhos. Isso não
significa que o caminhante possa assumir, irrestritamente, o rumo que bem
desejar. É possível seguir para a direita ou para a esquerda de uma árvore.
Mas não é possível atravessá-la. Todo bosque tem as suas próprias normas e
suas próprias diretrizes.
Mas o leitor não está sozinho nesta caminhada. A própria concepção
processual da leitura envolve, necessariamente, a participação de outras
entidades que, reais ou abstratas, acompanham o leitor e dialogam com
ele. Como enfatiza o escritor estado-unidense Paul Auster: “a literatura é
essencialmente solidão. Escreve-se em solidão, lê-se em solidão e, apesar de
tudo, o ato de leitura permite uma comunicação entre dois seres humanos”.
Tendo encerrado a nossa caminhada e o nosso diálogo no curto
bosque aqui organizado, esperamos ter oferecido a nossa contribuição para
que você possa, a partir de agora, transitar por outras searas, dialogar com
outros companheiros e encontrar a sua própria forma de caminhar.

Evanir Pavloski

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PALAVRAS FINAIS
Teorias da leitura e formação do leitor
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Acesso em: 17/06/2012.

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1999.

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Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.

CORTÁZAR, Julio. Final do jogo. Trad. Remy Gorja Filho. Rio de Janeiro:
Ed. Expressão e Cultura, 1971.

EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introdução. São Paulo:


Martins Fontes, 2001.

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REFERÊNCIAS
Universidade Aberta do Brasil

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PINTO, José M. de Rezende et al. Um olhar sobre os indicadores de


analfabetismo no Brasil. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,
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PIRES DE ALMEIDA, José Ricardo. Instrução pública no Brasil (1500-


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STERNE, Lawrence. A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy.


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YUNES, Eliana (org.) Pensar a leitura: complexidade. São Paulo: Loyola, 2002.

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REFERÊNCIAS
Teorias da leitura e formação do leitor
NOTA SOBRE O AUTOR

Evanir PAVLOSKI
Graduado em Letras-Inglês pela Universidade Federal do Paraná.
Mestre e Doutor em Estudos Literários pela Universidade Federal do
Paraná. Atualmente, é professor efetivo na Universidade Estadual de
Ponta Grossa, onde leciona as disciplinas de Língua Inglesa e Literatura
em Língua Inglesa.

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AUTORES

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