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PROPOSTA DE TRABALHO REFERENTE À 2ª PARTE DO CURSO EVOLIN

DÉBORA MURAMOTO ALVES DE CASTILHO

Trabalho final de curso


Trabalho final referente à segunda parte da
disciplina LET 2215, “Evolução do Pensamento
Linguístico”, apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Estudos da Linguagem do
Departamento de Letras da PUC-Rio como parte
dos requisitos parciais para a obtenção do título de
Mestre em Letras/Estudos da Linguagem.
Profa Erica dos Santos Rodrigues

Rio de Janeiro
Dezembro de 2017
1) Com base na leitura do texto “Saussure on language and thought”, elabore a
seguinte afirmativa:

Saussure provoca uma ruptura em relação à linguística histórico-comparativa: esta


privilegiava uma visão atomística, histórica e Saussure assume uma perspectiva sistêmica,
sincrônica, em que a forma (e não a substância) é tomada como objeto de investigação.

O empreendimento intelectual do linguista suíço Ferdinand de Saussure determinou


uma mudança radical na tradição de estudos linguísticos do século XIX. Não é à toa que a
relevância do seu trabalho seja comparada à revolução copernicana, uma vez que assim como
Copérnico postulou ser o sol o centro do universo, com os planetas e astros girando ao seu
redor, o pensamento saussureano mostra que é a linguagem que permite uma compreensão
racional sobre o mundo através do uso social dos signos linguísticos, e não o contrário, a
linguagem submetida a uma razão a priori. A linguagem, portanto, como o sol, é central, e a
existência é linguisticamente articulada. O singular Cours de Linguistique Générale, obra
póstuma publicada em 1916 e organizada por seus discípulos da Universidade de Genebra,
Charles Bally, Albert Sechehaye e Albert Riedlinger, reúne, na verdade, notas de aula. Por esse
motivo, muito se questiona sobre até que ponto a obra retrata fidedignamente o pensamento de
Saussure, mas o fato é que as propostas do Cours abordam a linguagem de uma forma
completamente distinta à perspectiva histórico-comparativa vigente na época. Nesse sentido,
Saussure desviou-se do caminho trilhado pelos seus colegas estudiosos contemporâneos, e por
esse motivo, como menciona Benveniste em seu capítulo 3 do “Problemas de Linguística Geral
I”, passou anos sem publicar. Sua grave preocupação em encontrar os fundamentos de uma
teoria que explicasse a linguagem por ela mesma o impediram de apresentar quaisquer escritos
por bastante tempo, pois estes seriam ainda incompletos se não alcançassem os caracteres
primordiais imanentes de que tanto ele ressaltava a importância. A gramática comparada tinha
como “(...) metáfora de base para a compreensão dos fenômenos linguísticos a ideia
evolucionista da transformação das espécies (...)” ([ILARI] in MUSSALINI, 2004, p.57), o que
para ele negligenciava uma reflexão teórica fundamental para se entender determinados
aspectos cruciais sobre o que o linguista faz e que objeto exatamente ele investiga. De acordo
com Saussure,

“(...) a Gramática comparada jamais se perguntou a que levavam as


comparações que fazia, que significavam as analogias que descobria. Sem
dúvida, a comparação constitui condição necessária de toda reconstituição
histórica. Mas por si só não permite concluir nada.” (SAUSSURE, [1916],
2006, p.10)

Por esse motivo, a ideia de transformação das línguas no curso do tempo e a preocupação em
se aprimorar o método comparativo e o seu repertório etimológico, para o autor, não chegou a
constituir uma ciência linguística de fato, afinal, não era claro qual era o seu objeto.

A teoria saussureana, dessa maneira, elegeu a noção de valor como base para a compreensão
dos fenômenos linguísticos. A fim de entendê-lo mais claramente, contudo, é importante
considerar as oposições entre langue e parole, forma e substância. Tais conceitos, cunhados por
Saussure e que delimitam muito claramente que o funcionamento da linguagem está calcado
em dimensões individual e social, são centrais em sua epistemologia, são derivados justamente
de suas reflexões acerca das inconsistências do método histórico-comparativo do século XIX.
A langue é um fato social, uma convenção que se manifesta de forma mais ou menos igual em
cada indivíduo. Assim, ela é a parte social da linguagem, de uma entidade abstrata
supraindividual, e o sujeito, por si só, não pode alterá-la. Ela é um sistema homogêneo de signos
linguísticos, uma estrutura investida na sociedade, que depende da existência de relações sociais
externas e ao mesmo tempo que impõe a cada indivíduo um saber psíquico de seu sistema para
o uso. Seus constituintes, os signos linguísticos, têm como característica principal uma face
dupla de significante – a imagem acústica – e significado – o seu conceito. Como uma folha de
papel, o signo linguístico jamais pode ser recortado de forma que se atinja somente significante
ou significado; caso se separem, o que se daria através de abstrações teóricas, aquilo que
representa o significante seria matéria de ocupação somente da fonologia, e o que representaria
o significado, objeto da psicologia. Dessa forma, entende-se, portanto que as suas duas partes
não existem uma sem a outra. O signo linguístico não se trata de uma mera representação do
mundo extralinguístico, mas de um constituir a realidade de tal maneira que o conceito não
consegue existir sem a imagem e vice-versa. Em contrapartida, a parole é um “(...) ato
individual de vontade e inteligência (...)” (SAUSSURE, [1916] 2006, p. 22), é o uso da língua
nas variadas combinações feitas pelo indivíduo a fim de alcançar seus objetivos na vida social.
Desta seara Saussure não se ocupa, não por negar a sua importância, mas por admitir que o
estudo da linguística deve se ater somente àquilo que é imanente à langue, e a parole já estaria
fora dela.

Isto posto, para se compreender adequadamente a crítica saussureana à linguística histórico-


comparativa, é necessário que se entenda não somente o que é o signo linguístico mas como ele
existe dentro do sistema. Comparando-se o sistema linguístico a uma construção, seria possível
entender o sistema analogamente ao prédio e os signos aos tijolos que o compõem. No entanto,
a existência do sistema não está condicionada a dos “tijolos”, mas cria as suas unidades
constituintes e as suas relações. Saussure entende, numa perspectiva sincrônica, que cada signo
linguístico, uma vez dentro do sistema, adquire um determinado valor em oposição a todos os
outros signos que ali existem concomitantemente. Seria como a estrutura do jogo de xadrez em
que as peças adquirem um dado valor – para que lados se movem, quantas “casas” podem andar
– assim que o jogo começa. É a visão de uma estrutura que funciona segundo determinadas
regras, as “regras do jogo”, e na presença imediata de todos os outros elementos, as outras
peças. É nessa acepção que Saussure entende a língua como forma, e não substância, uma vez
que “(...) a descrição de um sistema linguístico não é a descrição física de seus elementos, e sim
a descrição de sua funcionalidade e pertinência.” ([ILARI] in MUSSALINA; BENTES, 2004,
p.59). A forma (langue), portanto, é o que é relevante para as investigações dos linguistas, e
não a substância (parole). Confundi-las seria como pensar que um determinado trem que se
comporta saindo e chegando a um destino tal, na hora tal, se modificaria a cada entrada e saída
de passageiros ou troca de tripulação. Assim, os seus elementos físicos da linguagem, não
importam, uma vez que têm existência perceptiva, mas não necessariamente linguística, como
aponta Hjelmslev ao elaborar o raciocínio saussureano, e só adquirem valor no sistema, onde
estabelecerão relações opositivas com outros elementos, como afirmam Harris e Talbot:

“The identity of any linguistic sign, on Saussure’s account, is determined by the


sum total of syntagmatic and associative relations into which it enters with other
linguistic signs in the same langue. The term Saussure uses for this total set of relations
is ‘value’ (valeus); and the ter mis deliberately chosen because of its economic
implications.” ((HARRIS, R., TALBOT, J.T., 1989, p.219)

Essa visão da língua como um sistema econômico cuja estrutura funciona sob um conjunto
de regras que definem a unidade dos signos só pode ser concebida dentro da sincronia, isolando-
se o sistema da ação do tempo. Dessa forma, o que se entende então como diacronia nada mais
seria que uma sucessão de sincronias, e não um todo constituído de múltiplas partes que se
transformam. Assim, o argumento da linguística histórico-comparativa de que um determinado
fonema existe na língua portuguesa advindo de outro do latim, por exemplo, por transformações
ocorridas através do tempo, não procederia, pois, dentro da visão estruturalista e sistêmica de
Saussure, esses fonemas seriam distintos no que diz respeito ao seu papel no sistema, ao seu
valor, pois teriam existido em sistemas distintos - o da época presente e o da passada,
respectivamente.

2. O termo função apresenta acepção distinta em duas grandes escolas estruturalistas: a


Escola de Praga e a Glossemática. A partir da acepção privilegiada por cada uma dessas
escolas, caracterize-as, explicitando sua perspectiva em relação à linguagem e apontando
pontos de aproximação e de distanciamento em relação ao pensamento de Saussure.

Pode-se dizer que a repercussão do trabalho de Saussure teve desdobramentos possíveis de


serem identificados como o que se conhece como Estruturalismo, tanto na Europa quanto nos
Estados Unidos. Embora o autor mesmo não tenha feito um uso teórico do termo
“estruturalismo”, pensar na estrutura que a língua representava parecia, na época, uma proposta
promissora, um “programa de investigação” (ILARI, 2004, p.67) que abriu possibilidades e não
necessariamente promoveu uma continuação nos trabalhos posteriores.
Uma das escolas reconhecidamente estruturalista, a Escola Linguística de Praga,
caracteriza-se pela diversidade de horizontes geográficos e filosóficos de seus membros, cujas
reuniões foram oficializadas com a criação do Círculo Linguístico de Praga, na universidade de
Charles. Em outubro de 1927, publicou-se as Nove Teses do Círculo, redigidas por Roman
Jakobson e submetidas à apreciação por Nicolai Trubetzkoy e Serge Karcevsky. As três
primeiras teses, que farei referência neste texto para caracterizar o grupo, referem-se à
Linguística Geral, e as restantes, à Eslavística. Nelas estão expostas as bases teóricas e
metodológicas do grupo. Na primeira, defende-se o estudo prioritário da sincronia – uma
proximidade com Saussure – e propõe-se conceber a língua como um “sistema funcional”,
pontos que embasarão as reflexões do Círculo. Segundo essa perspectiva, a língua, melhor e
mais comodamente estudada em seu estado atual, possui um caráter teleológico, ou seja, a sua
existência é voltada para um determinado fim. Assim, ela seria um sistema, da mesma forma
como Saussure a entende, porém, dotada de um caráter dinâmico que a relaciona diretamente
com o ato comunicativo e por isso ela teria a finalidade de servir à expressão ou à comunicação,
entendimento que, portanto, leva em consideração a “intenção do locutor” como a explicação
“mais natural” que fundamenta o discurso.
Ademais, o olhar para uma língua, muito embora os praguenses deem prioridade ao plano
sincrônico e ao sistema enquanto função fazendo-lhe referência, não desconsidera os estudos
de estados anteriores dela, ou da sua evolução, ao contrário do que pensava Saussure. Sobre a
evolução linguística, pontuava-se a existência de fases em que elementos linguísticos se
formavam, permaneciam e desapareciam. Além disso, considerava-se a existência simultânea
de arcaísmos e elementos produtivos, o que introduziu no pensar a sincronia, os fatos da
diacronia, colocando sincronia e diacronia numa relação dialética. As mudanças, dessa maneira,
se ocorressem, afetariam o sistema, condicionando o mesmo a um remanejamento perpétuo no
sentido de manter a funcionalidade. Nesse contexto, os métodos comparativos são
reconsiderados para a utilização, porém, mais amplamente. Em vez de serem usados somente
numa perspectiva genética, na tarefa de se encontrar um patrimônio comum, poderiam servir,
comparando-se línguas aparentadas e não aparentadas para se descobrir leis de estruturas dos
sistemas linguísticos e da sua evolução. Tal reconsideração redefine o que se entende por “lei”,
agora como o fundamento da evolução do sistema e não mais como “(...) fatos produzidos
arbitrariamente ao acaso conquanto realizados com uma regularidade absoluta.” (FONTAINE,
1978, p.23).
A segunda tese tem como foco o estudo da morfologia e da fonologia sincrônica, com o
objetivo de fazer um levantamento de fonemas distintivos, observar e definir as suas
correlações, comparar as combinações que esses fonemas fazem entre si e determinar a sua
frequência. Com este trabalho, os linguistas observaram que as relações de oposição
mencionadas por Saussure não são necessariamente da mesma natureza, pois determinados
fonemas dentro de uma língua mantêm uma distinção fonêmica e de sentido, enquanto em
outros a distinção é somente fonêmica. É aqui que, em 1931, Trubestzkoy introduz o conceito
de marcação, que é o que diferencia fonemas como /t/ e /d/, em que /d/ teria uma marcação pois
possui a característica de uma vibração extra nas cordas vocais. Este conceito desfaz o que
Saussure antes havia dito sobre a língua ser forma e não substância.
Um outro aspecto estudado pelos praguenses é a “teoria da denominação linguística” que
considera a existência autônoma da palavra como produto de uma atividade denominadora que
decompõe a realidade. Segundo esta teoria que olha para a atividade sintagmática e é advinda
de um estudo dos agrupamentos das palavras que as caracterizam consoante a sua força
particular de expressão, diferentes marcas linguísticas variam de língua para língua. Além disso,
dentro da própria palavra percebe-se a existência de categorias como, na língua portuguesa, do
gênero, número e grau.
Na terceira tese, os estudos concentram-se em enumerar as funções das línguas – funções
no sentido de “variedade de emprego” ou “modo de realização” (FONTAINE, 1978, p.27) e a
estudar a língua literária, uma vez que autores como Jakobson são conhecidos pelos seus
interesses tanto linguísticos quanto literários. É dessa reflexão que surgirá o quadro de funções
da linguagem de Jakobson – funções emotiva, referencial, conativa, metalinguística e fática –
posteriormente relido por outros linguistas e ensinado nas salas de aula do Ensino Médio
brasileiro até hoje. É importante entender que o estudo das línguas deve levar em conta a
presença variável dessas funções nos seus modos de realização a fim de se evitar caracterizá-
las de uma maneira deformada ou até fictícia. Entende-se que a língua possui um aspecto interno
e potencial e um outro expresso, e em sua manifestação há um caráter de intelectualidade e de
afetividade, qualidades difíceis de dosar. Portanto, a quantidade de tais qualidades, atribuídas a
uma dada função dentro de um dado enunciado variará, sendo a hierarquização dessas funções
um problema a ser investigado. Além do mais observou-se o que, dentro da funcionalidade
variada das diferentes línguas, tinha relação com elementos extralinguísticos ou com outrem –
característica da intelectualidade – o que suscitou uma pesquisa sobre a diversidade linguística.
Tais reflexões pensaram os modos de manifestação, e os encararam sob o ângulo da oralidade
e da escrita, estabelecendo relações com as coletividades.
Além desses estudos, as reflexões acerca da poética se comprometeram em definir a língua
literária:

“A língua literária não é caracterizada por seu caráter conservador: ‘ela é


perpetuamente criadora em seu vocabulário’, mesmo que um certo
conservantismo seja perceptível no sistema gramatical. Ela também não está
cristalizada no estado do dialeto do qual tirou a sua origem. O que a distingue
é o papel que desempenha na vida cultural e científica. ‘ampliando e
modificando (intelectualizando) seu vocabulário’ para responder às
necessidades de expressão criadas pelo surgimento de novas matérias, bem
como às oriundas da preocupação de afiar o instrumento linguístico da
conceitualização. ‘A intelectualização da língua’ visa não apenas os termos,
mas igualmente as formas sintáticas que vão permitir a elaboração de frases
aptas a se amoldar à complexidade das operações do pensamento abstrato.”
(FONTAINE, 1978, p.29)

É uma noção que considera um caráter normativo da língua literária e que preconiza
uma distinção entre língua poética e língua de comunicação. A língua poética é o depósito da
tradição poética numa estrutura específica em que elementos idênticos podem apresentar
funções distintas, dependendo das suas relações com o conjunto. Logo, deve-se estudar a
estrutura desse sistema da língua literária – o estudo do significante – para entendê-la, em
detrimento de um olhar para o significado.
Já a Glossemática teve como grande expoente o trabalho do linguista dinamarquês Louis
Hjelmslev. Hjelmslev fundou o Círculo Linguístico de Copenhague e trabalhou na
Universidade do Copenhague como professor titular de Linguística Comparada. Seu projeto
discursivo empenhou-se no desenvolvimento de uma teoria matemática da linguagem que
explicasse os fenômenos através do empirismo e da dedução. Em 1943 publicou seu livro
“Prolegômenos a uma teoria da linguagem” e lá apresentou suas ideias centrais. Muito criticado
pela rigidez do seu formalismo e pelo distanciamento de seu pensamento com a fluidez histórica
e cultural que incide sobre os fatos da língua, Hjelmslev foi um autor que levou o estruturalismo
saussureano ao seu extremo. Basicamente, o linguista fez uso do pensamento lógico para
caracterizar as relações por meio das quais as línguas se estruturam, a fim de antecipar as
possibilidades de realização dos sistemas. Diferentemente, Saussure pensou em relações de
oposição, no entanto, não pensou em como essas relações podiam se constituir.
Ao assumir o ponto de vista imanentista de Saussure, Hjelmslev constrói uma crítica à
abordagem psicológica e transcendentalista que buscava nas investigações alcançar “o
psiquismo do autor, o gênio de um povo ou a natureza psíquica do homem” (FIORIN, 2003,
p.21), ancorando-se na afirmativa do suíço de que a língua era forma e não substância. Para ele,
assim como para Saussure, deve-se pensar a linguagem de forma científica, de um patamar
homogêneo, como um fim em si mesmo que negue a tradição humanista que não admite
constâncias e generalizações nos fenômenos humanos, muito menos a sua procura. Esta visão,
como colocado por Fiorin em seu texto “O projeto hjelmsleviano e a semiótica francesa”
pressupõe uma liberdade ideal do sujeito, que ignora as considerações marxistas e freudianas
que tratam das coerções sociais e psíquicas que pressionam o sujeito em sua vida. Assim, surge
aqui o primeiro postulado da teoria de Hjelmslev, analogamente à liberdade individual e as
coerções sociais e psíquicas, que diz que a todo processo corresponde um sistema que o subjaz,
ou seja, os processos, assim como o sujeito, não gozam de uma liberdade ilimitada. Para o autor,
o processo tem um número limitado de elementos que se combinam e reaparecem; dessa
maneira, a teoria precisa procurar calcular e prever essas possibilidades de combinações, que
revelariam a constância subentendida das flutuações no uso social da linguagem.
A linguística hjelmsleviana tem como princípio o empirismo, que postula que a
descrição científica deve ser não contraditória, exaustiva e simples, nessa ordem, não sujeitando
a descrição do processo à indução usada na linguística corrente. Para Hjelmslev, o movimento
científico não deve sintetizar, como acontece na indução, mas analisar e generalizar, buscando,
portanto, trabalhar com a totalidade dos sistemas, a língua em si mesma, olhando para as
relações formais entre seus constituintes. No caso da Linguística, olhar-se-ia para o texto, e
tomar-se-ia os seus componentes como classes analisáveis. Essa seria a única forma de não se
olhar para a linguagem como um meio de conhecimento transcendente como faziam outras
áreas, mas como um fim em si mesmo, como a sua própria meta.
A sua teoria se comprometeu em buscar as constâncias que não tivessem relação com a
realidade extralinguística. Nesse sentido, a acepção que Hjelmslev deu ao termo “teoria” foi
diferente daquela usada para se referir à confirmação de hipóteses. Pensando sobre a relação
entre a teoria e o objeto de investigação, o linguista suíço entende “teoria” como a coexistência
de dois fatores importantes: o caráter de arbitrariedade e de adequação. Assim, uma teoria é
naturalmente arbitrária o que significa que “(...) ela não depende da experiência, não implica
nenhum postulado de existência, ou seja, constitui um sistema dedutivo puro (...)” (FIORIN,
2003, p.24), enquanto a adequação resolve o problema de quando ela não preenche as condições
necessárias para explicar determinados dados da experiência. Nesse caso, o que se deve fazer é
expandir a teoria para uma aplicação adequada a esses dados. Assim, Hjelmslev estabelece uma
teoria que, ao mesmo tempo que é arbitrária e adequada, define o seu objeto. Ela debruça-se
sobre textos, processos do sistema linguístico. Dessa maneira, observa-se que essa teoria irá
olhar não só para os sistemas linguísticos como para os processos também, em seu trabalho
empírico de cálculo de possibilidades.
O objeto da linguística deve circunscrever as relações que existem dentro dos sistemas.
Essas relações, segundo Hjelmslev, são de dependência formal, e não realista. Essas
dependências são funções e um objeto que tem uma função com outro objeto é um funtivo. A
existência do objeto examinado está condicionada às relações de dependência de suas partes,
cuja totalidade está em sua soma: “1) entre ela e outras partes coordenadas, 2) entre a totalidade
e as partes do grau seguinte, 3) entre o conjunto dos relacionamentos e das dependências”
([Hjelmslev 1975:28] in FIORIN, 2003, p.27). Assim, definições como “o substantivo é o termo
que nomeia seres”, além de não verificar uma relação, aponta para uma realidade
extralinguística, o que para Hjelmslev não seria cientificamente preciso. Ela pode ser
substituída por, por exemplo, “o substantivo é o termo determinado por um adjetivo”, ou
“precedido de um artigo”, ou seja, definições baseadas em relações formais internas e externas
sistemáticas e não na sua substância. Cada uma dessas relações acontece tanto no processo
(conjunções), quanto no sistema (disjunções) – a própria relação entre processo e sistema é uma
função, sendo que o processo, virtual, pressupõe o sistema, realizado, mas não o contrário –
limitadas a três a quantidade de dependências teoricamente possíveis: a dependência mútua
(interdependência), em que os termos se pressupõem mutuamente, a dependência unilateral
(determinações), em que um termo pressupõe o outro, mas não o contrário e, finalmente, as
relações de dependência “frouxa” (constelações), em que os termos não se pressupõe
mutuamente.
Hjelmslev considera a linguagem “um sistema de figuras que servem para formar
signos” (FIORIN, 2003, p. 34). Os signos independem da sua extensão e são elementos que
veiculam significação, mesmo que se trate de signos mínimos, como morfemas. Signos podem
ser analisados em diferentes níveis: do som, da sílaba, enquanto palavra ou na frase, o que
indica que certas grandezas, de um estágio para o outro, podem ou não ser submetidas à análise,
já que em cada nível o tipo de relação estabelecido no sistema é diferente. Além disso, percebe-
se que os signos possuem em sua formação elementos que não veiculam significação e,
portanto, não são expressões do signo. Em outras palavras, a grandeza se define sempre com
relação ao contexto e em cada nível de análise observa-se um objeto distinto. Assim, em face a
essas inadequações em termos de rigor analítico, observa-se a necessidade de se estabelecer o
que faz parte do plano da expressão e do plano do conteúdo, e se abandonar a análise de signos.
Pela sua finalidade a linguagem é de fato um sistema linguístico, porém, na sua estrutura interna
ela é um sistema de figuras que formam um número ilimitado de signos. Para ele, deve-se
repensar então a definição saussuriana de signo que, na visão hjelmsleviana, não conhecemos
ao certo, e partir analiticamente da função semiótica, que não foi trabalhada pelo linguista suíço,
situada entre os planos da expressão e do conteúdo que são articulados pela langue. Esses planos
podem se subdividir em forma e conteúdo como se pode observar no quadro abaixo:

Na função semiótica, é obrigatória a presença simultânea de dois funtivos, e ela une


expressão e conteúdo. A expressão, para o linguista genebrino, “(...) só é expressão porque é
expressão de um dado conteúdo, e o conteúdo só é conteúdo porque é conteúdo de uma
expressão.” ([Hjelmslev 1975 53-54] in FIORIN, 2003, p. 34). A linguagem, assim, dá forma à
massa amorfa e indeterminada que é o pensamento. Enquanto a forma da expressão produz a
substância da expressão, a forma do conteúdo produzirá a sua respectiva substância. É a
linguagem, dessa maneira, que dá a forma à substância, noção que se diferencia singularmente
de Saussure, e o signo é a união entre expressão e conteúdo. Para o linguista de Genebra, todos
os homens compartilham das mesmas sensações, percepções e impressões, que são os sentidos
– que são passíveis de estudo do ponto de vista psicológico –, mas é a linguagem que os
enformará e os articulará de maneira particular nas diversas línguas, assertiva que se aproxima
bastante da hipótese Sapir-Whorf. Esse processo formará fronteiras de distintos paradigmas
entre uma língua e outra que são, na realidade, a forma do conteúdo no domínio do sistema.
Um clássico exemplo disso são as várias tonalidades de branco da língua esquimó expressas
por diversas palavras, enquanto no português brasileiro utilizamos somente uma palavra. Na
cadeia dos sintagmas, portanto, no processo, isso também irá acontecer, já que cada língua irá
exprimir sentidos com combinações distintas, dando destaque à valores diferentes. Assim,
enquanto no português diz-se “não sei”, usando-se somente o advérbio de negação e o verbo na
primeira pessoa do presente do indicativo, no francês já se fala “je ne sais pas” para exprimir o
mesmo sentido, mas aqui utilizando-se obrigatoriamente o pronome de primeira pessoa, a
primeira parte do morfema de negação, o verbo saber na primeira pessoa do singular e a segunda
parte do morfema de negação. Percebe-se assim que a substância não tem sentido independente,
é transformada e está sujeita à organização da forma que, por sua vez, é determinada pelo
sistema. O mesmo ocorre no plano da expressão: na massa amorfa dos sons, cada língua recorta
arbitrariamente os fonemas constituindo paradigmas diversos, e a sua combinação varia de
língua para língua. A forma da expressão produz o seu conteúdo, e aí têm-se diferentes
substâncias de expressão, a saber, pronúncias e sotaques variados.

3. Bloomfield apresenta uma concepção mecanicista e comportamentalista dos fatos


linguísticos, congruente com a visão de ciência de sua época. Explique essa
concepção a partir de uma caracterização de como Bloomfield define os fatos
linguísticos, a aquisição da linguagem e de sua opção por uma descrição rigorosa,
formal, não psicológica dos fatos gramaticais, no âmbito da qual o estudo do
significado é tido como o ponto fraco no estudo da linguagem.

O contexto vivenciado pelo linguista americano Leonard Bloomfield, o século 20 dos EUA,
caracteriza-se por uma praticidade e senso de urgência peculiares, na medida em que os
estudiosos da época se propuseram a descrever exaustivamente as línguas indígenas do
continente que eram, muitas vezes, orais e ágrafas em sua maioria, e caso desaparecessem,
não poderiam ser conhecidas. Por esse motivo, juntamente com Edward Sapir, Bloomfield
compunha a direção estruturalista da Linguística daqueles tempos, cujos interesses
sincrônicos predominavam sobre os diacrônicos. Em sua principal obra, “Language”, escrita
em 1933, texto de 28 capítulos e 600 páginas, Bloomfield reuniu suas rigorosas doutrinas
linguísticas num conjunto de postulados e instauraram a ciência estruturalista na América.
Fortemente influenciado pela psicologia behaviorista de Skinner, Bloomfield advogava por um
método que viabilizasse uma linguística estritamente mecanicista e comportamentista que se
opunha a quaisquer raciocínios mentalistas para explicar a linguagem, perspectiva essa que o
autor já se alinhara em 1914, mas mudara radicalmente num segundo momento.
Segundo este enfoque behaviourista, em que os princípios que regulam o comportamento
humano são os mesmos que regulam o dos animais, a linguagem existiria, no uso, sob uma
perspectiva materialista, num esquema de estímulo-reação-estímulo-reação (S-r-s-R), em que
“estímulos” e “reações” são eventos práticos. A existência da linguagem seria explicada pelas
exigências da divisão do trabalho e do funcionamento da sociedade humana; em outras
palavras, a sociedade só funciona e se realiza graças à linguagem. Assim, um estímulo externo
que precede o ato de falar provoca reações que vigoram na ordem da linguagem e provocam
uma reação. Ele exemplifica isso com a anedota de “Jack e Jill”, em que Jill vê uma maçã e
sente vontade de comê-la. Em vez de ir pegá-la, pede-a a Jack, o que seria uma reação
linguística substituta à reação não-linguística de subir na árvore. Aos atos de “sentir vontade
de comer” e “pedir” Bloomfield atribui explicações biológicas como “acontece dentro de seu
corpo determinadas reações” e “faz movimentos com a boca” respectivamente, e assim
resguarda a sua análise de categorias psicológicas. Jack, por motivos ligados a sua
subjetividade, e que portanto não são relevantes para uma descrição de estímulo-resposta,
apanha a maçã e oferece-a a Jill. Portanto, a linguagem é mediadora entre um estímulo
externo substitutivo e uma reação, ela “(...) permite a uma pessoa realizar uma certa reação
(R) quando é outra pessoa que experimenta o estímulo (S) (...)” (LEPSCHY, p.89). Neste
processo, a relação entre linguagem e sociedade é como, analogamente, à relação entre a
célula e o animal pluricelular, viabilizada pelo sistema nervoso. A distância entre os sujeitos é
preenchida pelas ondas sonoras, tal e qual o sistema nervoso, e constitui um todo que é um
“organismo celular”.
O que o sujeito fala é produto de um complexo mecanismo e não pode ser previsto, o que
leva a entender que um estímulo pode provocar variadas respostas, nenhuma delas ligada a
um fator que não seja fixado na biologia do corpo humano. O papel do ambiente no
desenvolvimento humano e na aprendizagem, nessa visão, é fundamental, excluindo-se tudo
aquilo que não faz referência ao contexto. Assim, aprendemos uma língua segundo hábitos
que adquirimos condicionados pelo ambiente em que crescemos. Nascemos com a
característica de produzir sons e os repetimos segundo a língua falada por nossos pares,
criando aí um hábito. Já condicionados, posteriormente, aprendemos a fazer associações
entre sons e coisas do mundo extralinguístico e somos capazes de emitir os sons mesmo longe
da presença desses objetos referenciados. Pela tentativa e erro é que vamos ajustando a
língua – incorporando acertos que são reforçados e abandonando erros. O ser humano, nesta
visão, é produto do seu meio linguístico. Esta perspectiva é a única, segundo o linguista, que
seria coerente com seu universo científico. Ele

“(...) impõe ao método científico as limitações do comportamento


estreito (‘tratar apenas dos acontecimentos, no seu tempo e lugar, acessíveis
a todos os observadores, e a não importa qual observador’), do mecanicismo
(tratar ‘apenas dos acontecimentos colocados nas coordenadas de tempo e
de espaço’), do operacionalismo (recorrer ‘apenas a proposições iniciais e a
previsões que impliquem em precisas operações materiais’), do fisicalismo
(usar ‘apenas termos deriváveis, com definições rígidas, de um conjunto de
termos quotidianos, referentes a acontecimentos físicos’) (...)” ( LEPSCHY,
p.92)

Para se entender a linguagem deve-se analisar os dados científicos observando os


organismos indutiva e objetivamente, e descrevê-los sem fazer referências a processos
psicológicos internos para, a partir daí, fazer generalizações. O mecanicista acredita que o
conhecimento advém da experiência e tal descrição se dá por procedimentos de descoberta
– reduções de sintagmas, morfemas – numa visão distribucionalista da linguagem. Não há
espaço para se considerar imagens mentais, sentimentos e sensações; ainda que tais coisas
sejam semelhantes entre diferentes indivíduos, tratam-se de termos populares que na
realidade fazem referências a movimentos físicos. Diferentemente, os mentalistas aceitam
tais termos como categorias válidas, pois sua epistemologia acredita que antes da enunciação
existe um “(...) pensamento, conceito, imagem, sentimento, ato de vontade, e que o ouvinte,
da mesma forma, tendo recebido as ondas sonoras, realiza um processo mental equivalente
ou correlato.” ([BLOOMFIELD] in DASCAL, 1982, p.34)
No que diz respeito ao estudo do significado, para Bloomfield esta seria a área fraca
de estudos da linguagem. De acordo com ele, o significado de uma forma linguística é definido
por nós, pois seria “(...) a situação em que o falante a enuncia [a forma linguística] e a reação
que ela provoca no ouvinte.” ([BLOOMFIELD] in DASCAL, 1982, p.29). A relação entre a
situação do falante e a reação do ouvinte são intimamente coordenadas, sendo a situação do
falante, anterior, definidora do significado. Para se dar uma definição cientificamente precisa,
portanto, de significado para todas as formas de língua, seria necessário se conhecer tudo
aquilo existente no mundo do falante, o que não é possível. Diferente das ciências em que se
tem um conhecimento técnico para se definir um objeto, quando se trata das línguas há uma
dificuldade devido ao relativismo que existe entre as mesmas, pois cada uma delas recorta
situações que, ainda que coincidam, não foram classificadas com precisão.
4. Apresente as ideias centrais que têm orientado os estudos gerativistas acerca da
linguagem. Em sua resposta, você deve abordar os seguintes conceitos: faculdade da
linguagem, abordagem inatista e gramática universal, criatividade linguística,
recursividade, modularidade, língua-I vs. língua-E. Para responder a esta questão,
aconselhamos, em especial, a leitura dos capítulos 1 e 2, da parte I, do livro The
Cambridge Companion to Chomsky.

O projeto gerativista, atualmente, tem como objetivos caracterizar como o


conhecimento está representado na mente, investigar como a linguagem se desenvolve nela –
ou seja, dar conta do processo de aquisição, pensando na relação entre os sistemas da língua e
os sistemas de desempenho – e verificar a relação entre mente e cérebro. Desde o seu início, no
final da década de 60, havia uma grande preocupação em se desenvolver uma teoria para
representar o conhecimento e responder a questionamentos relativos à mente. Nesse contexto,
é possível caracterizar este como um projeto de investigação naturalista de cunho mentalista,
uma vez que se parte do pressuposto de que os seres humanos, distintos dos outros seres, são
dotados da linguagem e da capacidade de usá-la a seu favor, e que tal capacidade se desenvolve
em função de propriedades inatas já nascidas com os sujeitos, desenvolvendo-se e
especificando-se à medida que ocorrem as experiências ao longo da vida. Os pressupostos dessa
visão tomam a mente como um órgão biológico e admitem a existência nela de uma Gramática
Universal (GU) das línguas naturais, dotada de princípios gerais das línguas humanas e,
consequentemente, de uma capacidade inata dos seres humanos, em condições normais, para
aprender línguas naturais.

O projeto, até alcançar a sua versão “minimalista”, passou por algumas fases. Noam
Chomsky, o principal expoente dessa perspectiva racionalista e cognitivista que representou a
segunda revolução paradigmática da Linguística – tendo sido Ferdinand de Saussure o primeiro
–, interessou-se pela competência, que é o conhecimento que o sujeito tem da língua. A
performance linguística, que é o uso linguístico que esse indivíduo faz em situações concretas,
por ser circunstancial, não reflete necessariamente a competência e implica desvios e hesitações
na fala. No entanto, é a partir da performance, independente dos erros que se cometa ao usar a
fala, que se adquire evidências para se desvelar as regras linguísticas subjacentes que o sujeito
aprendeu ao longo dos anos e que não precisou de instrução formal alguma para dominar.
Assim, nas investigações conduzidas pelos gerativistas, busca-se a gramática da língua que jaz
na mente humana, explicando-se os dados em vez de somente descrevê-los, sendo comum lidar
com questões referentes à aquisição da linguagem e afasias.

O seu momento inicial das investigações, na década de 60, propôs uma série de regras
que explicavam cada língua humana conhecida. Este modelo começou a se tornar
demasiadamente complexo, e extrapolava a premissa de que teorias deveriam apresentar um
equilíbrio entre a questão da adequação descritiva e explicativa. Além de muito variadas,
parecia exagerado pensar que as crianças deveriam aprender uma quantidade muito grande de
regras para adquirirem a linguagem. Assim, a teoria foi revista na década de 70, e sua nova
versão, a teoria padrão estendida, começava a mencionar leis mais gerais, o que se aproximava
da ideia de princípios, que se consolidou posteriormente com a teoria de Princípios e
Parâmetros, na década de 80. Nesse momento, mais maduro, a teoria oferecia um formato mais
simples que as versões anteriores, e conseguia explica explicar sinteticamente os
questionamentos do momento. Assim, cada língua particular se deriva de um estado inicial
comum e uniforme sob as condições limite impostas pela experiência. Elas saem de um estado
uniforme para um estado particular. Nesse raciocínio, rejeita-se a ideia da tradição de que uma
língua é um sistema complexo de regras e que cada regra é específica de um sistema particular.
Levando-se em conta a adequação explicativa, isso não pode estar certo. Na realidade, o que as
crianças têm representado é algo muito mais geral. As construções gramaticais são artefatos
taxonômicos resultantes de algo que é mais geral, e as regras são decompostas em princípios
gerais da faculdade da linguagem que interagem, tendo como resultado as propriedades das
expressões. As crianças já nascem com esses princípios na mente e têm a tarefa de mapear o
que é verbo, nome, e especificar as posições dessas classes, pois os sintagmas vão se montando
a partir de seus núcleos, formando verdadeiras árvores sintáticas. Isso é fixar parâmetros.
Dentro dessa perspectiva biolinguística pode-se pensar em como se dão problemas de afasia,
ou DEL, por exemplo, utilizando-se a árvore para se identificar em que lugar acontece o
problema, e pensar em como resolvê-lo. A teoria de Princípios e Parâmetros é uma resposta
unificadora para três coisas: a aquisição da linguagem – a criança fixa parâmetros –, a variação
linguística, pois as línguas variam de acordo com a posição dos parâmetros e, finalmente, é uma
resposta que dá conta da mudança linguística, que se dá por uma alteração do valor do
parâmetro.

Além disso, no processo de aquisição da linguagem, observou-se que a criança tem a


capacidade de, num ambiente de pobreza de estímulo, em que elas são expostas a alguns
exemplos de sentenças na sua língua, elas se mostram capazes de produzir um número infinito
de sentenças de comprimentos variados, um fenômeno que parece se concretizar num intervalo
relativamente curto de alguns anos. O crescimento linguístico de um indivíduo ocorre sem
esforço aparente, muito menos letramento formal. O que ocorre, na verdade, é um processo
subconsciente que, apesar da variação das inteligências e contextos linguísticos em que vivem,
ocorre nas crianças quando não há qualquer tipo de comprometimento da linguagem nessa fase
inicial. As crianças reagem às evidências linguísticas que as atingem e testam hipóteses de
combinações. No entanto, deve-se ter em mente que não são hipóteses aleatórias, mas, na maior
parte das crianças, uma quantidade tal de hipóteses que aos poucos compõem a sua gramática,
tornando-a cada vez mais e mais complexa. Na teoria, admite-se a existência de filtros que
viabilizam a identificação daquilo que é gramatical e agramatical. Assim, a partir dessas regras
recursivas as crianças se tornam capazes, cada vez mais, de proferir sentenças que elas nunca
ouviram ou disseram antes. Essa faculdade da linguagem, para Chomsky, também é
caracterizada pelo seu caráter de criatividade, longe de um aspecto de criação artística. Para ele,
ao contrário dos outros animais, o ser humano é dotado de uma capacidade criadora, de natureza
biológica, que organiza o seu intelecto.

A partir da década de 90, passou-se a pensar na relação da linguagem com outros


sistemas cognitivos. Perguntas sobre até que ponto as línguas são como são e se a faculdade da
linguagem era determinada por condições impostas por outros sistemas cognitivos traziam
novos desafios para a teoria. Para responde-la, Chomsky trabalha com hipótese da faculdade da
linguagem como sendo um sistema perfeito de design ótimo, que precisa se ajustar a outros
sistemas cognitivos existentes na mente. A linguagem é uma faculdade que busca legibilidade
que são impostas pelo sistema de desempenho. Em outras palavras, ela deve conseguir rodar na
caixa cognitiva da mente. Assim, pode-se pensar a faculdade da linguagem em sentido estrito
e amplo. Em sentido estrito, há o sistema computacional com um vocabulário que viabilizam
estruturas absurdas como a conhecida frase do autor, “Colorless green ideas sleep furiously”.
Isso mostra autonomia entre a sintaxe e a semântica. Mas a faculdade da linguagem também
tem relação com outros sistemas, principalmente com o sistema de desempenho. Há o sistema
conceitual e o da produção verbal, e a língua precisa trabalhar em interface com esses sistemas
também. Há também a relação com o ambiente externo que deve ter considerado.

Chomsky concentrou-se na língua do indivíduo em detrimento à língua que existe no


mundo social. Para ele, a chamada “língua-e”, externa, a que existe fora do sujeito, não pode
ser tomada como objeto de investigação científica. De acordo com Chomsky, a “língua-e” seria
um construto apropriado para o domínio da política, matemática e lógica, mas não era coerente
nem definível para refletir processos mentais de bases universais. A “língua-e”, se fosse
explicada, submeteria os linguistas a explicarem variedades diferentes de língua, o que não seria
adequado nem preciso e impossibilitaria generalizações. O que deveria ser estudado era a
“língua-i”, de status psicológico, cuja existência ocorria internamente. Diferente da “língua-e”,
a “língua-i” poderia ser descrita e, assim, passível de investigação.

A “língua-i”, que é a faculdade de linguagem propriamente dita, define e liga os níveis


lógico e fonético de representação da linguagem. A língua é caracterizada como ótima e
quaisquer desvios manifestos na performance são motivados por condições externas, como
necessidades comunicativas, por exemplo. Ademais, a faculdade da linguagem existe na mente
humana de maneira modular, e é essencial na manifestação do intelecto humano. Ela se organiza
em forma de módulos e submódulos, pedaços distintos, independentes entre si e governados,
cada um, por seus próprios princípios e generalizações. Cada uma dessas partes consiste num
domínio de investigação e construção teórica, o que viabiliza uma análise modular da mente.
Isso não significa que os componentes que formam um módulo não podem aparecer em outro.
Chomsky exemplifica o nível celular, em que isso pode acontecer. Os módulos são divididos
em faculdade da linguagem, separada do julgamento moral, da música e da matemática, e outra
relacionada ao som, estrutura e sentido. Pessoas que tenham algum déficit cerebral – seja devido
a algum trauma, ou de nascença – não necessariamente apresentarão comprometimentos na
linguagem, o que é usado como evidência para se embasar a modularidade.
Referências Bibliográficas
 BENVENISTE, Émile. NOVAK, M.d.G., NERI, M.L. (trad), SALUM, I.N. (rev).
Problemas de Linguística Geral I. Cap 3 e Cap 4 1991 3.ed. Campinas, SP.
Pontes.

 CHOMSKY, Noam. 2004. Biolinguistics and the Human Capacity. Lecture


delivered at MTA, Budapest, May 17.
http://www.chomsky.info/talks/20040517.htm

 DASCAL, M. Fundamentos Metodológicos da Linguística, Semântica, vol III,


Campinas, 1982

 FIORIN, J. L., O projeto hjelmsleviano e a semiótica francesa, pp.19-52, 2003


Revista Galáxia, São Paulo

 FONTAINE, J. O Círculo Linguístico de Praga; trad. João Pedro Mendes. São


Paulo, Cultrix. Ed. da Universidade de São Paulo. 1978

 HARRIS, R., TALBOT, J.T. Landmarks in Linguistic Thought: The Western


Tradition from Socrates to Saussure. London: Routledge, 1989

 McGILVRAY, James (org.). The Cambridge Companion to Chomsky.


Cambridge, UK: CUP, 2005. Caps I e II

 MUSSALIN, F.; BENTES, A.C. Introdução à Linguística: fundamentos


epistemológicos, vol.3. São Paulo. Cortez.

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