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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

JOÃO SÉRGIO ALVES FERREIRA FILHO

DIREITO AMBIENTAL: INTERNATIONAL MONSANTO TRIBUNAL

PROF. DRª. KATYA ISAGUIRRE

CURITIBA

2017
TRIBUNAL INTERNACIONAL DA MONSANTO
Antes de falarmos sobre o Tribunal Internacional Monsanto, é
necessário tecer alguns comentários sobre o que é Monsanto, para então pontuar os
motivos que levaram á criação do Tribunal Internacional, além de como e por quem.

I. CONTEXTUALIZAÇÃO DO CASO: A ORIGEM DA EMPRESA


MONSANTO COMPANY
Monsanto company é uma empresa multinacional fundada em 4 de
abril de 1901 por John Francis Queeny, farmacêutico. Foi fundada, e é sediada, nos
Estados Unidos da América.
A empresa leva o sobrenome da esposa do fundador John F.
Queeny (Olga Mendez Monsanto). Essa empresa sempre atuou na área de produtos
químicos, na década de 20, no início de sua atividade, a produção resumia-se
preponderante nos produtos vanilina, aspirina e borracha.
Mais tarde, na década de 40 tornou-se uma das maiores produtoras
de plástico, tornando-se uma das maiores indústrias químicas dos Estados Unidos e
passando, posteriormente, a produzir outros componentes químicos como os
agrotóxicos herbicidas 2, 4, 5-T e DDT; entre outras substâncias: agente laranja,
somatropina bovina, ascarel (proibido no Brasil), etc.
Após uma fusão com a empresa Pharmacia & Upjohn, em 2000 a
Monsanto torna-se uma subsidiária da nova organização e em 2002 passa a atuar
apenas no segmento de agronegócios, sendo adquirida em 2016 pela empresa
Bayer pelo valor de US$ 66 bilhões.

II. RISCOS SOCIOAMBIENTAIS


II.I AS DENÚNCIAS DA ACTION AID, EM FACE DA MONSANTO E
OUTRAS EMPRESAS, POR CONTROLE DA CADEIA DE PRODUÇÃO
ALIMENTÍCIA MUNDIAL
No ano de 2005, a organização não governamental Action Aid,
divulgou durante o Fórum Social Mundial, um relatório sobre a situação da comida
no mundo, concluindo que a Monsanto estava contribuindo para o aumento da fome
e da miséria no mundo, como consequência direta do controle de grande parte do
comércio internacional de alimentos e produtos agrícolas1:

1 ACTION AID. Power hungry: six reasons to regulate global food corporations. Disponível em:
Tendo, inclusive, controlado parcela significativa do mercado
brasileiro de sementes de milho não genéticamente modificado.
Esse relatório denuncia que a Monsanto, aliada com outras 9
empresas, dominavam suntuosa parcela da cadeia de produção de alimentos, que ia
desde a origem nas sementes até as baias dos supermercados.

II.II POLÍCIA GENÉTICA DA MONSANTO


Em 21 de maio de 2004, a rede canadense CBC News publicou uma
notícia2 que denunciava a prática de polícia genética pela empresa Monsanto. A
empresa proibia agricultores que compravam suas sementes transgênicas de
guardar parte da colheita para o replante. Para manter essa proibição a Monsanto
investigava denúncias anônimas de casos suspeitos, ia até as propriedades rurais
inspecionar as sementes encontradas ali, mesmo sem autorização dos agricultores.
Verificando que tratava-se de sementes oriúndas da empresa, ela
processava os agricultores, perseguindo-os em uma via crucis judicial.
O caso mais emblemático foi o do agricultor Percy Schmeiser, do
Canadá. As sementes genéticamente modificadas da Monsanto foram transportadas,
pelos efeitos da natureza, para sua propriedade e foi perseguido judicialmente pela
multinacional. Na Suprema Corte canadense a Monsanto ganhou a causa por
maioria de votos, mas o agricultor não precisou repassar valores à empresa nem
custas judiciais, pois não havia lucrado com a recepção das sementes transportadas

<https://www.actionaid.org.uk/sites/default/files/doc_lib/13_1_power_hungry.pdf>. Acesso em: 25out2017.


p. 13
2 CBC NEWS. Percy Schmeiser's battle. Disponível em:
<http://www.cbc.ca/news2/background/genetics_modification/percyschmeiser.html>. Acesso em:
25out2017.
acidentalmente.

II.III MONSANTO PROTECTION ACT


Não bastassem as situações anteriormente descritas sobre as
questões polêmicas em que a empresa se viu envolvida, houve também nos Estados
Unidos uma questão delicada3: uma emenda na lei orçamentária chamada de
Farmer Assurance Provision, e, pelas suas características, apelidada de Monsanto
Protection Act, que permitia a cultura de plantas geneticamente modificadas, mesmo
sem homologação.

III RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL: DA ORIGEM DO


INTERNATIONAL MONSANTO TRIBUNAL E SEUS OBJETIVOS
O site do Tribunal Internacional Monsanto traz a sua criação
especificada da seguinte forma:

O Tribunal Monsanto é uma iniciativa da sociedade civil


internacional que responsabiliza a Monsanto por violações de
direitos humanos e ecocídio. Juízes eminentes ouviram
testemunhos de vítimas e especialistas, seguindo os
procedimentos do Tribunal Internacional de Justiça (em 18 de
abril de 2017, Haia).
Os juízes concluíram que as atividades da Monsanto têm um
impacto negativo sobre os direitos humanos básicos. Além
disso, melhor são necessárias leis para proteger as vítimas das
empresas multinacionais. Eventualmente, o direito internacional
deve ser melhorado procurando uma melhor proteção do meio
ambiente e incluindo o crime de ecocídio.

Então, verifica-se que o Tribunal, é, na verdade, uma iniciativa que


parte dos cidadãos ou organizações em sentido amplo, e não dos sujeitos de direito
internacional, os Estados.
Trata-se, portanto, de um "Tribunal de Opinião"extraordinário criado
para determinar as consequências jurídicas decorrentes de algumas atividades da
empresa Monsanto.
Seu objetivo é dar um parecer jurídico sobre os danos ambientais e
de saúde causados pela corporação multinacional Monsanto. Partindo desse
parecer, promover-se-á um debate internacional par acrescentar o crime de ecocídio
em direito penal internacional e subisidiar processos contra a Monsanto ao redor do

3 LE MONDE. Le "Monsanto act" met les OGM au-dessus de la loi aux Etats-Unis. Disponível em:
<http://www.lemonde.fr/planete/article/2013/04/05/comment-monsanto-a-mis-les-ogm-au-dessus-de-la-loi-
aux-etats-unis_3154615_3244.html>. Acesso em: 25out2017.
mundo.
Os membros do Comitê de Organização são4: Vandana Shiva, uma
das sete mulheres mais influentes do mundo em 2010 pela Revista Forbes; Corinne
Lepage, ex-ministra do Ambiente da França e atual presidenta honorária do Comité
Idependente de Pesquisa e Informação sobre Engenharia Genética (CRIIGEN);
Marie-Monique Robin, jornalista autora do documentário mais vendo no mundo (O
Mundo segundo a Monsanto) e madrinha do Tribunal Monsanto; Olivier de Schutter,
copresidente do Painel Internacional de Especialistas em Sistema Alimentares
Sustentáveis (IPES-Food), antigo Relator Especial da ONU sobre Direito à
Alimentação e atual membro do Comité das Nações Unidas sobre os Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais; Gilles-Eric Séralini, professor de biologia molecular
e estudioso sobre os OGM e pesticidas; Hans Rudolf Herren, presidente e diretor-
executivo do Instituto Millenium e presidente fundador da Biovision; Aranaud
Apoteker, ativista do Greenpeace e coordenador da campanha contra os OGM's do
grupo parlamentar europeu Grupo dos Verdes/Aliança Livre Europeia; Emilie
Gaillard, professora de Direito Ambiental e Direitos Humanos Internacionais na
Faculdade de Ciências Políticas de Rennes (França); Valerie Cabanes, advogada
especialista em Direito Internacional, com esperiência em Direito Humanitário e
Direitos Humanos; Ronnie Cummins, atual direitor internacional da Associação de
Consumidores Orgânicos (EUA); Andre Leu, presidente da IFOAM Organics
Internacional, entre outros nomes.
O Tribunal é composto por cinco juízes internacionais: Dior Fall Sow,
de Senegal; Jorge Fernández Souza, do México; Eleonora Lamm, da Argentina;
Steven Shrybman, do Canadá; Françoise Tulkens, da Bélgica. Além deles, há
também o oficial de justiça, Marcos A. Orellana, do Chile/EUA; e os advogados
William Bourdon, da França; Gwynn MacCarrick, da Austrália e Jackson Nyamuya
Maogoto, do Reino Unido.
Esses juízes avaliaram os fatos e julgaram os danos imputáveis à
empresa Monsanto à luz do direito internacional em vigor. Não obstante, avaliam
também as ações sob o prisma doo crime de ecocídio, previsão normativa que
grupos socioambientais fazem pressão para incluir no direito internacional penal,
alterando, consequentemente, o Estatuto de Roma, que estabelece o tribunal Penal

4 SITE INTERNATIONAL MONSANTO TRIBUNAL. Sobre Nós. Disponível em:


<http://pt.monsantotribunal.org/Sobre-nos>. Acesso em: 25out2017.
Internacional, permitindo que pessoas singulares e coletivas possam ser
processadas pelo crime de ecocídio.
As audiências aconteceram em 15 e 16 de outubro de 2016, em
Haia. Houve a colheita dos testemunhos de 30 testemunhas e especialistas para que
os juízes pudessem se familiarizar com as situações fáticas e responder á seis
perguntas feitas ao tribunal para a confecção do parecer, os termos de referência
são os seguintes5:

Eixo 1: A firma Monsanto, pelas suas atividades, terá violado o


direito a um ambiente seguro, limpo, saudável e sustentável,
como reconhecido no direito internacional dos direitos humanos
(Rés. 25/21 do Conselho dos Direitos Humanos, de 15 de Abril
de 2014), tendo emconta as responsabilidades impostas às
empresas pelos Princípios Orientadores sobre Empresas e
Direitos Humanos, tal como aprovados pelo Conselho dos
Direitos Humanos na resolução 17/4 de 16 de Junho de 2011?
Eixo 2: A firma Monsanto, pelas suas atividades, terá violado o
direito à alimentação, como reconhecido no artigo 11.o do
Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e
Culturais, nos artigos 24.o, no 2, alíneas c) e e) e 27.o, no 3 da
Convenção sobre os Direitos da Criança, e nos artigos 25.o,
alínea f) e 28.o, no 1 da Convenção sobre a Eliminação de
Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, tendo
em conta as responsabilidades impostas às empresas pelos
Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos,
tal como aprovados pelo Conselho dos Direitos Humanos na
resolução 17/4 de 16 de Junho de 2011?
Eixo 3: A firma Monsanto, pelas suas atividades, terá violado o
direito ao mais elevado padrão de saúde possível, como
reconhecido no artigo 12.o do Pacto Internacional sobre
Direitos Económicos, Sociais e Culturais, ou o direito da criança
de usufruir do mais elevado padrão de saúde possível, como
reconhecido no artigo 24.o da Convenção sobre os Direitos da
Criança, tendo em conta as responsabilidades impostas às
empresas pelos Princípios Orientadores sobre Empresas e
Direitos Humanos, tal como aprovados pelo Conselho dos
Direitos Humanos na resolução 17/4 de 16 de Junho de 2011?
Eixo 4: A firma Monsanto terá violado a liberdade indispensável
para a investigação científica, como garantida no artigo 15.o, no
3 do Pacto Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e
Culturais, bem como as liberdades de opinião e expressão,
garantidas no artigo 19.o do Pacto Internacional sobre os
Direitos Civis e Políticos, tendo em conta as responsabilidades
impostas às empresas pelos Princípios Orientadores sobre
Empresas e Direitos Humanos, tal como aprovados pelo
Conselho dos Direitos Humanos na resolução 17/4 de 16 de
Junho de 2011?
Eixo 5: A firma Monsanto terá sido cúmplice de perpetração de
um crime de guerra, tal como definido no artigo 8.o, no 2 do
Tribunal Penal Internacional, por ter fornecido materiais ao
Exército dos Estados Unidos no contexto da operação "Ranch
Hand" lançada no Vietname em 1962?

5 SITE INTERNATIONAL MONSANTO TRIBUNAL. Tribunal. Disponível em:


<http://pt.monsantotribunal.org/Como_>. Acesso em: 25out2015.
Eixo 6: As atividades passadas e presentes da firma Monsanto
poderão constituir um crime de ecocídio, entendido como
provocando prejuízos graves ou destruindo o meio ambiente de
forma a alterar significativamente e duradouramente recursos
comuns ou serviços
ecossistémicos dos quais dependem determinados grupos
humanos?

A opinião consultiva traz uma divisão tripartida6, onde a introdução


relembra a situação em que o Tribunal foi criado, a parte central examina as
perguntas realizadas ao Tribunal e por último traz a análise sistematizada entre os
direitos das empresas e as restrições impostas, independente do lugar onde atuem,
de modo a proteger comunidades locais e gerações futuras.
O projeto surgiu da indignação da sociedade civil em face da
capacidade da empresa Monsanto em ignorar os danos humanos e ecológicos
causados pela sua atividade comercial e produtos, atividades devastadoras
encobertas por uma sistemática complexa de ocultação exercida pela empresa.
O projeto busca aumentar a imputação da responsabilidade à
empresa, que, atualmente só poderia se dar na esfera cível. Atualmente, não há
como perseguir criminalmente a empresa, nem seus dirigentes pelos crimes contra a
saúde humana ou contra o meio ambiente que ela vem praticando.
Mais do que simplesmente atingir a empresa Monsanto, o Tribunal
Internacional Monsanto busca atingir todo o sistema agroindustrial, todas as
empresas que praticam, mesmo que em menores patamares, mazelas similares às
praticadas pela empresa aqui referida.
Cria-se, desse modo, um processo exemplar, que servirá de base
para denunciar as outras empresas que têm como modus operandi o desrespeito ao
meio ambiente e danos levianos à saúde da sociedade como um todo.
Essa estrutura de julgamento traz a opinião pública e os
responsáveis políticos mais pra perto das práticas das grandes empresas
agroindustriais multinacionais, e deixa em evidência uma visão mais zelosa sobre o
meio ambiente e os direitos humanos fundamentais.
Além de responsabilizar internacionalmente as empresas pelos
crimes ambientais e à sociedade, essa iniciativa busca fornecer subsídios jurídicos
para vítimasnas contendas locais, que adentram o âmbito nacional dos Estados.
Ao final, o Tribunal Internacional Monsanto terá evoluído o direito

6 SITE INTERNATIONAL MONSANTO TRIBUNAL. Resultados. Disponível em:


<http://pt.monsantotribunal.org/Resultados>. Acesso em: 25out2017.
internacional de modo a facilitar o acesso das vítimas à justiça.

IV. CONSIDERAÇÕES
No Direito Internacional verifica-se que os sujeitos de direito são os
Estados e os Tribunais Internacionais são estabelecidos por tratados entre esses
Estados, isso é que traz o efeito vinculante das decisões dos Tribunais Internacionais
para os Estados, o aceitar dos tratados acordados, e sua publicação.
A situação do Tribunal Monsanto carece dessa legitimidade formal,
não obstante haja uma quantidade significativa de assinaturas em prol da causa.
Entretanto, apesar dessa carência, não se pode ignorar que o Tribunal não é
composto por pessoas ordinárias, mas sim por referências.
A começar pelos juízes, são pessoas de elevadíssimo saber jurídico,
carreiras consolidadas com experiências diversificadas e únicas, cada qual em sua
área e região, trazendo peculiaridades ao caso julgado, não apenas sob uma ótica
individualista hegemônica de uma organização ou cultura.
Do ponto de vista jurídico, essa situação queda-se delicada para
adquirir uma força cogente, coercitiva, que seria o ideal para o caso, pois sabe-se
que a proteção ao meio ambiente é o primeiro instituto a ser desprivilegiado frente a
assuntos econômicos e financeiros.
O fato do julgamento de opinião, tem sua força de convencimento,
principalmente pela questão dos personagens envolvidos, sejam os juízes ou os
membros do comitê, mas apenas uma força não vinculante, quase que uma simples
sugestão, o que enfraquece a medida, apesar da suntusosa boa vontade reunida.
Uma medida que poderia ser adotada, além da necessária emenda
ao Estatuto de Roma, é um sistema de precedentes consultivos do Tribunal
Internacional Monsanto para o Tribunal Internacional Penal nos casos referentes à
disputas envolvendo produção alimentar à nível internacional, de modo a criar uma
jurisprudência que tomaria uma forma mais cogente, dando maior efetividade às
decisões do Tribunal de opinião.

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