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CAPÍTULO 4
Relações jurídicas no interior da Administração Pública
Secção I
Relações entre sujeitos da Administração Pública
Uma vez que as pessoas coletivas atuam através de órgãos, as relações entre
sujeitos processam-se naturalmente entre órgãos, mas entre órgãos de pessoas coletivas
diferentes. Projetando-se para o exterior da pessoa coletiva, a ação do órgão imputa-se à
pessoa coletiva e, por conseguinte, no plano jurídico, é esta que entra em relação
(externa) com uma outra entidade. O sujeito de imputação final dos poderes e deveres
que integram o conteúdo destas relações é, por conseguinte, a pessoa coletiva de direito
público e não o órgão por cujo intermédio a mesma atua.
São de vários tipos as relações jurídicas que se desenvolvem entre sujeitos da
Administração.
Vamos conhecê-las agora.
24 – Superintendência 152
A superintendência designa, fundamentalmente, uma relação que intercorre
entre o Estado e os organismos da sua Administração indireta (institutos públicos),
enquanto entidades com personalidade jurídica que prosseguem, em nome próprio,
interesses públicos estaduais e que se traduz, genericamente, num poder de orientação
do Governo, o qual inclui a indicação das missões, a definição das prioridades, bem
como dos objetivos e das metas a atingir pela entidade superintendida.
A Constituição, no artigo 199.º, alínea d), alude, conjuntamente, à relação de
superintendência e tutela sobre a administração indireta. Os conceitos representam
efetivamente poderes de natureza e conteúdo diferentes: a superintendência corresponde
a orientação; como veremos, a tutela corresponde a intervenção e a fiscalização.
Isto permite explicar que a LQIP distinga entre tutela e superintendência e
consagre preceitos diferentes para cada uma delas (artigos 41.º e 42.º, respetivamente):
no preceito consagrado à superintendência, diz-se que “o membro do Governo (da
tutela) pode dirigir orientações, emitir diretivas ou solicitar informações aos órgãos
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resultados e objetivos a alcançar, mas que deixa na esfera deste último a escolha dos
meios e dos processos para atingir os resultados e objetivos definidos.
25 – Tutela administrativa
A tutela administrativa consiste numa relação jurídica que intercorre entre o
Estado e um outro sujeito da Administração Pública, e pode consubstanciar-se, em
geral, em poderes estaduais de intervenção na gestão, de fiscalização e de
sancionamento da entidade tutelada.
A tutela administrativa desenvolve-se no âmbito das relações entre o Estado e a
sua administração indireta, em paralelo com a superintendência (v. artigo 41.º da LQIP).
Processa-se ainda como quadro de relacionamento entre o Estado e as entidades
da administração autónoma (cf. Lei da Tutela Administrativa do Estado sobre as
autarquias locais e artigo 45.º da Lei das Associações Públicas Profissionais).
Em certos termos, pode ainda existir no domínio das relações entre o Estado e a
administração independente – assim sucede no âmbito da LQER, com a previsão de
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são controladas como se fossem serviços internos daquelas e, além disso, desenvolvem
o essencial da sua atividade em benefício das mesmas. Assim, nos termos do artigo 5.º,
n.º 2, o CCP não se aplica à formação de contratos a celebrar por entidades adjudicantes
com uma outra entidade, desde que: (a) a entidade adjudicante exerça sobre a atividade
desta, isoladamente ou em conjunto com outras entidades adjudicantes, um controlo
análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços; (b) esta entidade desenvolva o
essencial da sua atividade em benefício de uma ou de várias entidades adjudicantes que
exerçam sobre ela o controlo análogo.
A noção de “organismo de direito público” (a que já aludimos), embora não
referida nestes termos, tem origem no direito da União Europeia e encontra-se acolhida
no artigo 2.º, n.º 2, do CCP, bem como no artigo 4.º, n.º 2, da LADA. Por organismo de
direito público entende-se uma qualquer pessoa coletiva que, independentemente da sua
natureza pública ou privada, (a) tenha sido criada especificamente para satisfazer
necessidades de interesse geral, sem carácter industrial ou comercial (entendendo-se
como tal aquela cuja atividade económica se não submeta à lógica do mercado e da livre
concorrência) e (b) em relação à qual se verifique uma das seguintes circunstâncias: i)
seja maioritariamente financiada por uma pessoa coletiva de direito público; ii) esteja 157
sujeita ao controlo de gestão por uma pessoa coletiva de direito público; iii) tenha um
órgão de administração, de direção ou de fiscalização cuja maioria dos titulares seja,
direta ou indiretamente, designada por uma pessoa coletiva de direito público.
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Secção II
Relações interorgânicas (entre órgãos do mesmo sujeito)
As relações jurídicas referidas no número anterior dizem-se intersubjetivas por
se desenvolverem entre (órgãos administrativos de) pessoas coletivas distintas. Agora,
têm-se em vista relações jurídicas que se desenvolvem entre órgãos administrativos da
mesma pessoa coletiva pública. O órgão administrativo é, neste caso, a instância de
imputação final de poderes e de deveres.
29 – Hierarquia
A hierarquia é uma relação interorgânica típica – não existe relação hierárquica
entre distintas entidades; o mero facto da personalidade jurídica de um organismo
impede a subordinação hierárquica.
No plano da organização interna da pessoa coletiva de direito público, a
hierarquia constitui uma relação de entre dois órgãos administrativos, em que um deles,
o superior hierárquico, detém um poder de supremacia jurídica sobre outro, o órgão
subalterno; ao poder de supremacia do superior hierárquico corresponde um dever de 160
subordinação do subalterno.
a) Poder de direção
O poder principal do superior hierárquico é o poder de direção, que lhe permite
dirigir comandos ao órgão subalterno, quanto ao desempenho das respetivas
competências ou à prática de atos em matéria de serviço.
Os comandos assumem-se como ordens (concretas e individuais), mas também
podem revestir a natureza de diretrizes ou de instruções – estas diretrizes ou instruções,
de carácter geral e abstrato, corporizam o designado “direito circulatório”, por surgirem
incluídas em atos que a praxis administrativa designa “circulares” e “ofícios
circulados”.
Ao poder de direção do órgão superior corresponde o dever de obediência do
órgão subalterno. Nos termos do artigo 73.º, n.º 8, da LTFP, o “dever de obediência
consiste em acatar e cumprir as ordens dos legítimos superiores hierárquicos, dadas em
objeto de serviço e com a forma legal”. A norma está disposta para operar no âmbito da
hierarquia interna, mas aplica-se no plano da hierarquia externa
b) Poder disciplinar
Além do poder de direção (sobre os órgãos subalternos), o órgão superior detém
o poder disciplinar sobre os titulares dos órgãos subalternos. Está agora em causa a
competência para instaurar procedimentos disciplinares, apreciar a prática de infrações e
cominar as respetivas sanções. Em concreto, nos termos da lei, todos os superiores
hierárquicos são, em regra, competentes para instaurar ou mandar instaurar
procedimento disciplinar contra os respetivos subordinados e todos são competentes
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para aplicar a sanção de repreensão escrita: cf. artigos 196.º, n.º 1, e 197,º n.º 1, da
LTFP.
d) Poder de substituição
O superior hierárquico detém ainda um poder de substituição, que consiste em
poder praticar atos sobre matérias da competência do órgão subalterno. A possibilidade
de substituição depende da forma como estão distribuídas as competências entre os
órgãos superior e subalterno: em regra, apenas se admite que aquele exerça poderes do
subalterno fora do círculo de competências exclusivas deste; todavia, o superior pode
substituir o subalterno no exercício das suas competências exclusivas em caso de inércia
ilegal deste.
mesma ou de outra pessoa coletiva pública ou para uma entidade particular o exercício
de uma competência que lhe pertence.
Vejamos esta definição em pormenor.
habilita o órgão ou agente delegado a atuar num plano externo no exercício legítimo de
competências que a lei não lhe confere. Quer dizer, apesar de, em si mesma, a relação
de delegação poder projetar-se num plano subjetivo puramente interno, o ato jurídico de
delegação introduz uma alteração no esquema legal de distribuição de competências, ao
habilitar um órgão ou agente a desenvolver uma ação com efeitos externos.
Pode mesmo dizer-se que o ato de delegação produz um efeito de carácter
normativo, pois funciona como “norma de competência” em relação ao delegado. Mas a
produção deste efeito não infirma a natureza concreta e individual do ato de delegação,
quando considerado em si mesmo. Trata-se, pois, de um ato administrativo – ou,
eventualmente, de um contrato administrativo – com recorte organizativo, que interfere,
com fundamento na lei, no modelo legal originário de distribuição de competências.
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Apesar de não existir uma disposição legal a exigi-lo expressamente, a norma de
habilitação também deve indicar os órgãos delegáveis, não se limitando, pois, a prever e
permitir a delegação (para mais desenvolvimentos sobre este requisito, cf. infra).
c) Objeto da delegação
A delegação efetua a transferência do exercício de uma competência do órgão
administrativo delegante (competência de que este é titular, que lhe pertence, nos termos
da lei). O objeto da transferência operada pela delegação é, pois, o “exercício” e não a
“titularidade” da competência. O órgão delegante exerce, em seu próprio nome, uma
competência alheia, que não lhe pertencia antes da delegação, nem passa a pertencer-lhe
em virtude da delegação.
O CPA alude à delegação de poderes como medida pelo qual o delegante permite uma
certa atuação do delegado. Ora, na verdade, a delegação permite que o delegado
desenvolva uma atuação que não poderia empreender sem a delegação. Subsiste aqui um
momento permissivo. Mas a delegação não se confunde com uma autorização, pois não se
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trata só de “permitir” que o delegado faça qualquer coisa, mas, em rigor, de lhe conferir
(transmitir) o poder de fazer algo que não estava ao seu alcance fazer.
Em termos materiais, a delegação alberga conteúdos muito variados: o ponto de
partida é, naturalmente, a competência do órgão delegante.
O CPA refere-se ao órgão delegante como “órgão normalmente competente para
decidir em determinada matéria”. Em coerência, acrescenta que a delegação permite que
o delegado “pratique atos administrativos sobre a mesma matéria”. Quer dizer, o CPA
regula a delegação de poderes de decisão, em especial, de poderes para a prática de atos
administrativos (cf. artigo 148.º, sobre a definição de ato administrativo como decisão).
Mas a delegação pode ter por objeto outras competências administrativas: v.g.,
poderes regulamentares, poderes genéricos de instrução e direção de procedimentos
administrativos (cf. artigo 55.º) ou até atividades materiais ou de carácter técnico (v.g.,
limpeza das ruas, que é objeto de delegação dos municípios nas freguesias, ou inspeção
de elevadores).
Quando se processa entre órgãos de diferentes pessoas coletivas (v.g., entre o
Estado e os municípios), a delegação de poderes é suscetível de envolver a vinculação
do órgão delegado à prossecução de finalidades públicas – atribuições – da pessoa 167
coletiva a que pertence o órgão delegante. Mas isso não altera o sentido da delegação de
poderes que, mesmo neste caso, é um ato de transferência do exercício de competências,
no qual devem ser “especificados” os poderes delegados. Além disso, ainda no mesmo
caso, a delegação mantém-se como medida de desconcentração administrativa, que não
desloca para o delegado as atribuições ou os fins públicos da pessoa coletiva que integra
o órgão delegante.
d) Sujeitos da delegação
A delegação processa-se no âmbito de relações entre órgãos administrativos
(relações interorgânicas), entre órgãos administrativos e agentes da Administração ou
entre órgãos administrativos e entidades particulares.
Vejamos cada uma destas hipóteses.
i) A situação mais comum é a da delegação envolver uma relação entre dois
órgãos administrativos pertencentes à mesma pessoa coletiva de direito público ou ao
mesmo ministério (por exemplo, delegação de competências da câmara municipal no
presidente da câmara ou delegação de competências do ministro no diretor-geral).
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No caso anterior, poderá ainda distinguir-se entre delegação hierárquica e delegação não
hierárquica. Trata-se de expressões que apenas pretendem assinalar a existência, ou não,
de uma prévia relação de hierarquia entre os órgãos delegante e delegado: neste sentido,
será hierárquica uma delegação do ministro no diretor-geral ou do presidente da câmara
num diretor de serviços e não hierárquica a delegação da câmara no presidente da câmara
ou deste nos vereadores.
refere quando alude a “agente” como “aquele que, a qualquer título, exerça funções
públicas ao serviço da pessoa coletiva, em regime de subordinação jurídica”. Neste
âmbito, “agente” é pois um trabalhador da pessoa coletiva pública, quer dizer, um
trabalhador da Administração Pública, qualquer que seja a natureza jurídica do vínculo
de emprego – a afirmação de princípio no sentido da possibilidade de delegação de
poderes decisórios em trabalhadores de entidades públicas não se limita aos vinculados
por contrato de trabalho em funções públicas; a delegação de poderes em trabalhadores
com contrato de trabalho (regime do direito privado) encontra-se prevista na legislação:
assim, por exemplo, a Lei Orgânica do Banco de Portugal habilita o conselho de
administração a delegar poderes em “trabalhadores do Banco”; nos Estatutos da
Autoridade da Concorrência, admite-se a subdelegação de poderes do conselho de
administração “em trabalhadores”.
iii) Entre um órgão administrativo e uma entidade particular – a delegação de
poderes também pode operar entre o órgão de uma pessoa coletiva pública, na condição
de delegante, e uma entidade particular, na condição de delegatária de poderes públicos;
trata-se da figura que a doutrina designa “delegação privada”. Mesmo que conexa com a
concessão (v.g., concessão de serviços públicos), a delegação de poderes públicos em 169
e) Relação de delegação
A delegação institui uma relação jurídica nova entre delegante e delegado, que
neutraliza ou suspende, no respetivo âmbito (poderes delegados), a eventual relação
(v.g., relação hierárquica) existente antes da delegação: assim, o órgão delegante que
seja superior hierárquico do delegado perde o poder de dar ordens a este último sobre o
exercício da competência delegada.
Sem prejuízo do exposto, a natureza e o tipo de relação jurídica preexistente
entre os órgãos envolvidos na delegação podem não ser indiferentes quanto aos
contornos e à conformação da relação de delegação: assim, por exemplo, se delegante e
delegado são órgãos autónomos entre si, não deve admitir-se, em princípio, a delegação
por ato unilateral. Por outro lado, nos casos da delegação efetuadas por órgãos do 170
Estado nos municípios ou nas entidades intermunicipais, importa ter presente o artigo
4.º, n.º 5, da Carta Europeia da Autonomia Local, onde se estabelece que, em caso de
delegação de poderes por uma autoridade central, “as autarquias locais devem gozar, na
medida do possível, de liberdade para adaptar o seu exercício às condições locais”, o
que pode pôr em causa o princípio da supremacia jurídica do delegante.
Coadjuvação – Embora se trate de uma figura com uma delimitação não muito
precisa, há muitas referências legais à coadjuvação como relação entre dois órgãos ou
entre órgãos e agentes da Administração Pública: entre outros casos, há referências
legais a relações de coadjuvação entre os ministros e os secretários de Estado (v.g., “o
Ministro da Defesa Nacional é coadjuvado no exercício das suas funções pelo Secretário
de Estado Adjunto e da Defesa Nacional”), entre o presidente da câmara e os vereadores
(“o presidente da câmara municipal é coadjuvado pelos vereadores no exercício das suas
funções”), entre o presidente ou o diretor de entidades e serviços da Administração e os
seus (normalmente dois) vice-presidentes ou subdiretores, com a função de coadjuvar
aquele. Tendo em consideração estes dados legais, a coadjuvação pode definir-se como
a relação entre dois órgãos ou entre um órgão e um agente da Administração em cujo
âmbito o órgão principal (“coadjuvado”) pode encarregar o órgão ou o agente com a
incumbência legal de o auxiliar (“coadjutor”) de quaisquer tarefas específicas ou
genéricas integradas nas funções que lhe estão confiadas, sem envolver a transferência
da responsabilidade pelo exercício destas mesmas funções.
A coadjuvação não se confunde com a delegação, pois o coadjutor não exerce,
em nome próprio, a competência do órgão principal; auxilia, coadjuva, o órgão principal 172
no exercício das funções e competências deste. Quer dizer, para o exercício de uma
função ou competência, que atribui apenas a um órgão – órgão principal –, a lei institui
figuras auxiliares, precisamente com a função de “ajudar” o órgão principal, nos termos
e com a amplitude que este define.
A coadjuvação pode conviver, e convive muitas vezes, com a delegação: por
exemplo, o presidente da câmara pode definir que o vereador “A” o coadjuva nas tarefas
de licenciamento de obras particulares e, simultaneamente, delegar no referido vereador
as competências para tomar decisões sobre certas licenças (não todas).
Discorda-se da compreensão da coadjuvação como uma relação que se estabelece entre
dois órgãos a que a lei atribui competências iguais, que podem ser exercidas
indiferentemente por qualquer deles (neste sentido, cf. Acórdão do STA, de 23/6/2005,
proc. 557/04). Na nossa interpretação, o coadjutor, enquanto tal, não exerce competências
em nome próprio; ajuda o órgão principal a exercer as suas competências.
uma solução de sentido prático, que não deixa de se afeiçoar à conceção da delegação
como ato de transferência de exercício da competência.
d) Poderes indelegáveis
Sob a epígrafe poderes indelegáveis, o artigo 45.º estabelece que “não podem ser
objeto de delegação”, designadamente:
i) A globalidade dos poderes do delegante – exclui-se que o órgão delegante se
despoje, por via da delegação, do exercício de todos os seus poderes. Mas, como se viu
acima, esta proibição não exclui que a lei configure todos os poderes de um órgão como
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poderes delegáveis. Neste caso, o órgão pode delegar qualquer poder de que disponha; o
que não pode é delegar todos os seus poderes.
ii) Os poderes suscetíveis de serem exercidos sobre o próprio delegado – trata-se
de uma proibição compreensível: o delegante não pode delegar o poder que ele próprio
pode exercer sobre o delegado, como, por exemplo, o poder de dirigir instruções sobre o
modo como os poderes delegados devem ser exercidos.
iii) Poderes a exercer pelo delegado fora do âmbito da respetiva competência
territorial – a proibição legal aplica-se, neste caso, em relação à delegação em favor de
órgãos que têm competência numa área territorial delimitada; assim, por exemplo, um
diretor geral não poderá delegar num diretor regional competências de âmbito nacional.
Embora o círculo de poderes indelegáveis definido no artigo 45.º se compreenda
e faça sentido, deve observar-se que o mesmo conhece um sentido proibitivo que opera
em relação aos órgãos administrativos, mas já não em relação ao legislador, que, em lei
especial, pode acolher soluções opostas às que aqui se proíbem.
Além dos referidos no CPA, a lei pode definir outras categorias de poderes
indelegáveis: eis o que sucede, por exemplo, com a competência para aplicação de
sanções disciplinares, indelegável nos termos do artigo 197.º, n.º 6, da Lei Geral do 178
f) Poderes do delegante
A delegação está na origem de uma relação jurídica entre os órgãos delegante e
delegado. Em geral, trata-se de uma relação caracterizada pela supremacia jurídica do
delegante, o qual dispõe de poderes sobre a própria relação de delegação, bem como
sobre os atos praticados pelo órgão delegado. Trata-se dos poderes seguintes:
i) Emissão de diretivas e instruções vinculativas – O delegante tem o poder de
emitir diretivas ou instruções vinculativas relativas ao modo como devem ser exercidos 179
os poderes delegados (artigo 49.º, n.º 1). O exercício da competência delegada encontra-
se, pois, submetido à orientação do delegante. As diretivas e as instruções são
vinculativas, o que significa que o órgão delegado tem de atender ou de considerar o
que nas mesmas se dispõe. O incumprimento das diretivas e instruções comporta
consequências no plano da relação de delegação (v.g., por perder a confiança no
delegado, o delegante poderá revogar a delegação). Contudo, a violação das diretivas e
das instruções não provoca a invalidade dos atos praticados pelo delegado.
ii) Avocação – A avocação consiste num ato do delegante pelo qual este faz
saber ao órgão delegado que vai retomar o exercício da competência delegada para a
prática de atos determinados. Encontra-se prevista na primeira parte do n.º 2 do artigo
49.º. Uma vez que a delegação consiste na transferência do exercício da competência,
enquanto a mesma estiver em vigor, e salvo decisão contrária do delegante, não coexiste
uma dupla possibilidade de exercício (pelo delegante e pelo delegado) da competência
delegada. A avocação permite ao delegante recuperar o exercício de um ou alguns
poderes delegados, mantendo a delegação quanto aos poderes não avocados. A figura
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tem a função de advertir o delegado para a necessidade de não praticar atos no âmbito
das competências avocadas. A lei não regula a forma da avocação, podendo esta resultar
de qualquer forma de comunicação (e-mail, sms, telefone).
Se o delegante exercer a (sua) competência sem avocação, o ato praticado não é
inválido, uma vez que o sentido da avocação se esgota em prevenir o risco da prática
eventualmente simultânea de dois atos contraditórios sobre a mesma matéria. Inválido
será, isso sim, o ato que o delegado venha a praticar após a avocação, visto que esta
extingue a delegação no âmbito dos poderes avocados.
A prática de atos pelo delegante sem avocação poderia corresponder a uma invalidade por
falta de legitimação para o exercício da competência. A existir uma invalidade, este seria
efetivamente o vício. Parece-nos, contudo, que, neste caso, não há qualquer invalidade, a
qual, como é sabido, depende da ofensa a um princípio ou norma jurídica aplicável (cf.
artigo 163.º, n.º 1): ora, a prática de atos pelo delegante sem avocação não corresponde à
infração de qualquer norma jurídica. O artigo 49.º, n.º 2, atribui ao delegante o poder de
avocar, mas nada acrescenta sobre o modo como deve exercer esse poder.
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impugnações administrativas só são necessárias quando previstas em lei que utilize uma
das seguintes expressões: “a) a impugnação administrativa em causa é «necessária»; b)
do ato em causa «existe sempre» reclamação ou recurso; c) a utilização da impugnação
administrativa «suspende» ou «tem efeitos suspensivo» dos efeitos do ato impugnado”.
Sendo o recurso facultativo, do ato do delegado pode haver recurso para o
delegante, mas também impugnação do mesmo junto do tribunal (cf. artigo 59.º, n.º 5,
do CPTA). Sendo o recurso necessário, só pode haver impugnação judicial após a
decisão do delegante sobre o recurso administrativo.
g) Extinção da delegação
O artigo 50.º prevê duas formas de extinção da delegação: a revogação e a
anulação, por um lado, e a caducidade, por outro.
Sobre a revogação e a anulação, já nos pronunciámos (cf. supra).
Por seu lado, a caducidade pode surgir como consequência do esgotamento dos
efeitos da delegação (v.g., delegação para decidir sobre pedidos de autorização durante
o mês de julho) ou em virtude da mudança dos titulares dos órgãos delegante ou
delegado – trata-se, neste último caso, de um corolário do caráter pessoal (intuitu 183