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OS CONDENADOS DE ISAN
Autor
KURT MAHR
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
Aquele mundo sofreu um trágico destino de
que a Terra se livrou no último instante.
Apesar das hábeis manobras realizadas no espaço galáctico, o trabalho pelo poder e
pelo reconhecimento da Humanidade no seio do Universo, realizado por Perry Rhodan,
forçosamente teria de ficar incompleto, pois os recursos de que a Humanidade podia dispor
na época eram insuficientes face aos padrões cósmicos.
Cinqüenta e seis anos passaram-se desde a pretensa destruição da Terra, que teria
ocorrido no ano de 1984.
Uma nova geração de homens surgiu.
E, da mesma forma que em outros tempos, a Terceira Potência evoluiu até
transformar-se no governo terrano, esse governo já se ampliou, formando o Império Solar.
Marte, Vênus e as luas de Júpiter e Saturno foram colonizados. Os mundos do sistema
solar que não se prestam à colonização são utilizados como bases terranas ou jazidas
inesgotáveis de substâncias minerais.
No sistema solar, não foram descobertas outras inteligências. Dessa forma os terranos
são os soberanos incontestes de um pequeno reino planetário, cujo centro é formado pelo
planeta Terra.
Esse reino planetário, que alcançou grau elevado de evolução tecnológica e
civilizatória, evidentemente possui uma poderosa frota espacial, que devia estar em
condições de enfrentar qualquer atacante.
Mas Perry Rhodan, administrador do Império Solar, ainda não está disposto a
dispensar o manto protetor do anonimato. Seus agentes cósmicos — todos eles mutantes
do célebre exército — continuam a ser instruídos no sentido de, em quaisquer
circunstâncias, manter em sigilo sua origem terrana.
Em Isan, os sobreviventes da guerra nuclear, confinados em abrigos subterrâneos,
estão prestes a destruir-se mutuamente. Conseguirá Rhodan infundir-lhes novas
esperanças?
***
***
***
Há poucas horas num outro lugar de Isan, num ponto não muito distante de Fenomat,
uma nave espacial elíptica pousara em meio à ampla estepe coberta de capim.
A tripulação da nave constatou que o solo, o ar e os mares do planeta continham uma
dose perigosa de radiatividade. Em vários pontos da superfície, notaram vestígios de
aglomerações humanas e descobriram que esse mundo havia sido destruído por uma guerra
nuclear, e que os habitantes deviam ter sido quase todos eliminados.
A nave elíptica havia pousado num ponto situado numa pequena área em que a dose
de emanações radiativas chegava apenas a um décimo da média do planeta. Era bem
verdade que os quatro tripulantes possuíam equipamentos protetores de radiações muito
mais aperfeiçoados que, por exemplo, os de Killarog e seu grupo, movendo-se a quinze
quilômetros dali, sem que tivessem notado a presença da nave. Acontece que o
comandante do veículo espacial tinha por hábito guiar-se em suas decisões pelo princípio
da maior segurança e do menor risco. E, em virtude desse princípio, não pousaria numa
área em que a dose de radiações chegasse a cem rens por hora, se depois de uma ligeira
busca encontraria outra área em que essa dose estava reduzida pelo quociente dez.
A nave, que media trinta e cinco por vinte metros, possuía equipamentos tão
sofisticados que, se alguém perguntasse a Killarog ou a Ivsera, estes só poderiam ter
respondido que nunca acreditariam que uma coisa dessas jamais poderia existir na história
das inteligências galácticas.
Havia um aparelho que não se incluía nesse equipamento sofisticado, embora fosse
bastante complicado e por certo teria provocado a admiração de qualquer técnico em alta
freqüência de Isan. Era um localizador de impulsos, que classificava automaticamente
segundo a respectiva freqüência qualquer transmissão captada pelo receptor acoplado ao
aparelho, e ainda fornecia dados à calculadora eletrônica que, em conformidade com os
mesmos, decifrava a transmissão captada. Caso o material verbal fosse suficiente, traduzia
a mensagem de uma língua estranha para aquela dos tripulantes da nave.
Dessa forma, as comunicações entre Killarog e os membros de seu grupo haviam
sido registradas e traduzidas. Constatou-se que a língua de Isan — ou ao menos a que
acabavam de ouvir — apresentava forte semelhança com outra que, embora não fosse a
dos tripulantes, era-lhes bastante conhecida.
O comandante da nave aproveitou o tempo de que acreditava poder dispor para,
mediante um aparelho que pertencia à classe das maravilhas da técnica, aperfeiçoar seus
conhecimentos e, principalmente, familiarizar-se com a língua usada por Killarog e pelos
membros de seu grupo.
***
As horas passaram numa lentidão insuportável. Vez por outra, Ivsera percebia que os
olhos, dirigidos ininterruptamente sobre a construção de pedra que dava acesso à comporta
de superfície, começaram a iludi-la, fazendo crer ora que esta se levantava no ar, ora que
afundava no chão.
A única coisa agradável que aconteceu durante a longa espera foi que o calor ia
diminuindo. Vilanet havia passado pelo zênite e deslocou-se em direção ao norte. O capim
começou a proporcionar um pouco de sombra.
O fato de que nem uma única pessoa do abrigo de Sallon apareceu junto à comporta
deixou Ivsera desconfiada. Transmitiu suas suspeitas a Killarog e, para ser entendida
melhor, assumiu um risco, levantando o capacete.
Killarog repeliu seus temores com um gesto e sorriu.
— Não tenha medo, minha filha — disse. — Nas proximidades da comporta de
Fenomat não se viu uma única pessoa num espaço de oito anos. Por que teríamos de
encontrar alguém em Sallon, justamente durante as poucas horas que estamos aqui?
Ivsera esteve a ponto de responder que não havia a menor dúvida de que os ocupantes
do abrigo de Sallon eram muito mais ativos que os de Fenomat. Afinal, há poucos dias um
grupo de Fenomat teve que fugir de certo número de homens de Sallon, bem armados.
Sallon não podia ser comparado com Fenomat.
Mas preferiu ficar calada. Ainda se sentia constrangida em dar opinião sobre assuntos
que pertenciam exclusivamente aos homens.
Vilanet baixou em direção ao horizonte e a esfera vermelha de Vilan subiu, de início
fraca, mas tornando-se cada vez mais nítida. As estrelas começaram a brilhar, e seu número
crescia a cada segundo que passava, até que cobriram o céu noturno como um tecido fino.
Finalmente Thér deu o sinal. Ivsera ouviu-lhe a voz exaltada no receptor:
— Conseguiram passar. Saíram no pavimento inferior, conforme esperávamos. Estão
armados até os dentes. Não sabemos por quanto tempo iremos detê-los. Vejam o que
podem fazer por Fenomat.
Essas palavras não eram muito encorajadoras, mas Killarog não parecia incomodar-se
com isso. Levantou-se e gritou para que todos ouvissem, mesmo sem o rádio:
— Vamos, rapazes!
Tropeçavam mais do que corriam pela suave encosta abaixo. A construção da
comporta de superfície ergueu-se em meio à escuridão. Durante as últimas horas, já a
haviam perdido de vista.
A edificação não tinha janelas. Não havia meio de verificar se estava ocupada, ou se
realmente o pessoal do abrigo de Sallon não tinha a menor idéia do que o esperava.
Killarog não perdeu tempo em verificar. Ivsera achava que isso era uma leviandade
incompreensível. Colocou cargas explosivas de ambos os lados da pesada porta metálica e,
na ânsia de lutar, recuou apenas alguns passos antes que as mesmas explodissem.
A porta foi empurrada para dentro. Em meio ao estrondo das explosões, ouviu-se o
ruído das pesadas peças de aço que batiam no chão.
Killarog avançou em meio à fumaça, com a arma apontada para a frente. Voltou a
ligar o transmissor de capacete e gritou:
— Vamos! A comporta está vazia! Avante!
Aquele recinto era menor que o de Fenomat. A escotilha foi aberta sem dificuldade.
Killarog entrou apressado. Pediu aos que vinham por último que voltassem a fechar a
porta.
Killarog soltou um grito de triunfo quando olhou para a fileira de botões do elevador
e viu que o mesmo se encontrava na altura da comporta.
“Era o que bastava para abrir a porta que fica do lado oposto do recinto”, pensou.
Ivsera viu-o pegar a chave.
— Espere aí! — gritou. — Pense um pouco antes de precipitar-se na desgraça. Isto só
pode ser uma armadilha. Estivemos aqui o dia todo e não vimos uma única pessoa;
entretanto o elevador está aqui em cima.
— Que nada! — interrompeu Killarog em tom áspero. — Não me faça perder tempo,
moça. Daqui a alguns minutos, o abrigo será nosso.
Moveu a chave e a porta do elevador deslizou para o lado.
Killarog esteve a ponto de precipitar-se para o interior. Mas, depois de ter dado um
passo, parou como se esbarrasse numa muralha invisível.
Soltou um grito rouco, levantou a pistola destravada que trazia na mão, e disparou
contra um grupo de homens que se encontravam no elevador, já com as armas apontadas.
Não foi longe. Estes logo responderam ao fogo, e Killarog caiu sob as rajadas
cruzadas das pistolas automáticas.
Os tiros disparados naquele recinto apertado feriram mais cinco dos homens de
Fenomat. Ivsera viu-os cair. Os dois últimos de seus acompanhantes que permaneceram de
pé atiraram as armas ao chão e, gritando, correram para junto da parede.
Ivsera ficou parada, com o cano da arma apontada para o chão.
— Parem, seus idiotas! — gritou em tom furioso para os homens de Sallon. — Já foi
derramado muito sangue. Nós nos entregamos.
Naquele instante, ouviu a escotilha externa da comporta abrir-se. Virou-se e viu do
lado de fora um segundo grupo de homens de Sallon.
— Tudo em ordem? — perguntou o que se encontrava à frente.
— Quase tudo — respondeu um dos homens que se achavam no elevador. — Este
idiota matou Ifers e feriu gravemente Holran. Mas a moça diz que quer entregar-se.
— A moça? — disse o homem que estava junto à escotilha e soltou uma risada. —
Será que em Fenomat não existem mais homens?
Ivsera não respondeu. Sentiu-se tomada de cólera. A cólera dirigia-se contra Killarog,
que com sua cega impetuosidade provocara o desastre.
— Quantos homens de Fenomat ainda vêm atrás de você? — perguntaram a Ivsera.
— Nenhum — respondeu.
— Não acredito.
— Pois então não acredite.
— Escute aí, moça, se você acredita...
— Cale-se! — ordenou uma voz áspera. — A moça será interrogada lá embaixo.
Vocês ficarão lá fora, até que tenhamos certeza de que mais ninguém vem de Fenomat. A
demora não será muita. Garok avisa que está progredindo bem.
“Garok”, pensou Ivsera, “deve ser o homem que dirige o ataque subterrâneo contra
Fenomat.”
Tudo indicava que quem falara por último na cabina do elevador era o chefe da turma
de superfície. Os outros obedeceram imediatamente. A entrada da comporta voltou a ser
trancada. O segundo grupo retornou aos lugares de antes.
“— O capim constitui um ótimo abrigo” — dissera Killarog.
“Tanto para os homens de Sallon como para nós”, completou Ivsera, agora em
pensamento.
Killarog foi arrastado para dentro da cabina, tal qual os feridos. Dois destes já
estavam imóveis. Os dois homens não feridos, que haviam atirado fora suas armas, foram
trazidos atrás dos feridos.
— Entregue sua arma — disse o chefe do grupo, dirigindo-se a Ivsera.
A jovem obedeceu sem dizer uma palavra. O homem estendeu a mão. Mas Ivsera
deixou a arma cair ao chão.
Ficou espantada ao ouvir que o homem ria baixinho.
— É orgulhosa, hein, moça? Vocês não têm motivo para isso.
Fitou-o pela primeira vez. Pelo visor do capacete viu um rosto inteligente, que já não
era muito jovem. Ao que parecia, o homem havia perdido seu sorriso gentil sob a força das
circunstâncias.
Ivsera achou que devia dar uma resposta.
— Se tivessem feito o que eu queria — disse — talvez a esta hora teríamos algum
motivo para orgulhar-nos.
O homem fez um gesto sério, mas amável. Depois de fechar a porta do elevador,
comprimiu o botão correspondente a um dos pavimentes inferiores.
***
O elevador levou uma hora para chegar ao destino. Por isso Ivsera teve tempo para
refletir sobre sua situação.
Quanto mais o elevador descia, mais improvável se tornava que Thér ainda
conseguisse alcançá-la com seu transmissor de potência reduzida. Não mais dera qualquer
aviso, e Ivsera não teve a menor dúvida em ver nisso um mau sinal.
Lembrou-se do que Killarog lhe dissera sobre as armas à disposição dos homens de
Sallon, em comparação com as que se encontravam no abrigo de Fenomat. Notou que os
homens à sua frente eram mais ativos e corajosos do que aqueles conhecidos em Fenomat.
Seus rostos estavam marcados pela fome. Talvez fosse isso que lhes dava coragem.
Na metade do caminho, os trajes à prova de radiações foram tirados do corpo. Ivsera
suspirou aliviada quando deixou cair a pesada vestimenta ombro abaixo.
Ficou espantada ao notar que os homens de Sallon usavam roupas melhores que os de
Fenomat. Até chegavam a usar mais vestimentas que ela, uma mulher.
O homem com quem havia falado começou a falar.
— Meu nome é Feriar — disse com uma ligeira mesura. — Sinto muito que tenha
sido atingida tão cruelmente pelo destino. Quanto a mim, apenas pretendia aprisioná-los.
Esse homem — apontou para Killarog — é o único culpado.
Colocara tamanha ênfase na expressão “quanto a mim”, que Ivsera teve sua atenção
despertada para o fato. A essa hora já recuperara a naturalidade.
— Quanto ao senhor? Quem mais poderia estar ligado a isso?
Feriar soltou uma risada triste.
— Sou apenas uma pequena engrenagem do mecanismo. Com o correr dos anos, os
dentes desta engrenagem se desgastaram. Por isso muita gente já se pergunta se essa
engrenagem não deveria ser retirada do mecanismo para ser substituída por outra, de
dentes mais afiados.
Lançou um olhar indagador para Ivsera, a fim de verificar se havia entendido a
alegoria. Ivsera fez um gesto afirmativo e Feriar prosseguiu em voz baixa:
— Prepare-se. Em Sallon, quanto maiores as engrenagens, mais afiados são os
dentes. Nem sempre as coisas serão tão amenas como estão sendo comigo. Terei de
entregá-la assim que chegarmos lá embaixo.
Ivsera agradeceu com um sorriso. Depois sentou num canto do elevador, sobre seu
traje especial, a fim de suportar melhor o restante da viagem. Olhava fixamente para a
frente. Estava mergulhada em profundas reflexões.
Um acordo tácito parecia ter sido estabelecido entre ela e Feriar. Este, que durante
quarenta e cinco minutos não falara com seus subordinados, agora parecia não ter outra
coisa a fazer senão dar-lhes tudo quanto era ordem, e gritar-lhes quando não as executavam
com a necessária rapidez.
O elevador continuou a descer.
Ivsera sondou a situação. O braço estendido de Killarog com a pistola na mão direita
chegava perto de seus pés. Provavelmente não seria fácil abrir os dedos crispados para
tirar-lhe a arma. Além disso, alguém poderia desconfiar se esta desaparecesse de repente.
À direita de Ivsera, estava deitado um dos feridos. Achava-se com os olhos fechados
e respirava debilmente. Não conseguira tirar a pistola do coldre. Encontrava-se pendurada
no suporte de plástico na altura da junção do cano com o cabo.
Depois de algum tempo, Ivsera sentou de modo a aproximar-se melhor do ferido.
Abaixou-se para examinar o traje sobre a qual estava sentada.
Quando viu que ninguém estava notando, fez uma terceira investida. Num
movimento rápido, tirou a pistola do coldre e escondeu-a sob o cinto da jaqueta que
constituía a peça principal de sua vestimenta.
“Ninguém reparou?”, pensou, indagando-se. “Ninguém?”
Talvez Feriar. Mas este fez de conta que não havia percebido nada. Apenas parou de
transmitir comandos a seus subordinados.
***
Perry caminhou pelo corredor com a tranqüilidade de quem não tem um único
inimigo em todo o Universo. Algum tempo passou-se até que Ivsera se recuperasse da
surpresa o bastante para falar.
Até então haviam-se encontrado apenas com alguns homens sem armas, que os
fitaram, mas não esboçaram o menor gesto hostil.
No corredor principal, as coisas seriam diferentes. Por lá havia mais soldados que
civis.
— O senhor... — disse Ivsera, trêmula — o senhor acredita que conseguiremos sair
sem sermos molestados?
Perry virou o rosto em sua direção e sorriu.
— Tenho certeza — respondeu tranqüilamente.
Foi só o que disse. E foi pouco para satisfazer a enorme curiosidade de Ivsera.
— De onde veio o senhor? Não é nenhum dos ocupantes do abrigo de Sallon, não é?
E ainda menos é de Fenomat. Será que é de Othahey?
Othahey era o país com que Heyatha entrara em conflito antes que irrompesse a
guerra. E Heyatha era a nação que tinha Fenomat por capital.
Perry sacudiu a cabeça.
— Não, não venho de Othahey. Se viesse, não poderia estar tão bem informado sobre
os dois abrigos desta cidade.
Um pouquinho do velho espírito de contradição de Ivsera voltou a manifestar-se.
— Não seria totalmente impossível — respondeu. — Não acredito que os habitantes
de Othahey tenham sido estúpidos a ponto de não manterem um serviço de espionagem.
Perry soltou uma risada alegre.
— Talvez tenha razão. Acontece que realmente não sou de Othahey.
Não contou de onde tinha vindo.
Dali a dois minutos, entraram no corredor principal. Perry seguiu para a direita, em
direção ao elevador. Aquilo que Ivsera temera aconteceu. Com faixas brancas no braço,
uma patrulha militar formada de cinco soldados fortemente armados barrou o caminho de
Perry. Este só parou quando esbarrou no primeiro soldado e além do mais pôs-se a gritar:
— Seu pateta! Será que você não sabe sair do caminho?
O soldado parecia ter senso de humor. Levantou a arma, recuou um passo e
contemplou Perry, que era muito mais alto que ele, dos pés à cabeça. Finalmente disse com
uma risada:
— Queira desculpar, general. Será que apesar dos pesares o senhor não me poderia
contar quem é o senhor? Ou será que possui algum documento?
Perry sacudiu a cabeça.
— Não, meu amigo, não possuo nenhum documento. Seu superior é o capitão Feriar,
não é? Leve-me à presença dele.
Ivsera sentiu-se espantada, e o soldado também. Em Sallon os soldados não usavam
uniforme. Uma pessoa que não os conhecesse não estaria em condições de adivinhar quem
era o oficial que comandava cada um, mesmo que conhecesse os homens.
A patrulha fez meia-volta e, com Perry na ponta, marchou pelo corredor principal, em
direção ao elevador. Ivsera seguiu-os de perto. O desconhecido passou a infundir-lhe
pavor.
O gabinete de Feriar ficava próximo ao elevador. Quatro soldados postaram-se junto
à porta, enquanto o quinto conduziu Perry e Ivsera para dentro do pequeno recinto.
Feriar levantou-se de um salto quando reconheceu Ivsera. Não deu a menor atenção a
Perry.
— Santo Deus! — disse muito espantado. — Como conseguiu livrar-se tão depressa
de Belal?
Ivsera fez um gesto e apontou para Perry. Feriar examinou o homem alto à sua frente.
— Quem é o senhor? — perguntou em tom desconfiado.
Perry sorriu.
— Sou um homem que não possui nenhum documento, mas faz questão de sair deste
abrigo sem ser molestado, e com esta senhorita.
Feriar respirava com dificuldade.
— Acontece que é uma prisioneira! — disse, arfando.
Abriu a boca para chamar os guardas, mas Perry interrompeu-o com um gesto.
— Deixe de gritaria — disse em tom enérgico. — Pelo que vejo, o senhor é um
homem sensato. Por que vai trabalhar para um sujeito imundo como esse Belal?
Feriar ficou com a boca escancarada.
— O senhor vê que...
— Exatamente. O senhor sente repugnância pelo governo autocrático de Belal, não
apenas por uma questão de princípio, mas também porque o ditador vem usando os
poderes de que dispõe em proveito próprio — falava rapidamente, não deixando que Feriar
respondesse. — Faço-lhe uma proposta. Venha comigo a Fenomat. Garanto que nada lhe
acontecerá.
Estas palavras pareceram exercer uma estranha coação sobre Feriar. O tom de sua
voz não demonstrava muita convicção, quando procurou formular uma objeção:
— Mas Fenomat está...
— Já sei. Vamos reconquistar o lugar. Será que a tarefa seria de seu agrado?
Feriar fez um gesto afirmativo.
— Muito bem. Irei com o senhor.
Ivsera teve a impressão de que estava sonhando. Uma coisa dessas não podia existir.
Um homem solitário e, ao que parecia, desarmado, andava livremente num abrigo cujo
comandante acabara de ofender mortalmente. Para vencer qualquer obstáculo, apenas dizia
algumas palavras e levava os oficiais à deserção.
Acontece que era exatamente isso. Feriar pegou a arma e disse aos guardas que
levaria os estranhos de volta para Belal. Depois dirigiu-se para a direita, onde ficava o
elevador.
A cabina demorou quinze minutos em chegar. Quando a porta se abriu, estava vazia.
Perry deixou que Ivsera e Feriar entrassem antes dele. Viu este último estender a mão em
direção ao botão de cima, e exclamou:
— É o contrário, meu amigo. Vamos descer.
Feriar lançou-lhe um olhar perplexo.
— Não pretendo caminhar horas a fio por uma área contaminada — disse Perry. —
Se passarmos pela galeria recém-aberta, a caminhada será mais fácil.
Feriar obedeceu. Comprimiu o botão de baixo.
Quando haviam descido quatro pavimentos, um sinal vermelho acendeu-se na parede
dos fundos do elevador, junto ao teto. Ao mesmo tempo, ouviu-se um zumbido e, lá fora, o
uivo estridente das inúmeras sereias.
Feriar estremeceu.
— É o alarma! — fungou.
Perry fez um gesto de indiferença.
— O que esperava? Que Belal nos deixasse escapar sem mais aquela?
Logo depois, uma voz metálica soou no alto-falante instalado no elevador:
— Atenção! Alarma em todos os pavimentos! Dois prisioneiros muito importantes
acabam de fugir: uma mulher vinda do abrigo de Fenomat e um desconhecido que surgiu
não se sabe de onde. Ambos foram condenados à morte por sentença regular do tribunal de
guerra e por isso terão de ser recapturados, vivos ou mortos.
Seguiu-se uma descrição dos dois prisioneiros. Cabia ressaltar que, em relação a
Perry, Belal, que por certo fora o autor da descrição, se enganara um pouco. Ao menos,
Ivsera não acreditava que alguém o pudesse reconhecer com base apenas nos dados vagos
fornecidos por Belal.
Feriar começou a inquietar-se.
— Sabe quantas pessoas temos em armas em Sallon?
Perry sorriu.
— Espere... cinco mil e quinhentos, não é? Isso corresponde a quase oitenta por cento
da população masculina entre quinze e cinqüenta anos.
Feriar ficou perplexo.
— Sabe onde essa gente nos procurará? — prosseguiu Perry. — Lá em cima, na
comporta de superfície.
***
Perry teve razão. O elevador chegou ao pavimento inferior, sem que ninguém os
molestasse. O corredor que se estendia diante deles estava vazio.
Sem a menor hesitação, Perry seguiu o caminho que dava para a direita.
— Guarde a arma — recomendou a Feriar. — Poderei cuidar de nós três. Na medida
do possível, quero evitar o derramamento de sangue.
Feriar obedeceu sem dizer uma palavra. Desde o momento em que vira Perry pela
primeira vez, Ivsera começou a acreditar que esse homem possuía um estranho poder. Será
que ele sabia controlar os pensamentos e desejos de seus semelhantes?
Procurou examinar sua própria mente, mas não percebeu qualquer alteração.
Subitamente o corredor terminou numa parede cinzenta e nua. Mas isso não causou o
menor embaraço a Perry. Abriu-a do lado direito e, para surpresa de Ivsera, atrás estendia-
se um recinto que tinha o mesmo aspecto do compartimento de Fenomat, que Killarog lhe
havia mostrado e, tal qual este, possuía duas portas.
A capacidade de orientação de Perry era espantosa. Dirigiu-se sem a menor hesitação
aos dois homens que montavam guarda junto à segunda porta e disse:
— Deixem-nos passar. Temos de ir a Fenomat para executar uma tarefa muito
importante.
Ao que tudo indicava, um dos guardas não teve a menor dúvida. Mas o outro baixou
o fuzil, fechando o acesso à porta, e disse em tom desconfiado:
— O comandante Belal está procurando uma mulher e um homem que foram
condenados à morte. Conheço o capitão Feriar. Mas será que vocês não são os fugitivos?
Perry pôs a mão no bolso. Ele o fez numa atitude indiferente, como quem já está
cansado de exibir seus documentos. E, ao que parecia, os dois guardas pensavam que se
tratasse da identidade de Perry.
Acontece que Perry acabou por tirar um objeto que tinha certa semelhança com uma
pequena pistola. Ivsera não chegou a ver o que Perry fez com o objeto, mas no instante em
que sentiu uma dor cruciante na cabeça, os dois soldados caíram imóveis. Nem tiveram
tempo para soltar um grito.
Ivsera teve um calafrio.
— Vamos! — disse Perry em tom tranqüilo. — É uma pena que foram tão
desconfiados. Levarão duas horas para recuperar a consciência. Mas antes disso alguém os
encontrará... e então já saberão onde procurar-nos.
— Não estão... mortos? — gaguejou Ivsera, enquanto Perry abria a porta.
Perry riu.
— Não. Como já disse, não derramo sangue enquanto tenho um meio de evitá-lo.
O corredor pelo qual seguiram era mais largo e alto que aquele que Killarog mandou
abrir em prosseguimento ao abrigo de Fenomat. Ivsera começou a compreender que a
“guerra dos túneis”, nome que costumava dar ao conflito, fora preparada há muito tempo
por parte de Sallon. Deviam ter levado pelo menos um ano para abrir uma galeria desse
tipo numa extensão de alguns quilômetros.
O corredor estava profusamente iluminado. Percebia-se que, além dos dois guardas
inconscientes, não havia ninguém por perto. Ivsera achou que isso era um mau sinal para
Fenomat. Se ainda estivesse havendo luta, a galeria se encontraria repleta de gente armada.
Perry caminhava vigorosamente. Ivsera percebeu que Feriar examinava repetidas
vezes o homem desconhecido, como se procurasse compreender com quem lidava. Porém,
nada estava conseguindo pois, de vez em quando, sacudia a cabeça, bastante contrariado, e
murmurava palavras incompreensíveis. Ivsera o entendia, porque com ela estava
acontecendo a mesma coisa. O desconhecido livrara-a de uma situação muito perigosa e,
ao que tudo indicava, estava prestes a impor respeito ao regime despótico de Sallon.
Portanto, deviam sentir-se gratos. De outro lado, porém, começava a apavorá-la por causa
dos seus conhecimentos e capacidades.
Assim, por exemplo, a arma com que acabara de reduzir os dois guardas à inação. O
que seria aquilo? Não os matara; apenas lhes roubara a consciência. Ivsera tinha certeza
absoluta de que em Isan jamais existira um aparelho daquele tipo.
A conclusão que se poderia extrair dali era um pouco arriscada: o desconhecido não
era de Isan. Vinha de outro mundo.
Antes que tivesse início a guerra em Isan, os dois Estados rivais, Othahey e Heyatha,
realizavam esforços para conquistar o espaço. Em virtude da inimizade que reinava entre
os dois Estados, esses esforços assumiram a feição de uma corrida obstinada. Depois que
vários satélites gravitavam em torno do planeta, o lançamento do primeiro foguete espacial
estava iminente de ambos os lados. E, em ambos os casos, o destino do foguete seria Vilan
II, o planeta que tinha uma órbita entre dois outros que giravam em torno de Vilan.
Mas sobreveio a guerra e destruiu tudo que havia sido criado. Havia uma única coisa
que não conseguira destruir: o saber dos homens, que lhes dizia ser a navegação espacial
não só possível, como necessária, pois em outros mundos poderia haver outros seres,
talvez inteligentes, e que se deveria tentar entrar em contato com eles.
Será que Perry era um desses seres?
***
Depois de uma marcha de três horas, durante a qual se haviam encontrado com
alguns soldados que não criaram o menor problema, Perry deu outra prova de seus
conhecimentos sobrenaturais. Parou e perguntou:
— A senhora não disse que em Fenomat abriram outra galeria em direção a Sallon?
A pergunta foi dirigida a Ivsera. A jovem assustou-se. Tinha certeza absoluta de que
nunca havia falado sobre essa galeria. A não ser com Killarog, que estava morto.
“Será que Perry sabia ler pensamentos?”, pensou.
— Não... — respondeu em tom hesitante — não disse nada disso. Mas de qualquer
maneira essa galeria existe.
Perry sorriu.
— Onde?
Ivsera descreveu a situação da galeria com a maior exatidão possível. Por algum
tempo, Perry parecia bastante pensativo. Finalmente apontou para a parede da esquerda do
corredor e disse:
— Se neste ponto abrirmos uma galeria que desça dez graus em relação à horizontal,
devemos encontrar a galeria de Fenomat numa distância de cem metros, não é?
Ivsera não sabia. Além disso, a observação lhe parecia ser puramente teórica.
“Quem poderia abrir uma galeria numa hora dessas, e para que poderia servir a
mesma?”, refletiu.
— Será preferível que desapareçamos por algum tempo — apressou-se Perry em
explicar. — Uma porção de gente está atrás de nós.
Ivsera e Feriar olharam para trás. Mas a galeria que se estendia às costas deles
continuava vazia como estivera até então.
Perry pôs a mão no bolso e tirou a pequena arma com que fizera desmaiar os dois
guardas; entregou-a a Feriar. Depois fez um gesto em direção à galeria.
— Se aparecer alguma coisa por aí — explicou — aponte o cano da arma nessa
direção e aperte o botão vermelho. Isso nos livrará dessa gente. Convém olhar de vez em
quando para o outro lado. Provavelmente Belal procurará agarrar-nos num movimento
insinuante.
Não houve a menor objeção. Feriar pegou cautelosamente a estranha arma e
examinou-a. Ivsera colocou-se a seu lado e, de tão curiosa que estava, nem percebeu de
onde Perry tirou o instrumento comprido que dirigiu contra a parede esquerda do corredor.
Mas viu que do cano do aparelho saiu um raio luminoso esverdeado que se alargou
em forma de funil e atingiu a parede. Dentro de poucos segundos surgiu um buraco
profundo. A rocha abriu-se para ambos os lados, como se tivesse sido transformada em
nuvens de gás.
Perry concentrou-se exclusivamente no seu trabalho. Apesar disso parecia notar os
olhares espantados de Ivsera e Feriar.
— Tome cuidado, Feriar! — recomendou. — Senão de repente estarão aqui sem que
percebamos qualquer coisa.
O misterioso raio verde trabalhava silenciosamente e com uma rapidez inacreditável.
Ivsera assistia com o maior espanto, mas de repente sua atenção foi desviada.
Uma gritaria e o ruído de passos invadiram o abrigo de Sallon. À luz das lâmpadas,
viam-se soldados que corriam apressadamente pelo corredor. Ao que parecia Perry os
percebera, embora já tivesse penetrado bem longe para dentro da parede. Gritou para
Feriar:
— Detenha-os apenas por um instante; daqui a pouco tudo estará resolvido.
Tremendo de medo, não dos soldados, mas da arma desconhecida, Feriar dirigiu o
cano curto sobre os soldados de Sallon, que já o haviam reconhecido juntamente com
Ivsera e se aproximavam em meio a uma gritaria furiosa.
— Atire! — exclamou Ivsera assustada.
Feriar apertou o botão. Os efeitos do tiro foram muito maiores do que imaginaria. Até
parecia que os homens haviam batido numa parede: tombaram, ficando imóveis.
Os homens que vinham na retaguarda não sabiam o que tinha acontecido aos outros,
mas compreenderam o perigo. Abrigaram-se atrás dos corpos dos homens inconscientes e
apontaram os fuzis. Feriar hesitou.
— Cuidado! — gritou Ivsera. — Deite!
No mesmo instante em que os fuzis começaram a espocar, deixou-se cair para a
frente. Feriar continuou de pé e voltou a levantar a arma. Comprimiu o botão e silenciou
outro grupo dos soldados de Sallon. Só vez por outra, um ruído soava pelo corredor.
Ivsera ouviu os projéteis baterem contra as paredes e cantarem ricocheteando.
Algumas peças de metal reluzente caíram bem à sua frente, continuaram a rolar e
imobilizaram-se. Incrédula, Ivsera pegou uma delas. Era um projétil de fuzil; alguma força
misteriosa fizera com que interrompesse sua trajetória e caísse ao chão.
Ouviu a voz de Perry, que parecia vir através de uma parede muito espessa:
— Venham! Já consegui.
Feriar continuava de pé, com os olhos fitos nos homens inconscientes que estavam
jogados no corredor. Ivsera teve de empurrá-lo suavemente para dentro da galeria lateral
que acabara de ser aberta por Perry.
Com um espanto enorme, ela percebeu que neste meio tempo a galeria já havia
avançado cinqüenta metros. De pé no fim do túnel, Perry lhes fez um sinal com a mão.
— Vamos fechar-lhes o caminho — disse. — Andem depressa!
Feriar despertou do torpor em que se encontrava e começou a caminhar
vigorosamente.
— Cheguem bem perto! — pediu Perry. Dirigiu o cano comprido de sua arma contra
o teto da galeria que acabara de perfurar. Concentrando os raios num feixe finíssimo,
cortou fendas estreitas na rocha. Dentro de alguns segundos, fez com que sua entrada
desmoronasse. Prosseguiu na operação, até que a galeria secundária ficasse obstruída numa
extensão de cerca de trinta metros.
— Isso! — disse Perry com uma risada. — Acho que levarão pelo menos três dias
para remover o entulho.
Prosseguiu no seu trabalho e, logo depois, abriu-se o último pedaço de rocha que
dava acesso à galeria do abrigo de Fenomat.
A fuga fora bem sucedida. O corredor estava vazio. Talvez os ocupantes do subsolo
de Sallon ainda não o haviam descoberto; ou então, o que era mais provável, não se
interessaram por ele, porque de nada lhes poderia servir.
***
Para sua surpresa, no pavimento inferior do abrigo de Fenomat só encontraram dois
guardas, postados na saída do corredor de Sallon, que dava diretamente para o antigo
gabinete de Havan. Ivsera pensou na cara que este deveria ter feito quando de repente a
parede desmoronou atrás dele e os soldados de Sallon se precipitaram pela abertura.
Perry liquidou os dois guardas com um único tiro e, ajudado por Feriar, levou-os a
uma sala vizinha. Disse que a energia do disparo era suficiente para deixá-los
inconscientes por dois dias, e que seria preferível não serem descobertos antes disso.
Depois dessas palavras, Feriar olhou Perry com uma expressão séria. Hesitou por um
instante e disse:
— Nós lhe devemos muitos agradecimentos, e sabemos perfeitamente que em Isan
deve ser considerado como um tipo de ser superior. Mas ficaríamos muito mais à vontade
se quisesse dizer-nos o que pretende fazer e, principalmente, por que pretende fazê-lo.
Perry fez um gesto afirmativo.
— Muito bem. A resposta à primeira pergunta é fácil. Pretendo reconquistar o abrigo
de Fenomat. Para dar uma resposta parcial à segunda pergunta, direi o seguinte: se Belal
conservar em seu poder no abrigo de Fenomat, isso representará o primeiro passo da
escalada que fará dele a potência número um de Isan. Pelo que sei, aqui não existe nenhum
lugar em que haja dois abrigos que fiquem tão próximos um do outro. Portanto, não haverá
ninguém com maior domínio que Belal. Depois desse passo, o gorducho fará o possível
para dominar todo o planeta; e, uma vez que será o maior poder, deverá conseguir.
Perry fez uma ligeira pausa e prosseguiu em tom ligeiramente irônico.
— Uma vez que Belal pretende instalar o sistema ditatorial em Isan, deveremos
estragar seus planos.
Feriar fez um gesto afirmativo; parecia muito sério.
— E a outra parte da resposta? — perguntou Ivsera.
— Deveremos estar juntos por mais algum tempo antes que eu possa dar a resposta
integral. Por enquanto, nada posso adiantar.
Feriar interveio:
— O senhor dispõe de uma série de armas que lhe garante uma superioridade
absoluta sobre qualquer inimigo. Mas será que conseguirá dominar a guarnição do abrigo,
que deve ser superior a mil homens? Convém não esquecer que estas instalações são muito
complicadas. Para uma pessoa isolada é praticamente impossível orientar-se por aqui.
Perry exibiu um sorriso condescendente.
— Para mim não haverá o menor problema; pode acreditar — respondeu.
Perry pôs a mão num dos bolsos de seu traje esquisito. Tirou um objeto quadrado,
achatado e que, de tão pequeno, facilmente poderia ser escondido na palma da mão de
qualquer pessoa.
Ivsera ouviu-o dizer algumas palavras, enquanto encostava o pequeno aparelho à
boca. Não compreendeu essas palavras.
Mas, em Isan havia uma única língua, motivo por que o conceito de idioma
estrangeiro era totalmente desconhecido dos habitantes do planeta. Por isso Ivsera viu no
fato de não ter entendido a fala de Perry mais uma prova de que o mesmo provinha de um
mundo desconhecido.
Ao que parecia, Feriar ainda estava longe de chegar a uma conclusão desse tipo.
Fitou-o com uma expressão incrédula enquanto Perry falava para dentro do minúsculo
aparelho. Mas, quando de repente, ouviu uma voz saindo desse aparelho, e que tal qual
Perry emitia sons de uma língua estranha, ficou apavorado.
***
John Marshall ocupou o lugar de Perry Rhodan, enquanto este foi verificar o
resultado do empreendimento do qual tivera conhecimento por meio da escuta das
palestras de Killarog.
E a transmissão que tanto espanto causou em Ivsera e Feriar foi dirigida a Marshall.
E este captou um ligeiro relato da situação e obteve estas instruções:
— Arme-se com um desintegrador e um radiador de impulsos térmicos e venha até
aqui. Vamos atacar o abrigo simultaneamente de dois lados. Laury ficará com Rodrigo.
Entendido?
— Perfeitamente. Permanecerei em contato com o senhor.
— Está bem — concluiu Rhodan. — Faça o possível para não matar ninguém.
***
***
Belal não dava a perceber que se encontrava em situação difícil. Para ele, uma
situação só se torna desesperadora quando está com a faca sobre o peito e as mãos
amarradas. E essa atitude face ao destino era um dos motivos por que Belal era um inimigo
muito perigoso.
— Então, o que me diz? — perguntou em tom áspero ao homem de meia-idade que
se encontrava à sua frente.
O homem era Malanal, um cientista e um gênio em sua especialidade, as ciências
naturais. Desde o início, Belal acreditara que um dia poderia precisar dele. Por isso
interessou-se por sua pessoa e, valendo-se dos recursos existentes no abrigo, mandara
construir um amplo laboratório equipado com instrumentos preciosíssimos. As salas em
que foi instalado o laboratório haviam sido escavadas na rocha cerca de um ano depois da
guerra e obtiveram dois acessos secretos. Alguns dos homens que trabalharam na obra
pertenciam à guarda pessoal de Belal, na qual o mesmo confiava irrestritamente, e outros
desapareceram em algum campo de trabalho, de onde nunca retornaram.
Quando surgiu a intervenção do desconhecido chamado Perry, Belal percebeu que
sua precaução não fora supérflua. Retirou-se para o laboratório juntamente com sua guarda
pessoal e alguns elementos de confiança, e teve certeza de que por enquanto não seria
descoberto.
Esse “por enquanto” lhe bastava. Belal não pretendia reconhecer Perry por muito
tempo como o dono da situação. Malanal desempenhava um papel importantíssimo em
seus planos.
O cientista abriu os dedos, para dar a entender que não estava em condições de
fornecer informações minuciosas e fidedignas.
— Mandei que dois dos seus homens subissem, Belal...
— Tomara que não tenham andado por aí de maneira a serem vistos do veículo —
interrompeu Belal em tom zangado.
— Não. Agiram com todo o cuidado. Lá em cima não saíram ao ar livre. Do buraco
atiraram algumas pedras contra o veículo.
Belal franziu a testa.
— Que bobagem é essa?
— A alguns metros do casco do veículo as pedras ricochetearam, como se tivessem
batido numa parede invisível, e caíram ao chão. Vemo-nos diante do mesmo fenômeno
relatado pelas pessoas que perseguiram a prisioneira Ivsera e o capitão Feriar. Os
desconhecidos sabem envolver-se por um campo protetor no qual nenhum tipo de matéria
consegue penetrar.
Belal olhou fixamente para a frente.
— Quer dizer que seria totalmente inútil tentar atacar o veículo? — perguntou depois
de algum tempo.
Malanal sacudiu a cabeça. Belal impacientou-se.
— Fale logo!
Malanal inclinou ligeiramente o corpo.
— Num certo momento, esse desconhecido que atende ao nome de Perry desejará
voltar ao veículo — explicou. — Uma vez que também é feito de matéria, não poderá
entrar se os campos defensivos não forem desativados por um instante. Se no mesmo
instante submetermos a nave a um bombardeiro cerrado, provavelmente conseguiremos
destruí-la.
Belal contorceu o rosto.
— Não quero destruir a nave — exclamou. — Apenas quero danificá-la, pois
pretendo retirar-lhe alguns instrumentos.
Malanal fez um gesto de concordância.
— Perfeitamente, Belal. Isso depende da intensidade do bombardeio. Este ponto não
é da minha competência.
Belal levantou-se.
— Muito bem. Tomarei todas as providências. Acredito que dois lança-foguetes de
três polegadas serão suficientes para danificar a nave e matar os desconhecidos ou colocá-
los fora de combate. Mandarei que os homens assumam imediatamente seus postos na
entrada da superfície. Foi uma sorte o desconhecido ter pousado justamente nesse lugar.
Saiu da sala sem dignar-se de dirigir outra palavra a Malanal.
O setor secreto em que ficava o laboratório do abrigo de Sallon consistia num único
corredor com vinte salas. Cinco delas serviam de residência aos cientistas, enquanto as
demais eram ocupadas pelo laboratório.
Nos sete anos decorridos desde a instalação do laboratório, os cientistas haviam
adiantado as pesquisas e alcançaram resultados que, segundo acreditava Belal, não foram
atingidos em qualquer outro abrigo.
Assim, Belal garantiu uma superioridade absoluta para o dia em que os habitantes de
Isan pudessem voltar à superfície de seu mundo e começassem vida nova.
Numa das vinte salas do abrigo de Sallon, Havan instalara-se juntamente com três
guarda-costas que Belal colocara à sua disposição. Não o fez porque receasse pela vida de
Havan, mas por acreditar que o caráter deste se assemelhava tanto ao seu e, assim, não
deveria confiar nele.
Nos dias que se passaram depois da queda do abrigo de Sallon, Havan parecia muito
mais abatido que Belal. Este começou a acreditar que no entender do traidor a situação
realmente era desesperadora.
Essa situação lhe convinha, e por isso só transmitiu pequena parte da conversa que
manteve com Malanal e das esperanças que este lhe infundira.
Havan fez um gesto melancólico. Belal retirou-se para fazer uma ligeira sesta em seu
quarto.
O traidor deu-se ao trabalho de ficar com a porta aberta e certificar-se de que Belal
não voltaria. Depois dirigiu-se aos guarda-costas.
— Ele não me contou tudo. Vocês não perceberam? Malanal disse mais que isso.
Provavelmente existe uma possibilidade de enfrentar os desconhecidos. — Preciso saber
disso. Procurem descobrir! Já sabem qual é a recompensa que receberão.
Os guarda-costas confirmaram com um aceno de cabeça. Por certo, Belal não teria
dormido tão tranqüilamente se soubesse que Havan sabia conquistar a dedicação de seus
próprios subordinados por meio de um jogo de promessas e ameaças. Naquela hora já não
se sentiam empolgados pelas funções que Belal lhes havia atribuído, pois Havan prometeu
que lhes colocaria à disposição um abrigo com os ocupantes. Isto aconteceria quando o
desconhecido e Belal tivessem sido subjugados e quando todos os abrigos de Heyatha e
talvez também os de Othahey tivessem caído nas mãos de Havan através das artes técnicas
de Malanal.
Por enquanto havia um ponto fraco no plano tático de Havan: o cientista Malanal. O
traidor constatara que a equipe científica estava inteiramente dedicada ao velho. Não havia
como obter acesso aos segredos do laboratório sem a cooperação de Malanal.
Acontece que Malanal era um homem que sabia guardar distância. Havan tinha a
impressão de que Malanal não concordava com Belal em todos os pontos. Mas, quando o
traidor pensou que poderia aproveitar esse fato como ponto de partida para minar as boas
relações existentes entre o ditador e o cientista e conquistar o apoio do segundo, defrontou-
se com a resistência deste. Na oportunidade, Malanal explicou-lhe que jamais trabalharia
para Belal ou para Havan, mas apenas para a ciência.
Todavia, declarou-se disposto a não revelar a Belal o conteúdo da palestra que
mantivera com Havan.
***
Perry Rhodan pretendia utilizar Gucky na operação de busca que visava à descoberta
de Belal e Havan, assim que o rato-castor regressasse da viagem de inspeção.
Gucky era teleportador. Era capaz de saltar ao acaso pelos arredores do abrigo, o que
lhe permitiria encontrar o esconderijo.
No entanto, dois dias depois da conquista de Sallon, Laury informou numa
mensagem transmitida em tom exaltado que Gucky voltara para o jato espacial,
inconsciente e gravemente ferido. O salto que o trouxera de volta à pequena nave espacial
consumira suas últimas energias. Sangrava de várias feridas que, segundo as informações
de Laury, haviam sido produzidas por simples tiros de fuzil. A mutante era bem versada em
enfermagem, motivo por que Rhodan podia deixar Gucky entregue aos seus cuidados.
Laury garantiu que dentro de alguns dias o rato-castor estaria em perfeita forma.
Por enquanto ninguém sabia o que lhe havia acontecido. Como também possuísse o
dom da telepatia, dificilmente poderia ter sido atingido por qualquer atirador. Teria
adivinhado os pensamentos do atacante. Talvez tivesse caído numa armadilha mecânica.
Face à desconfiança que os sobreviventes da grande guerra de Isan nutriam uns para com
os outros era perfeitamente possível que nos abrigos houvesse dispositivos automáticos de
tiro ou outros mecanismos semelhantes. E Gucky estaria indefeso diante dos mesmos, caso
se arriscasse demais.
Para Rhodan os ferimentos sofridos por Gucky representavam um inconveniente
muito sério. Havia necessidade absoluta de encontrar Belal e Havan, pois do contrário
todos os esforços em prol do estabelecimento de uma nova ordem nos dois abrigos
provavelmente teriam sido realizados em vão.
Os ocupantes dos abrigos de Fenomat e Sallon consumiram metade dos alimentos
concentrados que o jato espacial trazia a bordo. Face à natureza destes a sensação de
saciedade duraria cerca de trinta dias. Rhodan esperava que nesse tempo conseguiria obter
alimentos naturais não concentrados. Do contrário teria de chamar uma nave terrana com
mantimentos.
***
***
De início Belal pretendera executar o golpe sozinho. Mas Havan insistiu tanto que
acabou concordando com a sua companhia. O que o levou a tomar esta decisão foi
principalmente a informação dos três guarda-costas de Havan, segundo a qual acabaria
caindo na melancolia se não houvesse logo uma variação em sua rotina de vida. Belal
estava firmemente decidido a eliminar Havan o quanto antes, para que este não pudesse
interferir em seus planos. No entanto, por ora convinha que o traidor acreditasse que era
um elemento útil, tratado de igual para igual. Havia vários motivos para isso. Um deles
consistia no fato de que Havan dispunha de vários adeptos em Fenomat, que no caso de um
confronto se guiariam exclusivamente por sua palavra.
Belal considerou tão importante a neutralização do veículo inimigo, do qual a essa
altura também Malanal acreditava tratar-se de um tipo de nave espacial, que resolveu
postar-se pessoalmente na saída do setor secreto do laboratório, em companhia de Havan e
dois elementos de toda confiança. Os dois soldados colocaram os lança-foguetes em
posição de tiro. No momento decisivo, bastaria abrir a portinhola e fazer fogo.
Um tipo de telescópio, cuja objetiva saía apenas alguns centímetros acima do nível
do solo, garantia a visão perfeita do estranho veículo. A objetiva era de formato irregular e
possuía o aspecto de uma pedra que se encontrasse ali por acaso. Belal tinha quase certeza
de que os ocupantes do veículo — se é que no momento havia alguém a bordo — não
perceberiam nada.
***
***
***
***
Rodrigo sentia-se tolhido; não sabia o que fazer. Laury soltou um grito de pavor, mas
seu grito morreu em meio ao estrondo que fez balançar a nave, apagando a tela
panorâmica.
Laury caminhou em direção ao quadro de comando central.
— Ligue os campos defensivos! — gritou para o conde.
Acontece que Rodrigo não sabia o que vinha a ser um campo defensivo, muito menos
seria capaz de ligá-lo ou desligá-lo.
Um fogo branco correu sobre a tela apagada. Outra explosão fez tremer a nave. Laury
foi sacudida e caiu. Avançou engatinhando.
Antes que Laury pudesse ligar o campo defensivo, o jato espacial recebeu um
terceiro impacto.
A tela não voltou a iluminar-se. Mostrava um reflexo débil toda vez que um dos
projéteis traiçoeiros vinha em direção à nave e explodia de encontro ao campo defensivo
sem produzir qualquer dano. A tela continuava apagada.
A nave havia sido danificada.
De repente, Rodrigo voltou a controlar-se.
— Rhodan está em perigo! — gritou. — Preciso sair.
Laury não teve tempo para detê-lo.
— Ele saberá cuidar de si — objetou. Com alguns passos apressados, Rodrigo
colocou-se junto à comporta, acionou o mecanismo de abertura e passou pela escotilha
antes que a mesma se abrisse numa extensão de cinqüenta centímetros.
Na ânsia em que se encontrava não percebeu que estava sem arma; nem sequer
trouxera a espada. Apenas pretendia ajudar, conforme era de seu feitio. Mal teve paciência
para esperar até que a escotilha interna da comporta voltasse a fechar-se.
A escotilha externa abriu-se automaticamente. Rodrigo precipitou-se, desceu pela fita
transportadora e saiu correndo pela planície.
— Rhodan! — gritou. — Rhodan, onde está o senhor?
Os campos defensivos não impediam a passagem de uma pessoa que viesse de
dentro. Rodrigo os ultrapassou. Abandonou o escudo protetor e aos gritos foi pelo campo
afora.
***
***
O primeiro impacto atirou Rhodan para longe. O campo defensivo de seu traje
protegia-o contra os efeitos diretos do disparo, e o gerador antigravitacional fez com que
não caísse ao solo, mas descesse suavemente.
Porém a pressão causada pela explosão atirou-o a cerca de duzentos metros do jato
espacial. Levou algum tempo para sacar o pequeno aparelho com o qual há pouco
desligara o campo defensivo da nave espacial. Alguns segundos preciosos passaram-se.
Felizmente Laury conseguiu ativar os campos.
No momento em que transmitiu o sinal codificado, Rhodan viu um dos foguetes
explodir bem longe do jato espacial. Com um suspiro de alívio desceu ao solo e, para não
chamar a atenção, retornou a pé o trecho pelo qual a explosão o arremessara.
Viu Rodrigo sair da nave e ouviu-o chamar. Respondeu, mas Rodrigo não o escutou.
Viu que um homem saiu do buraco aberto no chão e apontou a pistola para Rodrigo.
Rhodan puxou sua arma e, sem fazer pontaria, disparou contra o atirador atocaiado.
Mas o feixe energético superaquecido passou por cima do alvo, enquanto Rodrigo,
atingido pelo tiro de pistola, tombava.
***
***
Os danos que os três foguetes causaram ao jato espacial foram mais graves do que
Rhodan supusera. As explosões avariaram os sistemas de propulsão a tal ponto que não
poderiam ser utilizados sem uma série de reparos de monta. Parte do suprimento de
energia fora eliminado. O jato espacial não estava em condições de gerar campos
gravitacionais ou de prover seu interior de uma iluminação suficiente. E os sistemas óticos
também haviam sido destruídos.
Mas, o que pareceu mais grave a Rhodan foi que os geradores do campo defensivo,
que voltaram a funcionar satisfatoriamente logo após os impactos, com o tempo se
tornaram cada vez mais fracos e foram falhando um após o outro. Um estilhaço de bomba
havia perfurado o revestimento dos geradores e causado avarias consideráveis em seu
interior.
Com isso a nave espacial estava quase indefesa. Com exceção do grande radiador
térmico, única arma que permanecera intacta, não tinha nenhum meio de defender-se de
um ataque.
Laury Marten aceitou a morte de Rodrigo com toda resignação. Rhodan sentia-se
satisfeito com a atitude da mutante porque muito antes já reconhecera que sua súbita
paixão pelo conde asteca-espanhol não passara de uma loucura de menina. Se não fosse
assim, não teria como consolar Laury pela perda na situação em que se encontravam.
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Rhodan tinha certeza de que o inimigo não se limitaria ao ataque tão habilmente
lançado contra a nave. Juntamente com Laury levou o rato-castor ferido ao abrigo de
Fenomat, pois acreditava que lá as condições de segurança seriam melhores. Laury
permaneceu em companhia de Gucky, para continuar a cuidar dele.
O próximo passo de Rhodan consistiu em examinar a saída da galeria pela qual Belal,
Havan e os dois soldados se haviam aproximado do jato espacial. Não perdeu tempo com a
portinhola, que possuía um fecho bastante complicado; removeu o obstáculo com o
desintegrador.
Verificou que do outro lado da portinhola a galeria estava obstruída numa extensão de
pelo menos cem metros. Para o desintegrador esses metros de entulho não representavam
nada. Mas Rhodan tinha certeza de que Belal postara seus homens do outro lado dos
escombros.
Por isso preferiu voltar para junto de Marshall que, depois de sua descoberta na usina
energética do abrigo de Sallon, não abandonara seu posto.
O jato espacial ficou vazio e sem vigilância. Mas Rhodan gastara o tempo necessário
em expedir uma mensagem de hiper-rádio à Terra, para solicitar o envio de uma nave
espacial. A mensagem, fortemente condensada, ficou limitada a uma duração de dois
milionésimos de segundo. A probabilidade de que alguma pessoa a decodificasse
indevidamente era praticamente igual a zero. Em sua mensagem, Rhodan indicou a
posição galáctica de Isan e pediu que uma nave viesse carregada de mantimentos até o
limite de sua capacidade.
***
***
***
***
Marshall havia alargado o tubo de cabos numa extensão de cem metros o suficiente
para que um homem alto pudesse caminhar em seu interior. Quando Rhodan o chamou,
estava fazendo uma pausa para descansar os braços que seguravam o desintegrador.
O chefe dos mutantes correu o caminho de volta.
— Preste atenção! — pediu Rhodan no momento em que Marshall descia do tubo de
cabos para o recinto amplo que abrigava a usina energética. — Não está percebendo nada?
Marshall concentrou-se. Sentiu que nas proximidades alguém pensava nele ansiosa e
intensamente.
— Alguém está à minha procura — disse em tom de espanto.
Rhodan confirmou com um gesto.
— Acho que é o homem chamado de Thér. Parece que tem uma informação
importante para mim. Chame-o.
Marshall abriu a porta e saiu para o corredor. Ouviu passos deslocando-se por uma
galeria secundária que começava a poucos metros do lugar em que se encontrava.
Chamou-o pelo nome.
Dali a um instante, Thér apareceu do corredor, fungando e suando. Reconheceu
Marshall e pôs as mãos para o alto.
— Graças a Deus! — exclamou. — Finalmente conseguimos encontrá-lo.
Mas logo estacou.
— O senhor não acaba de me chamar pelo nome?
***
Feriar e Thér viram de que maneira Belal e seu grupo abriram caminho pelo abrigo.
Quando Rhodan e Marshall conquistaram o abrigo de Sallon, Belal soubera esconder
em tempo as armas mais potentes juntamente com a guarda pessoal no setor secreto em
que ficava o laboratório. No abrigo propriamente dito, só deixaram alguns fuzis e pistolas
antiquadas.
Quando os ocupantes do abrigo de Sallon viram Belal surgir com metade de sua
guarda pessoal, alguns homens mais arrojados procuraram detê-lo. Havia um prêmio pela
prisão de Belal, e não era só isto; Rhodan soubera esclarecer os homens sobre o perigo que
um ditador como Belal representaria para a nova civilização de Isan.
Mas Belal abriu caminho a tiros sem mostrar a menor contemplação. Os poucos fuzis
existentes em Sallon não estavam em condições de enfrentar as armas automáticas trazidas
pelos seus homens. Houve alguns mortos e grande número de feridos. Depois, ninguém se
atreveu a cruzar o caminho de Belal, quanto mais detê-lo.
Quando Feriar e Thér procuraram subir no elevador principal para seguir Rhodan e
Marshall, que haviam ido na frente, houve um contratempo: todas as cabinas achavam-se
ocupadas e em viagem. Demorou quinze minutos até que conseguissem entrar numa que
os levasse para cima.
Na comporta de superfície, estavam os dois guardas que Rhodan mandara colocar ali
porque receava que Belal procurava apoderar-se do abrigo de Sallon.
Belal e os homens de seu grupo não deram a menor atenção aos guardas. Passaram
tranqüilamente. Os dois nem pensaram em impedi-los. Caso interferissem, o resultado não
teria sido nada agradável para eles.
Feriar e Thér saíram da construção que abrigava a comporta e subiram a colina em
linha oblíqua, tomando a direção em que ficava a nave espacial. Thér aguçou o ouvido,
mas não ouvia o menor sinal de luta.
— Gostaria de saber... — disse em tom irritado, mas não conseguiu completar a frase,
porque a surpresa o deixou sem fôlego.
Haviam chegado ao topo da colina e dispunham-se a ultrapassá-lo para descer do
outro lado, passando ao lado da antiga cidade de Fenomat, quando, sem fazer o menor
ruído, alguns homens se ergueram em meio ao capim.
No primeiro instante Thér pensou que pertencessem ao grupo de Belal. Mas depois
ouviu uma risada esquisita e na luz vermelho-escura da noite viu um homem pequeno e
magro caminhar em sua direção.
— Vejam só! Quem está aqui! — admirou-se o magricela em tom irônico,
aproximando-se. — Ah, é nosso querido Thér, o amigo do peito do antigo e célebre
membro do Conselho Killarog...
— Tome cuidado! — retrucou Thér furioso. — Alguma coisa poderá acontecer com
você.
O magricela recuou um passo e gritou:
— Amarrem os dois!
Os homens precipitaram-se sobre Thér e Feriar. Feriar logo percebeu que não
adiantava resistir. Mas Thér debateu-se furiosamente. Teria de agir contra sua natureza se
quisesse deixar que o prendessem sem oferecer qualquer resistência. Afastou alguns
homens a socos e, por um instante, conseguiu abrir espaço em torno de si. Mas a
superioridade do inimigo era muito grande. Thér sentiu as cordas cingirem seus braços e
pernas.
— Então? — perguntou o magricela. — Ainda está tão arrogante?
Thér lançou-lhe um olhar furioso.
— Você não perde por esperar, Havan. Um dia ainda ajustarei contas com você.
Ao que parecia a ameaça não o impressionava. Dirigindo-se para os homens de seu
grupo, disse:
— Vamos levá-los. Façam com que não andem muito devagar. Temos de estar lá por
volta de meia-noite.
***
***
Belal viu o veículo em forma de lentilha brilhar à luz vermelha. Ao pensar no que
pretendia fazer, chegou à conclusão de que não poderia haver nenhum imprevisto ou
surpresa desagradável. No seu avanço já haviam deixado para trás o limite diante do qual o
estranho de nome Perry parará a fim de ligar o campo defensivo do veículo. Portanto, a
parede invisível tinha deixado de existir, pois do contrário não poderiam ter avançado até o
ponto em que se encontravam.
Bastaria permanecer no lugar em que estavam, apontar com os morteiros e arrebentar
o veículo.
Fariam exatamente isso, se Belal não tivesse a intenção de prender os estranhos vivos
e apoderar-se dos instrumentos existentes no interior do veículo.
“Poderia haver alguma dificuldade em rastejar até a nave e dirigir-se aos
tripulantes com as armas em punho, pedindo-lhes que se rendessem?”, pensou o ditador,
depois monologou:
— Não, não poderia haver nenhuma dificuldade.
Assim mesmo, porém, Belal não se sentia muito bem. De repente teve suas dúvidas
sobre se poderia avaliar os estranhos por aquele idiota nervoso e desmiolado que na noite
anterior matara sem o menor esforço.
O ditador espantou suas indecisões com uma praga pesada.
— Adiante! — gritou para seus homens. — Vamos avançar o último trecho.
Quando deu essa ordem, não se encontravam a mais de trinta metros da nave.
Passaram a rastejar mais depressa e com muito menos cautela.
Belal olhou para trás e viu bem perto de si os canos grossos de dois morteiros que
avançavam acima do capim. Sentiu-se satisfeito. Ao menor sinal de resistência, os
morteiros entrariam em ação.
Faltavam vinte metros.
A abertura escura da comporta desenhava-se em meio à parede da nave. Não
compreendia por que a deixaram aberta, mas não viu nisso um sinal de perigo.
Mais quinze metros!
Ergueu ligeiramente o corpo e contemplou, com os olhos arregalados, o veículo
estranho. Subitamente um raio branco e ofuscante de vinte centímetros de diâmetro saiu de
uma abertura que ainda não havia visto.
Belal não teve tempo de fechar os olhos. A terrível claridade cegou-o. Círculos
coloridos dançavam diante de seus olhos. Não enxergava nada.
Apavorado, deixou-se cair para a frente e ficou deitado no capim. Mas no mesmo
instante, ouviu-se um ribombar e o chão foi sacudido. A pressão levantou Belal e atirou-o
alguns metros para o lado. Os estilhaços assobiavam pelo ar e batiam no solo em torno
dele.
Belal ouviu gritos apavorados assim que o ruído cessou. Alguém disse que dois
morteiros haviam explodido juntamente com a munição. A seguir, houve outra detonação,
pois o raio energético branco e escaldante atingiu mais um morteiro e a respectiva
munição.
Belal sentiu-se tomado pelo desespero. Levantou-se e continuou a correr na mesma
direção de onde havia rastejado. Segurava uma pistola automática e atirava loucamente em
torno de si, até esvaziar o pente.
Ouviu gritos. Não sabia se vinham dos homens de seu grupo ou dos estranhos. Não
via nada.
Corria, cambaleava e tropeçava até que sua cabeça bateu uma coisa dura e fria. O
impacto atirou-o ao chão. Por algum tempo, ficou quase inconsciente.
Quando tentou erguer-se, teve a impressão de que uma bomba explodia no seu
cérebro. Viu um raio ofuscante, sentiu um estrondo e, logo após, Belal estava fora de
combate.
***
A luta havia chegado ao fim. Belal ficara inconsciente com um tiro certeiro da arma
de choque disparado por Marshall. Rhodan fez ir para os ares o último dos quatro
morteiros juntamente com a munição.
Depois que os morteiros deixaram de representar um perigo, Rhodan abandonou seu
posto e saiu pela comporta. Disse que queria falar com uma pessoa autorizada a negociar
com ele. Uma vez que, naquele momento, Belal não estava em condições de pôr em
prática seu gênio obstinado, o desejo de Perry encontrou ressonância imediata.
Rhodan foi bastante lacônico. Pediu aos homens do grupo de Belal que escolhessem
entre a capitulação e o aniquilamento. Resolveram aceitar a capitulação; não levaram mais
de cinco minutos para tomar essa decisão.
Belal, que provavelmente não teria concordado, continuava inconsciente.
Os soldados largaram as armas e, vigiados por Rhodan e Marshall, que empunhavam
as suas, sentaram bem próximos uns dos outros no capim ressequido.
6
***
Laury se sentiria muito mais à vontade se conhecesse algumas das pessoas que agora
a rodeavam. Todos pareciam preocupados com ela e com o rato-castor ferido. Mas, a cada
instante, via um rosto novo e estranho, e isso a deixava irritada.
Não ficou muito surpresa quando um homem armado entrou no recinto e a examinou
atentamente.
— O que houve? — perguntou.
O homem armado continuou a olhá-la.
— Pare de me olhar desse jeito! — gritou. — O que está procurando por aqui?
Laury não passara pelo ligeiro treinamento especial que permitia a Rhodan falar a
língua desse mundo sem o menor sotaque. Laury expressava-se em um arcônida polido
que se usava em quase toda a Galáxia. Mas o homem compreendeu.
Estou procurando a senhora — respondeu o homem.
— Por quê?
— Para prendê-la.
Laury levantou-se de um salto. No último instante, lembrou-se da arma que trazia
consigo. Mas antes que pudesse mover a mão, o homem apontou-lhe a pistola e disse:
— Fique bem quieta, senão atiro!
Laury obedeceu. Lançou um olhar desesperado para o rato-castor, que jazia imóvel
sobre uma espécie de leito, no fundo do recinto. Gucky dormia o sono de um ser
completamente esgotado e não estava percebendo nada do que se passava ao redor.
Laury não sabia que se encontrava em poder de Havan. O traidor era agora o senhor
absoluto do abrigo de Fenomat.
***
***
Laury ficou conjeturando. Teve uma porção de idéias, refletiu sobre as mesmas,
abandonou-as e procurou outras. Só aos poucos, um plano começou a surgir em sua mente.
A maior dificuldade consistia no fato de que no próprio laboratório havia três
guardas. Ninguém estava impedido de falar com os outros prisioneiros, mas os guardas
faziam questão de ouvir o que se conversava.
Laury deitou de lado, para se aproximar de Ivsera. Por meio de olhares comunicou-
lhe que pretendia dizer-lhe alguma coisa que o guarda não devia ouvir. A química
respondeu com outro olhar. Parecia um tanto surpresa e desconfiada.
A mutante voltou a deitar de costas, fechou os olhos e concentrou-se.
Imaginou encontrar-se diante da parede que separava o laboratório do corredor.
Procurou ver com os olhos de sua mente as saliências e reentrâncias do concreto e do
revestimento cinzento da parede. Imaginou fresta após fresta, e finalmente ordenou ao
cérebro que ativasse o mecanismo que liberava as energias paramecânicas de seu apêndice
cerebral.
O efeito foi tremendo.
Na parede surgiu um furo da espessura de uma agulha. A tremenda pressão das
massas de terra logo o ampliou, transformando-o numa fenda. Dali a alguns segundos, a
parede cedeu numa extensão de dez metros. Com um enorme estrondo, os blocos de
concreto caíram no corredor, seguidos pelo farfalhar da terra úmida e fria.
Imediatamente os três guardas dirigiram-se à porta. Laury viu a terra marrom entrar
no corredor, só parando alguns metros adiante. A terra obstruía metade da entrada. Os
guardas engatinharam para fora e gritaram por socorro.
Laury voltou a deitar de lado.
— Procure fazer com que alguém a leve até Havan — cochichou para Ivsera. —
Converse com ele, faça-lhe uma proposta. Quero que sua atenção seja desviada ao menos
por quinze minutos. Faça o possível para que não deixe entrar ninguém no gabinete
enquanto a senhora estiver com ele. Entendido?
A química fez um gesto afirmativo. Em seu rosto havia uma expressão matreira. A
tarefa, que Laury lhe atribuíra, foi a mais repugnante possível.
Mas não se opôs. Aquela mulher desconhecida seguia um objetivo bem definido.
Embora Ivsera não tivesse sido familiarizada com o plano, estava plenamente convencida
de ter de cumprir o que estava sendo pedido.
A salvação dependia disso; e na situação em que se encontravam a salvação só
poderia vir de uma pessoa desconhecida.
***
***
***
A Terra enviara a Drusus, uma nave que acabara de entrar em serviço. Era um veículo
espacial esférico e seu diâmetro media mil e quinhentos metros. Nunca antes se vira em
Isan um engenho gigantesco como este.
Seguindo as instruções de Rhodan, o comandante da Drusus só trouxera a tripulação
indispensável e o armamento essencial. O resto do espaço disponível foi ocupado com
caixas de mantimentos.
A bordo havia vinte mil megatons de alimentos. Aproximadamente metade dessa
quantidade consistia em preparados alimentícios altamente concentrados. Era fácil calcular
que essas provisões dariam para nutrir os cem mil habitantes de Isan pelo menos durante
um século.
E um século era um tempo suficiente para que mesmo as radiações perigosas e
duradouras do estrôncio-90 baixassem a um nível inofensivo. Dentro de um século, os
habitantes de Isan poderiam iniciar sem o menor risco a produção de alimentos naturais.
Até lá teriam de contentar-se com o presente recebido da Terra.
A Drusus trouxe outra coisa: más notícias. O comandante Harrings, que conduzira a
enorme nave da Terra ao centro da Via Láctea, imediatamente após o pouso solicitou uma
entrevista com Rhodan, que logo lhe foi concedida.
Perry foi informado de que em todos os setores da Galáxia as patrulhas terranas
haviam descoberto uma atividade extraordinária das naves de Árcon e de outras
procedências. A movimentação foi registrada segundo a rota e a data e os dados foram
introduzidos no grande cérebro positrônico de Terrânia. O gigantesco aparelho, que
também dispunha dos últimos relatórios que Rhodan enviara de Tolimon, concluiu com
uma alta dose de probabilidade que o Império Arcônida tivera sua atenção despertada pelos
acontecimentos, e que ligava os mesmos a uma pessoa chamada Rhodan, subitamente
desaparecida há meio século. Na opinião do cérebro positrônico, os acontecimentos que se
desenrolaram em Tolimon, e especialmente a maneira pela qual estes se sucederam,
bastaram para que o sistema de combinação de dados de Árcon chegasse à conclusão
quase inequívoca de que seu causador fora Rhodan.
A pausa de descanso que Perry Rhodan havia conseguido há cinqüenta anos para si e
para a Terra, induzindo em erro a frota dos saltadores, havia chegado ao fim.
O Império saíra novamente em busca da Terra.
***
Para Rhodan essa descoberta significava que teria de encerrar quanto antes sua
permanência em Isan e pôr-se a caminho da Terra.
A despedida precipitada foi muito difícil para ele. Depois de envolver-se por acaso
nos acontecimentos de Isan, tinha na mente mais alguns planos, que incluíam a
estabilização da situação em condições humanas e dignas.
Além disso, Rhodan desejava satisfazer sua curiosidade. No primeiro dia, sentira-se
surpreendido ao notar que os habitantes de Isan falavam o arcônida, embora fosse um
arcônida arcaico. Supunha que fossem descendentes dos emigrantes arcônidas, que na
primeira fase da colonização, ou seja, há cerca de dez mil anos, penetraram até o centro da
Via Láctea. Provavelmente as comunicações com o mundo de origem foram interrompidas
pouco depois. A maravilhosa tecnologia arcônida caiu no esquecimento e a população de
Isan regrediu à barbárie. No início da grande guerra, atingira aproximadamente o mesmo
nível cultural em que a Terra se encontrava há cem anos.
Rhodan tinha certeza de que nos arquivos dos abrigos haveria alguma informação
sobre a ascendência do homem de Isan. Mas não possuía tempo para vasculhar arquivos. A
Terra chamava.
Rhodan mandou que duas naves auxiliares saíssem da Drusus e fossem tripuladas
com dez homens cada uma. Os pequenos veículos espaciais foram equipados com armas
que garantiam à pequena tripulação uma superioridade absoluta sobre tudo que vivia em
Isan. Os vinte homens ainda se encarregaram de providenciar a distribuição justa e sensata
dos mantimentos trazidos pela Drusus.
Rhodan designou Feriar, Thér e Ivsera como comissários-chefes dos abrigos de
Fenomat e Sallon, e ordenou aos tripulantes das duas naves auxiliares que fizessem tudo
que estivesse ao alcance deles para apoiá-los no desempenho de suas funções. Encareceu
aos três chefes que se esforçassem a fim de não se perpetuarem no governo mas fossem
substituídos quanto antes por um conselho eleito regularmente. Ivsera disse:
— Quando o senhor apareceu, eu estava cansada de não fazer nada e não me
conformava mais com a idéia de que a mulher não deve intrometer-se na política. Mas
nunca teria sonhado com a possibilidade de que, dentro de poucos dias, poderia atingir o
posto de chefe do abrigo.
Rhodan sorriu. Antes que pudesse responder, Thér interveio na palestra:
— Não seja tão convencida, minha filha. Afinal, a senhora não está sozinha.
— Nem quero continuar nisso por muito tempo — exclamou Ivsera. — Basta que
tenha chegado até lá.
Rhodan sorriu.
— Quer saber de uma coisa? — disse. — Tenho a impressão de que talvez a senhora
possua uma visão um tanto romântica de tudo isto. Não quero interferir em sua vida
privada, mas acho bem provável que a senhora sinta falta de um homem que, vez por
outra, lhe endireite as idéias e lhe mostre como realmente são as coisas.
Ivsera baixou a cabeça e olhou para o chão.
— É o que vivo dizendo! — disse Thér.
— De alguns dias para cá, ou seja, desde o dia em que me tratou como um escravo no
laboratório, procuro atrair sua atenção para minha pessoa. Acha que se dignou a olhar-me
uma única vez com uma expressão amável?
A cena terminou numa série de estrondosas gargalhadas partidas de Rhodan e Feriar.
Thér e Ivsera continuaram tão sérios como parecia ser a intenção das últimas palavras ditas
por ele.
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