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Palestra:

A Psicologia Evolucionista em Nosso Cotidiano


(Lançamento do Livro “Dá Trabalho Ser Feliz”)

Flávio Luís Franklin de Azevedo

Darwin
Darwin ― o criador da teoria da evolução ― é considerado o mais
brilhante pensador em toda história da ciência, acima de Newton e Einstein.
Vamos conhecer um pouco de sua história.
Nasceu em 12 de fevereiro de 1809. Desde criança, interessava-se
pela natureza, gostava de fazer longos passeios pelos campos das
cercanias e recolher conchas, ovos de aves, rochas, minérios e insetos para
suas coleções. Aos 16 anos foi mandado para faculdade de medicina da
Universidade de Edimburgo na Escócia, onde estudaram seu avô paterno
(Erasmus) e seu pai (Robert). Mas depois de assistir a uma operação
particularmente medonha em uma criança — que foi amarrada e cortada a
frio pois a anestesia ainda não havia sido inventada — Darwin fugiu no meio
da aula e nunca mais voltou a uma sala de cirurgia.
Não demorou muito, seu pai percebendo que o filho não tinha
vocação para médico, decidiu que ele entraria para a igreja anglicana para
levar uma vida respeitável. Darwin ficou satisfeito com a decisão, pois a vida
de clérigo rural lhe permitiria muitas horas de folga para se dedicar à história
natural. Na época, muitos cientistas eram clérigos, pois a ciência ainda era
atividade essencialmente amadora que exigia grande disponibilidade de
tempo, incomum à maioria das outras profissões.
Enquanto estudava para clérigo no Christ’s College em Cambridge,
Darwin conheceu dois clérigos-cientistas, o botânico John Stevens Henslow
e o geólogo Adam Sedgwick. Darwin passava tanto tempo acompanhando
as expedições científicas de Henslow pelos campos de Cambridge que
passou a ser conhecido como “o homem que anda com Henslow”.
Em 1831, aos 22 anos Darwin se formou e parecia pronto a ingressar
na plácida vida de clérigo do interior quando, em 29 de agosto, recebeu
uma carta. Henslow contava que o navio da marinha britânica Beagle seria
enviado para América do Sul para fazer levantamentos cartográficos
costeiros. Retornaria à Inglaterra dando a volta ao mundo pelos oceanos
Pacífico e Índico. O capitão do navio, Robert FitzRoy, de 26 anos, queria
alguém culto e bem-nascido para lhe fazer companhia durante os três anos
previstos para a viagem, pois a etiqueta naval impedia qualquer contato
social do capitão com os oficiais e a tripulação. Henslow recomendara
Darwin e perguntava se ele estaria interessado. Era uma excelente
oportunidade para o estudo de história natural mundo afora.
A viagem era perigosa e dispendiosa. Além de se sujeitar a morrer no
mar ou de doenças tropicais ― o que, na época, era comum ―, Darwin
ainda teria de pagar por seu equipamento científico e refeições. A princípio,
o pai não concordou, mas acabou dando o consentimento e dinheiro para
viagem.
Há quem se refira a Darwin como o naturalista do Beagle, mas na
verdade, ele não tinha qualquer cargo oficial na expedição, era apenas um
passageiro embarcado por capricho do capitão que queria companhia. Essa
situação mostra como a ciência no início do século XIX era, em grande
medida, apenas um passatempo de cavalheiros ricos.
O Beagle zarpou em 27 de dezembro de 1831. Passou quatro meses
no Brasil, parando em Salvador e no Rio de Janeiro. Darwin extasiou-se
com a profusão de vida vegetal e animal da mata atlântica. Numa única
caminhada matinal ele abateu 80 espécies distintas de aves e, em outro dia,
capturou 68 espécies de besouros. O Beagle costeou o litoral atlântico e
pacífico sul-americanos para completar o levantamento cartográfico da
região ― sua principal missão. Em todas as paradas Darwin fazia incursões
terrestres de pesquisa e escrevia entusiasmado para família e para
Henslow, para quem também mandava amostras de espécimes
encontrados.
Para se preparar para a longa viagem de volta, rumo oeste, o navio
ficou um mês estacionado no arquipélago de Galápagos, em setembro-
outubro de 1835, onde Darwin encontraria a chave para desvendar a
evolução das espécies.
Na volta o Beagle passou pelo Taiti, Austrália, Nova Zelândia e
novamente em Salvador na Bahia e, em 2 de outubro de 1836, depois de
quase cinco anos de viagem, aportou em Falmouth na costa da Inglaterra,
onde Darwin desembarcou com um diário de 770 páginas, volumosos
cadernos de anotações de geologia e zoologia e milhares de espécies de
aves, plantas, insetos e rochas.
As cartas, fósseis e espécies que Darwin enviara durante a viagem
haviam causado sensação entre os cientistas próximos a Henslow. Charles
Lyell, um geólogo famoso, ficara tão impressionado que patrocinou a
imediata admissão de Darwin na Sociedade Geológica de Londres.
O pai de Darwin era rico. Ao perceber que o filho encontrara sua
verdadeira vocação e que jamais seria um clérigo, destinou-lhe uma renda
satisfatória para que ele pudesse se dedicar integralmente à história natural.
Nos dez anos seguintes Darwin se casou com sua prima Emma
Wedgwood ― em janeiro de 1839 ― teve filhos e publicou um relato de
viagem, cinco livros de zoologia e três de geologia baseados no material e
nas observações que trouxe da viagem no Beagle. Mas sua grande obra
sobre a Origem das Espécies começou a ser desenvolvida privadamente
em 1837.
Nessa época, a população e a imensa maioria dos cientistas
acreditava no que hoje chamamos de criacionismo, ou seja, que Deus criou
o mundo em seis dias, inclusive o homem e todas as espécies que existem,
tal e qual as conhecemos no presente. Mas já havia inquietude quanto ao
criacionismo em alguns círculos científicos o que, certamente, era do
conhecimento de Darwin. Semelhanças de fósseis de espécies extintas com
espécies existentes indicavam a possibilidade de algum processo de
evolução. Também a existência de órgãos rudimentares, aparentemente
inúteis, como as azas pequenas de aves que não voam ― como o avestruz
― ou ossos de pernas encontrados no interior de certas serpentes
prenunciavam que estas espécies descendiam de espécies ancestrais que
haviam usado asas para voar e pernas para andar.
Em maio de 1837, o ornitólogo John Gould, que classificava aves
para Darwin, disse algo de que ele ainda não havia se dado conta: dentre
os pássaros recolhidos no arquipélago de Galápagos havia treze variedades
diferentes de tentilhão.
Resgatando anotações e memórias suas e de outros tripulantes que o
ajudaram a capturar os pássaros Darwin concluiu que cada variedade
habitava uma ilha ou um ecossistema próprio: uma variedade tinha o bico
curto e grosso para quebrar sementes, outra tinha bico estreito e curvo para
arrancar insetos de cactos e assim por diante. Provavelmente, todas
descendiam de uma única variedade que imigrara do continente sul-
americano. Darwin começou a se convencer de que as espécies, de alguma
forma, evoluíam, se adaptando ao ambiente. Em julho de 1837, quatro
meses depois de seu encontro com Gould, Darwin iniciou seu primeiro
caderno sobre a evolução.
Em busca de confirmação para hipótese da mutação das espécies,
durante anos a fio, Darwin recolheu uma montanha de dados sobre
variedades e espécies, estudando incontáveis publicações científicas e
correspondendo-se com cientistas e criadores de animais no mundo todo.
Ele próprio tornou-se um criador de pombos para acompanhar mais de
perto o fenômeno da transmissão hereditária de características. Se em
alguns anos, os criadores eram capazes de produzir uma variedade nova de
animal, em milhares de anos, uma variedade poderia se diferenciar tanto,
que se tornaria uma nova espécie. Os criadores, porém, forçam as
mutações que desejam, selecionando para cruza apenas os animais com as
qualidades desejadas. E na natureza, como se dariam as mutações?
Darwin ainda não tinha uma pista de como isso aconteceria.
E a pista surgiu por acaso. No outono de 1838, Darwin leu, “por
diversão” Ensaio sobre a População, um livro de 1798 do clérigo-
economista Thomas Malthus. Ele ressaltava que quase todas as espécies
produzem descendentes em número maior do que os que terão condições
de sobreviver, fato que os naturalistas já sabiam. A maioria desses
descendentes morre antes de conseguir se reproduzir; se assim não fosse,
a Terra logo estaria coberta por muitas camadas de tênia ― o verme
popularmente conhecido como solitária ― que pode chegar a 10 m. de
comprimento e que põe anualmente 60 milhões de ovos. Malthus
argumentou que as populações crescem mais rapidamente do que seu
estoque de alimento. O que contém o crescimento populacional na natureza
é a luta pelos meios de sobrevivência escassos, na qual, muitos perecem
prematuramente. Malthus era um estudioso da pobreza contrário às
políticas assistencialistas de governo. Ele defendia que sem controle de
natalidade, essas políticas apenas encorajariam os pobres a ter mais filhos,
tornando suas vidas ainda mais miseráveis e violentas.
Embora o argumento de Malthus, aplicado ao ser humano, fosse
impiedoso, Darwin percebeu imediatamente que ele se aplicava com
perfeição ao mundo das plantas e animais. Combinando a idéia da
competição pela vida, com o fato de que alguns indivíduos nascem com
variações que podem lhes dar alguma vantagem competitiva, Darwin
formulou o conceito da seleção natural, a força da natureza que ele
procurava.
Falando em linguagem moderna, as características hereditárias de
um ser vivo se transmitem pelos genes. Porém o processo de cópia
genética que acontece na concepção nem sempre é perfeito. Um erro no
processo de cópia pode gerar um gene inédito na espécie, que não estava
no pai, nem na mãe. Quanto mais vantagem competitiva esse gene der ao
indivíduo, mais chances ele terá de sobreviver, gerar filhos e passar este
gene adiante, dando origem a uma variação de sua espécie. Em milhões de
anos, inúmeras variações acumuladas podem dar origem à outra espécie,
muito diferente da inicial. Em contrapartida, genes desfavoráveis à
sobrevivência e procriação desaparecem com a morte de sujeitos que não
deixam descendentes.
Em 1842 Darwin escreveu um resumo de 35 páginas sobre evolução
e seleção natural. Em 1844 elaborou uma versão mais detalhada com 231
páginas. Mas teve medo de publicar as conclusões. A idéia da evolução das
espécies através de um mecanismo simples como a seleção natural, além
de contradizer a história da Criação relatada na Bíblia, evocava a idéia de
que a existência de Deus não poderia mais ser considerada necessária ou
inquestionável.
Em 1844 foi publicado anonimamente um livro chamado Vestígios da
Criação afirmando que todas as espécies de seres vivos eram aparentadas
entre si e que, juntamente com o universo, evoluíram segundo leis naturais.
O texto não explicava como nem porque a evolução ocorria. Cientistas e
Igreja cobriram o livro de insultos, dando a Darwin a certeza de que tinha
um tema explosivo nas mãos. Para postergar o inevitável confronto com a
Igreja e a sociedade vitoriana, Darwin, que já era um cientista famoso,
convenceu-se de que precisava de ainda mais respeitabilidade científica
antes de publicar seu trabalho. E dedicou os oito anos seguintes a estudar
as cracas ― aquele crustáceo que adere às pedras e cascos dos barcos.
Em 1853 Darwin recebeu uma medalha da Royal Society por suas
contribuições a história natural e, em 1855, depois de nove anos de
pesquisa, publicou quatro grossos volumes sobre espécies vivas e fósseis
de cracas. Foi imediatamente aclamado como a maior autoridade mundial
no assunto. Até hoje, seus livros são considerados obras-primas. Nem
assim, ele se decidiu publicar suas descobertas sobre evolução e seleção
natural.
Em junho de 1858 Darwin recebeu do biólogo Wallace — Alfred
Russel Wallace (1823-1913) — um pacote vindo das Ilhas Molucas na
Indonésia com o original de um artigo que resumia elegantemente boa parte
da teoria da seleção natural em que Darwin vinha trabalhando há vinte
anos. Wallace queria a opinião de Darwin sobre a teoria da seleção natural
que desenvolvera inspirado pela leitura de Vestígios da Criação e
fundamentada no Ensaio sobre a População de Malthus e na observação de
milhares de espécies em mais de 10 anos de expedições pela Amazônia,
Indonésia e Malásia.
Darwin não podia permitir que Wallace publicasse o artigo e lhe
tomasse o lugar na história, nem podia publicar sua teoria, ignorando o
artigo que Wallace lhe enviou. A solução encontrada por sugestão de seus
amigos, o consagrado geólogo Charles Lyell e o botânico Joseph Dalton
Hooker, foi apresentar a teoria Darwin-Wallace no encontro de julho de
1858 da Sociedade Lineana, uma associação londrina de história natural.
Preocupado com uma filha doente e com as repercussões do
trabalho, Darwin não compareceu ao encontro. Wallace, em excursão pelas
selvas da Indonésia, nem foi comunicado ― embora, posteriormente, tenha
aprovado a solução. A apresentação ficou a cargo do secretário da
sociedade e consistiu na leitura de partes do texto que Darwin escrevera em
1844, parte de uma carta que Darwin escrevera sobre o assunto para o
botânico americano Asa Gray em 1857 e o ensaio recém escrito por
Wallace. Finalmente, a seleção natural foi exposta ao mundo, oficialmente
como de Darwin e Wallace, mas as datas do material apresentado não
deixavam dúvida sobre a primazia da descoberta de Darwin.
Em novembro de 1859, Darwin publicou sua obra-prima sob o título
de A Origem das Espécies — On the origin of species by means of natural
selection, no original. O livro foi um sucesso. A polêmica instalou-se.
Darwin foi defendido por poucos e execrado por muitos. Em grande parte,
Darwin ficou afastado do público durante o furor em torno da evolução,
embora se mantivesse informado por seus colegas.
Darwin ainda escreveria mais de uma dezena de livros sobre plantas,
insetos e minhocas antes de falecer em 19 de abril de 1882. Esperava ser
enterrado no vilarejo de Down House, onde viveu os últimos quarenta anos
de sua vida, mas seus amigos cientistas persuadiram a família de que ele
deveria ser enterrado na abadia de Westminster, em Londres, junto aos
grandes heróis da pátria. Sua fama era tal que bispos e governo não
ousaram se opor a ideia já encampada pela imprensa. E assim, aquele que
fora vilipendiado pela maioria dos religiosos foi enterrado no coração da
Igreja anglicana, em concorrida solenidade pública, acompanhada por
autoridades, amigos, colegas e populares portadores de ingresso.

A Psicologia Evolucionista

Certamente por temor as reações adversas, A origem das Espécies


(1859) quase não fala da espécie humana. Quase no final do último capítulo
Darwin sugeriu que, através do estudo da evolução, “se esclarecerá a
origem do homem e sua história” e complementou que “em futuro distante”
o estudo da psicologia “assentará sobre novas bases”. Mais de 100 anos se
passaram para que, entre 1963 e 1974, quatro biólogos — William Hamilton,
George Williams, Robert Trivers e John Maynard Smith — expusessem
idéias aprofundando a compreensão evolucionista do comportamento social
dos animais, inclusive do homem.
A princípio não ficou clara a relevância das idéias para nossa espécie,
pois suas pesquisas versavam sobre coisas como a matemática do auto-
sacrifício das formigas ou a lógica oculta da corte dos pássaros. Mesmo as
duas obras que marcaram época sintetizando e divulgando as novas idéias
— a Sociobiologia (1975) de E. O. Wilson e O gene egoísta (1976) de
Richard Dawking — diziam relativamente pouco da espécie humana e o
faziam de forma confessadamente especulativa. Mas a partir de então, um
grupo crescente de acadêmicos passou a promover uma verdadeira
revolução nas ciências sociais seguindo as novas idéias evolucionistas.
Os novos cientistas sociais darwinistas combatem a idéia dominante,
há séculos, de que a biologia não tem muita importância para mente
humana, que a força da nossa inteligência e cultura separaram o
comportamento humano de suas raízes evolutivas; que nossa natureza
pode ser moldada pela cultura ou por ideologias — crença que sobreviveu
ao fracasso da utopia comunista.
Embora a revolução darwinista abranja muitas ciências do
comportamento — antropologia, psiquiatria, sociologia, ciência política etc.
— nosso foco será na psicologia evolucionista.
A maioria dos ramos da psicologia nasceu com o objetivo de curar
doenças psíquicas — Freud, por exemplo, começou a desenvolver a
psicanálise quando recebeu a paciente Ana O. que apresentava graves
sintomas de histeria: paralisias, enxaquecas, dores de estômago, zonas de
anestesia cutânea, visões aterrorizadoras etc. A psicologia evolucionista
interessa-se mais pelo que é normal, que por exceções ou patologias, pois
pretende descobrir as leis que regem nosso comportamento emocional.
A idéia da psicologia evolucionista é que nossas características
emocionais são moldadas pela seleção natural darwinista da mesma forma
que as físicas. Como a quase totalidade dos genes (mais de 99%) é comum
a todos os seres humanos, resulta que a maioria de nossas emoções segue
regras gerais que a ciência está descobrindo. As emoções são
espontâneas, mas previsíveis; conhecendo as regras, podemos propiciar ou
evitar situações emocionais — como amor e desejo, por exemplo — de
acordo com nossa vontade. Não é fascinante? Quer conhecer algumas
regras já observadas?

Dá Trabalho Ser Feliz (mas vale a pena)

Escrevi o livro para divulgar a psicologia evolucionista da forma mais


simples e agradável possível, pois penso que ela é uma ferramenta capaz
de ajudar a tornar mais feliz o dia a dia das pessoas comuns. Contando
uma série de casos baseados em histórias verídicas o livro expõe
importantes regras da natureza que governam nosso desejo, prazer e
felicidade.
Durante milhões de anos vivemos como os animais, apenas
sobrevivendo e procriando. Esse longo a seleção natural especializou
nossas emoções para colaborarem com a preservação da espécie. Por
exemplo, nos encantamos com as crianças, mas ficamos irritados quando
choram. Aparentemente contraditórios, os sentimentos se completam: o
primeiro nos motiva a suprir os pequenos de afeto e cuidados, o outro nos
faz socorrê-los prontamente nas emergências.
A evolução das espécies é um processo extremamente lento. Embora
o mundo moderno tenha passado por muitas transformações, gostemos ou
não, os sentimentos humanos continuam pré-históricos. É o caso do desejo
sexual: adequado para que a taxa de natalidade do mundo primitivo
superasse a imensa mortalidade infantil da época, mas exagerado para
quem pretende ter apenas um, dois ou nenhum filho durante a vida.
Defasada no tempo, também é o encantamento da mulher pelo casamento,
herança genética de ancestrais dependentes da proteção masculina para
sobreviverem à lei do mais forte fisicamente.
Há um claro conflito entre o interesse da natureza humana e nossos
objetivos individuais. Pautada pela lógica da seleção natural, fomos
programados pela natureza para nos alimentar e procriar sempre que
houver oportunidade. Mas a busca da felicidade nos impõe contradições
como comer à vontade e ser magro ou fazer amor livremente e ter poucos
ou nenhum filho. O que fazer?
Conheço apenas duas boas estratégias para contrariar a natureza
sem pagar um preço muito alto. A primeira é simplesmente afastar-se das
tentações. É o que fazemos quando optamos por não ter em casa comidas
calóricas, bebidas alcoólicas, cigarro ou quaisquer outros objetos de desejo
que queiramos evitar. A segunda é ludibriar a natureza confundindo nossos
mecanismos de prazer, por exemplo. O prazer é uma recompensa biológica
para atos de preservação e multiplicação da vida. Quando uma comida diet
ou light nos agrada é porque nosso organismo “achou” que era nutritiva
(calórica). E o sexo com anticoncepcionais dá prazer porque nosso instinto
animal é enganado pela simulação quase perfeita do ato reprodutor da
espécie.
Agora vou contar histórias do livro para mostrar como as regras da
natureza funcionam e como podemos contorná-las ou nos aproveitar delas
para, na medida do possível, atingir nossos objetivos.
Vejamos um pouco das leis do amor e do desejo. Toda espécie
animal tem suas estratégias reprodutivas. Os filhotes de tartaruga marinha,
por exemplo, já nascem prontos para a vida. A fêmea adulta enterra seus
ovos na areia da praia e vai embora. Eles são chocados pelo calor do sol,
as tartaruguinhas nascem, correm para o mar e se desenvolvem sozinhas,
sem qualquer assistência. Ao contrário, filhotes humanos nascem frágeis e
precisam de anos de cuidados até conseguirem sobreviver por seus
próprios meios.
Em toda espécie, cada sexo tem sua própria abordagem reprodutiva.
A abelha rainha, ao copular com um zangão, extrai os órgãos genitais dele,
matando-o instantaneamente. O leão fica refestelado à sombra de uma
árvore, enquanto seu harém de esposas caça por ele. A raça humana não é
exceção. Instintivamente, homens e mulheres buscam o que for
reprodutivamente mais vantajoso para si, mesmo que isso não seja muito
“justo” para o outro.
Constituir família era a melhor opção para nossas ancestrais. Sem a
proteção de um macho, dificilmente a mãe pré-histórica conseguiria
sobreviver ou preservar a vida de seu bebê. Essa dependência incorporou-
se à natureza feminina como uma predisposição para o casamento que faz
a mulher solteira ou separada estar sempre pronta para se enamorar e se
casar. No entanto, depois de casada, ela se encanta por outros homens
porque ambiciona variedade e excelência genética para sua prole. O
processo é inconsciente. Nenhuma mulher casada premedita se apaixonar
ou engravidar de outro homem. Essas coisas acontecem porque a natureza
reprodutora feminina conspira para isso. E certamente aconteciam com
mais freqüência antes da invenção dos anticoncepcionais modernos.
A melhor maneira de o homem primitivo se multiplicar também era em
família, pois seus filhos teriam mais chances de sobreviver com ele por
perto para protegê-los. Mas era grande a tentação de fazer sexo “sem
compromisso”, deixando possíveis conseqüências exclusivamente a cargo
da mulher. Para maior eficiência reprodutiva, a natureza masculina joga
com as duas possibilidades: o homem que se julga capaz de cuidar de
mulher e filhos constitui família, embora continue atento às oportunidades
extraconjugais; os outros fazem a corte, seduzem, mas querem apenas
sexo “sem compromisso”.
Resumindo: a mulher normalmente quer se casar. O homem nem
tanto. Mas depois de casados ambos são tentados a trair.
O que nos atrai no sexo oposto são indícios instintivamente
percebidos de que o indivíduo pode gerar ou criar os filhos que nossa
natureza quer ter. Por exemplo, o que nossa natureza vê como “beleza” são
sinais físicos e comportamentais de boa saúde: simetria facial, pele macia,
cabelos sedosos, bom corpo, alegria de viver etc.
A beleza nos atrai porque procuramos pessoas que possam nos dar
filhos saudáveis. Antes de existirem implantes de silicone, xampus e
cosméticos, a beleza estava diretamente associada à boa alimentação e à
saúde. Era preciso comer proteínas para ter cabelos bonitos, cálcio para
ficar com bons dentes, gorduras para ter seios e nádegas fartos e assim por
diante.
A vivacidade embeleza porque é um grande indicativo de boa saúde.
Não é à toa que quando um filho está quietinho a mãe logo desconfia que
esteja doente. E a simetria facial é atraente porque indica que a pessoa não
tem má formação congênita nem sofreu qualquer acidente ou doença grave
que a deformasse. Você sabe por que as pessoas ficam mais bonitas de
óculos escuros? Porque a perfeição industrial dos óculos reforça a simetria
do rosto.
Felizmente, ninguém é absolutamente horrendo, todos têm alguma
capacidade de sedução que pode ser aprimorada.
A mulher que não se considera bonita não deve se desesperar. Os
homens não a vêem naquela foto horrível da carteira de identidade, mas
sim ao vivo, falando, rindo, dançando... A alegria de viver é bela;
autoconfiança, atenção e generosidade são incrivelmente sedutoras.
O homem que não se considera bonito também pode se tornar
atraente. O sucesso masculino é fascinante para as mulheres, basta que ele
se esforce – estude, trabalhe – e consiga se destacar em seu grupo.
A beleza é uma qualidade atrativa de ambos os sexos, mas também
existem características específicas de cada sexo. Por exemplo, a mulher vê
no homem rico uma garantia para sua sobrevivência e de seus (futuros)
filhos. Não importa que a mulher moderna seja independente. A natureza
feminina é arcaica e continua querendo um homem capaz de prover a
família.
O homem fica mais sexy em um BMW porque os instintos femininos
percebem que, se ele pode se dar ao luxo de ter um item supérfluo desses,
poderia facilmente sustentar uma família (ou outra, se já for casado).
Tive uma baratinha BMW conversível de dois lugares, uma beleza.
Despertava diferentes atenções. Os homens olhavam o automóvel; as
mulheres olham para dentro da cabine, queriam ver quem era o afortunado
que estava dirigindo.
Quando um homem dá um presente de grande valor material para
uma mulher – jóias, por exemplo –, ele se faz ainda mais sexy do que o
dono de um BMW porque demonstra, num único ato, disponibilidade e
generosidade.
Não é por acaso que a tradição brasileira manda que o homem, ao
pedir uma mulher em casamento, a presenteie com uma aliança de ouro.
Os norte-americanos dão um solitário de brilhante. Essa tradição, que vem
do tempo em que as mulheres não se sustentavam, simboliza o
comprometimento do homem em prover materialmente a mulher e a futura
família. Parece-me claro que, se o casamento fosse um compromisso
exclusivamente afetivo, o pedido deveria vir acompanhado de um símbolo
romântico sem valor monetário, como uma declaração de amor ou um
poema, por exemplo.
As mulheres, assim como os homens, também têm seus atrativos
específicos, como o recato, por exemplo. No mundo primitivo, o recato da
mulher era a maior garantia do homem de que seriam exclusivamente seus
os filhos nascidos da união. O recato da mulher é entendido pela natureza
masculina como uma oferta de exclusividade; em troca, o homem oferece
seu investimento na família (o casamento).
A natureza masculina não mudou. A crença na fidelidade da mulher
continua sendo essencial para motivar o homem a se casar. A postura
recatada da mulher transmite ao homem uma mensagem de fidelidade
muito mais concreta do que quaisquer juras que ela possa fazer.
A mulher não nasce recatada ou oferecida. Quando ela se sente
constantemente valorizada, sua natureza “percebe” que não lhe faltará
homem para constituir família e a faz recatada para não assustar os
pretendentes com o medo da traição.
Já a atitude “oferecida” deixa claro à natureza masculina que a mulher
não lhe dará exclusividade. O homem desconfia que a mulher gosta mais de
sexo do que dele e, com medo de ser traído, não quer se casar.
Quando a menina cresce desvalorizada, sua natureza “teme” que ela
não consiga conquistar o compromisso de um homem e a faz “oferecida”
para atrair ao menos aqueles que estão em busca de aventuras.
Cada sexo encara de forma distinta suas relações. Muitas pessoas
insistem em atribuir as principais diferenças entre homens e mulheres às
influências da família e da sociedade. Não concordo. Não posso crer que se
as meninas fossem criadas como os garotos mais tarde agiriam como
homens. Ou seja, se estimuladas a jogar futebol, assistir a lutas marciais e
coisa e tal; quando adultas, ficariam excitadas com o passar de um “louro-
burro” — jovem “gostoso” que, querendo ser sustentado, se faça de
bobinho.
A galinha se comporta como galinha porque é fêmea e o galo como
galo porque é macho. O mesmo ocorre com a leoa e o leão, a abelha e o
zangão. Os comportamentos amorosos do homem e da mulher também são
diferentes basicamente porque um é macho e a outra é fêmea.
A seguir mostro que, embora sejamos inteligentes, nossos
sentimentos continuam obedecendo às estratégias reprodutivas da espécie.
Não há tempo para falar de todas as relações que analiso no livro, mas vou
dar dois exemplos polêmicos:
Namoro e “ficar”. Namorar prepara para o casamento e ficar é um
treino para o sexo sem compromisso. Tanto um quanto o outro são bons
para a formação do homem. Ao ficar com uma moça diferente a cada
ocasião, o rapaz ensaia o sexo sem compromisso, que é a estratégia
reprodutiva apropriada para a idade em que ele ainda não poderia prover
uma família. Com o namoro ele exercita responsabilidades típicas da vida
adulta que se aproxima.
Conseguir o compromisso de um rapaz reforça a confiança da menina
na própria feminilidade – namorar lhe faz bem. Ficar, nem tanto. Ficar é
uma experiência frustrante que pode abalar a autoestima feminina. Trocar
carícias com um rapaz à noite e ser tratada com indiferença no dia seguinte
fere seus sentimentos. Vê-lo nos braços de outra na próxima festa também.
Momentos de intimidade provocam esperanças de compromisso na mulher
solteira – é a reação normal da natureza feminina. O que, como toda norma,
tem exceções.
Traições diferentes. Para evitar que o homem primitivo desperdiçasse
seus recursos criando por engano filhos de outros homens, a natureza
masculina desenvolveu verdadeira obsessão pela fidelidade sexual da
mulher. O homem sente-se traído quando sua mulher faz sexo com outros
parceiros. Sexo. Envolvimentos afetivos, espirituais ou de interesses
comuns não o incomodam tanto, desde que não levantem suspeitas de
relacionamento sexual.
Quando tentei aprender a jogar tênis conheci um casal um pouco
mais velho que frequentava a academia. Ela tinha aulas. Ele a
acompanhava, mas não demonstrava maior interesse pelo esporte:
conversava, tomava cerveja, incentivava-a, mas nunca entrava em quadra.
Depois iam embora juntos. A mulher tinha uma admiração apaixonada pelo
professor. Não podíamos fazer uma crítica a ele, por mais insignificante que
fosse, que ela logo se exaltava em sua defesa. O marido não se perturbava.
Não sei o final da história porque desisti do tênis, mas enquanto estive por
lá, a situação não se alterou: ela platonicamente apaixonada e o marido
tranqüilo.
A mulher está sempre segura de sua maternidade,
independentemente do comportamento do parceiro. Ela perdoa a
infidelidade estritamente sexual, mas sente-se traída quando o homem se
envolve emocionalmente, pois teme perdê-lo para a outra. Esse sentimento
arcaico vem de um tempo em que perder a proteção do homem colocava
mulher e filhos em sério risco de vida.
Os sentimentos de ciúme e traição continuam existindo no mundo
moderno, ainda que desprovidos das funções originais. A mulher
independente, que não precisa do marido para seu sustento e proteção,
também sofre se ele se envolve com outra. E o homem sexualmente traído
fica transtornado e reage com violência, mesmo sabendo que a mulher usa
anticoncepcional e não corre risco de engravidar do outro.
A terceira, e última, parte do livro é sobre a felicidade. Embora a
felicidade seja influenciada pelos prazeres e infortúnios do cotidiano, ela
transcende a eles. Filhos causam preocupação, dão trabalho, custam caro e
restringem nossa liberdade. Ainda assim, nos fazem felizes.
A função da felicidade na natureza humana é a mesma do prazer:
perpetuar a espécie. A diferença é que a felicidade premiaria investimentos
de longo prazo como o exercício do amor e das virtudes, enquanto o prazer
recompensaria atos imediatos como comer e fazer sexo.
A meu ver a felicidade é resultado de dois passos evolutivos. O
primeiro, dado provavelmente por um ancestral nosso e dos macacos, é a
capacidade de sentir desejo e prazer por atitudes de preservação da
espécie sem recompensa imediata. Já se observou um chipanzé arriscar
sua vida entrando num lago para salvar um semelhante que se afogava.
Algum desejo o motivou e, presume-se, algum prazer o recompensou
(“orgulho” pela boa ação?). O segundo passo evolutivo indispensável à
felicidade foi dado exclusivamente pelo ser humano ao adquirir a habilidade
de memorizar e prever sentimentos. A felicidade é um estado de espírito
que resulta da situação atual, de expectativas futuras e da memória do bem-
estar do passado.
Embora os requisitos emocionais para a felicidade tenham se
estabelecido na pré-história, os meios materiais para sua popularização
vieram apenas com o desenvolvimento tecnológico da modernidade. Na
Idade Média, por exemplo, metade das crianças morria antes dos cinco
anos de idade e mais de 99% dos adultos eram miseráveis, ignorantes e
esfomeados que, sem acesso a saneamento básico e remédios, adoeciam
com freqüência. Era uma vida sofrida. Apenas as elites, uma parcela ínfima
da população, viviam períodos de felicidade. Mesmo assim, era preciso
sorte, pois reis e rainhas também não tinham água tratada, esgoto, vacinas,
antibióticos, anestésicos etc.
Mas o que é felicidade? Uma definição breve poderia ser: Felicidade é
um sentimento íntimo de conforto. Ser feliz é sentir-se uma pessoa de
“sorte” nas oportunidades que encontra, nas escolhas que faz, nos
relacionamentos que mantém. A felicidade também é uma expressão de
nosso amor-próprio. Todos gostamos das pessoas boas. O mais sublime
sentimento de felicidade vem quando nos reconhecemos virtuosos,
sentimos respeito e admiração por nós mesmos.
Algumas pessoas são claramente mais propensas à felicidade do que
outras, mas me anima saber que todos podemos ser mais felizes. Dá
trabalho, mas vale a pena tentar.
Um bom estado geral de saúde é o primeiro passo. Faz bem cultivar
hábitos saudáveis, como recomendamos na primeira parte do livro. O
segundo passo é ter as regras de atração entre os sexos sempre em mente
para evitar algumas situações e propiciar outras. Finalmente, como a
natureza criou a felicidade para premiar o amor e as virtudes, podemos ser
mais felizes exercitando virtudes.
O que é uma virtude? É um sentimento cuja ação beneficia alguém.
Não basta boa intenção, é necessário espantar a preguiça, deixar de lado o
egoísmo e agir. Seu exercício produz sentimentos positivos que contribuem
para a felicidade. Melhoram o ânimo do virtuoso, do beneficiário e até de
quem simplesmente a presencia.
Importantes pesquisas mostram que as pessoas que levam uma vida
virtuosa são mais felizes. Você também será mais feliz se for mais virtuoso.
Quer tentar? Então a recomendação é se concentrar nas virtudes de sua
maior aptidão, não mais do que quatro ou cinco, e procurar exercitá-las
sempre que possível.
Em seguida, no livro, eu apresento uma relação com descrições e
exemplos das principais virtudes para, como se fosse uma brincadeira, você
se divertir escolhendo suas preferidas.
Finalizo a palestra lendo e comentando as histórias do livro “Por
amor” que exemplifica a virtude do amor e “Brigadeiro” que mostra como as
virtudes podem ser exercitadas nas situações mais corriqueiras e ensinadas
para os filhos pelo exemplo.

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