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Por que Darwin ainda

tem a chave da vida


170 anos depois da viagem na qual
revolucionou a ciência, o naturalista
e suas teses continuam atuais

Thereza Venturoli e Okky de Souza

Denis Finnin/Amnh

HISTÓRIA DA NATUREZA
Fósseis na exposição de Nova York mostram a evolução do cavalo:
Darwin descobriu como as espécies mudam ao longo do tempo

O Museu Americano de História Natural, em Nova York, inaugurou há uma semana


a mais completa exposição já realizada sobre a vida e a obra do naturalista inglês
Charles Darwin, o criador da teoria da evolução das espécies. A mostra reúne
manuscritos originais, fósseis que ilustram suas teorias e uma coleção de plantas,
insetos, lagartos e tartarugas gigantes sobre as quais ele se debruçou em
pesquisas até sua morte, em 1882. Depois viajará
por outras cidades americanas e pelo Canadá até
aportar na Inglaterra, em 2009, quando se
comemorarão os 200 anos de nascimento de Darwin.
EXCLUSIVO ON-LINE
O significado simbólico da exposição é grande. Entre Outras imagens
os importantes pensadores que ajudaram a moldar a
civilização nos últimos 150 anos, Darwin é aquele
cujas idéias exercem a mais consistente influência na formação do pensamento
moderno. A psicanálise de Sigmund Freud foi colocada em xeque pelas correntes
atuais da psicologia. As teorias econômicas de Karl Marx naufragaram junto com a
experiência comunista. A relatividade de Albert Einstein permanece como uma idéia
de ponta na física, mas pouca gente entende o significado de suas equações.
Darwin transformou radicalmente a concepção humana da natureza e da vida. Sem
suas teorias, a biologia não teria chegado às células-tronco e aos alimentos
transgênicos e estaríamos longe de decifrar o genoma humano.

O deslumbramento diante da natureza sempre provocou no homem a indagação


crucial: como surgiu isso tudo? Até meados do século XIX, a essa pergunta cabia
apenas uma resposta aceita pelo senso comum. Todas as maravilhas da natureza,
inclusive o homem, foram criadas por Deus. A explicação prevaleceu até que, em
1859, Darwin publicou A Origem das Espécies, o livro que provocou uma revolução
na biologia ao apresentar evidências de que os seres vivos não surgiram prontos,
na forma em que os conhecemos, como diz a Bíblia. Eles evoluem através dos
tempos, sempre se modificando, e em muitos casos se extinguem. O livro de
Darwin afirmava ainda que todas as espécies teriam se originado de uma única
forma básica de vida que existiu há bilhões de anos. Para completar, em seu
trabalho seguinte, A Origem do Homem, lançado doze anos depois, o naturalista
desnudou a idéia do ser humano como uma obra especial da natureza. Nele,
explicava que os homens têm um ancestral em Denis Finnin/Amnh
comum com os macacos. No comentário do próprio
Darwin, na Inglaterra conservadora da era vitoriana
defender teorias desse quilate era como "confessar
um assassinato".

Na época em que Darwin lançou suas teorias, os


naturalistas já desconfiavam que as espécies não
permaneciam imutáveis eternamente mas não
conseguiam formular uma tese satisfatória para
explicar como as variações ocorriam. Darwin
solucionou a charada ao elaborar a teoria da
evolução pela seleção natural das espécies. Ele
raciocinou da seguinte forma. Os animais vivem
numa luta contínua pela sobrevivência e pela
reprodução. Aqueles com características que os
tornem mais bem adaptados ao ambiente em que
vivem têm maiores chances de vencer essa luta,
fugindo dos predadores, encontrando alimentos
com maior facilidade e sobrepujando os rivais na
ÁRVORE DA VIDA
disputa pelo parceiro sexual. Os vencedores Rabiscos no caderno de Darwin: todas
transmitem essas características a seus as espécies se relacionam
descendentes, que por sua vez as passam para as
gerações seguintes. A cada vez que essas características são transmitidas, ocorrem
pequenas mudanças. A acumulação dessas alterações, ao longo do tempo, pode
produzir uma nova espécie, desde que elas estejam de acordo com as regras da
biologia e sejam adequadas ao meio ambiente.

Ao longo dos últimos 150 anos, os avanços da ciência confirmaram a teoria de


Darwin e mostraram como ela se manteve atual. A descoberta de novos fósseis
reconstituiu a evolução da vida na Terra. O desenvolvimento da genética mostrou
como funciona a transmissão de características hereditárias previstas na teoria de
Darwin: por meio dos genes que se combinam toda vez que um ser vivo é gerado.
Darwin escreveu que o acaso representa um papel determinante no processo de
seleção natural, ou seja, as transformações ocorrem nos seres vivos, através das
gerações, de forma aleatória. Sabe-se hoje que as variações genéticas são
realmente acidentes de percurso que resultam em mutações. Os biólogos
concordam que a seleção natural continua imprescindível para explicar a vida no
planeta. "A conquista de Darwin é universal, atemporal e deve valer em qualquer
lugar do cosmo onde porventura exista vida", diz o zoólogo britânico Richard
Dawkins, da Universidade de Oxford.

Ao separar Deus da ciência, Darwin abriu caminho para explicar todos os


fenômenos biológicos no contexto da própria natureza. A principal conseqüência
disso é que hoje a ciência busca sempre as causas primeiras de todos os
fenômenos que analisa. Suas idéias sempre foram combatidas pelos chamados
criacionistas, que crêem na criação do mundo descrita no Gênesis. O mais recente
round dessa briga ocorre atualmente nas escolas públicas americanas. Muitas delas
passaram a apresentar a teoria de Darwin apenas como uma das explicações
possíveis para a história da vida na Terra. A principal alternativa oferecida aos
alunos é a teoria chamada de "design inteligente". Segundo seus adeptos, alguns
elementos da natureza, como as células e o olho humano, são construções tão
perfeitas e as diversas partes que as compõem se encaixam de forma tão
engenhosa que elas só podem ter sido criadas por um projetista, ou seja, uma
inteligência superior. Vários estados americanos já adotaram o ensino do design
inteligente, gerando uma interminável briga nos tribunais com grupos de pais de
alunos que discordam de que a teoria seja ensinada a seus filhos. Os cientistas
consideram o design inteligente uma aberração. "Todo biólogo sabe que a evolução
tem conseqüências importantes na definição de políticas ambientais, energéticas e
de saúde", disse a VEJA o filósofo Daniel Dennett.

As principais pesquisas de Darwin foram feitas durante uma aventura que daria um
filme. Em dezembro de 1831, então com 22 anos, o naturalista, filho de um
influente médico inglês, embarcou no navio Beagle para uma viagem em volta do
mundo. Ao chegar ao Arquipélago de Galápagos, no Oceano Pacífico, a 1.000
quilômetros da costa do Equador, Darwin começou a delinear sua teoria da
evolução. As cinco semanas passadas em meio a tartarugas gigantes, aves e
lagartos exóticos chamaram sua atenção para o fato de que muitas das espécies
eram semelhantes às que existiam no continente, mas apresentavam pequenas
diferenças de uma ilha para outra. A explicação só podia ser esta: as primeiras
espécies de animais chegaram às ilhas vindas do continente. Depois,
desenvolveram diferentes características, de acordo com as condições do ambiente
de cada ilha. Ou seja, a evolução seguiu caminhos variados. A descoberta era
fantástica e perturbadora – tão perturbadora que Darwin, que era religioso e
chegou a estudar teologia para ser sacerdote, levou 21 anos para ter coragem de
publicar suas conclusões. De volta à Inglaterra, ele casou-se com uma prima,
Emma, e teve dez filhos. Segundo seus biógrafos, o golpe final em suas crenças
religiosas foi a morte da filha mais velha, Annie, aos 10 anos. Darwin morreu
dizendo-se agnóstico. Para quem crê na mão de Deus por trás da criação da
natureza, ele continua a ser uma pedra no sapato. Para a ciência, permanece como
um libertador das amarras do sobrenatural.

"Darwin fascina até seus críticos"

O biólogo Niles Eldredge, curador da exposição Darwin e do


departamento de paleontologia do Museu Americano de
História Natural, de Nova York, é autor, em conjunto com
colegas das universidades de Rochester e Harvard, de uma
teoria que desafia certos aspectos das idéias darwinianas.
Intitulada Equilíbrio Pontuado (Punctuated Equilibrium, em
inglês), sustenta que a evolução se dá em picos rápidos – o
que significa alguns milhares de anos –, intercalados por
períodos estáticos. Eldredge, que já publicou estudos sobre a
relação existente entre a evolução e a extinção das espécies,
atualmente busca, por meio de pesquisas científicas, integrar
padrões repetitivos da vida com a teoria da evolução. Ele
conversou com a repórter Tania Menai em seu escritório, no
Museu Americano de História Natural.

O QUE MAIS FASCINOU O SENHOR NA MONTAGEM


DESSA EXPOSIÇÃO?
A criatividade de Darwin quando ele era jovem. Durante a
viagem no Beagle, ele manteve a mente aberta e observou os
sinais da natureza. De volta à Inglaterra, começou a juntar as
peças e formulou as primeiras idéias sobre a evolução das
espécies. Mesmo as pessoas que discordam das idéias de
Darwin são fascinadas por esse homem.

O LIVRO DE DARWIN SOBRE A EVOLUÇÃO DAS ESPÉCIES


É UMA DAS OBRAS MAIS INFLUENTES DE TODOS OS
TEMPOS. POR QUE ESSE ASSUNTO TANTO NOS FASCINA?
Todos os seres humanos são fascinados pelo tema porque ele
nos faz pensar sobre quem somos e de onde viemos.

QUAL A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO DE DARWIN NA


ERA DO DNA, DO GENOMA E DO BIOTERRORISMO?
Se não soubéssemos das possibilidades da evolução e que ela
funciona por mutação e seleção natural, não teríamos idéia de
que devemos nos preocupar com o surgimento da gripe aviária.
Trata-se de uma nova forma de vírus evoluído, que pode se
espalhar de humano para humano.

COMO O SENHOR VE O DESIGN INTELIGENTE, O


CONCEITO DE QUE A VIDA FOI CRIADA POR UM SER
SUPERIOR, SENDO INTRODUZIDO NAS AULAS DE
CIÊNCIAS EM ALGUMAS ESCOLAS PÚBLICAS
AMERICANAS?
As escolas devem saber que existem objeções religiosas à
teoria da evolução. Mas não devem ensinar o Design
Inteligente como se fosse ciência de verdade. Esse conceito
não é científico.

A EXPOSIÇÃO PREOCUPOU-SE EM EXPLICAR QUE


"TEORIA NÃO É UM FATO". O QUE SIGNIFICA?
Teorias significam achismos numa linguagem coloquial. Por
outro lado, são o pilar central das explicações dos fenômenos
naturais. Os mecanismos quânticos, as placas tectônicas e a
relatividade são teorias. A evolução também.

DARWIN VISITOU O BRASIL. QUE IMPRESSÃO ELE TEVE


DO PAÍS?
Darwin ficou mal impressionado com a escravidão. Ele via
todos os seres humanos como membros de uma única espécie
e considerava a escravidão inaceitável. Por outro lado, Darwin
ficou maravilhado com a possibilidade de comparar a
diversidade da vida existente nas águas costeiras com a
diversidade biológica na floresta que podia ser vista da praia.

O QUE DARWIN PENSARIA DESSA EXPOSIÇÃO?


Ele era um homem modesto. Talvez ficasse encabulado com a
atenção recebida por sua vida e obra. Se tivesse oportunidade
de ver os dias atuais, Darwin ficaria fascinado com os avanços
da ciência, especialmente a genética e a paleontologia.
Acredito que ele não se surpreenderia, mas certamente ficaria
desapontado ao descobrir que tantos americanos ainda
rejeitam sua teoria baseados em argumentos religiosos.

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