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Direito da Responsabilidade 28/01/2015 A (mae), por si e em representacao do seu filho menor, instaurou acco contra um centro de radiologia, 0 respectivo director clinico e a médica obstetra alegando essencialmente: — que 0 filho nasceu com sindroma polimalformativo as trinta e olto semanas de gestacdo, designadamente sem mos nem bragos, e com deformagiio dos pés, da lingua, do nariz, das orelhas, da mandibula e do céu-da-boca; — durante a gravidez, a autora realizou, nas instalagdes da primeira ré, as ecografias obstétricas medicamente indicadas, onde foi assistida pelo seu director clinico, o qual elaborou os relatérios correspondentes as ecografias realizadas; — sempre foi dito e mostrado a A que o bebé seria perfeitamente normal; — que 0 referido director clinico incorreu em erro de apreciagao e diagnéstico, pois, de acordo com as actuais exigéncias das leges artis e com os conhecimentos cientificos existentes na época, seria visualizdvel a qualquer médico radiologista, pela analise das peliculas em causa, que existiam j4 determinadas patologias ou, pelo menos, indicios delas, que deveriam constar dos relatérios elaborados. a) Identifique a espécie de dano que ter ocorrido. Topicos de correegio: Uma wrongful birth action é intentada pela mae e/ou pelo pai em seu préprio nome. Nela, os progenitores alegam essencialmente terem perdido 0 direito de tomar uma decisio informada sobre a manutengdo da gravidez relativa a um filho marcado por defeitos congénitos, eventualmente capazes até de provocar a respectiva morte & nascenga (v.g. hérnia diafragmdtica congénita). Por outras palavras, argumentam que caso Ihes tivesse sido propiciado o devido conhecimento, e néio fora a falta de diligéncia médica, a mde teria muito provavelmente decidido realizar aborto eugénico. Em todo o b) caso, tendo, porém, ocorrido 0 nascimento de pessoa com deformidades, pretendem agora ser compensados por se ter tornado necessério criar uma crianga deficiente. Nisto se cifra o respectivo dano. Na linguagem prépria da responsabilidade civil, os lesados serdo, assim, os préprios pais ¢ 0 direito infringido serd o de ter filhos (ou, portanto, 0 de ndo os ter) sdos ¢ saudéveis. Uma wrongful life action & proposta pelo fitho, tipicamente (quando seja incapaz) por intermédio dos pais em seu nome (nos termos gerais do artigo 1878°, n° 1, Cédigo Civil). Dado que o lesado & a crianca, eles actuam, portanto, como representantes (legais) e no em nome préprio. Neste contexto, 0 autor sustenta (por si ou através do substituto), que, se nao fosse a negligencia médica, os progenitores teriam presumivelmente recorrido & interrupedio voluntéria da gravidez. O dano coneretamente sofrido consiste, or isso, em ter que existir com uma deficiéneia que jamais se produziria caso 0 nascimento niio tivesse sobrevindo: & 0 chamado dano de viver resultante da violagéo do apelidado “right not to be born”. A acgéo nao apresentaria especialidades de maior se 0 fitho se limitasse a pedir compensagiio pecunitiria para fazer frente, durante o resto da sua vida, as despesas especiais que 0 seu estado de saiide demanda. Mas, diferentemente, © que ele reclama é 0 ressarcimento pelo facto de ter de existir. O direito violado serd, assim (pese embora a discordéncia quanto a este ponto), 0 de ndo viver. Os pressupostos para responsabilizagtio das referidas pessoas estariam preenchidos? ‘Tépicos de correegaio: A constituigao da obrigagdo de indemnizar pressupie quatro requisitos: conduta lesiva (abrangendo momentos subjectivos ~ os relativos ao dolo ow a negligéncia — e incorporando também 0 nexo de causalidade, o juizo de imputagdo objectiva, como um sub-capitulo), ilicitude, culpa e dano (sendo que deste jd se tratou no capitulo relativo & obrigagéo de indemnizar). No caso conereto: @ A conduta lesiva consiste na actuagdo dos médicos consubstanciada na realizagio ¢ andlise dos exames preordenados; - a negligéncia infere-se a partir da falta de atengao ou de cuidado na respectiva avaliagao; - @ causalidade dé-se pela ligagdo entre a referida actuagdo e 0 naseimento com deficiéncia (se nao fosse a deficiente actuagao dos médicos 0 nascimento poderia ndo ter ocorrido) 4) A ilicitude decorre da violagdo do direito a ter filhos sauddveis (wrongful birth) e do direito a ndo viver (wrongful life); ©) A culpa resulta da reprovagdo de que é passtvel aquela conduta. ©) O dano ficou identificado na alinea anterior: wrongful birth e wrongful life, na medida em que sejam vidveis. ©) A sua responsabilidade seria conjunta? Por qué? ‘Tépicos de correegio: Ante a mite a responsabilidade dos médicos é contratual. Ante 0 seu filho extracontratual, Em conformidade a obrigagdo de indemnizar é solidéria nesta segunda situagdo (artigo 497°) e & conjunta na primeira (artigo 513%a contrario). 2. A é concessionaria da autoestrada A79. Celebrou com B, empreiteiro, um contrato tendo em vista a construgao do trogo de autoestrada entre Lagarelhos e Vilar de Andorinhas. Na execucao do trogo foram usados explosivos para o desmonte dos macigos rochosos existentes no local. A utilizago dos referidos explosives, ao detonar, transmitiu vibragbes as fundagées das casas pertencentes a Ce a D situadas a cerca de cem metros. O que lhes causou oscilagées, vibracées das portas, janelas e estores e a queda de objectos das prateleiras e dos méveis. Os fendmenos vibratérios decorrentes do uso de explosivos provocaram haquelas casas: ~a fractura de placas e pedras de revestimento; ~a abertura de junges entre as placas; ~ a fissuraco de rebocos; ~a fissuragao em paredes exteriores e interiores da casa, anexos e muros; ~ fissuras em pavimentos e tectos, bem como nas escadarias exteriores. A reparacao destes danos ascende a € 65.500,00. A degradacao das suas habitacdes motivou-lhes desassossego e incémodo. Identifique e classifique os danos ¢ determine o seu responsivel ‘Tépicos de correegio: B é comissdrio de A e este, portanto, € comitente. Respondem ambos por danos patrimoniais e por danos morais provocados pela actuacao de B. Para que de um comitente se possa falar é necessério que exista um comissdrio e, por isso, indispensavel se torna também a presenga de wna relagao de comissiio entre ambos. Uma relagdo de comissdo é um qualquer vinculo entre duas pessoas do qual resulte uma subordinagdo daquele que é encarregado do exercicio de uma fungdo aquele que disso 0 encarrega (artigo 500°, n.° 1). Quer dizer isto dizer que 0 comissério actua por conta e sob a direcgdo do comitente. Juridicamente, tal subordinagdo pode traduair- num contrato de miandato, numa relagdo familiar, ete. Em segundo lugar, & necesséirio que 0 comissdrio tenha causado um dano a terceiro “no exercicio da fungéio que the foi confiada” (artigo 500°, n.° 2, in fine), sendo irrelevante, no entanto, se, em tal momento, estava a cumprir as Instrugdes que, eventualmente, the tenham sido conferidas ow se, ao invés, causou tal dano intencional ow negligentemente. Em terceiro lugar, é imprescindivel ainda que sobre 0 comissério “recaia também a obrigagdo de indemnizar” (artigo 500% n.° 1, in fine). Querendo isto dizer que a responsabilidade do comitente supde que, nd fora a relagdo de comissdo, 0 comissério responderia exclusivamente pelo dano causado a terceiro. Por outras palavras, torna-se fundamental que os requ responsabilidade civil estejam preenchidos contra 0 comissdrio, para que 0 num contrato de trabalho, isitos dar comitente seja igualmente responsdvel; e, ao menos por regra, que os referidos requisitos sejam os da responsabilidade extracontratual (ainda que se ndo afigure inconcebivel tratar-se de responsabilidadle pelo risco ou por factos licitos em que 0 comissdirio, nessa qualidade, tenha incorrido). Preenchidos estes pressupostos ~ verificados na hipétese -, 0 comitente (A) responde objectivamente perante terceiro pela indemnizagéo que ao comissério (B) cabe também realizar. Na verdade, ambos respondem solidariamente (artigo 497°, por fora do disposto no artigo 499%) comitente, independentemente de censura; 0 comissério, por factos iticitos culposos (em principio). O comitente responde, porém, como garante, isto é, assegurando ao terceiro lesado a indemnizagdo devida pela conduta lesiva do comisscirio; de facto, “o comitente que satisfizer a indemnizacdo tem o direito de exigir do comissério 0 reembolso de tudo quanto haja pago” (artigo 500°, n.° 3). Trata-se de uma hipétese paradigmdtica de direito de regresso, como é proprio, alids, do regime a que se submetem as obrigagdes solidérias (artigo 524%). De todo 0 modo, uma vez que 0 comitente néio assume definitivamente © perigo de 0 comissério lesar terceiro no exercicio da fungdo que the foi confiada, 0 fundamento da sua responsabilidade ndo se situa no risco, mas apenas na necessidade de salvaguardar a consisténcia priitica do direito de indemnizagao do lesado. UNIVERSIDADE LUSIADA DE LISBOA Direito da Responsabilidade 28/01/2015 £ A (mae), por si e em representacao do seu fil um centro de radiologia, 0 respectivo director cl essencialmente: 10 menor, instaurou ac¢éo contra ico e a médica obstetra alegando = que 0 filho nasceu com sindroma polimalformativo as trinta e oito semanas de gestacao, designadamente sem maos nem bracos, e com deformagao dos pés, da lingua, do nariz, das orelhas, da mandibula e do céu-da-boca; — durante a gravidez, a autora realizou, nas instalagdes da primeira ré, as ecografias obstétricas medicamente indicadas, onde foi assistida pelo seu director clinico, 0 qual elaborou os relatérios correspondentes as ecografias realizadas; ~ sempre foi dito e mostrado a A que o bebé seria perfeitamente norm: — que o referido director clinico incorreu em erro de apreciagio e diagnéstico, pois, de acordo com as actuais exigéncias das leges artis e com os conhecimentos ientificos existentes na época, seria visualizavel a qualquer médico radiologista, pela analise das peliculas em causa, que existiam jé determinadas patologias ou, pelo menos, indicios delas, que deveriam constar dos relatorios elaborados. a) Identifique a espécie de dano que ter ocorrido. b) Os pressupostos para responsabilizagdo das referidas pessoas estariam preenchidos? ©) A sua responsabilidade seria conjunta? Por qué? FUNDAGAO MINERVA + CULTURA - ENSINO E INVESTIGAGAO CIENTIFICA, Rua da Junqueira, 188 6 198 - 1349-001 Lisboa - Tel +351 213 611 500 - Fax +351 219 638 307 + ema info@lis.ulusiada.pt «hp wer. ukisir A 6 concessionaria da autoestrada A79. Celebrou com B, empreiteiro, um contrato tendo em vista a construgao do troco de autoestrada entre Lagarelhos e Vilar de Andorinhas. Na execugao do troco foram usados explosivos para 0 desmonte dos macigos rochosos existentes no local. A utilizago dos referidos explosivos, ao detonar, transmitiu vibragées as fundagées das casas pertencentes a Ce a D situadas a cerca de cem metros. O que Ihes causou oscilacées, vibragées das portas, janelas e estores e a queda de objectos das prateleiras e dos méveis. Os fenémenos vibratérios decorrentes do uso de explosivos provocaram naquelas casas: ~ a fractura de placas e pedras de revestimento; ~ a abertura de juncées entre as placas; ~a fissuragao de rebocos; ~a fissuracaio em paredes exteriores e interiores da casa, anexos e muros; ~ fissuras em pavimentos e tectos, bem como nas escadarias exteriores. A reparaco destes danos ascende a € 65.500,00. A degradacao das suas habitagées motivou-Ihes desassossego e incémodo. Identifique e classifique os danos e determine o seu responsével.

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